5. CONCLUSÃO
Conforme foi observado da dicção expressa do art. 1º da Constituição brasileira de 1988 tem-se que o Brasil é uma República Federativa – o que traduz a forma de Estado eleita pelo poder constituinte originário, ou seja, o modo como se reparte o poder político no âmbito do território, tendo como pressuposto a descentralização política.
Da leitura do Texto Constitucional, principalmente dos arts. 1º, 18, 29 e 30 vê-se que o legislador constituinte originário esposou o princípio da igualdade das pessoas políticas, ombreando desse modo: União, Estados, Distrito Federal e Municípios sem qualquer hierarquia, haja vista a dignidade constitucional atribuída a cada um deles.
A autonomia municipal decorre então do princípio federativo, logo qualquer violação à autonomia do Município ter-se-á também o atingimento do pacto federativo, já que a existência de múltiplas ordens jurídicas dentro de um mesmo Estado Federal exige uma compatibilidade entre elas.
Quando o constituinte originário elegeu o Município como um ente federativo com sua autonomia e limites tatuados na Constituição Federal, a um só tempo firmou que ali seria o único berço fecundo de suas normas, bem como o protegeu da ingerência de qualquer outra norma que não se extraia da Constituição Federal, impossibilitando, desse modo, que qualquer outro instrumento normativo, inclusive as Constituições Estaduais, invada a delimitação feita pelo poder constituinte originário.
Alfim, pode-se então afirmar que a legislação estadual, incluindo aqui as Constituições Estaduais, possuem na realidade um mínimo espaço de atuação legítima, espaço este que deve se amoldar, sem transbordar, em sua Administração (política, financeira ou administrativa), sendo inaceitável que qualquer instrumento normativo estadual prescreva uma conduta voltada para os municípios, sob pena de ser ver invadida a competência municipal ferindo de morte um princípio constitucional – a autonomia municipal.
Desse modo, qualquer texto normativo elaborado pelo legislador estadual, seja ele legislador constituinte derivado decorrente ou legislador ordinário, que cuide da remuneração dos agentes públicos municipais incluindo-se, obviamente, os agentes políticos (vereadores, prefeitos e secretários municipais) [56], encontra-se eivado pelo vício da inconstitucionalidade.
6. REFERÊNCIAS
ATALIBA, Geraldo. República e constituição. 2. ed., São Paulo: Malheiros, 1998.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Elementos de direito administrativo. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1992.
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Descentralização do poder: federação e município. Revista de informação legislativa. Brasília: Senado Federal. Ano 22, n. 85, p. 151-184, jan./mar. 1985.
BARROSO, Luís Roberto. Temas de direito constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
BASTOS, Celso Ribeiro; BRITO, Carlos Ayres de. Interpretação e aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Saraiva, 1982.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 11. ed., São Paulo: Malheiros.
BRITO, Carlos Ayres. Poder constituinte versus poder reformador. In: MAUES, Antônio G. Moreira (Org.). Constituição e democracia. São Paulo: Max Limonad, 2001.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 4. ed. Coimbra: Almedina, 1998.
DWORKIN, Ronald. O império do direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
FERRARI, Sérgio. Constituição estadual e federação. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003.
FERREIRA, Pinto. Curso de direito constitucional. 11 ed. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2001.
FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. 2. ed. rev. amp. São Paulo: Malheiros, 1998.
HART, Herbert L. A. O conceito de direito. 2. ed. Trad. A. Ribeiro Mendes. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1986.
HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha. Trad. Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Fabris Editor, 1998, p. 178.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6. ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
______. Direito municipal brasileiro. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 1994.
NÓBREGA, J. Flóscolo. Introdução ao direito. 5. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: José Konfino editor, 1969, p. 131.
PEDRA, Anderson Sant’Ana. Interpretação e aplicabilidade da constituição: em busca de um direito civil constitucional. Revista de direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, v. 232, p. 177-198, abr./jun. 2003.
______. Possibilidade de edição de medidas provisórias pelos municípios. Revista de direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, v. 230, p. 5-19, out./dez. 2002.
PEÑA, Guilherme. Direito constitucional: teoria da constituição. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2003.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 6. ed., v. I, Rio de Janeiro: Forense, 1995.
PONTES FILHO, Valmir. Federalismo e autonomia municipal. Revista de informação legislativa. Brasília: Senado Federal. Ano 22, n. 85, p. 139-150, jan./mar. 1985.
RÁO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. 5. ed. São Paulo: RT, 1999.
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes, República e federação no Brasil: traços constitucionais da organização política brasileira. Belo Horizonte: Del Rey, 1997.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 20. ed., São Paulo: Malheiros, 2003.
SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. 4. ed. rev. aum. e atual., São Paulo: Malheiros, 2000.
TRIGUEIRO, Oswaldo. Direito constitucional estadual. Rio de Janeiro: Forense, 1980.
Notas
1 Cf. a tradicional classificação de MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 69-74, destacando que não acompanhamos o autor no que tange a classificação dada aos magistrados e aos membros do Ministério Público e dos Tribunais de Contas.
2 BRITO, Carlos Ayres. Poder constituinte versus poder reformador. In: MAUES, Antônio G. Moreira (Org.). Constituição e democracia. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 40.
3 RÁO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. 5. ed. São Paulo: RT, 1999, p. 305.
4 BASTOS, Celso Ribeiro; BRITO, Carlos Ayres de. Interpretação e aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Saraiva, 1982, p. 13.
5 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6. ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 246-247.
6 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 4. ed. Coimbra: Almedina, 1998, p. 1111-1112.
7Inicial por entender que uma Constituição inaugura um ordenamento jurídico; ilimitado, pois não é submetido a qualquer restrição; e incondicionado por não observar as formas e modos de exteriorização previstas pelo Direito Positivo.
8 Alguns doutrinadores preferem titular de "poder constituinte constituído". Cf. nesse sentido: BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 11. ed., São Paulo: Malheiros, p. 129.
9 PEÑA, Guilherme. Direito constitucional: teoria da constituição. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003, p. 52. Cf. Ibidem, p. 53: "Os princípios sensíveis são expressos na Constituição da República, na medida em que constituem o fundamento da organização jurídica do Estado federal, com o escopo de assegurar o equilíbrio federativo, sob pena da decretação de intervenção, compreendendo: i) forma republicana, sistema representativo e regime democrático, ii) direitos humanos, iii) autonomia municipal e iv) prestação de contas da Administração Pública, direta e indireta, com exsurge do art. 34, inc. VII. Os princípios estabelecidos são extraídos da Constituição da República uma vez que contribuem para a limitação da auto-organização dos Estados federados, divididos em: i) limitações expressas, ii) limitações implícitas e iii) limitações decorrentes. As primeiras são expungidas de normas definidas na Constituição da República, podendo ser recobertas de natureza mandatória ou vedadótias, de forma que aquelas obrigam a absorção de certos princípios (exemplo: art. 37) pelas Constituições dos Estados, ao passo que estas proíbem a aceitação de determinados atos (exemplo: art. 19) e procedimentos (exemplo: art. 35) pelos Estados federados. As segundas são expurgadas de normas esparsas na Constituição da República, podendo ser revestidas de natureza mandatória (exemplos: arts. 27 e 28) ou vedatórias (exemplos: arts. 22 e 30). As terceiras são extirpadas do texto constitucional globalmente considerado (exemplos: dignidade da pessoa humana e igualdade constitucional dos entes federativos). Os princípios extensivos são normas de organização da União, sujeita à aplicação obrigatória pelos Estados, como, por exemplo, o princípio conforme o qual o subsídio mensal dos Desembargadores dos Tribunais de Justiça não pode exceder a 95% (noventa e cinco por cento) da retribuição pecuniária dos Ministros dos Tribunais Superiores (art. 93, inc. V)."
10SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 20. ed., São Paulo: Malheiros, 2003, p. 593.
11 FERRARI, Sérgio. Constituição estadual e federação. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003, p. 125.
12 NÓBREGA, J. Flóscolo. Introdução ao direito. 5. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: José Konfino editor, 1969, p. 131.
13 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 306-307.
14 Ibidem, p. 307.
15 ATALIBA, Geraldo. República e constituição. 2. ed. atual., São Paulo: Malheiros, 1998, p. 34.
16 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 6. ed., v. I, Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 49.
17 HART, Herbert L. A. O conceito de direito. 2. ed. Trad. A. Ribeiro Mendes. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1986, p. 323.
18 DWORKIN, Ronald. O império do direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 492.
19 SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. 4. ed. rev. aum. e atual. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 143.
20 PEDRA, Anderson Sant’Ana. Interpretação e aplicabilidade da constituição: em busca de um direito civil constitucional. Revista de direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, v. 232, abr./jun. 2003, p. 183.
21 FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. 2. ed. rev. amp. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 161.
22 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Elementos de direito administrativo. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1992, p.300.
23 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito, p. 319.
24 HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha. Trad. Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Fabris Editor, 1998, p. 178.
25 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Descentralização do poder: federação e município. Revista de informação legislativa. Brasília: Senado Federal. Ano 22, n. 85, jan./mar. 1985, p. 164. Nesse sentido ainda: HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha, p. 184.
26 FERREIRA, Pinto. Curso de direito constitucional. 11 ed. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2001, 263.
27 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Descentralização do poder: federação e município, p. 180.
28 MAIA, João de Azevedo Carneiro. O município. Estudos sobre administração local. Rio de Janeiro, 1883, p. VII, apud, BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Descentralização do poder: federação e município, p. 173.
29 PONTES FILHO, Valmir. Federalismo e autonomia municipal. Revista de informação legislativa. Brasília: Senado Federal. Ano 22, n. 85, jan./mar. 1985, p. 139.
30 FERRARI, Sérgio. Constituição estadual e federação, p. 150.
31 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 311.
32 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 7. ed. São Paulo : Malheiros, 1994, p. 39, 81s.
33 PEDRA, Anderson Sant’Ana. Possibilidade de edição de medidas provisórias pelos municípios. Revista de direito administrativo, Rio de Janeiro: Renovar, v. 230, out./dez. 2002, p. 11.
34 "Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição."
35 "Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:"
36 "Art. 30. Compete aos Municípios:"
37 Arts. 18, 29 e 30 da CRFB.
38 Antes da Constituição de 1988 o reconhecimento da autonomia municipal tinha um sentido remissivo. Já as atuais normas constitucionais instituidoras da autonomia dirigem-se diretamente aos Municípios, dando-lhes o poder de auto-organização e o conteúdo básico de suas leis orgânicas e de suas competências.
39 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 592.
40 BARROSO, Luís Roberto. Temas de direito constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 142.
41 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 623.
42 Art. 29, caput da CF: "O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:"
43 ATALIBA, Geraldo. República e constituição, p. 46.
44 PEDRA, Anderson Sant’Ana. Possibilidade de edição de medidas provisórias pelos municípios, p. 13.
45 ATALIBA, Geraldo. República e constituição, p. 36-45 passim.
46 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes, República e federação no Brasil: traços constitucionais da organização política brasileira. Belo Horizonte: Del Rey, 1997, p. 291.
47 SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público, p. 185.
48 SUNDFELD, Carlos Ari. Regime Constitucional do Município, rev. PGESP. dez. 90, nº 34/45/68, apud, ADIN 2.112-5-RJ em http://www.stf.gov.br. Acesso em 19 de julho de 2004. A redação original do art. 29, VII prescrevia: "proibições e incompatibilidades, no exercício da vereança, similares, no que couber, ao disposto nesta Constituição para os membros do Congresso Nacional e, na Constituição do respectivo Estado, para os membros da Assembléia Legislativa;"
49 Rel Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, in ADIN 2.112-5-RJ em http://www.stf.gov.br. Acesso em 19 de julho de 2004.
50 http://www.stf.gov.br. Acesso em 19 de julho de 2004.
51 TRIGUEIRO, Oswaldo. Direito constitucional estadual. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 264.
52 FERRARI, Sérgio. Constituição estadual e federação, p. 154. Cf. também seu Capítulo VII – "Análise Casuísta das Constituições Estaduais" onde trás: "[...] O principal vício foi a predeterminação de normas que deveriam constar nas leis orgânicas, como, por exemplo, [...] subsídios de vereadores (Ceará, art. 33; Goiás, art. 68, § 3º) [...].", p. 165-166.
53 FERRARI, Sérgio. Constituição estadual e federação, p. 155.
54 Ibidem, p. 156-157.
55 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes, República e federação no Brasil, p. 296.
56 Cf. a classificação de MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, p. 69-74.