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Competência para julgar os crimes militares eleitorais

Agenda 19/03/2018 às 18:17

Com o advento da Lei 13.491/17, discussões surgiram acerca da competência para julgar os crimes militares que possuem previsão em leis eleitorais. Seria a competência da justiça militar ou eleitoral?

        Com o advento da Lei 13.491/17, os crimes previstos na legislação penal, quando cometidos em uma das hipóteses do art. 9º, II, do Código Penal Militar (ex.: militar em serviço), passaram ser crimes militares.

            Assim, é possível que um crime previsto no Código Penal Comum, na Lei de Abuso de Autoridade, na Lei de Tortura, no Estatuto do Desarmamento, tenha natureza de crime militar e a competência para julgamento será da Justiça Militar (arts. 124 e 125, § 4º, da Constituição Federal).

           Discussões surgiram quando houver crime previsto no Código Eleitoral ou na legislação eleitoral, cometido por militar em uma das hipóteses do art. 9º, II, do Código Penal Militar.

            Tome como exemplo o militar em serviço, que venha causar dano físico na urna eletrônica usada na votação, no dia das eleições. Incidir-se-á no crime previsto art. 72, III, da Lei 9.504/97. Por estar em serviço, configura a hipótese de crime militar em razão da previsão contida no art. 9, II, “c”, do Código Penal Militar.

            Trata-se de hipótese de crime militar eleitoral.

            Nesse caso, qual a justiça competente para julgá-lo?

            Jorge César de Assis[1], em excelente artigo sobre a Lei 13.491/17, escreveu que:

Agora, o legislador abandonou a expressão “embora também o sejam com igual definição na lei penal comum”, para agasalhar a expressão “e os previstos na legislação penal”, significando que não mais existe necessidade de identidade de definição penal, criando outra categoria de crime militar, que passa a ser, qualquer crime previsto na legislação penal [Código Penal e legislação extravagante específica]. a ensejar o processo e julgamento por uma Justiça Especial, a castrense. Evidentemente, da Justiça Militar escapam os chamados crimes eleitorais [1], cujo processo e julgamento foi devidamente excepcionado pela Constituição Federal que deu ênfase à sua especialidade [2].[2]

Se um militar das Forças Armadas ou das Polícias Militares, atuando em serviço, cometer um crime eleitoral na forma prevista no Código Eleitoral [p.ex., art. 298, prender ou deter eleitor, membro de mesa receptora, fiscal, delegado de partido ou candidato, com violação do disposto no art. 236], a competência para processo e julgamento será do Juiz da Zona eleitoral, e não da Justiça Militar da União ou Justiça Militar Estadual.

Dessa forma, para Jorge César de Assis, em se tratando de crime previsto na legislação eleitoral, a competência será da Justiça Eleitoral, por se tratar de justiça especializada, cuja competência foi excepcionada pela Constituição Federal.

Ocorre que a Constituição Federal não excepcionou os crimes militares nas hipóteses em que estiverem previstos na legislação eleitoral.

Sempre que a Constituição Federal quis que o crime eleitoral fosse julgado pela Justiça Eleitoral, assim procedeu de forma expressa e, em se tratando da justiça militar, não há nenhuma ressalva.

Igualmente, em se tratando de crime eleitoral praticado por membros do Tribunal Superior Eleitoral e dos Tribunais Regionais Eleitorais, a competência para processar e julgar o crime eleitoral será, respectivamente, do Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, “c”, da CF)[3] e do Superior Tribunal de Justiça (art. 105, I, “a”, da CF)[4], na medida em que não houve ressalva de competência da Justiça Eleitoral, razão pela qual o art. 22, I[5], do Código Eleitoral não foi recepcionado.

O art. 96, III, assevera que compete “aos Tribunais de Justiça julgar os juízes estaduais e do Distrito Federal e Territórios, bem como os membros do Ministério Público, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral.

O art. 108, I, “a”, dispõe que compete aos Tribunais Regionais Federais processar e julgar “os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, nos crimes comuns e de responsabilidade, e os membros do Ministério Público da União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral”.

O art. 109, IV, aduz que aos juízes federais compete processar e julgar “os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral”.

Em se tratando da competência da Justiça Militar não houve nenhuma ressalva, pela Constituição, quanto à competência da Justiça Eleitoral.

O art. 124 diz que “à Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei.”

O art. 125, § 4º, assevera que “Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

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 Nota-se, portanto, que a única ressalva, em se tratando de competência da Justiça Militar, refere-se aos crimes dolosos contra a vida praticados por militares estaduais contra civis.

De mais a mais, ao tratar da competência da Justiça Militar, a Constituição assegurou que todos os crimes militares sejam julgados pela Justiça Militar, diversamente, da competência da Justiça Eleitoral, uma vez que a Constituição limita-se a dizer no art. 121 que “Lei complementar disporá sobre a organização e competência dos tribunais, dos juízes de direito e das juntas eleitorais.”

Isto é, a Constituição Federal outorgou à lei complementar a competência dos crimes a serem julgados pela Justiça Eleitoral. Portanto, deve prevalecer a competência da Justiça Militar, em se tratando de crime militar eleitoral, seja porque não há nenhuma ressalva constitucional, seja porque a competência da Justiça Militar para julgar os crimes militares é definida na própria Constituição e a competência da Justiça Eleitoral para julgar os crimes eleitorais é definida em lei ordinária, recepcionada como lei complementar na parte que trata da competência da Justiça Eleitoral, consoante previsão do art. 35 do Código Eleitoral.[6]

Portanto, na hipótese em que houver crime eleitoral praticado por militar em uma das hipóteses do art. 9º, II, do Código Penal Militar, o crime passará a ter natureza de crime militar eleitoral, o que atrai a competência para a Justiça Militar, pelos fundamentos expostos.

Por fim, é possível concluir que nem todo crime eleitoral será julgado pela Justiça Eleitoral, seja pelo fato do réu possuir foro privativo no Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, “b” e “c”, da CF) ou Superior Tribunal de Justiça (art. 105, I, “a”, da CF), o que se denomina de competência por prerrogativa de função (ratione funcionae), seja por se tratar de crime militar (arts. 124 e 125, § 4º, da CF), o que se denomina de competência em razão da matéria (ratione materiae).


[1]ASSIS, Jorge César de. A Lei 13.491/17 e a alteração no conceito de crime militar: primeiras impressões – primeiras inquietações. Disponível em: https://www.observatoriodajusticamilitar.info/single-post/2018/01/18/A-Lei-1349117-e-a-altera%C3%A7%C3%A3o-no-conceito-de-crime-militar-primeiras-impress%C3%B5es-%E2%80%93-primeiras-inquieta%C3%A7%C3%B5es. Acesso em: 19.03.18.

[2] [1]  Código Eleitoral, Lei 4.737, de 15.07.1965: (...) Art. 35. Compete aos juízes: (...) II - processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos, ressalvada a competência originária do Tribunal Superior e dos Tribunais Regionais. Os crimes eleitorais estão previstos entre os artigos 289 a 354-A, da Lei 4.737, de 15.07.1965, que institui o Código eleitoral. [2] Nesse sentido, vide as ressalvas da Constituição Federal, artigos: 96, III; 105, I, ‘c’, ‘h’; 108, I, ‘a’; 109, I e IV.       

[3] Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 23, de 1999)

[4] Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: I - processar e julgar, originariamente: a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais;

[5]   Art. 22. Compete ao Tribunal Superior: I - Processar e julgar originariamente: d) os crimes eleitorais e os comuns que lhes forem conexos cometidos pelos seus próprios juizes e pelos juizes dos Tribunais Regionais;

[6] Art. 35. Compete aos juízes: (...)  II - processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos, ressalvada a competência originária do Tribunal Superior e dos Tribunais Regionais;

Sobre o autor
Rodrigo Foureaux

Juiz de Direito - TJGO. Mestre em Direito. Foi Juiz de Direito do TJPA e do TJPB. Aprovado para Juiz do TJAL. É Oficial da Reserva Não Remunerada da PMMG. Bacharel em Direito e em Ciências Militares com Ênfase em Defesa Social. Especialista em Direito Público. Autor do livro "Justiça Militar: Aspectos Gerais e Controversos".

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