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ASPECTOS CONSTITUCIONAIS DO ACÓRDÃO DO STF NA ADPF 378

PROCEDIMENTO DE IMPEACHMENT

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Este artigo trata do procedimento de impeachment, descrito na Constituição Federal brasileira de 1988, artigos 85 e 86, na Lei n. 1079/1950 e na ADPF n. 378. O objetivo é analisar a decisão do STF na ADPF n. 378.

1. INTRODUÇÃO

A Constituição Federal brasileira de 1988 – CF/88 manteve como forma de governo o presidencialismo, fazendo com que o Presidente da República acumule as funções de chefe de governo e chefe de Estado.

Ainda, manteve como princípio do Estado brasileiro a república, que possui impõe, como consequência natural, a exigência de um governo responsável pelos seus atos. Em caso de cometimento de algum fato que configure crime comum ou que atente contra princípios, direitos, liberdades ou prerrogativas constitucionais, o Presidente da República pode ser punido com a cassação de seu mandato.

A cassação do mandato ou impeachment é fato gravíssimo, que somente pode ocorrer por motivos igualmente sérios. Além do mais, o procedimento para que isto ocorra deve respeitar os mais elevados princípios de justiça, como ampla defesa e contraditório, pois a cassação do mandato presidencial repercute na decisão da maioria dos brasileiros que votou validamente pela escolha do então candidato como seu representante.

Sendo assim, analisar a decisão do STF em relação ao procedimento de impeachment é buscar verificar se o mecanismo de cassação do mandato do Presidente da República, tal qual definido pela suprema corte, não causa ofensa a princípios do devido processo legal, e, em último caso, princípios como o da democracia, república ou o sistema representativo.

A pesquisa se justifica, pois o processo de cassação política do Presidente da República é instituto constitucional dos mais drásticos previstos constitucionalmente, mas que está sendo utilizado pela segunda vez durante a vigência da atual CF/88.

Este artigo tem por objetivo principal analisar a decisão do STF na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF n. 378, como também verificar os pontos controversos da decisão e os avanços e retrocessos da decisão do STF em relação a doutrina constitucional.

Como metodologia para a realização da pesquisa foi utilizada a revisão bibliográfica de doutrinas especializadas e informações do sítio do STF na internet.


2. DESENVOLVIMENTO DA RESPONSABILIDADE DO GOVERNANTE NO BRASIL

A história do Brasil foi marcada por grandes acontecimentos que determinaram mudanças significativas no país, dentre elas o desenvolvimento da responsabilidade do Presidente da Repúbica.

A primeira Constituição brasileira, denominada Constituição Política do Império do Brasil, foi instituída em 1824 pelo imperador Dom Pedro I. Nela estabeleceu-se a Monarquia como forma de governo, com mandato vitalício e hereditário, tendo como principal característica a presença de quatro poderes, quais sejam: Legislativo, Executivo, Judiciário e Moderador. Este último poder foi considerado pelo artigo 98 como sendo “[...] a chave de toda a organização política [...]”, já que previa a possibilidade do monarca intervir nos demais poderes.

Desta forma, durante o período de vigência da Constituição Política do Império do Brasil, o imperador, em seu reinado, gozava de algumas prerrogativas, previstas no artigo 101, tais como: “[...] VI. Nomeando e demitindo livremente os Ministros de Estado; VI. Suspendendo os Magistrados, nos casos do art. 154; VIII. Perdoando e moderando as penas impostas e os réus condenados por sentença [...]”.

Apesar de todas as regalias, o governante, consoante artigo 99 da Constituição, era isento de qualquer tipo de responsabilidade em virtude de seus atos, decisões tomadas e intervenções feitas. Vejamos:

Art. 99. A pessoa do Imperador é inviolável e sagrada: Ele não está sujeito a responsabilidade alguma.

Com o fim do Império e início da República no Brasil, passou-se a responsabilizar o governante por seus atos, consequência lógica de um governo republicano.

Assim sendo, a segunda Constituição brasileira, do ano de 1891, teve como principal característica a adoção do sistema presidencialista como forma de governo, bem como a eliminação do Poder Moderador e, consequentemente, a adoção de três poderes, independentes entre si, nos termos propostos por Montesquieu: Executivo, Legislativo e Judiciário. Logo em seu artigo 54, passou a delinear a responsabilidade do Presidente.

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Art 54. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente que atentarem contra:

1º) a existência política da União;

2º) a Constituição e a forma do Governo Federal;

3º) o livre exercício dos Poderes políticos;

4º) o gozo, e exercício legal dos direitos políticos ou individuais;

5º) a segurança interna do Pais;

6º) a probidade da administração;

7º) a guarda e emprego constitucional dos dinheiros públicos;

8º) as leis orçamentárias votadas pelo Congresso.

A terceira Constituição brasileira, promulgada em 1934, embora tenha vigorado por pouco tempo, previu em seu artigo 57 os crimes de responsabilidade da seguinte maneira:

Art. 57. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República, definidos em lei, que atentarem contra:

a) a existência da União;

b) a Constituição e a forma de Governo Federal;

c) o livre exercício dos Poderes políticos;

d) o gozo ou exercício legal dos direitos políticos, sociais ou individuais;

e) a segurança interna do País;

f) a probidade da administração;

g) a guarda ou emprego legal dos dinheiros públicos;

h) as leis orçamentárias;

i) o cumprimento das decisões judiciárias.

A quarta Constituição brasileira, de 1937, intitulada Polaca, pois “foi elaborada sob a inspiração da Carta ditatorial polonesa de 1935 [...]” (LENZA, 2016, p. 294), foi singularizada por um regime autoritário, sob o comando de Getúlio Vargas, então Presidente da República. Ainda assim, o artigo 85 definia a responsabilidade do Presidente:

Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República, definidos em lei, que atentarem contra:

a) a existência da União;

b) a Constituição;

c) o livre exercício dos Poderes políticos;

d) a probidade administrativa e a guarda e emprego dos dinheiros públicos;

e) a execução das decisões judiciárias;

A principal diferença entre a Constituição de 1934 e a de 1937, encontra-se no artigo 87 desta:

Art. 87. O Presidente da República não pode, durante o exercício de suas funções, ser responsabilizado por atos estranhos à mesma.

Ou seja, na de 1934 o Presidente da República respondia pela prática de crimes comuns, ainda que sem relação com o exercício da função, o que foi vedado na Constituição de 1937.

A quinta Constituição brasileira foi promulgada em 1946 pelo então Presidente Eurico Gaspar Dutra e intitulada Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Nela, o Presidente da República era responsabilizado pelos crimes comuns e de responsabilidade:

Art. 89. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentarem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

I – a existência da União;

II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos Poderes constitucionais dos Estados;

III – o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;

IV – a segurança interna do País;

V – a probidade na administração;

VI – a lei orçamentária;

VII – a guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos;

VIII – o cumprimento das decisões judiciárias.

A sexta Constituição brasileira, de 1967, chamada de Constituição da República Federativa do Brasil, estabeleceu amplos e concentrados poderes ao Executivo, mas em seu artigo 84 não deixou de detalhar os crimes de responsabilidade do governante.

Art. 84. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente que atentarem contra a Constituição federal e, especialmente:

I - a existência da União;

II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos Poderes constitucionais dos Estados;

III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;

IV - a segurança interna do País;

V - a probidade na administração;

VI - a lei orçamentária;

VII - o cumprimento das decisões judiciárias e das leis.

Com o advento da sétima e atual Constituição, denominada Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, também conhecida como “Constituição Cidadã” por assegurar aos cidadãos direitos e garantias fundamentais, a responsabilidade do governante tomou formas ampliadas.

Por tratar-se de um Estado Democrático de Direito, o poder exercido pelo Presidente da República deve ensejar responsabilidades. Carlos Alberto Provenciano Gallo (1992, p. 1), lembrando antiga lição, escreveu: “[...] o poder exercido sem limitações acerca-se da tirania, do despotismo, do arbítrio”.

Por conseguinte, o artigo 85 desta Carta Magna determina que:

Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

I - a existência da União;

II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;

III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;

IV - a segurança interna do País;

V - a probidade na administração;

VI - a lei orçamentária;

VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

O parágrafo único do referido artigo estabelece que esses crimes deverão ser definidos em lei especial, que determinará as normas de processo e julgamento do Presidente da República. No entanto, como tal lei ainda não foi criada, continuasse a aplicar a Lei n. 1.079/50, surgida no governo de Eurico Gaspar Dutra.

A responsabilidade do Presidente da República se estende também aos crimes comuns, estabelecendo a atual CF/88 em seu artigo 86 que, neste caso o julgamento ocorrerá no STF, após autorização da Câmara dos Deputados por voto de três quintos de seus membros, com a ressalva de que o: “Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções”.

A atual CF/88 repete a fórmula adotada na Constituição de 1937, mas isso não significa a impunidade. O Presidente da República responderá pelo ilícito penal praticado sem relação com as funções após o término do mandato, ficando suspensa a contagem do prazo prescricional.


3. DA AUSÊNCIA DE NORMA DEFINIDORA DO TIPO PENAL

Conforme acima exposto, o Presidente da República, bem como qualquer acusado em geral, não pode se defender tão somente da descrição genérica de uma conduta. O tipo do ilícito deve ser descrito na norma de forma precisa e clara, em sua conduta específica. É necessário que o legislador estabeleça qual comportamento específico, identificando o verbo, configura a prática do ilícito.

Mas o artigo 85 da CF/88, em seus incisos, não o faz, apenas citando condutas genéricas, daí a razão do parágrafo único do mesmo artigo exigir que uma lei especial seja criada para estabelecer em numerus clausus o tipo penal, bem como o procedimento para o julgamento.

Tal norma, no entanto, até a presente data não foi criada, tendo sido recepcionada a Lei n. 1079, de 10 de abril de 1950, que define o crime de responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento.

Sobre o tema, Pedro Lenza (2016, p. 1138), manifesta-se no seguinte sentido:

Imprescindível, portanto, a existência de lei especial e nacional disciplinando as hipóteses de crimes de responsabilidade, lembrando que a regra geral do princípio da legalidade deve ser aqui evocada, no sentido de que nullum crimen, nulla poena sine praevia lege.

Aliás, o art. 5.º, XXXIX, da CF/88 determina que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.

Referida lei especial deve ser, necessariamente, votada pelo Congresso Nacional (lei federal), nos termos do art. 22, I, da CF/88.

O mesmo autor também lembra decisão do STF sobre a matéria, na qual ficou estabelecido que (LENZA, 2016, p. 1139):

Conforme decidiu o STF, “a definição das condutas típicas configuradoras do crime de responsabilidade e o estabelecimento de regras que disciplinem o processo e julgamento dos agentes políticos federais, estaduais ou municipais envolvidos são da competência legislativa privativa da União e devem ser tratados em lei nacional especial (art. 85 da Constituição da República)” (ADI 2.220, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 16.11.2011, Plenário, DJE de 07.12.2011). Não podemos deixar de lembrar, ainda, a S. 722/STF, convertida na SV 46/STF (j. 09.04.2015): “a definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento são da competência legislativa privativa da União”.

Por sua vez, Gilmar Ferreira Mendes (2014, p. 861), também afirma que:

A enunciação no texto constitucional, em termos amplos, é meramente exemplificativa, devendo os crimes ser definidos em lei especial (CF, art. 85, parágrafo único).

Portanto, forçosamente é necessário se entender pela recepção da Lei 1.079/50 pela atual CF/88, tendo em vista a omissão do Congresso Nacional na elaboração da norma exigida no parágrafo único do artigo 85 da Magna Carta vigente. Tal inconstitucionalidade por omissão somente não trouxe maiores prejuízos aos processos de impeachment manejados na vigência da atual Constituição Federal, posto ser o texto legal da década de cinquenta de qualidade impar, suprindo as necessárias garantias e regras procedimentais necessárias ao processo e julgamento do Presidente da República por crime de responsabilidade.

Nestes termos manifestou-se Pedro Lenza:

Nesse sentido, recepcionada, em grande parte, pela CF/88 (art. 85, parágrafo único), a lei n. 1.079/50, estabelecendo normas de processo e julgamento, foi alterada pela Lei n. 10.028, de 19.10.2000, que ampliou o rol das infrações político-administrativas, notadamente em relação aos crimes contra a lei orçamentária.

Esta última lei, inovando, permitiu, outrossim, empregando a expressão “ação penal” e impondo o rito da Lei n. 8.038/90, o oferecimento da denúncia por qualquer cidadão, inovação essa, segundo Damásio de Jesus, marcada pelo vício de inconstitucionalidade, em total afronta ao art. 129, I, da CF, devendo ocupar o seu lugar de destaque no ‘museu das imperfeições legislativas. (LENZA, 2016, p. 1139).

Assim, um texto de norma atual e formatado a partir da experiência adquirida com o processo e julgamento de dois Presidentes da República, além da decisão do STF na ADPF 378, tem o potencial de regulamentar o processo de impeachment com maior eficácia e garantia a direitos fundamentais.

Sobre os autores
Amanda

Acadêmica pesquisadora do PIC da UNIPAR - campus Umuarama

Érica

Acadêmica pesquisadora do PIC da UNIPAR - campus Umuarama

Ilana

Acadêmica do PIC da UNIPAR - Umuarama

João

Acadêmica do PIC da UNIPAR - Umuarama

Natalia

Acadêmica do PIC da UNIPAR - Umuarama

Thais

Acadêmica do PIC da UNIPAR - Umuarama

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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