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A importância das missões de paz no século XX

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Agenda 14/03/2019 às 15:45

5 REFORMA DAS OPERAÇÕES DE PAZ

Em 1997, com Kofi Annan assumindo o cargo de Secretário-Geral, as Nações Unidas começam a reconhecer a imprescindibilidade de uma reforma institucional no que tange as missões de paz. Quando ocupava a posição de comando do DPKO, anos antes, Annan tinha apontado essa necessidade de renovação e sua ascensão na organização iria refletir nisso.

“Já não é mais o suficiente implementar acordos ou separar antagonistas; a comunidade internacional quer que as Nações Unidas demarquem limites, controlem e eliminem armas pesadas, subjuguem a anarquia, e garantam a entrega de ajude humanitária em zonas de guerra. Essas são claramente tarefas que pedem por ‘dentes’ e ‘músculos’, além de qualidades menos tangíveis que não procuramos no passado. Em outras palavras, há crescentes demandas para que as Nações Unidas imponham a paz, como originalmente idealizado na Carta.” (ANNAN, pag.3, 1993, tradução livre)

Ademais, houve um novo aumento na demanda por intervenção das Nações Unidas no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, vindo de países que necessitavam de ajuda na gestão de seus governos. Conceitos como administração pública passaram a ter destaque em missões de paz, após o auxílio bem-sucedido da ONU em reestabelecer a democracia no Kosovo e no Timor-Leste. O enraizamento da noção de segurança e estabilidade como caminho para o fortalecimento das instituições públicas nesse período possibilitou uma renovação nas operações que, paulatinamente, recuperavam a confiança perdida.

Nesse ínterim, um painel formado pelas Nações Unidas para averiguar o futuro das operações de paz, com a direção do ex-Chanceler argelino Lakhdar Brahimi, elaborou, após quatro meses de deliberação, um relatório referido pela doutrina como Relatório Brahimi. Chamado oficialmente de Revisão Compreensiva da Questão das Operações de Paz em Todos os Seus Aspectos (Comprehensive Review of The Whole Question of Peacekeeping Operations in All Their Aspect), o documento foi lançado em 2000, na Cúpula do Milênio, contendo várias recomendações que, na ótica de Bellamy e Williams (2011, p.129), foram divididas em: Tomada de decisões; Mandato e recursos; Rapidez e Efetividade na realização e Eficácia na Implementação.

Logo em seu início, o Relatório cita a colocação da Carta das Nações Unidas, de “salvar as gerações futuras dos flagelos da guerra”, indicando, na sequência, como a década anterior foi falha ao não existir uma renovação do comprometimento dos países-membros com as obrigações da ONU. Com tal provocação, esse documento demonstra sua intenção resolutiva no que tange as pendências institucionais existentes.

Inicialmente, vale ressaltar que o Relatório Brahimi ganha respaldo em suas primeiras páginas a conceituar as operações de paz como “a técnica desenvolvida para preservar a paz em situações frágeis durante a interrupção do conflito, e dar assistência a implementação do acordo negociado pelos peacemakers”. Incumbido de revisar as atividades das Nações Unidas até ali, o documento define com concretude o que são tais missões, algo essencial para compreender sua problemática.

Um dos pontos principais, que ocupa o centro onde as recomendações do relatório orbitam, é o mandato das missões de paz. Para o documento, a disponibilidade de recursos deve ser observada de perto antes da aprovação de missões com mandatos muito abrangentes, fadadas ao fracasso tendo em vista a incompatibilidade com a realidade. Com isso em vista, recomendou-se uma aproximação maior do Conselho de Segurança com os países contribuintes das tropas antes de qualquer decisão. A clareza também é imprescindível, visto que mandatos sem definições claras não podiam ser tolerados em razão do risco da missão não ser capaz de cumprir seus objetivos. Assim, as Nações Unidas deveriam garantir que haveria recursos suficientes antes de aprovar uma operação de paz organizada para proteger civis, algo complexo e dispendioso para as tropas.

Nessa senda, Brahimi continua suas observações ao debruçar-se sobre a implementação rápida dos capacetes azuis em regiões de conflito. Inspirado no episódio com a Bósnia, em que a UNPROFOR foi designada para acompanhar um cessar-fogo e chegou à região no momento em que a guerra havia retornado, o relatório aponta que o período de seis a doze primeiras semanas após o acordo de paz são cruciais para o sucesso da missão, com o devido estabelecimento da paz. Essa rapidez das tropas deve ser realizada com eficácia, dispondo de força robusta para encarar situações complexas, aproximando as operações de paz de cumprir com sucesso seus mandatos.

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Ademais, tais medidas deveriam ser implementadas em harmonia com a constante comunicação entre operações de paz e as próprias Nações Unidas. Essa questão também foi alvo da argumentação de Brahimi, sugerindo a criação de órgãos que concentrassem informações e viabilizassem o contato com as missões de paz, materializado na Secretaria de Informação e Análise Estratégica (Information and Strategic Analysis Secretariat) no âmbito do Comitê Executivo de Paz e Segurança (Executive Committee on Peace and Security), para evitar a incapacidade dos capacetes azuis em evitar transgressões absurdas aos direitos humanos em razão de falta de suporte logístico, como ocorreu em Ruanda e Srebrenica.

Apesar de muito celebrado, o Relatório Brahimi encontrou resistência no Conselho de Segurança para ser plenamente abraçado pela ONU. Contudo, mudanças institucionais foram feitas impulsionadas pelas suas recomendações, como uma nova agenda para as futuras atividades do Departamento de Operações de Paz, assim como o estabelecimento de um programa de reforma para as Nações Unidas, sendo essa a grande herança do documento. 

O referido Departamento de Operações de Paz, também conhecido pela sigla DPKO (Department of Peacekeeping Operations), surgiu em 1992 como uma iniciativa do período conturbado para a comunidade internacional perante o fim da Guerra Fria e, por ser a base operacional de todas as operações de campo da ONU, protagonizou capítulos interessantes, sofrendo diversas mudanças no século XXI para se adequar a demanda de missões de paz mais robustas, nos moldes da UNODC, tratada em capítulo anterior.

Atualmente, o caráter revisional das missões de paz ainda está presente nas Nações Unidas. Em 13 de outubro de 2014, o atual Secretário-Geral Ban Ki-moon estabeleceu o Painel Independente de Alto Nível Sobre Operações de Paz, para analisar as operações em curso e antever as necessidades futuras. No 15º aniversário do Relatório Brahimi, Ban Ki-moon anunciou o novo painel apontando que “o mundo está mudando e as operações de paz da ONU também precisam mudar se quiserem continuar sendo uma ferramenta indispensável e eficaz na promoção da paz e segurança internacional “ (KI-MOON, 2014).

Por fim, constata-se que a Organização das Nações Unidas contribui para um ambiente internacional mais pacífico, ressalvados certos aspectos de seu funcionamento. Apesar de seus tropeços, ressalta-se que as missões de paz estabelecidas pela ONU beneficiam milhões de pessoas por ano, tendo realizado 71 operações desde seu surgimento, estando 16 delas ainda em atividade e envolvendo desde proteção de civis em regiões que sofreram desastres naturais até países em crise que estão sem um governo estável. Nesse aspecto, existe uma capacitada assistência eleitoral das Nações Unidas que envolve proteção dos locais de votação, fornecimento de equipamentos e suporte logístico, trazendo bons resultados na promoção da democracia em países-membro atormentados por crises políticas recentes e beneficiando milhões de eleitores. Atualmente, Congo, Costa do Marfim e Libéria recebem ajuda de operações de paz com esse viés.

Toda essa força de trabalho, militar e civil, apenas é viável em razão da distribuição dos gastos entre os 193 países-membro da organização dentro do contexto de voluntariedade e humanitarismo apoiado pela comunidade internacional. Em comparação, um estudo de 2006, realizado pelo Escritório de Responsabilidade do Governo dos Estados Unidos, demonstrou que os EUA pagariam o dobro do que a ONU desembolsou para organizar uma operação de paz nos moldes da Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti (MINUSTAH). Essa discrepância persiste, pois o orçamento aprovado pela ONU para os gastos com missões de paz entre o período de julho de 2015 e junho de 2016 foi de $8.27 bilhões, representando 1,6% dos custos planejados pelos Estados Unidos com operações militares em 2015, segundo dados colhidos pelo Escritório do Subsecretário de Defesa dos Estados Unidos.

Com esse retrato montado dos impactos das missões de paz durante os seus anos de existência, existe um entendimento geral de que as Nações Unidas corretamente dispõem dessa ferramenta de apaziguamento de conflitos e proteção de civis, buscando reciclar seus conceitos norteadores para aprimorar-se aos desafios do novo século. Apesar dos deslizes estamparem com maior peso a trajetória das operações de paz, o impacto positivo na vida de milhões de pessoas nesses 68 anos de atividade é incomensurável e demonstra os benefícios de organismos internacionais buscarem maior protagonismo no cenário mundial, de forma altiva e atenta às mazelas da humanidade.


6 CONCLUSÃO

As operações de manutenção de paz compõem a face mais expressiva das Nações Unidas, em virtude de sua proposta intervencionista em regiões de embate política e bélico, ocasiões em que a população civil encontra-se desamparada. A função de tais missões é buscar o desfecho menos traumático para quaisquer conflitos, auxiliando países afetados na retomada da paz.

Conforme demonstrado acima, houve episódios em que a ONU encontrou obstáculos que não soube lidar, gerando tristes capítulos na história do século XX, entretanto, não desqualifica o potencial das operações de paz em zelar pelos direitos humanos.

A década de 1990, marcada pelos tropeços do Conselho de Segurança, também marcou o início de um movimento interno de reforma das instituições ligadas à política de manutenção de paz, permitindo a presença de novas perspectivas. No fim dessa análise, resta evidente que o peacekeeping encontra ressalvas, mas é uma alternativa barata, eficiente e capaz de dirimir a transgressão dos direitos humanos em períodos de guerra, conforme demonstra a própria História moderna.


7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

BELLAMY, Alex J.; WILLIAMS, Paul D. Understanding Peacekeeping. Cambridge: Polity Press, 2010, 376p.

BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Ministério das Relações Exteriores. Operações de paz das Nações Unidas.[ca 2015].Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=4780&catid=215&Itemid=435&lang=pt-BR>. Acesso em: 26 maio 2016.

Organização das Nações Unidas. A Carta das Nações Unidas. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/carta/>. Acesso em: 26 maio 2015.

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ANNAN, Kofi. UN PEACEKEEPING OPERATONS AND COOPERATION WITH NATO. Nato Review, n.5. p.3-7, 1993. Disponível em: http://www.nato.int/docu/review/1993/9305-1.htm. Acesso em: 20 setembro de 2013.

TRUEMAN, Chris. The United Nations and the Congo. 2015. Disponível em: <http://www.historylearningsite.co.uk/modern-world-history-1918-to-1980/the-united-nations/the-united-nations-and-the-congo/>. Acesso em: 20 maio 2015.

Sobre o autor
Daniel da Cunha Magalhães

Graduado em Direito na Universidade Federal do Ceará.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAGALHÃES, Daniel Cunha. A importância das missões de paz no século XX. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5734, 14 mar. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/66007. Acesso em: 22 dez. 2024.

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