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Vigência, aplicação, interpretação e integração da legislação tributária

Agenda 03/05/2005 às 00:00

A LICCB (Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro) é a regra geral aplicada ao direito tributário, por força do art. 101 do CTN, ressalvados em especial, os arts. 103 e 104 do CTN.

1. Vigência da legislação tributária - Arts. 101-104 CTN.

A LICCB (Lei de introdução ao Código Civil Brasileiro), Decreto-lei 4.657 de 4/09/1942, lei de Ordem Pública aplicável a todos os ramos do direito, é a regra geral aplicada ao direito tributário por força do art. 101 do CTN, ressalvados em especial, os arts. 103 e 104 do CTN).

Dispõe o artº 1º da LICCB,

Art. 1º.

Salvo disposição em contrário, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada.

O art. 2º da LICCB trata dos critérios normativos para soluções de antinomias aparentes [1].

CRITÉRIO HIERÁRQUICO – É baseado na superioridade de uma fonte de produção jurídica sobre outras. Lei de superior hierarquia revoga lei de inferior hierarquia. Em caso de conflito entre normas de diferentes níveis, a de nível mais alto, qualquer que seja a ordem cronológica, terá prevalência em relação à de nível mais baixo.

CRITÉRIO CRONOLÓGICO – Se duas normas forem conflitantes, e do mesmo nível ou escalão, prevalecerá a que por último foi editada.

CRITÉRIO DA ESPECIALIDADE – Uma norma é especial se contém todos os elementos típicos da norma geral e mais alguns denominados especializantes. A norma especial acresce um elemento próprio a descrição legal do tipo previsto na norma geral. O tipo geral está contido no especial, ou seja, a norma especial contém todos os elementos da geral mais um, que é a diferença específica. É necessário sempre a presença da incompatibilidade para haver a revogação.

Vejamos a redação do art 2º da LICCB:

Art. 2º.

Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue, § 1º. A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior, § 2º. A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga (salvo se houver incompatibilidade) nem a modifica a lei anterior, § 3º. Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.

Um exemplo que pudesse melhor elucidar o § 3º da LICCB seria este: Lei municipal (A) fixando alíquota de ISS em 2% é revogada por outra lei (B) que majora a alíquota para 5%. Caso a lei (B) seja revogada por uma outra lei (C), e a (C) nada disponha sobre o tema, a lei (A) que fixava a alíquota em 2% não voltará a ter vigência, criando-se assim uma ausência de alíquota para se exigir o ISS dos contribuintes por que não ocorreu o efeito repristinatório, que só existe quando expressamente previsto em um diploma legal.

Vejamos mais 3 artigos da LICCB também aplicáveis ao Direito Tributário.

Art. 3º.

Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.

Art. 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

Art. 5º. Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

Art. 6º. A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

Além da vigência, poderíamos também falar do conceito de existência da regra jurídica. Um regra jurídica existe quando editada por fonte de direito reconhecida pelo sistema jurídico. A regra que entrou no plano da existência "é". Existindo, pode ser válida se obedecidas as condições formais (órgão competente) e materiais (ratione materiae) de sua produção e conseqüente integração no sistema ou inválida em caso contrário. Contudo, a regra inválida é existe e produz eficácia; vigência ou eficacia jurídica: é qualidade da regra jurídica (que existe é válida ou inválida) e que está apta a produzir efeitos jurídicos, isto é, incidir/juridicizar o fato ocorrido no mundo real que anteriormente foi previsto em abstrato. Já a eficácia social ou efetividade é a repercussão dos efeitos normativos ocorridos no mundo real, na ordem dos fatos sociais, por força da incidência que produz efeito na realidade.

O juiz singular não declara apenas a inconstitucionalidade da regra, corta a sua existência, desconstituindo-a no caso concreto. Para realidade do processo (que é uma realidade distinta do direito material) ele a invalida. O dizer nulo do juiz com relação à regra jurídica em questão, é dizer que a regra jurídica ingressou no sistema. i.e, existe, porém, invalidamente, por isso o magistrado expurga-a. Nulificar não é declarar, é mais: é desconstituir. O que se declara é inexistência ou existência de algo, e o enunciado de invalidade proferido pelo magistrado é mais do que isso, é mais do que declarar, é desconstitutivo (constitutivo negativo)

Do ponto de vista de uma legitimidade do Direito, porque todo Direito há de ser uma tentativa de "um direito justo" na dicção de Stamler mencionada por Miguel Reale, podemos falar em uma VALIDADE FORMAL (das regras jurídicas no plano dogmático acima trabalhado), de uma EFICÁCIA SOCIAL (da repercussão das regras nos fatos sociais) e de uma PONDERAÇÃO ÉTICO-JURÍDICA (observância dos valores/princípios jurídicos via dimensão de peso). Eis aí a tridimensionalidade de Miguel Reale. A regra jurídica para ser legítima, conceito que é mais amplo que o conceito de validade formal-dogmática, há que observar estes três aspectos essenciais da realidade jurídica.


2. Aplicação da legislação tributária – Arts. 105 e 106 do CTN.

Para Sacha Calmon Navarro Coêlho [2], em verdade não existe o "fato gerador pendente". Pendente será o negócio jurídico ou a situação fática e não o fato gerador. O fato gerador ocorre ou não ocorre. Por exemplo: alguém promete vender uma loja dentro de 10 meses, se o comprador lhe entregar um touro reprodutor afamado que ainda está por nascer. Trata-se de um negócio jurídico sob condição suspensiva. Estaremos diante de um fato gerador "pendente" do imposto sobre a transmissão de bem imóvel. Se o negócio tornar-se perfeito e acabado pela realização da condição suspensiva, incidirá a norma do imposto, cuja aplicação será daquela vigente no momento anterior ao implemento da condição suspensiva do negócio eleito como gerador do imposto.

Luciano Amaro [3] entende que o art. 105 estava tentando endossar a tese de que as normas de imposto de renda, seriam típicas de um fato gerador pendente (períódico), podendo ser editadas até o final do período (em geral, correspondente ao ano civil) para aplicar-se à renda que se estava formando desde o primeiro dia do período. Evidentemente, esta aplicação seria retrooperante. A lei editada após ter tido início o período de formação da renda, se aplicada para agravá-la, lançaria efeitos para o passado ferindo o princípio da anterioridade tributária. A lei do imposto de renda só poderá incidir sobre fatos não apenas futuros, mas, além disso, ocorridos em exercícios futuros.

Para Hugo de Brito Machado [4], o imposto de renda é exemplo típico de um tributo que pode revelar um fato gerador pendente. Para ele, a não ser nas hipóteses de incidência na fonte, e em outras nas quais o fato gerador é instantâneo, só no final do ano-base se considera consumado, completo o fato gerador. Assim se antes disso surge uma lei nova, ela se aplica imediatamente, e isto segundo ele não é aplicação retroativa, mas sim, aplicação imediata a fatos geradores pendentes. Muito embora Hugo de Brito Machado faça esta análise que parece a princípio favorável ao fisco, ao final ele se manifesta contra a aplicação imediata a fatos já iniciados (no período-base) no que tange ao imposto de renda, sustenta ele que a lei que agrava os encargos dos contribuintes somente deve ser aplicada no ano seguinte ao de sua publicação. [5]

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A lei nova que tenha reduzido a alíquota de certo tributo, só se aplica para o futuro, sendo vedada aplicá-la ao passado, exceto se houver expressa previsão legal no corpo da mesma. Já nos casos de sanções tributárias o CTN em seu art. 106, II, "c", manda aplicar retroativamente a lei nova, quando mais favorável ao acusado do que a lei vigente à época da ocorrência do fato, prevalece assim, a lei mais branda ou lex mitior na dicção de Luciano Amaro. [6] É a chamada retroatividade benigna em matéria de infrações.

No RE 407190/RS, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, julgado em 2710.2004 o STF entendeu que a retroação benigna em matéria de infrações não pode sofrer limitação temporal por lei ordinária como tentara o INSS através da Lei nº 9.528/97 que dera nova redação ao art. 35 da Lei nº 8.212/91, veja-se ementa:

Tributário. Retroatividade de Lei mais Benéfica. Limitação Temporal. Lei Complementar. O Tribunal negou provimento a recurso extraordinário interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS contra acórdão do TRF da 4ª Região que, com base no inciso II do art. 106 do CTN, mantivera sentença na parte em que aplicara o art. 35 da Lei 8.212/91, com a redação dada pela Lei 9.528/97, a fatos pretéritos, em razão de a mesma prever pena de multa, sobre contribuições sociais em atraso, menos severa que a cominada anteriormente, e afastara a incidência da limitação temporal prevista no caput do referido art. 35, tendo em conta a declaração, incidenter tantum, de sua inconstitucionalidade, pela Corte Especial daquele Tribunal, por ofensa ao inciso III do art. 146 da CF (Lei 8.212/91, com a redação dada pela Lei 9.528/97: "Art. 35. Para os fatos geradores ocorridos a partir de 1º de abril de 1997, sobre as contribuições sociais em atraso, arrecadadas pelo INSS, incidirá multa de mora, que não poderá ser relevada, nos seguintes termos:"). Salientou-se, inicialmente, o caráter exemplificativo do inciso III do art. 146 da CF, que prevê competir à lei complementar estabelecer normas gerais sobre matéria de legislação tributária. Entendeu-se estar a multa tributária inserta no campo das normas gerais, a qual, por isso, deve ser imposta de forma linear em todo território nacional, "não se fazendo com especificidade limitadora geograficamente". Concluiu-se que a Lei 8.212/91, ao impor restrição temporal ao benefício de redução da multa, acabou por limitar regra da lei complementar (CTN, art. 106, II), violando o disposto na alínea b do inciso III do art. 146 da CF. Dessa forma, declarou-se a inconstitucionalidade da expressão "para os fatos geradores ocorridos a partir de 1º de abril de 1997", constante do caput do art. 35 da Lei 8.212/91, com a redação dada pela Lei 9.528/97.


3. Interpretação e integração da legislação tributária

Arts. 107 a 112 do CTN.

Estamos no patamar da interpretação infraconstitucional. A diferença entre interpretação e integração, está em que na interpretação o intérprete visa estabelecer premissas para o processo de aplicação da norma com recursos na argumentação retórica dentro do sentido possível do texto. Na integração o operador do direito se vale de argumento de ordem lógica, como a analogia o argumento a contrário, bem como os previstos no art. 108 do CTN, sob uma perspectiva que está fora da possibilidade expressiva do texto da norma.

Para Ricardo Lobo Torres [7]a própria afirmativa da existência de lacuna ou do espaço ajurídico e da possibilidade do emprego da analogia ou do argumento a contrário constitui um problema de interpretação. Para ele o CTN trouxe mais problemas do que soluções ao tentar distinguir a interpretação da integração.

Nem toda ausência de disposição expressa justifica a aplicação dos métodos de integração previstos no art. 108, se a questão for irrelevante, a carência de regulamentação será mero espaço ajurídico, insuscetível de preenchimento, porém, se a lacuna caracterizar-se como uma incompletude insatisfatória do direito, uma vez que contrária a relevantes valores jurídicos, aí assim serão aplicados os métodos de integração previstos no art. 108 do CTN.

Pode haver lacunas até no patamar Constitucional. As Constituições brasileiras por influência da norte-americana sempre reconheceram esta possibilidade, que hoje está expressa no art. 5º § 2º da CF. [8]

Para Ricardo Lobo Torres a enumeração do art. 108 não é taxativa. [9]

Art. 108- I – ANALOGIA

– Aplica-se ao caso emergente, para o qual não existe previsão legal, a norma estabelecida para hipótese semelhante.

Art. 108, IV – EQÜIDADE – Aristóteles tratou da eqüidade como correção em sua Ética a Nicômaco. O eqüitativo e o justo têm a mesma natureza. A diferença está em que o eqüitativo é o justo que extrapola ao justo legal, visa a colmatação dos casos singulares não previstos em lei cuja falta ou ausência decorre da própria natureza das coisas. Para Ricardo Lobo Torres a remissão prevista no art. 172, IV do CTN deveria estar vinculada à integração por eqüidade prevista no inciso IV do art. 108 do CTN. [10]

Art. 108, § 1º - PROIBIÇÃO DE ANALOGIA GRAVOSA – A proibição da analogia gravosa é decorrência direta do princípio da legalidade tributária, art. 150, I da CF. Muito já se disse que esta proibição de analogia guarda similitude com o Direito Penal (nullum crimen sine lege), porém Tipke lembra que enquanto o Direito Penal procura inibir certas condutas, o Direito Tributário se interessa pela realização do fato gerador. [11]

Analogia e normas antielisivas – O exagero na investigação do abuso de forma jurídica e na declaração de ilicitude da elisão podem mascarar o raciocínio analógico. Ate mesmo a interpretação teleológica e a pesquisa do conteúdo econômico dos fatos podem escamotear o emprego de analogia. Ver. art. 116, parágrafo único CTN, que na verdade não consagra o uso de analogia, porquanto tem como referencial o fato gerador ocorrido e previsto em lei, não podendo ser aplicado por extensão analógica a outro fato não previsto em lei.

Art. 108, § 2º - PROIBIÇÃO DE EQÜIDADE

– O parágrafo em questão há que dialogar (revela uma antinomia) com o art. 172, IV que prevê a remissão de crédito tributário por consideração de eqüidade, caso típico segundo Ricardo Lobo Torres, de correção por eqüidade. [12]

Art. 109 CTN – A questão da autonomia do Direito Tributário é ponto decisivo dos debates em torno deste artigo. Porém, o direito é uno, nenhum ramo do direito é inteiramente autônomo, podendo apenas assumir certas peculiaridades próprias das relações jurídicas de cada ramo. [13] Para Sacha Calmon Navarro Coêlho [14] este artigo visa reprimir o abuso de formas, permitindo ao legislador (somente ao legislador!), por exemplo, equiparar a contrato de locação, para fins de imposto de renda (em que o aluguel é tributado), um contrato de comodato (cessão de uso gratuita), salvo se entre parentes. O artigo quer evitar os chamados "negócios jurídicos indiretos", para que o particular não evite a tributação dizendo "comodato" onde existe na verdade uma locação. O legislador fiscal não deforma o conteúdo e o alcance dos institutos conceitos e formas de direito privado, apenas que lhes atribui efeitos fiscais.

Sacha Calmon defende que mesmo nos dispositivos contra-elisivos (art. 116, parágrafo único) ou contra-evasivos (art. 149, VII e 150, § 4º), deve-se permitir ao contribuinte a defesa para que possa provar que os seus objetivos são legais e fidedignos. Ex: segundo ele não pode haver uma presunção de que o comodato é um contrato inoponível à receita federal pois que visa ocultar a percepção de alugueres (renda tributável). Veja-se o caso de um tio de boa-fé que dá em comodato à sua sobrinha do interior, um apartamento na capital para que a jovem possa cursar uma universidade. Deveria ele pagar IR sobre um aluguel presuntivo sem a chance de provar a sua boa-fé? Deverá pagar imposto sobre renda inexistente?

O direito tributário importa o instituto com a conformação que lhe dá o direito privado, sucessão causa mortis, compra e venda, locação, fusão de sociedades são conceitos postos no direito privado, porém, por exemplo no direito privado o contrato faz lei entre as partes e já no direito tributário as convenções particulares são inoponíveis ao fisco (art. 123 CTN), ou seja, os efeitos tributários do instituto de direito privado (contrato) são distintos de acordo com o ramo do direito a ser aplicado.

Para Luciano Amaro [15], o silêncio da lei tributária significa que o instituto foi importado pelo direito tributário sem qualquer ressalva. Se o direito tributário quiser determinar alguma modificação nos efeitos tributários há que ser feita de modo expresso.

Art. 110 CTN

– Segundo Sacha Calmon Navarro Coêlho [16], o artigo veda que o legislador infraconstitucional possa alterar conceitos e institutos de direito privado, com o fito de expandir a sua competência tributária prevista no Texto Constitucional. O objetivo é preservar a rigidez do sistema na repartição das competências tributárias aos entes da federação.

Segundo Luciano Amaro [17] é preceito dirigido ao legislador e não ao intérprete jurídico. É matéria tipicamente de definição de competência tributária. Explicita que o legislador não pode expandir o campo de competência tributária que lhe foi atribuído, mediante o artifício de ampliar a definição, o conteúdo ou o alcance de institutos de direito privado.

Se a Constituição fala de mercadoria ao definir a competência dos Estados para exigir o ICMS, o conceito de mercadoria há de ser o existente no Direito Comercial, não podendo o legislador modificá-lo, sob pena de admitir-se a alteração da Constituição via lei ordinária.

Ricardo Lobo Torres [18]indaga se os conceitos de direito privado mantêm o significado originário quando se transformam em conceitos constitucionais (?). Ele mesmo mais adiante sustenta que a constitucionalização dos conceitos de Direito Privado dá-lhes dimensão pluralista e interdisciplinar e lhes publiciza a compreensão.

Sobre a interpretação do art. 110, vale lembrar no STJ o REsp nº 72.204 (21/10/2004), cujo relator foi Ministro João Otávio de Noronha, onde ficara assentado que na venda de bens salvados de sinistro pelo segurador, decidindo contrariamente Súmula nº 152/STJ (Na venda pelo segurador, de bens salvados de sinistros, incide o ICMS).
não incide o ICMS. Disse o Ministro,

"Assim, de início, minha posição era aderir a esse entendimento, adotando os mesmos fundamentos que o têm sustentado. Todavia, chegou ao meu entendimento que o Supremo Tribunal Federal, em Ações Diretas de Inconstitucionalidade, deferiu liminares suspendendo as expressões "e a seguradora" das respectivas leis estaduais que, em razão de permissão contida nessa expressão, determinavam a incidência do ICMS sobre a venda de bens salvados de sinistros operada pelas seguradoras".

O ministro João Otávio de Noronha entendeu que, diante do posicionamento do Supremo, as seguradoras têm razão, ou seja, não há incidência do ICMS. Vejamos as palavras dele,

"Tenho que as seguradoras, ao venderem os salvados, fazem-no com o intuito de se ressarcirem das despesas das indenizações que são obrigadas a honrar por força do contrato. Elas adquirem os salvados quanto houverem de pagar indenização integral em razão da perda de pelo menos 75% do valor segurado".

Para o relator, a Lei nº 6.404/77 e os Decretos Estaduais nº 1.088/77 e 8.050/85 do Estado do Rio de Janeiro, ao determinarem a tributação da venda dos bens sub-rogatórios salvados de sinistros pelas seguradoras, ofendem os artigos 3º e 110 do Código Tributário Nacional. Esse novo entendimento da Seção pode revogar a Súmula 152. Na ocasião, não foi feito porque a revogação só pode ser feita com a maioria absoluta dos integrantes da Seção, o que não aconteceu.

Noutro julgado, de 16/11/1994, apreciando questão tributária envolvendo a COFINS das cooperativas e os atos cooperador, o Superior Tribunal de Justiça, dentre outras coisas fundamentando-se no art. 110 do CTN, decidiu que o conceito de faturamento é de direito privado (ou seja: conjunto de faturas emitidas, a soma dos contratos de venda realizados no período) não podendo ser alterado para incluir o ato cooperativo que não se enquadra neste conceito. Ademais, o cooperativismo, por seus princípios de livre adesão e de ausência de lucro, existe para facultar o acesso dos menos favorecidos ao mercado, máxime pela não-tributação da pessoa jurídica nos atos cooperativos, vejamos,

COFINS. Cooperativa. Revogação. LC n. 70/1991. (Informativo STJ nº 226)


Como já firmado por este Superior Tribunal, para efeito de tributação, há que se distinguir os atos cooperativos dos não-cooperativos. O art. 79 da Lei n. 5.764/1971 determina que os atos cooperativos não implicam operação de mercado ou contrato de compra e venda de produto ou mercadoria, assim, a revogação do inciso I do art. 6º da LC n. 70/1991 pelo art. 23, II, a, da MP n. 1.858/1999 (atual art. 93, II, a, da MP n. 2.158-35/2001) em nada altera a não-incidência da Cofins nesses atos. Note-se que o parágrafo único do art. 79 da Lei n. 5.764/1971 não está revogado frente à ausência de qualquer antinomia legal. A própria doutrina é uníssona ao afirmar que, pelas peculiaridades inerentes à cooperativa, notadamente ao considerá-la representante dos associados, não devem ser tidos por receita os valores que nela ingressam decorrentes da conversão de produto (bens ou serviços) do associado em dinheiro ou crédito, nas alienações em comum, ou recurso do associado que é convertido em bens ou serviços, nas de consumo ou ainda, neste último caso, a reconversão em moeda após o fornecimento feito ao associado. Note-se que o conceito de faturamento, de Direito Privado, que determina a incidência da Cofins não pode ser alterado (art. 110 do CTN), restando ser definido como o conjunto de faturas emitidas, a soma dos contratos de venda realizados no período, operação tal que não resulta do ato cooperativo. Note-se ser a questão assemelhada à das sociedades civis prestadoras de serviço, em que este Superior Tribunal vem se posicionando no sentido de que lei ordinária não poderia revogar determinação de lei complementar, levando à conclusão de que a revogação trazida pela Lei n. 9.430/1996 não atingiria a isenção conferida pela LC n. 70/1991 àquelas sociedades. Por fim, o cooperativismo, por seus princípios de livre adesão e de ausência de lucro, existe para facultar o acesso dos menos favorecidos ao mercado, notadamente pela não-tributação da pessoa jurídica nos atos cooperativos, e, se o Fisco desconsiderar esse aspecto social, não haverá mais razão para que se associem, pois prevaleceria apenas a duplicação da carga tributária. Com esse entendimento, a Seção, ao prosseguir o julgamento, por maioria, deu provimento ao especial. Precedentes citados: REsp 543.828-MG, DJ 25/2/2004; AgRg no REsp 385.416-MG, DJ 4/11/2002; AgRg no REsp 433.341-MG, DJ 2/12/2002; AgRg no REsp 422.741-MG, DJ 9/9/2002, e AgRg no REsp 429.610-MG, DJ 29/9/2003. REsp 616.219-MG, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 27/10/2004.

Art. 111 CTN – Para Sacha Calmon Navarro Coêlho [19] interpretação literal não é interpretação mesquinha ou meramente gramatical, mas, sim, interpretação estrita sem utilização de interpretação extensiva. As exceções devem ser compreendidas com extrema rigidez.

O elemento literal é absolutamente insuficiente, já o afirmamos. [20] A regra do art. 111 há de ser entendida, consoante ensina Hugo de Brito Machado [21], no sentido de que as normas reguladoras das matérias ali mencionadas não comportam interpretação ampliativa nem integração por eqüidade. Sendo possível mais de uma interpretação, razoáveis e ajustadas aos elementos sistemático e teleológico, deve prevalecer aquela que mais se aproximar do elemento literal.

Para Ricardo Lobo Torres [22] a interpretação literal é um limite para atividade do intérprete, ou seja, tendo por início o texto do direito positivo o intérprete encontra o seu limite no sentido possível daquela expressão lingüísitica. Ir além do sentido possível das palavras da lei, é adentrar o intérprete no campo da integração e da complementação do direito. O que o CTN está no art. 111, é impedindo o uso de analogia e eqüidade ao prescrever a interpretação literal para as isenções, homenageando assim o princípio da legalidade. Ricardo Lobo Torres, porém, admite que a interpretação literal é vista pela doutrina com o sentido de uma interpretação restritiva.

No julgamento do REsp 251-257 (20/10/2004). IMPORTAÇÃO DE PRODUTOS EM NAVIO DE BANDEIRA BRASILEIRA. A relatora, ministra ELIANA CALMON, lembrou que, para proteger o transporte marítimo nacional, o Decreto-Lei 666/69 veio instituir uma espécie de reserva de mercado para os navios de bandeira brasileira, oferecendo aos seus usuários favor fiscal consubstanciado na isenção do IPI.

Entretanto, afirmou a ministra, não pôde o legislador, mesmo naquela época, esquecer uma situação que, passados mais de 30 anos, ainda não se alterou, que é a insuficiência de navios de bandeira nacional.

"Por isso mesmo, o referido decreto-lei contemplou algumas exceções, dentre elas, a utilização de navios estrangeiros sob a forma de afretamento, exigindo o mesmo diploma, que a exceção fosse adredemente autorizada,por ser medida excepcional".

A ministra Eliana Calmon ressaltou que a jurisprudência do STJ é rica em precedentes, todos no sentido de só contemplar o benefício para as mercadorias transportadas em navios de bandeira brasileira.

"Entendo que a hipótese não comporta interpretação extensiva por duas razões: primeiro, estamos diante de uma norma isencional, a qual deve ter interpretação literal, como estabelecido está no artigo 111, I, do CTN; segundo, a utilização de transporte por navio afretado é regra do DL 666/69, de caráter excepcional".

Art. 112 CTN – Para Sacha Calmon Navarro Coêlho [23] este artigo possui uma redação de inspiração juspenalista porquanto consagra o in dubio pro contribuinte (interpretação benigna) na aplicação das matérias atinentes à infrações e penalidades. Ele defende a tese de que este artigo não é antinômico com o art. 136 que trata da objetividade do ilícito tributário, é que cuida-se da capitulação do ilícito, e aqui da sua interpretação no julgamento pelos órgãos administrativos e judiciais, onde fica patente a necessidade da pesquisa do elemento subjetivo.


Notas

1 Maria Helena Diniz, Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada, 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 68/75.

2Curso de Direito Tributário Brasileiro, op. cit. p. 564/565.

3Direito Tributário brasileiro, op. cit. p. 195.

4Curso de Direito Tributário, op. cit. p. 89.

5Curso de Direito Tributário, op. cit. p. 90.

6Direito Tributário brasileiro, op. cit. p. 198.

7Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário, 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 34/35.

8 Ricardo Lobo Torres, Normas de Interpretação e Integração... op. cit. p. 109.

9Normas de Interpretação e Integração... op. cit. p. 117.

10 Ricardo Lobo Torres, Normas de Interpretação e Integração... op. cit. p. 131.

11 Ricardo Lobo Torres, Normas de Interpretação e Integração... op. cit. p. 144/145.

12 Ricardo Lobo Torres, Normas de Interpretação e Integração... op. cit. p. 184/185.

13 Hugo de Brito Machado, Curso de Direito Tributário, 22ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 101.

14Curso de Direito Tributário Brasileiro, 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 572/575.

15Direito Tributário brasileiro, 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 214/215.

16Curso de Direito Tributário Brasileiro, op. cit. p. 575/576.

17Direito Tributário brasileiro, op. cit. p. 215/216.

18Normas de Interpretação e Integração... op. cit. p. 230/231 e 234.

19Curso de Direito Tributário brasileiro... op. cit. p. 576.

20 Roberto Wagner Lima Nogueira, Fundamentos do Dever Tributário, Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 46/57.

21Curso de Direito Tributário, 22ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 105.

22Normas de Interpretação e Integração... op. cit. p. 241.

23Curso de Direito Tributário Brasileiro... op. cit. p. 576/577.

Sobre o autor
Roberto Wagner Lima Nogueira

mestre em Direito Tributário, professor do Departamento de Direito Público das Universidades Católica de Petrópolis (UCP) , procurador do Município de Areal (RJ), membro do Conselho Científico da Associação Paulista de Direito Tributário (APET) é autor dos livros "Fundamentos do Dever Tributário", Belo Horizonte, Del Rey, 2003, e "Direito Financeiro e Justiça Tributária", Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2004; co-autor dos livros "ISS - LC 116/2003" (coord. Marcelo Magalhães Peixoto e Ives Gandra da Silva Martins), Curitiba, Juruá, 2004; e "Planejamento Tributário" (coord. Marcelo Magalhães Peixoto), São Paulo, Quartier Latim, 2004.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. Vigência, aplicação, interpretação e integração da legislação tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 667, 3 mai. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6651. Acesso em: 22 nov. 2024.

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