Capítulo 2: A Lei e o Dano Causado Pelo Advogado
2.1 A Constituição Federal e o Código Civil
O advento da Constituição Federal de 1988 prestigiou a profissão do advogado como sendo essencial à justiça, conforme abaixo transcrito:
Art. 133 O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.
Muitos outros profissionais censuraram o posicionamento dos constituintes por atribuir tal destaque aos advogados.
Entretanto, o privilégio não foi exclusivo desses bacharéis, muitas outras profissões mereceram referência na Constituição, tais como o professor, o jornalista, o médico.
A razão de ser o Advogado indispensável à administração da justiça, deve-se ao fato de que o juiz não pode acionar os motores que impulsionam a prestação jurisdicional. O magistrado deve permanecer inerte até que seja provocado pelo autor, como já previam os romanos nemo iudex sine actore, isto é, não há juiz sem autor. O autor a que nos referimos, deve ser representado por quem possui o ius postulandi, sendo o Advogado o profissional devidamente habilitado para desempenhar tal tarefa. É esse o fundamento da indispensabilidade do Advogado na administração da justiça, como também das demais funções inseridas nos artigos 127 a 135 da Constituição Federal.
Sobre a questão da inviolabilidade, ao contrário do que muitos pensam, não é privilégio do Advogado. Tal inviolabilidade é restrita aos seus atos e manifestações dentro dos limites legalmente impostos. A esse respeito, o professor José Afonso da Silva(13) afirma que, "na verdade, é uma proteção do cliente que confia a ele documentos e confissões de esfera íntima, de natureza conflitiva e, não raro, objeto de reivindicação e até de agressiva cobiça alheia, que precisam ser resguardados e protegidos de maneira qualificada".
Outras constituições brasileiras também mencionaram os advogados, restringindo-se, porém, a assegurar a presença de membros da OAB na realização de concursos para a magistratura.
Diante de tal assertiva, fica latente toda a amplitude da função social do Advogado em face da Constituição Federal, pois sem ele o Estado-Juiz não será capaz de realizar a sua função principal, que é a prestação da tutela jurisdicional, uma vez que ao juiz não é permitido sair de seu estado inerte sem a provocação da parte ofendida, devidamente representada por aquele que detém o ius postulandi.
Portanto, a responsabilidade do Advogado perante a sociedade revela uma importância singular, pois a tutela jurisdicional de acordo com os parâmetros impostos pela lei depende, antes de tudo, de sua preparação acadêmica e de sua competência profissional, para que a sociedade não fique desamparada quando se sentir aviltada em seus direitos.
Por tudo isso, a Advocacia não pode ser considerada apenas uma profissão, é também um munus. Como disse Calamandrei, "os advogados são as supersensíveis antenas da justiça".
O artigo supramencionado é de relevante importância para os advogados pelo enaltecimento, destaque, e principalmente pelo peso da responsabilidade que lhes é atribuída.
Como não poderia deixar de ser, a Constituição Federal também assegurou o direito à indenização por dano moral e material, conforme prescreve o art. 5º, incisos V e X.
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
V é assegurado o direito de resposata, proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou à imagem;
(...)
X são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Por força dos artigos acima, a responsabilidade civil do Advogado encontra guarida na Constituição Federal, assegurando aos clientes o supedâneo jurídico necessário à reparação dos danos materiais e morais ocasionados pela má atuação de seu procurador.
Quanto ao Código Civil, como já analisamos anteriormente, ao abordarmos os aspectos da responsabilidade civil objetiva, subjetiva, contratual, extracontratual e do mandato, observamos que se trata da Lei que mais tem aplicabilidade no que diz respeito à responsabilidade civil, tanto do advogado como em outras situações. Embora ainda não tenhamos feito referência ao Código de Defesa do Consumidor e do Estatuto da Advocacia e da OAB, sem sombra de dúvida, o Código Civil é a fonte de onde emana quase todo o fundamento da responsabilidade civil no Direito brasileiro. Assim sendo, reafirmamos que os principais artigos e aspectos de sua aplicabilidade, em se tratando de responsabilidade civil, já foram abordados anteriormente.
2.2 O Estatuto da Advocacia Lei n.º 8.906/94
Os advogados são profissionais do Direito, cujas atividades estão regulamentadas na Lei n.º 8.906, de 04 de julho de 1994 em substituição à antiga Lei n.º 4.215, de 27 de abril de 1963.
A Advocacia, como defesa de pessoas, direitos, bens e interesses, nasceu no terceiro milênio antes de Cristo, na Suméria.
Por conseguinte, como se observa a profissão é das mais antigas. Teve sua evolução histórica através do tempo, sendo reconhecida no Brasil em 11 de agosto de 1827, quando foram criados os cursos jurídicos em Olinda e São Paulo.
Em 1843 foi criado o Instituto dos Advogados do Brasil e, finalmente, em 1930 foi criada a Ordem dos Advogados do Brasil.
A Lei n.º 8.906/94 disciplina a atividade da advocacia no Brasil, consagrando direitos do Advogado, estabelecendo incompatibilidades e impedimentos, fins e organização da OAB, composição e estrutura do Conselho Federal da OAB, entre outros assuntos.
Quanto à questão da responsabilidade civil dos advogados, a Lei n.º 8.906/94 estabeleceu em seu artigo 32 que o Advogado é responsável pelos atos que, no exercício da profissão, praticar com dolo ou culpa.
Mais uma vez, portanto, afastando a possibilidade de aplicação da Teoria do Risco para que o causídico seja condenado a reparar civilmente seu cliente. Lembramos ainda que, a responsabilidade do advogado é a contrapartida pela sua independência. Por isso, a advocacia é atividade de meio e não de resultado, o que implica na adoção da Teoria da Culpa para sua verificação, e para apurar se os meios foram manejados com negligência, imprudência ou imperícia, o que se verifica quando o procurador perde prazos, comete erros grosseiros, deixa de formular pedidos necessários etc.
O Dr. Paulo Luiz Neto Lôbo(14) cita as Ordenações Filipinas, Livro 1, Título XLVIII, 10, onde era determinado que "se as partes por negligência, culpa, ou ignorância de seus Procuradores receberem em seus feitos alguma perda, lhes seja satisfeito pelos bens deles".
Por se tratar de profissão liberal, concordamos com a posição de Caio Mário da Silva Pereira, quando este sustenta que o advogado não está obrigado a aceitar patrocínio de uma causa.
Encontramos sustentáculo para este posicionamento, por entender que o advogado deve obedecer sua consciência, assim sendo, não se justifica que um causídico seja obrigado a patrocinar causa contrária a tese que já sustentou publicamente, pois o mesmo está somente subordinado às suas convicções e à sua consciência.
Além disso, o Dr. Caio Mário cita outras causas que justificam a recusa do patrocínio de causa, como no caso dos impedimentos pessoais que o advogado possa ter ou também no caso de seu colega de escritório patrocinar a parte adversa.
Porém, uma vez aceito o encargo, o advogado deve atuar com vigilância, independência e eficiência.
Caio Mário cita que o Dr. Jair Lins não se cansava de repetir que "advogar não é escrever bonito, porém acompanhar a causa com zelo e eficiência."
O Professor José de Aguiar Dias, lembra que a atenção para com os prazos é fundamental, respondendo por culpa, o advogado que deixa de observá-los.
A questão da vigilância quanto aos prazos é importantíssima, por ser questão de direito expresso. Por conseguinte, o advogado tem a obrigação de conhecer os prazos e atendê-los, não cabendo qualquer justificativa pelo fato de que, em certas ocasiões, pode ignorá-los.
Havendo dúvida, cabe ao causídico observar a orientação mais segura, para expor o seu cliente ao menor risco.
No que diz respeito aos recursos, Aguiar Dias também sustenta que independente do desejo do cliente, o advogado deve responder ou interpor recurso opportuno tempore, respondendo por sua omissão.
Entretanto, Carvalho Santos e Caio Mário da Silva Pereira sustentam o contrário, ou seja, se o advogado estiver convencido da justeza da decisão não está obrigado a recorrer.
Diante de tal hipótese, entendemos que, a melhor e mais segura opção, é informar sua opinião ao cliente e solicitar a sua autorização para não interpor o recurso cabível.
Outro aspecto de fundamental importância a ser observado, diz respeito à questão do advogado que assegura ao cliente que a sua demanda será vitoriosa.
A aceitação de uma causa não gera obrigação de resultados, mas obrigação de meios. Não pode responder o advogado pela perda da causa, uma vez que toda demanda tem seu próprio destino, salvo quando houver negligência do mandatário.
Diante disso, com muita propriedade, o Dr. Paulo Luiz Neto Lôbo(15) cita Eduardo J. Couture, "que adverte que a melhor atitude profissional não é aquela que antecipa a vitória, mas anuncia ao cliente que provavelmente pode contar com ela".
O mesmo autor também lembra que, a antiga legislação espanhola de Fuero Juzgo, condenava com a pena de morte o advogado que se comprometia a triunfar em litígio.
Continuando a falar sobre o Estatuto da OAB, informamos que, o artigo 33, dispõe sobre a obrigatoriedade do cumprimento do que estabelece o Código de Ética e Disciplina da OAB.
O artigo 34, apresenta vinte e nove incisos onde enumera os casos de infração disciplinar, dentro os quais se destacam alguns em que a responsabilidade civil se apresenta claramente, como por exemplo no inciso VII, que trata da violação do segredo profissional sem justa causa, ou ainda no abandono da causa sem justo motivo ou antes de decorridos os dez dias da comunicação da renúncia ao mandato.
2.3 - O Código de Ética e Disciplina da OAB
O Código de Ética e Disciplina da OAB foi aprovado e editado em Brasília, no dia 13 de fevereiro de 1995, pelo então Presidente da Ordem, Dr. Roberto Batochio.
Nesse Código, estão capitulados alguns dos principais deveres do advogado, incluindo-se as relações com o cliente, sigilo profissional, dever de urbanidade, contratação de honorários, publicidade dos seus serviços etc.
O Art. 1.º do Código de Ética e Disciplina da OAB estabelece os princípios norteadores da conduta a ser adotada pelo advogado, os quais devem ser observados na interpretação e aplicação do texto legal aos casos concretos, senão vejamos:
Art. 1.º O exercício da advocacia exige conduta compatível com os preceitos deste Código, do Estatuto, do Regulamento Geral, dos Provimentos e com os demais princípios da moral individual, social e profissional.
Os deveres do advogado estão capitulados no Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, em seu Art. 2.º, parágrafo único, estabelecendo o seguinte:
Art. 2º - O advogado é indispensável à administração da administração da Justiça, é defensor do estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinando a atividade do seu Ministério Privado à elevada função pública que exerce.
Parágrafo único: São deveres do advogado:
I preservar, em sua conduta, a honra, a nobreza e a dignidade da profissão, zelando pelo seu caráter de essencialidade e indispensabilidade;
II atuar com destemor, independência honestidade, decoro, veracidade, lealdade, dignidade e boa-fé;
III velar por sua reputação pessoal e profissional;
IV empenhar-se, permanentemente, em seu aperfeiçoamento pessoal e profissional;
V contribuir para o aprimoramento das instituições, do Direito e das leis;
VI estimular a conciliação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios;
VII aconselhar o cliente a não ingressar em aventura judicial;
VIII abster-se de:
a) utilizar de influência indevida, em seu benefício ou do cliente;
b) patrocinar interesses ligados a outras atividades estranhas à advocacia, em que também atue;
c) vincular seu nome a empreendimentos de cunho manifestamente duvidoso;
d) emprestar concurso aos que atentem contra a ética, a moral, a honestidade e a dignidade da pessoa humana;
e) entender-se diretamente com a parte adversa que tenha patrono constituído, sem o assentimento deste.
IX pugnar pela solução dos problemas da cidadania e pela efetivação dos seus direitos individuais, coletivos e difusos, no âmbito da comunidade.
Porém, a responsabilidade civil dos advogados não é somente apurada com base no Código de Ética, pois nos seus mais diversos aspectos, conforme ensina Caio Mário da Silva Pereira, está submetida a uma preceituação complexa, também oriunda do Código Civil (Mandato), do Código de Processo Civil e do Estatuto da OAB, conforme já abordado anteriormente.
2.4 - O Código de Defesa do Consumidor
O Advogado está enquadrado no artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor, Lei n.º 8.078 de 11 de setembro de 1990, ou seja, dentro do conceito de Fornecedor, mais especificamente um prestador de serviços, conforme abaixo transcrito:
Art. 3º - Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
§ 1º - Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
§ 2º - Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.
Diante do que traz o parágrafo segundo do artigo supracitado, no âmbito deste código, cuida-se do trabalho independente ou autônomo, como é o caso dos profissionais liberais, incluindo-se aí os Advogados.
O Código de Defesa do Consumidor determina em seu art. 14, § 4º, que a responsabilidade pessoal do profissional liberal será apurada mediante a verificação de culpa.
Assim sendo, consagra a Teoria da Responsabilidade Subjetiva e a Teoria da Responsabilidade Contratual, pois uma vez demonstrada a culpa do advogado no não cumprimento de cláusula contratual ou na inobservância aos seus deveres capitulados no Estatuto da OAB, do Código de Ética, ou cometendo algum erro grosseiro, será responsabilizado pelo prejuízo suportado por seu cliente.
Devemos ainda ressaltar que são nulas as cláusulas de isenção de responsabilidade por atos próprios, como prevê o artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor.
Existem algumas opiniões afirmando que a inversão do ônus da prova, previsto no artigo 6º, inciso VIII do Código de Defesa do Consumidor, não se aplica aos advogados. No que pese o parecer dos doutrinadores, entendemos que tal opinião não nos parece absoluta, pois tal interpretação não pode prevalecer, quando houver, por exemplo, uma demanda ente um cliente lesado e um escritório de advocacia de porte empresarial, pois fica latente a hiposuficiência do lesado, devendo o juiz (em nossa humilde opinião) aplicar a inversão do onus probandi.