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Estado democrático de direito social:

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4 A ESTRUTURA DO ESTADO NA COSNTITUIÇÃO DE 1988

O poder enquanto capacidade de determinar o comportamento de outras pessoas não pode ser fracionado: a edição de um ato administrativo, de uma lei ou de uma sentença, embora sejam elaborados por distintas funções, emana de um único polo de poder, o Estado (ARAUJO; NUNES JUNIOR, 2016, p. 387). Neste caso, observa-se com veemência o limite aposto como Monismo Jurídico na base da CF/88 – na esteira do direito codificado – que não aprofundou os requisitos do assim chamado Estado Pluriétnico, em que as etnias não são tratadas sumariamente, simbolicamente, mas que se afirmam como acento no poder: Bolívia, Colômbia fizeram mais pela Carta Política, neste sentido, ao destinar parcelas do Poder Político aos grupos e às nações indígenas.

Em todo caso, o Estado brasileiro tem sua organização a partir do tradicional modelo de separação dos Poderes, tal qual proposto por Montesquieu (1996), em três funções: Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário, expressões dotadas de duplo sentido, que designam “a um tempo, as funções legislativa, executiva e jurisdicional e indicam os respectivos órgãos, conforme descrição e discriminação estabelecidas no título da organização dos poderes (respectivamente, nos arts. 44 a 75, 76 a 91 e 92 a 135)” (SILVA, 2005, p. 106).

Expressamente, a Constituição trouxe esse esquema em seu art. 2º: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário” (grifo nosso), e do que se depreende que, embora separadas as funções, elas conservam unidade de desígnios nos objetivos da República, representando a tripartição do Poder em uma espécie de modelo distributivo-organizacional e preventivo de ataques absolutistas e totalitários contra a democracia.

Os órgãos do Estado são supremos (constitucionais) ou dependentes (administrativos) Aqueles são os a quem incumbe o exercício do poder político, cujo conjunto se denomina governo ou órgãos governamentais. Os outros, estão em plano hierárquico inferior, cujo conjunto forma a Administração Pública, considerados de natureza administrativa. Enquanto os primeiros constituem o Direito Constitucional, os segundos são regidos pelas normas de Direito Administrativo. E aí se acha o cerne da diferenciação entre os dois ramos do Direito. (SILVA, 2005, p. 106)

No dizer de José Afonso da Silva (2005, p. 106-107), as funções são a especialização de tarefas governamentais que consideram a natureza da atribuição, sem se importar com o órgão que as exerce. Já a divisão dos poderes consiste em destinar as funções governamentais a órgãos diferentes. E, por fim, à separação dos poderes insere-se principiologia idealizada por Aristóteles (2007), John Locke (1994) e Rousseau (2013), mas que veio a ser definida e divulgada em doutrina por Montesquieu (1996). A influência da separação dos poderes tomou grande proporção na Revolução Francesa e se tornou um pressuposto constitucional, segundo a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, como um postulado sem o qual não há garantia dos direitos individuais.

Embora seja uma fórmula válida, um eficiente antídoto para o absolutismo que dominava enquanto técnica de governo, atualmente a separação ficta já se aparenta mais maleável:

Hoje, o princípio não configura mais aquela rigidez de outrora. A ampliação das atividades do Estado contemporâneo impôs nova visão da teoria da separação de poderes e novas formas de relacionamento entre os órgãos legislativo e executivo e destes com o judiciário, tanto que atualmente se prefere falar em colaboração de poderes, que é a característica do parlamentarismo, em que o governo depende da confiança do Parlamento (Câmara dos Deputados), enquanto, presidencialismo, desenvolveram-se as técnicas de independência e harmonia dos poderes. (SILVA, 2005, p. 109)

O Brasil adotou o presidencialismo como sistema de governo, observando sua origem estadunidense: “nele a relação de interdependência entre os Poderes Executivo e Legislativo fica esmaecida à regra geral da Harmonia entre os Poderes” (ARAUJO; NUNES JUNIOR, 2016, p. 397). São características marcantes do presidencialismo: a chefia de governo e de Estado concentradas na figura do Presidente da República; o Presidente da República é eleito para mantado determinado e não responde diretamente ao Poder Legislativo; o Poder Executivo tem liberdade para a formação de seu ministério – leia-se a nomeação dos cargos; o Parlamento não se dissolve por ordem de eleições gerais emanada do Poder Executivo.

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Do ponto de vista formal, fica evidente a opção do constituinte pelo presidencialismo, no entanto, no plano material houve a sua deformação no que autores como Leonardo Avritzer (2016) e Marcos Nobre (2016) denominam presidencialismo de coalizão.

O presidencialismo de coalizão pode ser entendido de duas formas: como solução institucional para um problema político específico, a saber, uma configuração da relação entre eleições presidenciais e representação proporcional no Congresso, na qual o presidente não alcança maioria na Casa; ou como maneira de realizar amplas coalizões que despolitizam uma agenda progressista da política no Brasil. E, uma situação, o presidencialismo de coalizão pode gerar governabilidade, enquanto na outra, cria problemas para a sua manutenção. (Avritzer, 2016, p. 29)

Em jeito de verdadeiro entrave político, Marcos Nobre (2016, p. 137-138), apresenta o presidencialismo de coalizão mais contextualizado no tempo e na realidade:

No meio do caminho, entre a realidade caótica da década de 1980 e a expectativa em relação ao futuro, criou-se o conceito de “presidencialismo de coalizão”. Tratava-se de uma espécie de acomodação de um regime presidencialista a um sistema partidário já então razoavelmente fragmentado. A eleição em dois turnos deveria produzir um grande negociador da coalizão, o partido vencedor da eleição presidencial. Com isso, haveria também uma certa tensão — saudável e produtiva, esperava-se — entre o programa de governo da candidatura presidencial vencedora e os interesses partidários representados no Congresso, que teriam de se compor. Não se confirmou o esperado processo de fusões & aquisições partidárias que permitiria uma gestão menos turbulenta do presidencialismo. Em lugar da maior concentração partidária, o que aconteceu, a partir de 1994, foi uma especialização partidária de caráter binário. De um lado, a esmagadora maioria dos partidos se especializou em venda de apoio parlamentar ao governo, seja qual for o governo [...] Um arranjo como esse parece permitir que o partido líder que venceu a eleição presidencial aplique seu programa, seu projeto de concretização da Constituição de 1988. O que de fato acontece é o contrário. Uma base “inchada” de apoio ao governo coloca entraves e obstáculos à concretização do programa apresentado pelo partido vencedor da eleição. Para conseguir introduzir as transformações propostas em seu programa, mesmo aquelas de ordem marginal, o líder da coalizão está obrigado quase que permanentemente a contornar vetos de importância dentro de sua própria base de apoio, vetos que não consegue simplesmente afastar para impor sua posição.

Justifica-se trazer este aspecto do presidencialismo de coalizão dentro da organização do poder na estrutura do Estado para ficar evidente que o direito não se aparta da política, mas recebe influências dela, especialmente nos aspectos de alcançar o Estado Material de Direito com a efetiva participação das pessoas no espaço público.

Retomando-se a questão da organização do Poder, importante é verificar que nada se concentra em uma só vontade ou ação, o Estado se faz num destroncamento de funções e atribuições saindo de um centro (federal) até a capilaridade que alcança as pessoas (municipalidades). Assim, há uma divisão horizontal em Executivo, Legislativo e Judiciário, para as funções orgânicas ou típicas de, respectivamente, administrar, legislar e exercer a jurisdição, mas há também há descentralização em camadas, onde a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios recebem poderes para atuar em limites e atribuições especificados na Constituição de 1988.

A essência da forma federativa de Estado é promover a descentralização política do Poder Estatal em prol dos Entes Federados, por isso o art. 18 da Constituição de 1988 prevê que a Federação brasileira é composta por quatro tipos de entes políticos autônomos: (i) União; (ii) Estados-membros; (iii) Distrito Federal; (iv) municípios. (Importa, ressaltar, neste momento, que não se confunde descentralização com desconcentração do poder: sendo esta figura jurídica um aporte dos mais notáveis da Carta Política, ao coletivizar – o social que suplanta os direitos políticos individuais – a inserção da sociedade nos meandros da política organizadora do Estado).

Enquanto base da descentralização do Poder Político, a autonomia se configura a partir de quatro capacidades políticas asseguradas igualmente aos entes políticos: auto-organização para elaborar a Constituição Federal, as Constituições Estaduais e Leis Orgânicas; autogoverno com eleições próprias; autolegislação para organização e elaboração das próprias leis; e autoadministração para prestação dos serviços públicos.

Segundo a jurisprudência do STF, não há hierarquia entre a União, os Estados, o DF e os municípios, pois todos eles têm o mesmo atributo, qual seja, autonomia. Logo, não há hierarquia entre leis federais, estaduais, distritais e municipais. Contudo, muito embora não exista hierarquia entre os entes federados, vigora no Brasil o princípio da preponderância de interesses, o qual define que o interesses nacional (representado pela União) prepondera sobre os interesses regionais (representados pelos Estados e DF) e sobre os interesses locais (representados pelos municípios e DF). Ressalta-se, portanto, que não havendo hierarquia entre os entes federados, quando a República Federativa do Brasil assina um tratado, ainda que disponha de matérias que dizem respeito só aos Estados ou aos Municípios, não está se violando a autonomia, pois “o Presidente da República não subscreve tratados como Chefe de Governo, mas como Chefe de Estado” (STF RE 229096 RS).

Como se pode observar, a soberania popular faz um giro de poder: remete ao Estado as prerrogativas para que, em nome do povo, atue e, por conseguinte, o poder vá se reorganizando em raios que retornam ao indivíduo na forma dos serviços públicos. Na idealidade constitucional da Carta Política, sob o Estado democrático de Direito Social, ao mesmo tempo que o poder é outorgado ao Estado, (re)encontra-se novamente com o povo.

Uma vez que a República Federativa do Brasil se orienta pelo pluralismo político de ideias e pela sociedade pluralista (art. 1º, IV e preâmbulo), o Estado é administrador dos conflitos de uma sociedade complexa que se insere num contexto de Modernidade Tardia (Giddens, 1991) marcado por “antagonismos sociais e por uma série de distinções, que são capazes de produzir uma variedade de posições de sujeitos e de identidades” (ALVES, 2013, p. 120). Nas lacunas entre a sociedade, a política e o direito, a Constituição coloca o Estado com a missão conciliadora:

A Constituição opta, pois, pela sociedade pluralista que respeita a pessoa humana e sua liberdade, em lugar de uma sociedade monista que mutila os seres e engendra as ortodoxias repressivas. O pluralismo é uma realidade, pois a sociedade se compõe de uma pluralidade de categorias sociais, de classes, grupos sociais, econômicos, culturais e ideológicos. Optar por uma sociedade pluralista significa acolher uma sociedade conflitiva, de interesses contraditórios e antinômicos. O problema do pluralismo está precisamente em construir o equilíbrio entre as tensões múltiplas e por vezes contraditórias, em conciliar a sociabilidade e o particulares, em administrar os antagonismos e evitar divisões irredutíveis. Aí se insere o papel do poder político: “satisfazer pela edição de medidas adequadas o pluralismo social, contendo seu efeito dissolvente pela unidade de fundamento da ordem jurídica” (SILVA, 2005, p. 143 – grifos nossos)

A organização do Estado foi, sobretudo, idealizada para que o desenvolvimento do Poder Político seja capaz de produzir soluções adequadas a todos, não a pequenas parcelas ou a seletos grupos da sociedade. Portanto, a democracia somente é substancial se possibilita as aberturas para as pessoas em seu exercício pleno de cidadania. Estando de acordo com o ideário de que o melhor exercício do poder é quando este se encontra repartido, disciplinado e regulamentado democraticamente.

Sobre os autores
Vinícius Scherch

Graduado em Direito pela Faculdade Cristo Rei, Cornélio Procópio - Paraná (2010). Pós-Graduado em Direito e Processo do Trabalho pela UNOPAR, Campus Bandeirantes - Paraná (2014). Graduado em Gestão Pública pela UNOPAR, Campus Bandeirantes-Paraná (2015). Mestre em Ciência Jurídica pela UENP -Jacarezinho. Advogado na Prefeitura Municipal de Bandeirantes - Paraná.

Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SCHERCH, Vinícius; MARTINEZ, Vinício Carrilho. Estado democrático de direito social:: O poder político na Constituição Federal de 1988. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5462, 15 jun. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/66660. Acesso em: 22 nov. 2024.

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