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Alienação parental resultante da dissolução matrimonial: falsa denúncia

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Quando um dos cônjuges não consegue elaborar adequadamente o luto da separação, o sentimento de rejeição faz surgir o desejo de vingança: o ex-parceiro precisa ser desmoralizado a todo custo. E, para isso, usa-se o filho. Entenda os danos que tal situação ocasiona para o vínculo afetivo havido entre pai e filho.

Resumo: O presente trabalho se propõe a analisar as consequências jurídicas e psicológicas causadas pela Alienação Parental, tanto para quem sofre quanto para quem pratica. Foram pesquisados a lei 12.318/2010 (os meios utilizados para Alienação Parental), o comportamento das vítimas da Síndrome da Alienação Parental (SAP), as falsas denúncias e se as medidas judiciais cabíveis, previstas são efetivas.

Palavras-chave: Alienação Parental, Síndrome da Alienação Parental (SAP), Dignidade da Pessoa Humana, Melhor Interesse da Criança e do Adolescente.


1 INTRODUÇÃO

A Lei do Divórcio chegou ao País em 26 dezembro de 1977. Segundo o dado nacional do IBGE[1], de 2016, o número de divórcios[2] ao ano no Brasil cresceu 152% em 11 anos, de 130,5 mil, em 2004, para 328,9 mil em 2015. Em 1984, quando iniciou a coleta dos dados, foram contabilizados 30,8 mil divórcios, ou seja, em 21 anos houve um aumento de 967,8%. Na avaliação do IBGE, a elevação sucessiva, ao longo dos anos, do número de divórcios concedidos revela “uma gradual mudança de comportamento da sociedade brasileira, que passou a aceitá-lo com maior naturalidade e a acessar os serviços de Justiça de modo a formalizar as dissoluções dos casamentos” (IBGE, 2015).

Em 2010, foi promulgada a Emenda Constitucional nº 66, que alterou o art. 226, § 6º, da Constituição Federal, suprimindo o requisito de prévia separação judicial por mais de um ano ou comprovada separação de fato por mais de dois anos para a extinção do vínculo matrimonial, é possível realizar um divórcio sem passar pelo processo de separação judicial. Este dispositivo formalizou o fim dos principais entraves ao processo de dissolução do casamento, estabelecendo que os mesmos ocorram de maneira mais rápida de modo a suprimir desgastes de cunhos econômico e emocional entre as partes envolvidas[3]. No período entre 1984 e 2015, constatou-se redução na duração dos casamentos, de 19 para 15 anos (IBGE, 2015).

A Lei n. 13.058/2014[4] introduziu a guarda compartilhada entre os pais e visa a dividir a responsabilidade sobre a criança entre o casal, além de impedir que desentendimentos entre os pais acabem afetando a rotina da criança. Segundo o art. 1.584 do Código Civil, a guarda compartilhada era uma opção do casal, e com a nova lei, o que era uma possibilidade passa a ser uma regra após divórcio, que só pode ser alterada em casos muito especiais.

No Brasil, segundo estatísticas do Registro Civil 2015 divulgado pelo IBGE, a maior proporção (47,7%) de divórcios aconteceu em famílias com filhos menores de idade. Em 78,8% dos casos, a guarda ficou sob a responsabilidade das mulheres em 5,2% ficou com os homens. A guarda compartilhada cresceu de 7,5%, em 2014, para 12,9% em 2015. Em relação às grandes regiões, o Sudeste foi o que apresentou a maior proporção de guarda para as mulheres (81,1%). E, entre os estados, o destaque foi Sergipe (91,4%). O Amapá apresentou o maior número de guardas concedidas aos homens (12,9%) e o Distrito Federal teve o maior percentual de guarda compartilhada entre os cônjuges (24,7%) (IBGE, 2016).

Inevitável que toda a família acabe por sofrer com as mudanças abruptas causadas pelo processo do divórcio, por exigir que um dos cônjuges seja retirado do lar, gerando uma redefinição dos papéis familiares, principalmente se este processo for litigioso, podendo surgir neste contexto a Alienação Parental. O professor e psicólogo jurídico Jorge Trindade faz referência à Maria Berenice Dias, que explica o início da Alienação Parental após a separação:

Muitas vezes, quando da ruptura da vida conjugal, um dos cônjuges não consegue elaborar adequadamente o luto da separação e o sentimento de rejeição, de traição, o que faz surgir um desejo de vingança: desencadeia um processo de destruição, de desmoralização, de descrédito do ex-parceiro. O filho é utilizado como instrumento da agressividade – é induzido a afastar-se de quem ama e de quem também a ama. Isso gera contradição de sentimentos e destruição do vínculo entre ambos. (TRINDADE, 2010, p. 178)

A alienação parental não é algo novo, sempre ocorreu, porém, com o aumento do número de divórcios e separações nas últimas décadas, ela tornou-se cada vez mais comum. A alienação parental, além de ser uma afronta aos princípios constitucionais e aos direitos da criança do adolescente, é inaceitável por tornar esses seres humanos, em fase importante de desenvolvimento físico e emocional vítimas de abuso que vai gerar graves consequências psicológicas.

O genitor alienador desenvolve uma tendência doentia de inventar histórias, fazendo falsas acusações de imensa gravidade como, por exemplo, de um abuso sexual cometido pelo genitor alienado contra o filho, ou seja, cria ou distorce fatos sobre o outro genitor que não ocorreram. Na hipótese de falsa denúncia, o genitor alienante o faz como forma de reverter a guarda do menor ou suspender as visitações, e mediante o receio da veracidade das alegações, na maioria das vezes, o juiz concede a medida cautelar sem oitiva das partes, impedindo, desde então, o contato do filho com o genitor acusado.

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Qual seria a melhor medida a ser tomada no caso de falsas acusações de alienação parental, em especial as que se referem ao abuso sexual?


2 MOTIVOS QUE CONDUZEM À ALIENAÇÃO PARENTAL

Com base nas estatísticas vemos que, no Brasil, um terço dos casais se separa e novas famílias são formadas. Mais de 30% de todos os divórcios são litigiosos e danosos aos filhos. São aproximadamente 88.000 mães atirando-se contra 88.000 pais, e vice-versa, por ano (IBGE, 2013). Os filhos menores são usados como moeda de troca em infindáveis lutas judiciais em que só há perdedores. Com a separação dos genitores passa a haver uma disputa pela guarda dos filhos menores, apesar dos filhos continuam sendo dos dois, que manterão a responsabilidade e o dever de criá-los a quatro mãos, porém muitos problemas ocorrem neste processo e o principal é a Alienação Parental.

A alienação parental ocorre quando pais separados passam a manipular seus filhos para que eles se afastem de um dos seus genitores. Seja por vingança, seja por poder, sendo uma prática recorrente. O alienador procura desmerecer o outro genitor diante dos filhos, menosprezando-o e tornando evidentes suas fraquezas, desvalorizando suas qualidades, enquanto pai e ser humano. A desmoralização do ex-parceiro é feita como forma de vingança, usando o filho como instrumento para que este passe a odiar o genitor alienado (VELLY, 2010). Esses atos, inicialmente subliminares, vão aos poucos se tornando mais ostensivos, chegando a produzir sentimentos de ódio nas crianças. Isso acaba por impedir o contato e romper os vínculos de afeto e respeito.

A alienação parental e as dores que a prática traz acontecem não só para o genitor que é privado de ver e de conviver com o filho, como também para a própria criança ou adolescente. As consequências à saúde física e mental das crianças que vivem sob a tortura de um pai ou mãe alienador são muitas, dentre elas, podemos citar: distúrbios de alimentação; timidez excessiva; problemas de concentração; indecisão exacerbada e, às vezes, dependência química. Essas reações à manipulação do alienador surgem como forma de fuga de uma realidade massacrante, com a qual os filhos não conseguem lidar.

A nova lei estabelece como regra a guarda compartilhada, assim ambos os genitores devem dividir entre si as responsabilidades, o tempo e a atenção com as crianças. A lei também ressalva que a guarda compartilhada só será aplicada se cada um dos pais estiver apto a exercer o poder familiar e se eles também tiverem interesse na guarda. Embora homens e mulheres sejam iguais perante a lei, isso não costuma ser levado em conta após a separação e em muitos casos, os juízes usavam apenas o livre-arbítrio para tomar suas decisões e os pais raramente ganhavam a guarda unilateral, o que não permitia um estreitamento das relações entre pais e filhos, não aprofundavam os vínculos afetivos. Espera-se com a nova lei e que com aguarda compartilhada isto mude e a alienação parental não seja tão intensa, pois o menor passa a conviver com ambos os genitores em igualdade de tempo.


3 DEFINIÇÃO JURÍDICA E PSCOLÓGICA DE ALIENAÇÃO PARENTAL

O conceito legal de Alienação Parental é disposto no art. 2º da Lei 12.318, de 2010, no qual é definido:

Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou adolescente, promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a autoridade, guarda ou vigilância, para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.

O artigo 3º da Lei equipara a alienação parental a abuso moral contra a criança/adolescente, ao prejudicar a convivência social e afetiva desta com o grupo familiar pelo descumprimento dos deveres da guarda parental. Toda a informação contra o genitor é válida, pondo em risco tanto a saúde psíquica do menor quanto física. Assim complementa a advogada especializada em Direito de Sucessões e Família, Maria Berenice Dias em seu artigo intitulado como Alienação parental – um abuso invisível:

É preciso se ter presente que esta também é uma forma de abuso que põe em risco a saúde emocional e compromete o sadio desenvolvimento de uma criança. Ela acaba passando por uma crise de lealdade, o que gera um sentimento de culpa quando, na fase adulta, constatar que foi cúmplice de uma grande injustiça (Falsas memórias). (DIAS, 2010)

A utilização do filho como instrumento para tal finalidade acarreta ao menor feridas incuráveis e essas marcas são conhecidas como Síndrome da Alienação Parental (SAP). Segundo Trindade:

A Síndrome de Alienação Parental é um transtorno psicológico que se caracteriza por um conjunto de sintomas pelos quais um genitor, denominado cônjuge alienador, transforma a consciência de seus filhos, mediante diferentes formas e estratégias de atuação, com objetivo de impedir, obstaculizar ou destruir seus vínculos com o outro genitor, denominado cônjuge alienado, sem que existam motivos reais que justifiquem essa condição. Em outras palavras, consiste num processo de programar uma criança para que odeie um de seus genitores sem justificativa, de modo que a própria criança ingressa na trajetória de desmoralização desse mesmo genitor (TRINDADE, 2007, p. 102)

Maria Berenice Dias afirma também que:

A criança que ama seu genitor, é levada a se afastar dele, que também a ama. Isso gera contradição de sentimentos e destruição do vínculo entre ambos. Restando órfão do genitor alienado, acaba identificando-se com o genitor patológico, passando a aceitar como verdadeiro tudo que lhe é informado. (DIAS, 2008, p. 12)

Diante de tudo isso, importa não só informar os atos configurados como alienação parental, como as falsas denúncias, que objetivam ao final afastar o outro genitor da relação com seu filho(a).

Foi o psiquiatra americano Richard Alan Gardner, especialista em pedofilia e abuso sexual dos EUA, quem primeiro definiu a Síndrome de Alienação Parental (SAP)[5]. Gardner (2002) pesquisou o fenômeno SAP através da observação pessoal em seu consultório particular para explicar o que ele considerava ser uma epidemia de falsas acusações de abuso sexual infantil.

Afinal, o que é a Síndrome de Alienação Parental (SAP)? Conforme o conceito do pesquisador:

A síndrome de alienação parental (SAP) é uma disfunção que surge primeiro no contexto das disputas de guarda. Sua primeira manifestação é a campanha que se faz para denegrir um dos pais, uma campanha sem nenhuma justificativa. É resultante da combinação de doutrinações programadas de um dos pais (lavagem cerebral) e as próprias contribuições da criança para a vilificação do pai alvo. (GARDNER,1985, p. 34).

A observação de Gardner se concentrou em como um dos pais pode abusar dos poderes de socialização para virar uma criança contra um pai que outrora amou. Há uma controvérsia significativa, entretanto, a respeito do termo a ser utilizado para esse fenômeno. Ainda, no entendimento de Gardner, “síndrome, segundo a definição médica, é um conjunto de sintomas que ocorrem juntos” (GARDNER, 2002). Trindade define SAP da seguinte maneira:

Síndrome, portanto, é o conjunto de sintomas que caracteriza a existência de uma doença, seja na esfera orgânica (física), seja no plano psicológico (mental). (TRINDADE, 2010)

As publicações nacionais têm se limitado a apresentar a síndrome conforme proposto por Gardner, sem se ater a todo o debate e pesquisas desenvolvidas sobre o assunto, no que tange à polêmica acerca de sua sustentação científica. Sob o ponto de vista da psicologia, existem controvérsias sobre as posições de Gardner. Bond[6] (2008), por exemplo, argumenta que a SAP é real na observação clínica, não sendo necessária rigorosa experimentação para diagnosticá-la.


4 ALIENAÇÃO PARENTAL E FALSA DENÚNCIA

O Projeto de Lei nº 20, de 2010 (n. 4.053/08 na Câmara dos Deputados), que “Dispõe sobre a alienação parental e altera o art. 236 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990”, tinha um dispositivo em que se previa a pena de prisão ao alienador que produzisse uma falsa denúncia contra o(a) ex-parceiro(a), induzindo a criança a odiá-lo(a) e a acreditar que foi realmente abusada (causando transtornos psíquicos sérios, por alterações em sua sexualidade). A pena de prisão, proposta originalmente no Projeto de Lei, foi vetada pelo Presidente Lula, quando de sua conversão em Lei.

É cada vez mais comum a falsa acusação de abuso sexual, o que pode ter consequências desastrosas, uma vez que a simples acusação pode implicar numa medida cautelar inaudita altera parte, afastando a criança do acusado sem qualquer possibilidade de defesa.

Conforme escreveu recentemente Analdino Rodrigues Paulino, presidente da ONG Associação de Pais e Mães Separados (APASE):

Favorecidas por nossos juízes, as mulheres, então, têm mais chance de usar o poder que recebem de uma forma despótica. Além de tentarem barrar o acesso do genitor aos filhos e apagar sua figura, elas também podem querer dominar a relação com as crianças ou com os adolescentes. Não é raro que um pacto de lealdade seja estabelecido entre a mãe e os filhos. Mesmo que aproveite os momentos que tem com o pai, a criança pode querer esconder essa satisfação da mãe. Pode até mesmo dizer a ela que foram negativos os passeios e os dias passados com ele. Com o tempo, também pode acontecer de os filhos começarem a contribuir com a mãe nos atos de alienação parental, o que costuma destruir os vínculos com o pai de tal maneira que eles dificilmente poderão ser recompostos no futuro. (PAULINO, 2017)

A acusação de abuso sexual é a mais grave acusação nos casos de alienação parental, mas que deve ser imediatamente investigada, pois sendo verdadeira ou falsa a acusação, em ambos os casos é destrutiva para as crianças e toda a família. Infelizmente, para os pais inocentes, um número muito grande dessas denúncias é falso, já que o objetivo principal é afastar o pai. A invenção muitas vezes é discreta: o adulto denunciante vai convencendo a criança aos poucos de que a agressão realmente aconteceu, mas, com as técnicas adequadas, a mentira é descoberta.

O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê multa de três a 20 salários mínimos e obrigação de realizar tratamento psicológico para quem faz uma falsa denúncia desse tipo. Em alguns casos o juiz pode determinar a inversão da guarda e até processar o falso denunciante, mas o ideal é que não seja completamente retirado do convívio da criança. Ela deve ser protegida e não punida pelo erro do adulto.

Sobre as autoras
Raquel Santana Rabelo

Advogada. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2008). Especialista em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2009). Mestre em Direitos Fundamentais pela Universidade de Lisboa (2017). Professora na Faculdade Kennedy de Minas Gerais de Direito Econômico, Processo Civil IV , Direitos Humanos e Teoria Geral do Processo. Professora de PIN III no curso de Administração da Faculdade Promove. Professora de Ciências Sociais e Etnia no curso de Engenharia de Produção. Professora orientadora do Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade Promove e da Faculdade Kennedy de Minas Gerais. Mediadora Voluntária do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

Andréa Karla Branco Rodrigues Borchardt

Graduada em Direito pelas Faculdades Kennedy de Minas Gerais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RABELO, Raquel Santana; BORCHARDT, Andréa Karla Branco Rodrigues. Alienação parental resultante da dissolução matrimonial: falsa denúncia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5580, 11 out. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/66245. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Artigo elaborado como trabalho de conclusão do curso de Direito das Faculdades Kennedy de Minas Gerais pela discente, orientanda e principal autora Andréa Karla Branco Rodrigues Borchardt.

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