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A Mulher Transgênero e o Sistema Prisional: Violações aos Direitos Fundamentais à Identidade de Gênero.

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Agenda 03/04/2018 às 19:00

DIREITOS FUNDAMENTAIS DA MULHER TRANSEXUAL/TRAVESTI

Constam na Constituição Federal de 1988 direitos que devem ser assegurados a todos os brasileiros, inclusive os encarcerados e conforme se nota, há uma necessidade da adequação da interpretação do direito para garantir as mulheres transexuais/travestis um tratamento igualitário.

Verifica-se na Carta Magna em seu artigo 1º, III o princípio da dignidade da pessoa humana, fundamental para o Estado Democrático de Direito brasileiro, garantidor do respeito à identidade e integridade, sendo exigido que todos sejam tratados com respeito cabendo ao Estado garantir condições para que as pessoas se tornem dignas.

Ainda nesse contexto de conferir à dignidade da pessoa humana um status de princípio fundamental essencial fonte de todo ordenamento jurídico brasileiro, manifesta-se o STF:

O postulado da dignidade da pessoa humana, que representa - considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) - significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, HC 106.435, 01 de Fevereiro de 2011, p.1).[8]

            Já o Artigo 3º, inciso IV, da Carta Magna dispõe

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil

(...)

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Tal fundamento garante o direito a igualdade do indivíduo, devendo ser respeitando o direito à identidade de gênero e orientação sexual da mulher transgênero, dessa forma, o direito de realizar intervenções corporais, mudanças nas vestimentas e comportamentais, configura o exercicio expresso da personalidade, logo, deve o Estado fomentar pelo bem estar social desse segmento da sociedade.

No Artigo 5º, da Constituição Federal, encontra-se um rol de incisos que garantem aos brasileiros e estrangeiros residentes no país direitos e garantias fundamentais. Sob análise atenta do caput do referido artigo, depara-se com o princípio fundamental da igualdade, que garante a todos o direito de serem tratados iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.

Pedro Lenza analisando o referido, diz que “se deve, contudo, buscar não somente essa aparente igualdade formal, mas, principalmente, a igualdade material, uma vez que a lei deverá tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade” (LENZA, 2011, p.875).

Aplicando o referido princípio no nosso estudo, verifica-se que a população transgênero carcerária merece um tratamento diferenciado, vez que, pertencem a uma classe social que sofre com o estigma de ser presidiário e transgênero, sendo que o Estado e a sociedade são omissos perante as desumanidades a qual estas são submetidas, entretanto, a igualdade deve ser aplicada sem que haja vedaçâo, inclusive a de identidade de gênero.

Logo, deve o Direito privar pela inclusão social e promover a justiça de todos os indivíduos, inclusive os que se reconhecem como transgênero, que são submetidas a situações sub-humanas devido a sua identidade de gênero, vez que essa configura o exercício do direito de liberdade e personalidade.

Continuando o estudo do artigo 5º, no inciso III, “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante”, observa-se que o referido inciso garante a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país o direito de ser tratado com dignidade, entretanto, pecou o legislador ao não definir a prática da tortura no mencionado inciso.

Em 1991 o Brasil aderiu à Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes firmada pela Organização das Nações Unidas, porém, ainda sem definir a tortura.[9]

Por fim, em 1997 foi introduzida a lei n°9.455 que trouxe a tipificação da pratica do crime de tortura, que diz

Art. 1º Constitui crime de tortura:

I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental:

(...)

c) em razão de discriminação racial ou religiosa;

II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. (BRASIL, Lei 9.455 de 7 de Abril de 1997)

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Haja vista que a população carcerária transgênero é submetida a situações abusivas e discriminatórias, por vezes sofrendo violência física, através de estupros e espancamentos, bem como moral ao serem ofendidas e submetidas a situações vexatórias, uma clara violação a referida lei e a Carta Magna.

No referido diploma em seu inciso X, é garantido a inviolabilidade da intimidade, vida privada e honra

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

- são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Já no artigo 5º, inciso XLIX, diz “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral” entretanto, a realidade brasileira passa longe da explicitude legal. Uma vez que o sistema penal do pais não possui infraestrutura física básica para o funcionamento da lei.

O referido diploma é pautado na dignidade da pessoa humana e constitui-se em qualidade intrínseca, que garante ao ser humano um tratamento respeitoso, tanto por parte da sociedade como pelo Estado.

O legislador, ao estabelecer tal proteção aos direitos dos presos, pretendeu extinguir do ordenamento jurídico qualquer ato degradante ou desumano. Entretanto, a realidade é diferente, uma vez que os presídios não possuem infraestrutura e acabam se tornando um verdadeiro depósito de gente.

Nota-se que cabe ao Estado garantir o bem estar físico e psicológico de todos os indivíduos, inclusive os preso, Rogério Greco ao analisar o referido inciso discorre

A pena é um mal necessário, mas o Estado, quando faz valer o seu ius postulandi, deve preservar as condições mínimas de dignidade da pessoa humana. O erro cometido pelo cidadão ao praticar um delito não permite que o Estado cometa outro, muito mais grave, de trata-lo como animal. (GRECO, 2012, p.130)

Assim surge o direito da população carcerária transgênero, que embora estejam privadas  de sua liberdade, em momento algum perde seus direitos fundamentais intrínsecos aos seres humanos, sendo dever do Estado garantir a este segmento social um tratamento digno e igualitário.


TRANSEXUALIDADE/TRAVESTILIDADE NO DIREITO PENAL E NA LEI DE EXECUÇÃO PENAL

É possível constatar que no Código Penal (decreto lei 2.848 de 7 de dezembro de 1940), existem garantias aos indivíduos que se encontram encarcerados, conservando todos os direitos que não são atingidos pela sentença condenatória, devendo as autoridades respeitarem à sua integridade física e moral.

Rogério Greco ao analisar o referido artigo discorre

Talvez esse seja um dos artigos mais desrespeitados de nossa legislação penal. A pena é um mal necessário. No entanto, o Estado, quando faz valer o seu ius puniendi,deve preservar as condições minimas de dignidade da pessoa humana. O erro cometido pelo cidadão ao praticar um delito não permite que o Estado cometa outro. Se uma das funções da pena é a ressocialização do condenado, certamente num regime cruel e desumano isso não acontecerá. (GRECO, 2012, p.130)

Verifica-se que o encarceramento de mulheres transgêneros às submete a um tratamento claramente atentatório a sua dignidade, integridade física e moral, explicitando uma clara violação a Constituição Federal de 1988, o Pacto de San José da Costa Rica e os Princípios de Yogyakarta.

A execução penal pressupõe os direitos e deveres, referentes ao Estado e ao condenado, devendo observar estritamente os limites da lei e do cumprimento da pena um dos focos do presente estudo, será o artigo 3º que diz

Art.3º Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.

Parágrafo único. Não haverá qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa ou política. (BRASIL, Lei Nº 7.210 de 11 de Julho De 1984)[10]

Nucci diz ao contextualizar a aplicabilidade do referido artigo narra

Punição não significa transformar o ser humano em objeto, logo, continua o condenado, ao cumprir sua pena, e o internado, cumprindo medida de segurança, com todos os direitos fundamentais em pleno vigor.(NUCCI, 2009, p.439)

Deve o Parágrafo Único ser interpretado de modo exemplificativo, vez que a lei de execuções penais não possui uma garantia explicita a população carcerária LGBT, que sofre distinção devido a sua identidade de gênero.

É necessário também uma analise em foco do artigo 40º, que garante o devido respeito de todas as autoridades à integridade física dos condenados e presos provisórios.

É de se verificar que o referido tema é atrelado ao principio dos direitos individuais que explicita que ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante, ao analisar o referido tema José Afonso da Silva, diz que

Agredir o corpo humano é um modo de agredir a vida, pois esta se realiza naquele. A integridade fisico-corporal constitui, por isso, bem vital e releva um direito fundamental do indivíduo. Dai por que as lesões corporais são punidas pela legislação penal (SILVA, 2005, p.199.)

E também diz

A vida humana não é apenas um conjunto de elementos materiais. Integram-na, igualmente, valores imateriais, como os morais. A Constituição empresta muita importância a moral como valor ético social da pessoa e da família, que se impõe aos respeitos dos meios de comunicação social. Ela, mais que as outras, realçaram o valor moral individual, tornando-a um bem indenizável. A moral individual sintetiza a honra da pessoa que integra a vida humana como dimensão material. Ela e seus componentes são atribuídos sem os quais a pessoa fica reduzida a uma condição de animal. (SILVA, 2005, p.200)                                 

Embora a haja avanços nos direitos LGBT, carece a Lei de Execução Penal ao não garantir explicitamente o direito a essa minoria, negligenciando a aplicabilidade das garantias fundamentais da população LGBT podendo ser constatado através de noticias veiculadas pela mídia.

É de se verificar que embora a igualdade esteja expressa na Constituição Federal de 1988 e na Lei de Execução Penal, a mulher transgênero é tratada de forma totalmente desigual, tendo em vista que necessita de um tratamento diferenciado, vez que se encontra em um segmento social vulnerável a supressões de direitos e violências.

A INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA

A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º, XLVI da Carga Magna, ao definir direitos fundamentais, garantiu ao indivíduo encarcerado a individualização da pena

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:

 a) privação ou restrição da liberdade;

 b) perda de bens;

 c) multa;

 d) prestação social alternativa;

 e) suspensão ou interdição de direitos (BRASIL, Constituição Federal de 1988).

Tais prerrogativas obrigam o Judiciário a analisar uma série de garantias e princípios a serem respeitados no momento da aplicação da pena, em conjunto com o artigo 5º, inciso XLVII que garante

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XLVII - não haverá penas:

 a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;

 b) de caráter perpétuo;

 c) de trabalhos forçados;

 d) de banimento;

 e) cruéis (BRASIL,Constituição Federal de 1988)

Bem como o inciso, XLVIII

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado. (BRASIL, Constituição Federal de 1988)

Que garante que no momento da individualização da pena, o indivíduo seja encaminhado para um estabelecimento prisional de acordo com seu sexo.

Assim sendo, a individualização da pena consiste em aplicar a pena devida ao caso concreto, tendo em vista os fatores sociais de cada indivíduo, com o objetivo de garantir a cada cidadão encarcerado os elementos e oportunidades necessários para a reinserção social.

O Artigo 41 da LEP trás um rol exemplificativo dos direitos dos presos vejamos o inciso XII

Art. 41 - Constituem direitos do preso (...)

XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena (...)

(BRASIL, Lei Nº 7.210 de 11 de Julho De 1984)

Ao discorrer sobre o inciso XII, do referido Artigo, Nucci afirma

A individualização executória da pena corolário natural do princípio constitucional da individualização da pena (artigo 5º, XLVI, primeira parte da Constituição Federal), demonstra a sua importância ao, aparentemente, mitigar até mesmo a igualdade de todos perante a lei, se aproximando da isonomia, fazendo com que a autêntica forma de igualdade seja observada (NUCCI, 2009, p.466)

A Lei de Execução Penal define em seu artigo 82, trata a respeito dos estabelecimentos penais, definindo

Art. 82. Os estabelecimentos penais destinam-se ao condenado, ao submetido à medida de segurança, ao preso provisório e ao egresso.

§ 1° A mulher e o maior de sessenta anos, separadamente, serão recolhidos a estabelecimento próprio e adequado à sua condição pessoal. (Redação dada pela Lei nº 9.460, de 1997)

§ 2º - O mesmo conjunto arquitetônico poderá abrigar estabelecimentos de destinação diversa desde que devidamente isolados.           

Logo, no momento da individualização da pena, o indivíduo transexual deve ser encaminhado a um presídio único ou com separação nítida conforme discorrer Guilherme de Souza Nucci

A lei não impõe que o Poder Público mantenha um presídio isolado para mulheres e outro, em lugar totalmente distinto para idosos. É viável que, no mesmo complexo de presídios, volteado por uma só muralha, existam diversos pavilhões ou alas, devidamente isoladas. (NUCCI, 2009, p.508)

Verifica-se também no artigo 84º§4, que o indivíduo que tiver sua integridade ameaçada, deverá ser mantido em um local distinto dos demais presos, garantindo assim sua integridade, logo, o indivíduo transgênero que encontra-se encarcerado com pessoas de um sexo divergente do qual se identificam e estão passiveis de diversos tipos de violência, deverá ser encaminhado para uma ala especifica ou presídio único.

Art.84. O preso provisório ficará separado do condenado por sentença transitada em julgado.

§4º. O preso que tiver sua integridade física, moral ou psicológica ameaçada pela convivência com os demais presos ficará segregado em local próprio. (incluído pela Lei nº13.167, de 2015)

E também que o Estado é negligente ao fiscalizar a aplicabilidade do Plano Nacional de Política Criminal e Penitenciária (2015), que garante a população LGBT a aplicabilidade dos direitos fundamentais

As diferenças devem ser respeitadas para gerar igualdade de direitos. As questões de gênero; de orientação sexual e identidade de gênero; de deficiência; geracional; de nacionalidade; raça, cor e etnia, são vividas também no campo criminal e penitenciário, e não devem ser desconsideradas. É uma questão de acesso aos direitos e de gestão das políticas públicas. (BRASIL, Plano Nacional de Politica Criminal e Penitenciária,2015, p.29)

Tendo como previsão de demandas, necessárias à serem implementadas no sistema carcerário brasileiro

a) Criar e implementar política de diversidade no sistema prisional

b) Assegurar as visitas íntimas para a população carcerária LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis) (...)

 e) Implementar a Resolução conjunta nº 01, de 2014, do CNPCP e CNCD (Conselho Nacional de Combate à Discriminação), que estabelece parâmetros de acolhimento de LGBT em privação de liberdade. (BRASIL, Plano Nacional de Politica Criminal e Penitenciária,2015, p.30)[11]

Ante o exposto, cabe ao Estado garantir, a fiscalização e implementação de uma politica de diversidade através da criação de alas especificas ou presídios únicos para que o indivíduo transgênero encarcerado possa cumprir sua pena privativa de liberdade com dignidade.

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