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Taxa de fiscalização judiciária sobre serviços de registro e notariais prestados em Minas Gerais é inconstitucional e ilegal

Agenda 14/04/2005 às 00:00

O Governador do Estado de Minas Gerais sancionou em 30 de dezembro de 2004 a Lei Estadual 15.424, que dispõe sobre a fixação, a contagem, a cobrança e o pagamento de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro, o recolhimento da "Taxa de Fiscalização Judiciária" e a compensação dos atos sujeitos à gratuidade estabelecida em lei federal e dá outras providências, sendo a publicada no Diário do Executivo no dia seguinte, conforme se pode verificar no site da Assembléia Legislativa de Minas na Internet: http://www.almg.gov.br/njmg/dirinjmg.asp

A referida Lei prevê um novo tributo: a "Taxa de Fiscalização Judiciária", a qual tem como fato gerador o exercício do poder de polícia atribuído ao Poder Judiciário pela Constituição da República (art 3º). Identifica, ainda, que o contribuinte dessa taxa é a pessoa natural ou jurídica usuária dos serviços notariais e de registro (art 4º), bem assim prevê como responsável pelo recolhimento da taxa o tabeliães e oficiais de registro que praticar o ato notarial ou de registro (art 5º).

A nomenclatura utilizada pelo legislador da Lei 15.424 para essa nova "Taxa" é semelhante ao de uma taxa já instituída, certamente, em todos as unidades da federação: a "Taxa Judiciária", que incide sobre as medidas judiciais e administrativas interpostas perante o Poder Judiciário ou a repartição administrativa, cuja receita proveniente de sua arrecadação ingressa no caixa do Tesouro Estadual. No Estado de Minas Gerais essa taxa é prevista no art 99 da Lei 6.763, de 26.12.1975.

Como toda lei instituidora de um tributo a Lei 15.424 explicita o fato tributável, a base de calculo, o valor a recolher ou critério para chegar-se a esse fim, identifica o sujeito passivo e responsáveis e o sujeito ativo.

A "finalidade gramatical" da presente lei está claramente disposta em seu art 44, a saber, compensar os atos gratuitos do registro civil das pessoas naturais (nascimento, assento de óbito e respectivas certidões) e a complementação da receita bruta mínima mensal das serventias de registro civil deficitárias (receita inferior a R$780,00), cuja gratuidade foi instituída pela Lei Federal 9.534 de 1997, que alterou a redação do art 30 da Lei Federal 6.015 de 1973.

Essa Lei Estadual 15.424 veio, a princípio, para atender o disposto na Lei Federal 10.169 de 2000, que impôs fosse estabelecido pelos Estados a forma de compensar os registradores civis das pessoas naturais pelos atos gratuitos que praticar aos reconhecidamente pobres (art. 8º). Apesar de a Lei 10.169 dizer que essa compensação não geraria ônus ao Poder Público (parágrafo único do art. 8º), previu a correção na tabela de emolumentos (retribuição pecuniária por atos praticados pelo Notário e pelo Registrador, no âmbito de suas atribuições), no prazo de noventa dias.

A "solução" adotada pelo legislador mineiro para atender a essa lei foi corrigir o preço da tabela de emolumentos e instituir a "Taxa de Fiscalização Judiciária" prevendo a incidência de valores, que vão de R$0,37 a R$ 1.305,72, sobre os emolumentos cobrados pelos atos praticados pelos Notários e Registradores (de forma generalizada) no âmbito de suas atribuições, aumentado em muito o custo aos usuários dos serviços públicos.

Ocorre que essa "Taxa de Fiscalização Judiciária" é ilegal e inconstitucional.

Os emolumentos já cobrados, corrigidos e referidos na Lei 15.424 já têm natureza tributária, qualificando-se como taxa remuneratória de serviços públicos, revelando bi-tributação, posto que o Estado de Minas com essa lei está cobrando mais de uma vez o mesmo contribuinte em razão da mesma causa, fato que faz essa "Taxa" ser ilegal.

A Constituição de 1988 concede a imunidade recíproca entre toda a Administração Pública (art 150 VI a) para instituir impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços uns dos outros. No caso, o Estado de Minas instituiu a "Taxa de Fiscalização Judiciária" tendo como hipótese de incidência a prestação de serviço de registro e notariais, os quais são serviços públicos primários, exercidos pelos particulares mediante delegação de poder público (CF, art 236), o que a torna inconstitucional.

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Ademais, a União é quem tem competência exclusiva para legislar sobre registros públicos (art 22 XXV), sendo que o Estado de Minas usurpou a atribuição legislativa da União para versar, sem ser supletivamente, sobre a hipotética "tributação" destes serviços. Vale dizer que a Lei 10.169 diz para atualizar a tabela de emolumentos e não para instituir um taxa sobre os serviços de registro e notariais, eivando assim de inconstitucionalidade e ilegalidade a referida "Taxa".

Apesar de a Taxa ser cobrada em valores fixos constantes nas oito Tabelas do Anexo à Lei 15.424, basta fazer uma simples conta para chegar-se à conclusão de que esta "Taxa" tem como "alíquota" o percentual que varia de 12% a 77% sobre o valor dos emolumentos cobrados aos usuários! Impende dizer que o princípio vedação ao confisco está previsto no art. 150, IV, da Constituição Federal, o qual é dirigido principalmente ao legislador de forma a orientar a feitura da lei, que deve observar a capacidade contributiva e não pode dar ao tributo a conotação de confisco. O legislador das alterosas com a edição dessa Lei 15.424 violou esse princípio constitucional do sistema tributário brasileiro ao "taxar" o usuário dos serviços de registro e notariais em até 77% sobre o valor dos emolumentos que já teria de pagar aos cartórios mineiros.

Outro ponto interessante a se criticar, a Lei 10.169 demonstra que a compensação se trata dos valores de emolumentos que não foram recebidos pelos atos praticados, tão somente, pelos Oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais, conforme impõe o art 30 da Lei 6.015. Então porque motivo tributar nessa alíquota confiscatória os atos praticados também pelo Tabelião de Notas, Tabelião de Protesto de Títulos, Oficial de Registro de Imóveis, Oficial de Registro de Títulos e Documentos, Oficial de Registro Civil das Pessoas Jurídicas, e Oficial de Registro de Distribuição?

Não se teve notícia de estudos feitos pela Corregedoria-Geral de Justiça e da Secretaria de Estado de Fazenda demonstrando que há uma infinidade de registros feitos gratuitamente e que inúmeras serventias não estão auferindo renda superior a R$780,00 mensais (principio da motivação), nem mesmo discussão pública da necessidade da instituição de mais um tributo (princípio da democracia), para que então o legislador pudesse ao menos tentar justificar a instituição dessa "taxa" ilegal e inconstitucional sobre os todos os atos notariais e registrais, restando calcado aos pés o princípio da igualdade pela total ausência de um critério de discriminação a ser utilizado na instituição, cobrança e finalidade da "Taxa".

Por fim, a "Taxa de Fiscalização Judiciária" não tem natureza de taxa, o que a torna inconstitucional: primeiro, porque não há exercício regular de poder de polícia do Poder Judiciário (CTN, art 78), pois não há uma limitação e disciplina direitos e deveres dos indivíduos sob o cetro do Estado com base em interesse público, pelo contrário há sim uma intenção de suprir as perdas com atos gratuitos de registro civil (nascimento e óbito); segundo, apesar de haver um serviço público (CTN, art 79) não há uma atividade estatal específica, ou seja, uma contraprestação do ente instituidor da taxa, bem assim o fato tributável não é relativo ao "contribuinte" que utiliza o serviço e sim à coletividade em geral. Portanto, sua inconstitucionalidade é patente.

O legislador mineiro deveria ter cumprido a Lei Federal 10.169, a saber: corrigindo a tabela de emolumentos cobrados pelos serviços de registro e notariais e criado um fundo de reserva dos recursos advindos dos emolumentos, ou, ainda, ter elevado o percentual dos emolumentos cobrados pelos Notários e Registradores que vai para o Erário, jamais ter criado essa "Taxa de Fiscalização Judiciária" que é flagrantemente inconstitucional e ilegal.

Espero que, quem sabe após a leitura desse artigo, os constitucionalmente legitimados a exercerem o controle abstrato da constitucionalidade (art. 103 da CF/88), com vistas a zelar pelo respeito à Constituição da República de 1988, possam propor a competente Ação Direita de Inconstitucionalidade contra os dispositivos da Lei Estadual 15.424 instituidores da "Taxa de Fiscalização Judiciária" para que os mesmos sejam declarados inconstitucionais e tenham sua eficácia banida do ordenamento jurídico do Estado de Minas Gerais.

Sobre o autor
Vicente Afonso Gomes Jr.

Advogado e Professor de direito tributário da Faculdade de Administração de Governador Valadares (FAGV)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES JR., Vicente Afonso. Taxa de fiscalização judiciária sobre serviços de registro e notariais prestados em Minas Gerais é inconstitucional e ilegal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 645, 14 abr. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6593. Acesso em: 5 nov. 2024.

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