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LEI 13.019/2014 - MARCO REGULATÓRIO DO TERCEIRO SETOR REQUISITOS GERAIS E LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL

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O presente artigo trata da leitura que se deve fazer acerca do art. 195, §3º da Constituição Federal de 1988, Lei de Responsabilidade Fiscal e da Lei nº 13.019/2014, precisamente o cumprimento de determinados requisitos (precisamente regularidade fiscal).

LEI 13.019/2014 - MARCO REGULATÓRIO DO TERCEIRO SETOR REQUISITOS GERAIS E LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL

LAW 13,019 / 2014 - REGULATORY FRAMEWORK OF THE THIRD SECTOR GENERAL REQUIREMENTS AND FISCAL RESPONSIBILITY ACT

Artigo escrito em 23/06/2017

Roque Sérgio D´Andrea Ribeiro da Silva[1]

 

José Julberto Meira Junior[2]

 

Resumo: O presente artigo trata da leitura que se deve fazer acerca do art. 195, §3º da Constituição Federal de 1988, Lei de Responsabilidade Fiscal e da Lei nº 13.019/2014, precisamente o cumprimento de determinado requisito (precisamente regularidade fiscal) que deverá ser atendido pelas Organizações da Sociedade Civil quando formarem parcerias com a administração pública em regime de mutua cooperação. A ausência de apresentação de certidão negativa de débito (ou positiva com efeito de negativa) por determinada organização voltada à educação, saúde e assistência social, deve ser fator excludente de contratação pelo o Poder Público? Referida questão será aqui tratada.

Palavras-chave: Regularidade fiscal marco regulatório - lei de responsabilidade fiscal - regra de exceção

 

Abstract: This article deals the reading that should be done about art. 195, paragraph 3 of the 1988 federal Constitution , the Fiscal Responsibility Law and Law No. 13,019 /2014, precisely the fulfillment of certain requirements ( just regular tax) to be attended by civil society organizations when forming partnerships with public administration regime of mutual cooperation . The presentation absence of debt negative certificate (or positive -negative effect) by a certain organization focused on education, health and social care should be exclusionary factor of contracting by the government? This matter will be dealt here.

Keywords: Regularity fiscal regulatory frameworkfiscal responsibility law - exception rule
 

 

  1. Introdução – A Relevância do Serviço Público

 

A CF/88 atribuiu aos particulares, de forma subsidiaria ao Estado, a realização de serviços públicos de absoluta relevância social, bastando, para tanto, observar a redação contida no artigo 197[3] da Carta Maior, onde se encontra a previsão para que a atividade de saúde seja exercida pelo Poder Público, ou, por intermédio de terceiros, sejam eles, pessoas físicas ou jurídicas, entes reconhecidos como de direito privado.

O mesmo entendimento, também extraído de nossa Constituição Federal, pode ser extraído dos artigos 204[4], incisos I[5] e II[6] e 205[7], que, ao cuidarem da assistência social e educação, autorizam que os particulares antes mencionados desenvolvam referidas tarefas; tarefas estas que efetivamente secundam atividades eleitas pelo legislador constitucional de maneira a fomentar parcerias público-privadas revelando interesse público no desempenho de tais ações.

Neste sentido, convalidando a atuação subsidiária, Paulo Modesto (2005, p.6), ao tratar da repartição das esferas de ação do Estado a da Sociedade, assim discorre:

 

No Brasil, há previsão constitucional explícita de atividades nas quais de forma simultânea, os particulares atuam com liberdade de iniciativa, sob regime de direito privado e sem delegação do Poder Público, e o Estado atua também em caráter obrigatório, sem qualquer exigência de prévia autorização especial da Lei, decorrente de razões de segurança nacional ou relevante interesse coletivo. São situações em que tanto a atuação do Estado quanto dos particulares é estimulada, fomentada, permitindo formação de parcerias, sem a necessidade de autorização de serviço, concessão de serviço ou permissão de serviço público.

 

Assim, não há qualquer dúvida que a iniciativa privada, conforme previsão constitucional pode exercer ações em áreas coadjuvantes do Estado, na exata ideia de que os recursos públicos destinados à saúde, educação e assistencial são e sempre serão insuficientes a atender demanda cada vez mais crescente na atual realidade brasileira, havendo, por fim, necessidade de tal complementariedade por parte dos particulares com o devido respaldo constitucional.

O exercício efetivo de apontadas atribuições estatais, mesmo que exercidas de forma subsidiária pelos particulares, representa sim a realização de conquista da cidadania, porque confere às entidades privadas com referido perfil, através de seus prepostos, a possibilidade de efetivar direitos sociais tal como o é em relação aos deveres do Estado. Tanto assim que o Legislador Maior, com o propósito de incentivar o exercício de mencionadas atividades, conferiu às mesmas a imunidade constitucional tributária, conforme previsão contida nos artigos 150, VI, “c[8], e 195, § 7º[9], tratamento este que se aplica, de forma explícita aos impostos e contribuições à seguridade social, não alcançando necessariamente as demais formas tributárias, que, ao longo dos últimos anos foram se acomodando em nossa legislação constitucional e no próprio ordenamento legal dela decorrente.

Muito embora não seja objeto precípuo do presente opúsculo discorrer de forma detalhada sobre as razões que estribam as aludidas imunidades constitucionais tributárias, convém, como premissa ao intento alhures apresentado, melhor pavimentar a linha de argumentação apresentada, invocar, também, a doutrina de Leandro Marins (2004, p.145), que ao discorrer sobre aludido “incentivo tributário”, assevera:

 

A justificativa para a concessão de benesses tributárias através da imunidade é a admissão de que a sociedade não é massa homogênea, mas formada por uma diversidade de grupos que idealizam a mesma diversidade de interesses, a demandar tratamento diferenciado em busca da igualdade socioeconômico-material objeto da democracia.

 

Ainda em reforço ao debate da subsidiariedade relativamente à atividade privada, Fernando Borges Mânica (2008, p.55) ao falar da prestação de serviços públicos sociais, em referência explícita a Marçal Justen Filho, assim afirma:

 

A responsabilidade social deixou de ser monopólio do Estado e passou a configurar dever de todos. Como salientou Marçal Justen Filho, ao tratar dessa nova concepção: ‘Os valores fundamentais da sociedade devem ser buscados através da atuação do Estado, da sociedade e do cidadão. A dignidade da pessoa humana não é um valor externo a cada sujeito e todos têm um compromisso moral e político com ela – não é apenas com a dignidade alheia, mas com a própria.

 

E é justamente com este olhar que se deve empreender esforços interpretativos à amparar a presente leitura, sobretudo porque o Estado além de autorizar a exploração através de organizações particulares eleitas constitucionalmente de interesse público social, reconhece, por meio de seus agentes, não ter recursos suficientes para atender tal demanda, busca fomentá-las, tudo com o propósito de conferir iguais oportunidades àqueles que precisam ter acesso aos direitos sociais básicos.

Portanto, a prática de apontada exploração tipifica-se como serviço público, ainda que praticado por organizações privadas, de modo a assegurar à todos, indistintamente, garantias constitucionais como direito fundamental ao cidadão.

Neste sentido ainda o ensinamento apresentado na obra de Daniel Wunder Hachem (2014, p.130): “Os direitos Fundamentais se sujeitam a um conjunto específico de princípios e regras, que tem por finalidade emprestar-lhes uma proteção reforçada contra ações e omissões do Estado e dos sujeitos privados”.

 

Quando se fala em serviço público adequado e a devida consistência na materialidade de direito fundamental, novamente Hachem (2014, p.132/133), em continuidade ao já exposto, proclama:

 

O direito fundamental ao serviço público adequado consiste em um direito materialmente fundamental por quatro motivos: (....) (iv) decorre diretamente dos princípios da dignidade humana e da cidadania (art.1º, II e III, CF), pois os serviços públicos são indispensáveis para proporcionar aos cidadãos condições de existência digna e possibilitar sua participação ativa na comunidade política e social, além de serem imprescindíveis para atingir os objetivos fundamentais da República de erradicar a pobreza, reduzir as desigualdades sociais, garantir o desenvolvimento e construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I a III da CF)

 

Diante de argumentos que revelam a dimensão do que representam ações de educação, saúde e assistência social no campo social, as garantias e os fundamentos constitucionais que amparam o direito em termos de proteção e incentivo, é possível avançar mais no tema ora tratado, de maneira a conhecer melhor a problemática envolvida, notadamente quanto ao importante papel desempenhado pela Lei de Responsabilidade Fiscal, em termos de finanças públicas, voltada para a responsabilidade na gestão fiscal e, em linhas gerais, para o bom uso dos recursos públicos que as pessoas políticas de direito público interno invariavelmente deverão observar.[10]

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Frise-se, pois, que a apontada Lei, por intermédio da gestão fiscal responsável dos recursos públicos, representa um pressuposto da atividade pública, não se limitando a isso evidentemente, mas também, até como corolário desta pretensão, a ação planejada e transparente do administrador público, tendo-se como premissas, a prevenção de riscos e correção de eventuais desvios que possam afetar o equilíbrio das contas públicas, estabelecendo, desta forma, não só cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas, como a obediência a limites e condições para a renúncia de receitas e de geração de despesas, dentre de outros cuidados.

 

METODOLOGIA: adequada para a resposta da problemática enfrentada pela pesquisa e própria aos objetivos indicados na introdução do tema em análise.

 

  1. Art. 195, §3º[11] da Constituição Federal de 1988

 

Retira-se da leitura do artigo 195, §3º da nossa Carta Maior, a impossibilidade de haver contratação com o Poder Público, nem receber benefícios, incentivos fiscais ou creditícios, nos termos da lei, a pessoa jurídica que estiver em débito para com o sistema da seguridade social.

Pois bem, o artigo em mira prevê que a disciplina se deve dar através de lei. Por isso, é possível que a regulamentação ocorra em termos infraconstitucionais, podendo inclusive o legislador ordinário prever situações em que a regularidade fiscal seja mitigada diante de critérios eleitos, e que a própria administração pública venha a determinar como necessárias aos interesses em jogo; ou seja, valores que a Constituição tem o propósito de incentivar e promover deverão preponderar diante da exigência de regularidade fiscal.

Não fosse isso, não haveria qualquer margem de interpretação que, em termos legais, pudesse ser condizente com o que prevê a Carta Magna brasileira em sua principiologia fundamental.

Isso tudo decorre da aplicação de princípios tais como o da razoabilidade e da proporcionalidade, na exata ideia de que não se pode tê-los aplicados de forma desmedida, de modo a impedir que determinada atividade seja exercida, na medida em que referido instrumento – a negativa de regularidade fiscal -, importe em via torta a exigir o pagamento de determinado tributo. Sabe-se que há meios legais para tanto!

A pretexto da pretendida existência de razoabilidade e proporcionalidade na exigência de CND, Leandro Paulsen (2013, p.1297) registra que:

 

Tanto a razoabilidade como a proporcionalidade são princípios que asseguram o indivíduo contra medidas arbitrárias, sem-sentido, que sejam desnecessárias para o fim que supostamente as tenham motivado, inadequadas para levar ao resultado prático pretendido ou desmesuradas (proporcionalidade em sentido estrito), estabelecidas com exagero em dimensão incompatível com a finalidade buscada. Nestes casos, ou quando os empecilhos ao exercício dos direitos do contribuinte sejam desproporcionais ou a natureza destes exigir maior proteção, a intervenção legal na esfera privada não se justificará, tendo em conta que o indivíduo tem sua liberdade, seu patrimônio e seus direitos sociais tutelados constitucionalmente e que medidas restritivas só se viabilizam no Estado de Direito quando revestidas de razoabilidade e de proporcionalidade. Ou seja, o legislador não pode estabelecer qualquer coisa, mas o que esteja em consonância com os princípios que resguardam ao mesmo tempo os interesses público, social e individual.

 

De fato, os interesses econômicos sociais receberam tratamento constitucional admirável dada a relevância ao incentivo e promoção que determinados setores da iniciativa privada poderão exercer ações em complementação aos deveres do Estado.

Tais condições consubstanciam a viabilidade da realização de ações primárias e essenciais na construção de uma ‘sociedade livre, justa e solidária’ (inciso I, art. 3º da CF/88).

 

  1. Lei de Responsabilidade Fiscal – LC 101/2000 – Aspectos Gerais

 

Apenas como reforço de persuasão e considerando o tecido jurídico nacional, vale dizer, a forma pela qual se deve entender o sistema legal nacional, importa abordar ainda que em ‘obter dictum’, o papel da Lei Complementar neste cenário, justamente para preservar a coerência e a organização que a norma deve ter em apontado sistema. Deseja-se com isso, evitar equívocos interpretativos.[12]

Com efeito, parte-se do pressuposto de que a Lei de Responsabilidade Fiscal, portanto, norma de caráter nacional dirige-se a todas as pessoas políticas de direito público interno uma vez que obriga não só à União Federal como também os Estados, Municípios e Distrito Federal, consoante expressa dicção contida no parágrafo 2º do seu artigo 1º, verbis:

 

Art. 1o Esta Lei Complementar estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, com amparo no Capítulo II do Título VI da Constituição.

(.....)

 § 2o As disposições desta Lei Complementar obrigam a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.

 

Note-se, ademais, que é a própria Carta Maior que estabelece a competência do veículo normativo que regulará a matéria por intermédio de Lei Complementar, significando dizer que tanto o conteúdo formal quanto material, deverá ser observado pelo legislador federal e até mesmo local no momento em que produzir norma relativa ao tema: “Finanças Públicas” conforme previsto no artigo 163 da CF/88.

Melhor explicando, a lei nacional (LC 100/101), estabelece regras gerais aos Poderes Públicos internos, nos três níveis de competência (União, Estados, Municípios, Distrito Federal) e que deverão ser criteriosamente observadas pelos legisladores, dentro, portanto, dessas respectivas competências, no momento em que editarem leis tratando de gestão fiscal.

Caso assim não se comportem, editando normas que contrariem o regramento estabelecido a partir da Lei de Responsabilidade Fiscal, poderão ser declaradas ilegais[13] ou inconstitucionais.

A doutrina de Weder de Oliveira (2013, p.1090) enriquece o presente estudo ao mencionar o pensamento de Tercio Sampaio Ferraz sobre o tema:

 

Assim com os outros autores, Tercio Sampaio Ferraz também afirma que a normas locais editadas no âmbito da legislação concorrente devem ser conformes às normas gerais editadas pela União, sob pena de inconstitucionalidade. ‘A despeito das regras sobre legislação concorrente, Estados e Distrito Federal, mas também os Municípios, mesmo estes, que dela não participam, têm ainda competência suplementar, que os autoriza a estabelecer normas gerais não concorrentes, mas decorrentes de normas federais; por isso, aliás, esta competência só pode ser exercida em havendo normas gerais da União (não serve para preencher lacunas), devendo existir compatibilidade entre elas (gerais da União e dos Estados/DF) sob pena de invalidade (inconstitucionalidade)’.

 

Logo, diante das linhas gerais acima traçadas, os fundamentos que dão amparo ao tema ganham relevo na medida em que a lei que instituiu o Marco Regulatório deve ser aplicada e entendida exatamente dentro deste contexto.

 

  1. Lei 13019/2014 – ‘Marco Regulatório do Terceiro Setor’

 

A lei ordinária nº 13.019 de 31/07/2014, conhecida como Marco Regulatório do Terceiro Setor, estabelece regime jurídico de parcerias voluntárias que visa disciplinar a relação da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, das autarquias, das fundações, das empresas públicas e das sociedades de economia mista prestadoras de serviço público, com as organizações da sociedade civil.

Referida norma tem como pressuposto básico, entre outras características, dar maior transparência e controle em dita relação, notabilizada por destinar recursos públicos para execução de trabalhos de alta relevância pública e social.

Impende ainda observar que a lei nº 13.204/2015 promoveu inúmeras alterações na norma de regência (13.019/2014). Dentre as mudanças ocorridas, o legislador previu a possibilidade da administração pública dispensar o chamamento público em casos de atividades voltadas ou vinculadas a serviços de educação, saúde e assistência social, desde que executadas por entidades que qualificarem-se como tal (art. 30, VI da lei 13.019/2014). Isto é, apontadas atividades são endossadas por revelar a vontade do constituinte em promover o fomento na realização de ações com formidável apelo social, motivo este que ampara a dispensa do chamamento público conforme expresso na lei. Frise-se, todavia, competirá à administração, dentro, portanto, dos critérios que deve adotar toda e qualquer administração pública, justificar as razões pelas quais promoveu a dispensa, bem como publicar o ato administrativo que amparar mencionada decisão, oportunizando terceiros à eventualmente apresentarem impugnação. Em outro giro verbal, os valores que devem prestigiar as ações sociais no campo da saúde, educação e assistência social, continuam sendo, até este ponto de análise, preservados.

Ainda considerando a prescrição legal, muito embora entidades com aludido perfil possam ser dispensadas do chamamento público, não significa dizer que outros requisitos deixarão de ser observados pelas Organizações da Sociedade Civil para que possam regularmente celebrar parcerias[14] com a administração pública de acordo com a lei 13.019/2014. Além do mais, todos os propósitos insertos na nova lei deverão ser cumpridos pelas instituições em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco. As ferramentas de controle, tais como acompanhamento, monitoramento, fiscalização, avaliação de políticas públicas e prestação de contas, de acordo com o que está previsto em apontada norma, revelam o acerto e a preocupação que a Administração Pública deve ter na correta execução de políticas sociais.

Entretanto, um dos requisitos previstos para celebração do termo de colaboração ou de fomento trata da exigência da apresentação de regularidade fiscal, previdenciária, tributária, de contribuições e de dívida ativa, de acordo com a legislação aplicável de cada entre federado (art. 34, II da lei 13.019/2014). Porém, muito embora a norma seja adequada ao rigor de controle e transparência, como visto acima, causa espécie apontada exigência.

Pois bem, a despeito de ser norma de aplicação nacional (norma geral), conforme se pode inferir do art. 22, XXVII da Constituição Federal, há determinação – competência concorrente - para que cada Ente Federado possa disciplinar mencionado requisito de acordo com suas próprias necessidades, não havendo portanto, um engessamento dos demais entes federados quanto ao tema, desde que com a referida legislação não colidam, de forma a respeitar sua condição de regramento geral.

E é justamente neste diapasão que será melhor analisada aludida lei, no cotejo  com a lei de responsabilidade fiscal – LRF (LC nº 101/2000), naquilo que couber, uma vez que foi instituída com o propósito de normatizar finanças públicas voltadas à gestão fiscal, sobretudo porque há casos em que as Certidões Negativas Fiscais não têm caráter obrigatório, notadamente em situações de ocorrência de transferências voluntárias, para determinadas áreas de recíproco interesse público e social.

Neste contexto, pela lei nº 13.019/2014, as transferências voluntárias abrangem tanto o termo de colaboração quanto de fomento. Verbis:

 

Art. 16. O termo de colaboração deve ser adotado pela administração pública em caso de transferências voluntárias de recursos para consecução de planos de trabalho propostos pela administração pública, em regime de mútua cooperação com organizações da sociedade civil, selecionadas por meio de chamamento público, ressalvadas as exceções previstas nesta Lei.

(....)

Art. 17. O termo de fomento deve ser adotado pela administração pública em caso de transferências voluntárias de recursos para consecução de planos de trabalho propostos pelas organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação com a administração pública, selecionadas por meio de chamamento público, ressalvadas as exceções previstas nesta Lei. (Grifou-se)

 

Está claro, portanto, que os instrumentos de contratualização previstos acima serão realizados por meio de transferências voluntárias.

Por outro lado, importa notar que a lei de responsabilidade fiscal, ao regulamentar o art. 163 da CF/88, institui, por meio de competência exclusiva, normas gerais de finanças públicas vinculando não só à União, Estados, Municípios e Distrito Federal, como também sociedade cuja maioria do capital social com direito a voto pertença, direta ou indiretamente, a ente da Federação, empresa estatal dependente: empresa controlada que receba do ente controlador recursos financeiros para pagamento de despesas com pessoal ou de custeio em geral ou de capital, conforme dicção do artigo 2º da LRF.

Logo, a Lei de Responsabilidade Fiscal deve ser intransigentemente observada a todos os sujeitos partícipes de seu alcance[15], não só em face de sua competência, mas também por ser hierarquicamente superior às normas ordinárias e leis locais que eventualmente conflitarem com sua prescrição.

Diante desse quadro, o artigo 25 da LRF, ao tratar de transferência voluntária, estabelece inúmeras exigências para que ocorra a entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde.

Dentre as quais, destaca-se a seguinte:

 

Art. 25. (......)

§ 1o São exigências para a realização de transferência voluntária, além das estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias:

(....)

IV - comprovação, por parte do beneficiário, de:

  1. que se acha em dia quanto ao pagamento de tributos, empréstimos e financiamentos devidos ao ente transferidor, bem como quanto à prestação de contas de recursos anteriormente dele recebidos;

....

 

Até aqui nenhuma novidade.

Porém, observe-se que há regra de exceção, na medida em que o §3º do citado artigo 25 dispõe sobre a inexistência de suspensão em transferências voluntárias aos beneficiários, caso sejam destinadas às ações de educação, saúde e assistência social. Confira-se:

Art. 25. (.....)

...

§ 3o Para fins da aplicação das sanções de suspensão de transferências voluntárias constantes desta Lei Complementar, excetuam-se aquelas relativas a ações de educação, saúde e assistência social. (Grifou-se)

 

Como se vê, o legislador complementar, cônscio da preservação dos valores constitucionais que deve prestigiar e incentivar, sobretudo nas três áreas de absoluta importância social, jamais pode impedir a transferência de recursos destinados às apontadas finalidades sociais, porque determinada organização social não detém certidão ‘tributária’ negativa, em estrita observância ao princípio da razoabilidade, nos limites da legalidade do agente público e com o exercício da discricionariedade e responsabilidade que lhe são intrínsecas no exercício de tal mister.

Em reforço, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, em obra coordenada por Ives Gandra Martins (2001, p.174), ao comentar dita a exceção, esclarece que:

 

...a sanção não poderá ser aplicada quando se tratar de transferências voluntárias para as áreas de educação, saúde e assistência social. É o que consta do art. 25, §3º, com uma justificativa fácil de entender: são áreas em que a Constituição prevê como dever a atuação do Estado, exatamente por abrangerem atividades que atendem a necessidades essenciais da coletividade, além de constituírem matérias de competência comum dos três níveis de governo (art. 23, II e V, da CF).

 

A Lei nº 13.019/2014, por sua vez, determina que as organizações da sociedade civil, por ocasião da celebração do termo de colaboração ou de fomento, apresentem certidões de regularidade fiscal.

Confira-se:

 

Art. 34. Para celebração das parcerias previstas nesta Lei, as organizações da sociedade civil deverão apresentar:

(....)

II - certidões de regularidade fiscal, previdenciária, tributária, de contribuições e de dívida ativa, de acordo com a legislação aplicável de cada ente federado;

(....);

 

No entanto, como visto acima, referida disposição conflita com a exceção contida no §3º do art. 25 da LRF, relativamente às atividades voltadas à saúde, assistência social e educação.

Não tem sentido obstaculizar celebração de parcerias para realização de transferências voluntárias, dada a hipótese de ausência de regularidade fiscal de determinada entidade pública ou privada, como previsto na lei que institui o Marco Regulatório do Terceiro Setor.

Via de consequência, inadmissível promover a respectiva desclassificação da organização (art. 28), se tais transferências destinarem-se à saúde, assistência social e educação, dada a dicção contida no §3º do art. 25 da LRF.

Esta é, assim parece, a forma mais adequada de se interpretar a nova norma que disciplina o Marco Regulatório do Terceiro Setor; ou seja, não isolá-la diante do arcabouço jurídico nacional, sob pena de errar em sua descrição e aplicação, mas empregar regra de incidência conforme valores constitucionais que protegem instituições que secundam o ‘Estado’ em apontadas áreas.

Dito de outra forma, entidades que promovem a educação, saúde e assistência social em caráter beneficente, pelo fato de auxiliarem o Poder Público no exercício de tais funções, mormente o reconhecimento de que o mesmo não consegue através de suas políticas atingi-las satisfatoriamente, também não podem ser penalizadas por não possuírem certidões de regularidade fiscal em dado momento de suas atividades estatutárias.

Não fosse assim, inexistiria qualquer razão em determinar que o legislador maior conferisse a disciplina da matéria ao legislador complementar, e este, atento às prioridades constitucionais, promovesse exclusão de regra que tem como escopo a preservação de direitos fundamentais.

No que toca a orientação jurisprudencial, a exceção prevista na LRF vem preponderando no sentido de liberar repasses públicos em caso símil, mesmo que a organização não seja portadora de regularidade fiscal.

Veja-se:

 

ADMINISTRATIVO. CONVÊNIO. LIBERAÇÃO DE VERBAS PÚBLICAS PARA ATENDIMENTO DAS CRIANÇAS E DOS ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE RISCO PESSOAL E SOCIAL. APRESENTAÇÃO DE CERTIDÃO NEGATIVA PELO TRIBUNAL DE CONTAS. REQUISITO DISPENSÁVEL. INTERPRETAÇÃO DO ART. 25, §§ 1º E 3º, DA LC 101/2000.

  1. (.....)

4. Pela leitura do § 1º do art. 25 da Lei Complementar 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal) conclui-se que é lícita a exigência de certidões que comprovem a regularidade do ente beneficiado com o repasse da transferência voluntária, entre as quais a pontualidade no pagamento de tributos, empréstimos e financiamentos, bem como em relação à prestação de contas de recursos derivados de convênios anteriores. Ocorre que a própria norma em seu § 3º estabelece que não serão aplicadas as sanções de suspensão das transferências voluntárias nas hipóteses em que os recursos transferidos destinam-se a aplicação nas áreas de saúde, educação e assistência social, hipótese configurada nos autos, em que o convênio firmado com o Estado do Paraná tem por objeto a execução de atividades inerentes ao atendimento das crianças dos adolescentes em situação de risco pessoal e social.

5. Apesar do texto normativo fazer referência a sanção de suspensão de transferência voluntária, as exigências previstas no artigo 25, § 1º, da LRF não se aplicam às transferências voluntárias destinadas a ações nas áreas de educação, saúde e assistência social. Dessa forma, a cláusula do referido convênio que condiciona a liberação financeira à apresentação de Certidão Negativa do Tribunal de Contas deve ser considerada abusiva e ilegal. Precedentes.

6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido. (REsp 1.407.866/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/10/2013, DJe 11/10/2013)  (Grifou-se)

 

E nem se alegue que referida regra de exceção não se aplica às entidades privadas, pois conforme orientação do E.T.J. PR (Reexame Necessário nº 676.189-3 – Relator Des. Abraham Lincoln Calixto. Julgado 10/02/2011. Publicação 22/02/2011) o serviço prestado de interesse público pode ser realizado por entidade privada em caráter complementar, motivo este forte o bastante para contemplar o mesmo tratamento, isto é, de inexigência de CND na realização de serviços voltados à saúde, educação e assistência social ainda que praticado por particulares.

Dessarte, certamente a nova lei será alvo de muitas objeções, porque sua redação leva a interpretações equivocadas. Sua literal interpretação leva a isso.

Por outro lado, os Entes federados poderão legislar dentro de suas respectivas competências, contrariando norma geral, ante a regra de exceção prevista na LRF, pois muito embora seja nacional, há espaço para que o legislador local, à luz do contido no art. 24,§1º da CF/88, assim preveja.

3. Conclusões

 

  1. Muito embora a lei que instituiu o chamado Marco Regulatório do ‘Terceiro Setor’ preveja uma série de medidas aptas à ‘moralizar’ a relação jurídica com as entidades beneficentes em aludido laço, deve-se compreender a relevância que determinadas atividades exercem no campo da assistência social;
  2. A própria lei 13.019/2014 ao promover a dispensa do chamamento público relativamente nas áreas de saúde, assistência social e educação reconhece a importância que tais atividades exercem junto a sociedade brasileira, sendo servil aos ditames que a própria CF/88 reconhece como valor que deve ser preservado e sobretudo estimulado;   
  3. Por isso, ainda que a certidão negativa fiscal seja exigida para cumprir os requisitos para celebração do chamado termo de colaboração ou do termo de fomento com o ‘Poder Público’, a avaliação que se deve empreender da norma não deve ser isolada, sob pena de equivocar-se na exata compreensão das ações que secundam o Estado diante da previsão contida na Constituição Federal de 1988;
  4.  A prescrição contida na Lei de Responsabilidade Fiscal quando prevê regra excepcional de comprovação de regularidade fiscal para realização de transferências à educação, saúde e assistência social, ratifica os ditames da Lei Maior, sobretudo porque a realização de ação social por entidades beneficentes não pode ser entendida como simples ato contatual com o Poder Público. Trata-se de uma relação que tem o objetivo de efetivar a cidadania com as parcerias que tem o propósito de materializar a isonomia, através de ações de fomento estimuladas pelo Estado e desenvolvidas pela iniciativa privada. Portanto, são valores diferentes e que devem ser tratados como tal.

 

REFERÊNCIAS

 

HACHEM, Daniel Wunder. Direito fundamental ao serviço público adequado e capacidade econômica do cidadão: repensando a universalidade do acesso à luz da igualdade material. Belo Horizonte: A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, ano 14, n. 55.

MÂNICA, Fernando Borges. Terceiro Setor e imunidade tributária: teoria e prática. 1ª Reimpr. Belo Horizonte: Fórum, 2008.

MODESTO, Paulo. Reforma do Estado, formas de prestação de serviços ao público e parcerias público-privadas: demarcando as fronteiras dos conceitos de serviço público, serviços de relevância pública e serviços de exploração econômica para as parcerias público-privadas. Salvador: Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, Instituto de Direito Público da Bahia, nº 2, maio-jun-jul, 2005. Disponível na Internet: www.direitodoestado.com.br

OLIVEIRA, Weder de. Curso de responsabilidade fiscal: direito, orçamento e finanças públicas. Belo Horizonte: Fórum, 2013.

PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 15 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado. ESMAFE, 2013.

SILVA MARTINS, Ives Gandra e NASCIMENTO, Carlos Valder do. In Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal. São Paulo: Saraiva, 2001.

SOUZA, Leandro Marins de. Tributação do Terceiro setor no Brasil. São Paulo: Dialética, 2004.

 

Sobre os autores
José Julberto Meira Junior

Advogado; Mestre em Direito Empresarial pelo Programa de Pós-Graduação do Centro Universitário Curitiba (2018) e especialista em Direito Tributário (1999) pelo IBEJ/FESP; Professor Universitário nos cursos de especialização da UNICENP, FAE BUSINESS, FESP, ABDCONST (Curitiba), FAG (Cascavel e Toledo), CTESOP (Assis Chateaubriand); UniOPET EAD (Curitiba); Instituto Navigare / Faculdade Stª Fé (São Luis – Maranhão), UFPR/Ciências Contábeis (Curitiba), PUC (Curitiba); com estágio docente realizado na Universidade de Santiago de Compostela (USC/Espanha); Membro do Comitê Tributário da OAB/PR; membro honorário do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT); membro do Instituto de Direito Tributário do Paraná (IDT); membro do Comitê de Estudos Tributários, Fiscais e Contábeis do CRC/PR e do Conselho Temático Tributário da Federação das Indústrias do Paraná (FIEP). Lattes: http://lattes.cnpq.br/2581196308704093 E-mail: julberto@consult.com.br

ROQUE SÉRGIO D'ANDREA RIBEIRO DA SILVA

Advogado. Graduado em Direito pela PUC/PR, Mestrando em Direito pela UNICURITIBA, com área de concentração em Direito Tributário, aplicado ao Terceiro Setor, Especialista em Direito Civil, com extensão em Direito Tributário e Direito Comercial no Mercosul, Membro da Comissão de Direito Tributário e Presidente da Comissão do Terceiro Setor da OAB/PR, Associado ao Instituto de Direito Tributário do Paraná – IDTP, autor do Livro “Introdução ao Direito Constitucional Tributário” pela Editora IBPEX e Coordenador do “ Código Tributário Nacional Comentado” promovido pela Comissão de Direito Tributário da OAB/PR,

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