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O Poder de Polícia nas operações de Garantia da Lei e da Ordem: limites e discricionariedade

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Agenda 26/03/2018 às 21:49

O presente artigo de revisão bibliográfica tem como tema a abrangência do Poder de Polícia, exercido pela Administração Pública e, mais especificamente, pelos policiais e militares das Forças Armadas, durante as ações de Garantia da Lei e da Ordem.

1. INTRODUÇÃO

Esta produção acadêmica tem como tema a abrangência do Poder de Polícia, exercido pela Administração Pública, e, mais especificamente, pelos militares das Forças Armadas e Auxiliares (polícias estaduais), durante as operações de Garantia da Lei e da Ordem. Para tanto, fez-se necessário conceituar e compreender o que vem a ser o sistema administrativo brasileiro, com definições doutrinárias e legais da Administração Pública, do Direito Administrativo, do Poder de Polícia e das missões de Garantia da Lei e da Ordem.

O objetivo norteador foi averiguar se o sistema administrativo brasileiro é capaz de harmonizar as regras, os princípios e poderes que orientam o regime jurídico-administrativo, consoante o conjunto de prerrogativas e sujeições à Administração Pública previstas no ordenamento jurídico pátrio, bem como se o mesmo consegue proporcionar aos administrados a garantia contra violações de seus direitos no decorrer dessas ações de intervenção militar.

O resultado obtido foi a constatação de que, no atual cenário brasileiro, com tamanha crise dos órgãos de segurança pública, os quais estão necessitando do auxílio das Forças Armadas para a preservação da ordem, da integridade e incolumidade da população, do patrimônio e garantia do funcionamento regular das instituições, é imprescindível que haja a efetivação dos mecanismos de controle da atuação administrativa, uma vez que a discricionariedade dada aos militares atuantes nas operações de Garantia da Lei e da Ordem, por meio da concessão do Poder de Polícia, não pode ser interpretada como arbitrariedade, devendo obedecer aos limites estabelecidos pela lei e pelos princípios do ordenamento jurídico e da sociedade, a fim de se promover a paz social.


2. DESENVOLVIMENTO

No Brasil, a Administração Pública pode ser compreendida como o conjunto de agentes, órgãos e serviços instituídos pelo Ente Estatal, seja ele de âmbito federal, estadual, distrital ou municipal, com o objetivo de realizar a gestão de determinados setores da sociedade, por exemplo: educação, saúde, cultura, transporte, desporto, lazer, segurança pública, dentre outros, com a prestação dos respectivos serviços públicos aos administrados. Sendo assim, ela representa o conjunto de ações que compõem a função administrativa, cujo objetivo é trabalhar a favor do interesse público, conciliado aos direitos e garantias dos cidadãos que administra.

A partir desta percepção, é possível entender o Direito Administrativo como sendo o ramo do Direito Público que estuda princípios e normas reguladores do exercício da função administrativa. Oportuna a citação das definições de dois dos doutrinadores mais influentes nesta seara jurídica: Celso Antônio Bandeira de Mello, para quem “o direito administrativo é o ramo do direito público que disciplina a função administrativa, bem como pessoas e órgãos que a exercem”[1]; e, segundo Hely Lopes Meirelles, “o conceito de Direito Administrativo brasileiro, sintetiza­-se no conjunto harmônico de princípios jurídicos que regem os órgãos, os agentes e as atividades públicas tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os fins desejados pelo Estado”.[2]

A Administração Pública pode ser dividida em direta ou indireta, sendo a primeira desempenhada pelos Poderes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, cujos órgãos não são dotados de personalidade jurídica própria, caracterizando a desconcentração administrativa, consistente na delegação de tarefas, com as despesas inerentes à atividade contempladas no orçamento público; já última decorre da transferência da administração, por parte do Estado, a outras pessoas jurídicas, sendo que estas podem ser fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, agências executivas e reguladoras, ou organismos privados. Neste caso ocorre a descentralização administrativa, ou seja, a tarefa de gestão é transferida para outra entidade, dotada de personalidade jurídica própria.

Pela inteligência de José dos Santos Carvalho Filho, a relação de maior intimidade do Direito Administrativo é com o Direito Constitucional, pois este alinhava as bases e os parâmetros daquele, representando seu lado dinâmico[3]. Na Constituição Federal, encontram-se os princípios da Administração Pública, no artigo 37; as normas sobre servidores públicos, nos artigos 39 a 41 e as competências do Poder Executivo, nos artigos 84 e 85. Para o doutrinador, os “princípios administrativos são os postulados fundamentais que inspiram todo o modo de agir da Administração Pública. Representam cânones pré-normativos, norteando a conduta do Estado quando no exercício de atividades administrativas”[4]. Como tais, cita-se: a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e a eficiência (chamados princípios explícitos ou expressos), a supremacia e indisponibilidade do interesse público, boa-fé, autotutela, razoabilidade e a proporcionalidade (compreendidos como implícitos, por não estarem previstos na Lei Maior).

Quanto aos poderes atinentes à Administração Pública, é hegemônico entre os doutrinadores que eles se classificam como: vinculado, discricionário, regulamentar, disciplinar, hierárquico, supervisão ou controle ministerial e poder de polícia, sendo inoportuno aqui tecer maiores comentários sobre cada um, em razão da vasta teoria a eles aplicada, necessitando-se de objetividade, a exemplo da lição de Hely Lopes Meirelles, segundo o qual:

Os poderes administrativos nascem com a Administração e se apresentam diversificados segundo as exigências do serviço público, o interesse da coletividade e os objetivos a que se dirigem. Dentro dessa diversidade, são classificados, consoante a liberdade da Administração para a prática de seus atos, em poder vinculado e poder discricionário; segundo visem ao ordenamento da Administração ou à punição dos que a ela se vinculam, em poder hierárquico e poder disciplinar; diante de sua finalidade normativa, em poder regulamentar; e, tendo em vista seus objetivos de contenção dos direitos individuais, em poder de polícia.[5]

Superadas estas noções introdutórias, torna-se possível voltar os olhares para o tema do presente trabalho: o Poder de Polícia e, mais especificamente, sobre sua abrangência durante as operações de Garantia da Lei e da Ordem. Dentre a imensa gama de assuntos relacionados ao universo do Direito Administrativo, escolheu-se abordar sobre este enunciado diante do atual cenário brasileiro, no qual têm sido frequentes as demandas por estas ações de intervenção militar para auxílio na promoção da segurança pública.

Ao estudar o regime jurídico-administrativo a que se submete a Administração Pública, pelos ensinamentos de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, é possível concluir que existem dois aspectos fundamentais que o caracterizam, os quais podem ser resumidos nos vocábulos prerrogativas e sujeições[6]. As prerrogativas são liberdades concedidas aos administradores para oferecer-lhes meios, a fim de assegurar o exercício de suas atividades. As sujeições, por conseguinte, são como limites opostos à atuação administrativa em benefício dos direitos dos cidadãos. Nos dizeres de sua obra, praticamente todo o Direito Administrativo cuida de temas que colocam em tensão dois aspectos opostos: a autoridade da Administração Pública e a liberdade individual[7]. Segundo a autora:

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O tema relativo ao poder de polícia é um daqueles em que se colocam em confronto esses dois aspectos: de um lado, o cidadão quer exercer plenamente os seus direitos; de outro, a Administração tem por incumbência condicionar o exercício daqueles direitos ao bem-estar coletivo, e ela o faz usando de seu poder de polícia. Não existe qualquer incompatibilidade entre os direitos individuais e os limites a eles opostos pelo poder de polícia do Estado porque, como ensina Zanobini (1968, v. 4:191), “a ideia de limite surge do próprio conceito de direito subjetivo: tudo aquilo que é juridicamente garantido é também juridicamente limitado”.[8]

Desse modo, o fundamento do Poder de Polícia é o princípio da predominância do interesse público sobre o particular, preceito este que dá à Administração Pública, valendo-se de certa discricionariedade – esta caracterizada pela prerrogativa do administrador público em valer-se dos juízos de conveniência e oportunidade (critérios subjetivos) para elaboração e/ou aplicação de atos administrativos – posição de supremacia sobre os administrados.

Também conhecido por alguns doutrinadores como limitação administrativa, a exemplo de Alexandre Mazza, o Poder de Polícia constitui uma das três funções precípuas da atividade administrativa moderna, juntamente com os serviços públicos e as atividades de fomento, estes, porém, da esfera de interesses do particular, sendo prestadas pela Administração por meio do oferecimento de vantagens diretas aos indivíduos e às coletividades; aquele, pelo contrário, representa uma atividade estatal restritiva dos direitos privados, limitando a liberdade e a propriedade individual em favor do interesse público[9].

     O mencionado autor demonstra que, por sua origem ligada aos abusos cometidos na Idade Média, no período conhecido como “Estado de Polícia”, marcado pela ausência de subordinação dos governantes às regras do Direito, o termo “poder de polícia” vem sendo abandonado pela doutrina mais moderna diante do viés autoritário que sua história carrega[10].

Ainda nessa toada de contextualização e conceituação do que vem a ser o Poder de Polícia, conveniente aqui menção à sabedoria de Hely Lopes Meirelles, segundo o qual o ato de polícia é um simples ato administrativo, e como tal, subordina-se ao ordenamento jurídico que rege as demais atividades da Administração Pública, sujeitando-se, inclusive, ao controle de legalidade pelo Poder Judiciário. Ensina o estudioso que:

O Estado é dotado de poderes políticos exercidos pelo Legislativo, pelo Judiciário e pelo Executivo, no desempenho de suas funções constitucionais, e de poderes administrativos que surgem secundariamente com a administração e se efetivam de acordo com as exigências do serviço público e com os interesses da comunidade. Assim, enquanto os poderes políticos identificam-se com os poderes de Estado e só são exercidos pelos respectivos órgãos constitucionais do Governo, os poderes administrativos difundem-se por toda a Administração e se apresentam como meios de sua atuação. Aqueles são poderes imanentes e estruturais do Estado; estes são contingentes e instrumentais da Administração. Dentre os poderes administrativos figura, com especial destaque, o poder de polícia administrativa, que a Administração Pública exerce sobre todas as atividades e bens que afetam ou possam afetar a coletividade. Para esse policiamento há competências exclusivas e concorrentes das três esferas estatais, dada a descentralização político-administrativa decorrente do nosso sistema constitucional. (...) Poder de polícia é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado.[11]

Valendo-se de linguagem menos técnica, pode-se dizer que o Poder de Polícia, nada mais é, que um mecanismo de frenagem de que dispõe a Administração Pública para conter os abusos do direito individual. Por esta ferramenta, pertencente a todo sistema administrativo, o Estado detém a atividade dos particulares que se revelar contrária, nociva ou inconveniente ao bem-estar social, ao desenvolvimento e à segurança nacional[12].

Como características desta coerção administrativa têm-se: a discricionariedade, a autoexecutoriedade e a coercibilidade. A primeira consiste no poder que a autoridade administrativa tem de escolher, dentro dos limites legais, por meio dos critérios de oportunidade e conveniência, o ato a ser praticado; a segunda é a possibilidade que certos atos administrativos possuem de execução imediata e direta pela própria Administração Pública, independentemente de ordem judicial; e a última reflete o atributo pelo qual os administradores impõem aos administrados as medidas adotadas, podendo, em alguns casos e respeitados certos limites, utilizar-se de força.

No entanto, faz-se necessário distinguir a polícia administrativa, da polícia judiciária e da polícia de manutenção da ordem pública. Ressalta-se que a primeira incide sobre os bens, direitos e atividades, ao passo que as outras atuam sobre as pessoas, individual ou indiscriminadamente. A polícia administrativa é inerente e se difunde por toda a Administração Pública, enquanto as demais são privativas de determinados órgãos, isto é, as Polícias Civis e Federais, ou corporações, as Polícias Militares estaduais.

Além desses variados conceitos doutrinários, fundamental é também colacionar o dispositivo legal que fundamenta o tema, qual seja, o artigo 78 do Código Tributário Nacional, uma vez que esta formulação decorre da circunstância de constituir, o exercício desse poder, um dos fatos geradores da taxa, enquanto espécie de tributo, conforme artigo 145, inciso II, da Constituição Federal e artigo 77 do referido instituto normativo. Necessária menção:

Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.

(...)

Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.[13] [grifos nossos]

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

(...)

II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;[14]

Diante de todas estas formulações doutrinárias e legais, a fim de delinear o tema e o objetivo propostos para este artigo, é imprescindível a compreensão de que, ao se falar em emprego das Forças Armadas e Auxiliares, o Poder de Polícia referido é o da manutenção da ordem pública, qual seja, o conjunto de atividades relacionadas à prevenção e à repressão de crimes e contravenções penais que é atinente às Polícias Militares estaduais, consoante dispõe o artigo 144 da Constituição Federal. A saber:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

(...)

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

(...)

§ 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.[15] [grifos nossos]

Nesse contexto, as operações de Garantia da Lei e da Ordem (doravante GLO) são realizadas, exclusivamente, por ordem expressa da Presidência da República e, conforme nota explicativa do Ministério da Defesa, ocorrem nos casos em que há o esgotamento das forças tradicionais de segurança pública, em graves situações de perturbação da ordem[16]. A base normativa para essas missões é a Constituição Federal, em seu artigo 142; a Lei Complementar nº 97/99 e o Decreto nº 3.897/01, cujas regulamentações estabelecem que as ações de GLO concedem provisoriamente aos militares a faculdade de atuar com Poder de Polícia até o restabelecimento da normalidade, conforme artigos abaixo colacionados:

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. [grifos nossos][17]

Art. 15. O emprego das Forças Armadas na defesa da Pátria e na garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, e na participação em operações de paz, é de responsabilidade do Presidente da República, que determinará ao Ministro de Estado da Defesa a ativação de órgãos operacionais, observada a seguinte forma de subordinação: (...)

§ 2o A atuação das Forças Armadas, na garantia da lei e da ordem, por iniciativa de quaisquer dos poderes constitucionais, ocorrerá de acordo com as diretrizes baixadas em ato do Presidente da República, após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados no art. 144 da Constituição Federal. (...) [grifos nossos][18]

Art. 3º  Na hipótese de emprego das Forças Armadas para a garantia da lei e da ordem, objetivando a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, porque esgotados os instrumentos a isso previstos no art. 144 da Constituição, lhes incumbirá, sempre que se faça necessário, desenvolver as ações de polícia ostensiva, como as demais, de natureza preventiva ou repressiva, que se incluem na competência, constitucional e legal, das Polícias Militares, observados os termos e limites impostos, a estas últimas, pelo ordenamento jurídico. [grifos nossos][19]

Consoante depreende-se dos dispositivos legais supracitados, nessas ações, os militares das Forças Armadas e Auxiliares agem de forma episódica, em área restrita e por tempo limitado, com o objetivo de preservar a ordem pública, a integridade da população e garantir o funcionamento regular das instituições, sendo a decisão sobre o emprego excepcional das tropas de responsabilidade do(a) Chefe do Poder Executivo, por motivação ou não dos Governadores ou dos Presidentes dos demais Poderes Constitucionais.

Como exemplos recentes de repercussão nacional do uso das Forças Armadas em missões de GLO, cita-se o emprego de tropas federais em operações de pacificação do Governo Estadual em diferentes comunidades do Rio de Janeiro e nos Estados do Rio Grande Norte e do Espírito Santo, devido ao esgotamento dos meios de segurança pública, para a preservação da ordem e da incolumidade das pessoas e do patrimônio[20]. Os militares também atuaram, nos limites legais de operação de GLO, durante a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável do Rio de Janeiro (a Rio+20), em 2012; na Copa das Confederações da FIFA e na visita do Papa Francisco a Aparecida/SP e ao Rio de Janeiro durante a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), ambos eventos em 2013; na Copa do Mundo de 2014 e nos Jogos Olímpicos do Rio, em 2016.[21] Ademais, esses trabalhos também são adotados, por vezes, para assegurar a tranquilidade e lisura de processos eleitorais em municípios sob risco de perturbação da ordem.

Oportuno mencionar que, recentemente, o Ministério da Defesa publicou o “Manual de GLO”, confeccionado por assessores civis e militares, com o objetivo de padronizar as rotinas e servir de instrumento educativo e de doutrinação para as tropas preparadas para atuar nesse tipo de ação. Este instrumento é regulamentado pela Portaria Normativa nº 186/MD[22], de 31 de janeiro de 2014, assinada pelo então Ministro da Defesa, Celso Amorim, e traz em seu bojo disposições acerca da sistemática do emprego das Forças Armadas em ações de GLO, finalidades, bases legais, antecedentes, conceituações, regras de planejamento e coordenação, preparo e emprego da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, respeitadas suas especificidades.

Para melhor detalhar o Poder de Polícia nas operações de GLO, vale-se da instrução de Cláudio Alves da Silva, militar do Exército Brasileiro com experiência em Direito Operacional na instituição, segundo o qual o exercício deste poder, pelas Forças Armadas, é condicionado à decisão do(a) Chefe do Poder Executivo e ao esgotamento, por indisponibilidade, inexistência ou insuficiência dos órgãos de segurança pública[23].

Nas palavras do oficial, havendo confluência dessas condições, o Poder de Polícia é recebido no ato da missão de GLO, de acordo com as diretrizes baixadas pelo(a) Presidente(a) da República, conforme dispõem os já mencionados parágrafos 2º e 3º do artigo 15 da referida Lei Complementar nº 97/99; e esse recurso administrativo é delimitado na forma, uma vez desenvolvidas ações de caráter repressivo e preventivo, inclusive ações de polícia ostensiva, necessárias a garantir a lei e a ordem; no tempo, sendo de forma episódica e por tempo limitado; e no espaço, já que a área de atuação é previamente estabelecida, conforme a legislação. Conclui explicando que:

Policiamento ostensivo é a ação de policiamento realizado por homens fardados, a pé ou em viaturas, em áreas urbanas ou rurais, no trânsito, em portos, aeroportos e na segurança externa de presídios. Visa a dissuadir a prática de delitos ou prontamente reprimi-los. Esse tipo de ação é a mais comum em operação de GLO. Durante o policiamento ostensivo, o militar poderá vir a se deparar com ocorrências contra a garantia da ordem pública e agirá, segundo as Regras de Engajamento (RE) e as Normas de Conduta (NC) previstas pelo Comando da operação de GLO. As demais ações de natureza preventiva ou repressiva executadas pelas Polícias Militares, durante o policiamento ostensivo, inclusive, são a execução de prisão, revista e identificação de pessoas e coisas, entre outras.[24]

Nessa senda, retomando os ensinamentos de Di Pietro, fundamental é a observância dos limites a esse instrumento, pois como todo ato administrativo, a medida de polícia, ainda que seja discricionária, sempre esbarra em algumas limitações impostas pela lei, quanto à competência, à forma, aos fins, aos motivos ou ao objeto[25]. Em relação aos dois últimos, ainda que a Administração Pública disponha de certa discricionariedade, utilizando-se dos juízos de conveniência e oportunidade, ela deve ser exercida nos limites legais e principiológicos.

O Poder de Polícia, quanto aos fins, deve ser exercido somente para atender ao interesse público, que é seu fundamento, a partir princípio da predominância do proveito coletivo sobre o particular, o exercício desse arbítrio perderá a sua justificativa quando utilizado para beneficiar ou prejudicar pessoas determinadas. Caso a autoridade se afaste da finalidade pública, incidirá em desvio de poder[26], o que acarretará a nulidade do ato com todas as consequências nas esferas civil, penal e administrativa.

Já em relação ao objeto (meio de ação), o agente público sofre limitações, mesmo quando a lei lhe confere alternativas, pois tal restrição advém da aplicação do princípio da proporcionalidade dos meios aos fins[27]. Desse modo, o Poder de Polícia não deve extrapolar o necessário para a satisfação do interesse público que visa proteger, posto que a sua finalidade, segundo a autora, não é “destruir” as garantias particulares, pelo contrário, é de assegurar o seu exercício adequado ao bem-estar social.

A autoridade administrativa – enquadrando-se aqui os comandantes das tropas militares responsáveis pelas operações de GLO e seus subordinados, uma vez lhe conferido o Poder de Polícia de manutenção da segurança pública – somente poderá reduzir os direitos individuais quando estes se acharem em conflito com interesses maiores da coletividade, devendo este exercício ser na medida estritamente necessária à consecução dos fins estatais. Para tanto, devem ser observadas as regras de necessidade, proporcionalidade e eficiência, posto que os instrumentos de coação devem ser utilizados somente quando não haja outro mecanismo eficaz para atingir igual escopo, não sendo válidos quando excessivos ou desproporcionais em relação ao interesse tutelado pela lei.

Sobre a autora
Larissa Oliveira Sudário Diniz

Bacharela em Ciências Sociais e Jurídicas, graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria (2012-2016), aprovada no XIX Exame da OAB. Especialista em Direito Militar e pós-graduanda em Direito Administrativo pela Faculdade Venda Nova do Imigrante - FAVENI. Iniciou sua formação superior, em 2011, na Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), transferindo-se para a UFSM no ano seguinte. Foi pesquisadora bolsista do Centro de Ciências Sociais e Humanas da UFSM, no projeto de pesquisa "Acompanhamento do egresso cotista: uma avaliação no âmbito do curso de Direito". Foi estagiária bolsista no Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, na 3ª Promotoria de Justiça Cível e na 8ª Promotoria de Justiça Criminal e no Núcleo de Assistência Judiciária Gratuita da UFSM.

Informações sobre o texto

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