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Estado democrático de direito social:

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3 A SOBERANIA POPULAR NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

A peça inaugural da ruptura com a visão singular do direito que se refletia com a manutenção da ditadura militar foi a Anistia, seguindo-se a Constituinte de 1985 e a Constituição Federal de 1988. Não por acaso, foi batizada de Constituição Cidadã. Com a sua promulgação, se ampliaram os postulados de direitos políticos das pessoas, bem como em texto constitucional foram fixados para que se tornarem direitos pétreos, especialmente, o sufrágio universal e a separação dos Poderes.

Sob a forma de dizer a nacionalidade, a Constituição de 1988 trouxe importantes critérios para definir quem é o povo brasileiro. No art. 12 estabeleceu não somente o jus sanguini como também o jus solis para os brasileiros natos, assim como conferiu o regime de aquisição da nacionalidade pela naturalização:

Art. 12. São brasileiros:

I - natos:

a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país;

b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil;

c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira

II - naturalizados:

a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral;

b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira.

Assim, a Constituição garante àqueles que se encontram em território brasileiro o princípio geral de igualdade, com os direitos fundamentais básicos não suprimíveis da pessoa humana, pois a todos é asseverada a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos do art. 5º. A preocupação constitucional com a questão do acesso ao direito fundamental de ser cidadão, é quase que exauriente do tema, especialmente porque o Pacto de San José da Costa Rica, em seu art. 20, esclarece que toda pessoa tem direito à nacionalidade (ARAUJO; NUNES JUNIOR, 2016, p. 289), desta forma a Constituição não poderia descuidar de tal questão de existência para o indivíduo.

Ainda se atrela à nacionalidade, o exercício dos direitos políticos, tanto para se exercer a cidadania ativa que na forma do direito de votar, de opinar e de participar, como também a oportunidade de se candidatar a cargos públicos eletivos ou de provimento por concurso de provas e títulos. De um modo especial, a Constituição de 1988 se preocupou com o acesso a certos cargos, quando reduziu aos brasileiros natos o acesso às presidências da República, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, bem como restringiu-se a brasileiros natos os cargos de Ministro do STF, de Ministro de Estado da Defesa, da carreira diplomática e de oficial das forças armadas. A preocupação, é óbvio, refere-se à Razão de Estado.

As distinções que há entre a condição de brasileiro nato e naturalizado são só aquelas consignadas na Constituição. Nisso, ela foi expressa no art. 12, §2ª, segundo o qual “a lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros natos e naturalizados, salvo nos casos previstos nesta Constituição. Não precisava dizê-lo; reforça, contudo, o princípio da não distinção e não preferências entre ambas as categorias de brasileiros (arts. 3º, IV e 19, III) e o princípio da igualdade entre elas, que encontra arrimo no caput do art. 5º, de modo que qualquer tratamento desigual, para situações iguais, envolvendo-as, infringe o princípio da isonomia consignado naqueles dispositivos.

A regra a seguir nessa matéria é a seguinte: se a Constituição só fala em brasileiro, sem qualificativo, para qualquer fim, a expressão inclui o nato e o naturalizado; se quer excluir este último, expressamente menciona brasileiro nato. (SILVA, 2005, p. 331-332)

Entender a questão da nacionalidade como um pressuposto da cidadania é importante para observar que o Estado brasileiro não faz acepção das pessoas na realização do processo democrático, no entanto, cabe diferenciar que o cidadão é aquele que tem direitos políticos de votar e ser votado, assumindo também suas consequências (SILVA, 2005, p. 346). Isto porque, a partir da ideia de que o cidadão é apto para a ação política, pesa sobre seus ombros a carga principiológica constitucional. A formatação do Estado Democrático de Direito Social reflete os conteúdos de uma democracia representativa, participativa e pluralista, com direitos e garantias fundamentais individuais, coletivas, sociais, culturais, assim como o respeito ao meio ambiente, às pluralidades étnicas e o acesso aos bens primários como condição da dignidade da pessoa humana: é “uma democracia, pois, com forte conteúdo social” (SILVA, 2005, p. 125).

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Aparece, logo de início no texto constitucional, que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente” (art. 1º, parágrafo único), destacando-se, ainda, que esse exercício está pautado nos fundamentos da República, consoante a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político (art. 1º). Após discorrer sobre os fundamentos, valores e objetivos do Estado Democrático de Direito Social (arts. 1º a 6º), e trazer um extenso rol de direitos fundamentais (arts. 5º a 12), a Constituição traz, no art. 14, a maneira como é exercido o poder:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

I - plebiscito;

II - referendo;

III - iniciativa popular.

Embora esteja no art. 14 da Constituição o primado da cidadania ativa, há outras formas, igualmente constitucionais de exercício da soberania popular, como por exemplo: a consulta prévia – ainda que plebiscitária – para criação de municípios (art. 18, §4º); o Conselho da República, composto por seis cidadãos eleitos em votação bicameral (art. 89. VII); os Conselhos de Políticas Públicas de planejamento municipal (art. 29, XII), de gestão da seguridade social (art. 194, parágrafo único, VII), de gestão das ações e serviços de saúde (art. 198, III), de atuação na área da assistência social (art. 204, II), de participação e de gestão democrática no ensino público (art. 206, VI).

Esta forma de disposição em Conselhos ativos – e outros consultivos – denota forte espírito constitucional de se avançar na descentralização e, sobretudo, na desconcentração do poder. Sob esta condição, de desconcentrar poderes à participação social, observa-se pois um postulado da Carta Política: não apenas disciplinar o Poder Político, não somente instaurar os direitos políticos, mas especialmente garantir, por meio da desconcentração do poder, a ação direta da sociedade na condução das políticas públicas. Na Carta Política de 1988, o “fazer-política” não se limita, obviamente, pelo direito de voto, posto que o poder desconcentrado exige um “fazer-política” difuso, desconcentrado, propriamente como arranjo político dos coletivos.

A par disso, a soberania popular se desenvolve continuamente com a inserção das pessoas no espaço público de decisões, garantido e denominando-se em direitos políticos:

O regime representativo desenvolveu técnicas destinadas a designação dos representantes do povo nos órgãos governamentais. A princípio, essas técnicas aplicavam-se empiricamente nas épocas em que o povo deveria proceder à escolha dos seus representantes. Aos poucos, porém, certos modos de proceder foram transformando-se em regras, que o direito positivo sancionara como normas de agir. Assim, o direito democrático de participação do povo no governo, por seus representantes, acabara exigindo a formação de um conjunto de normas legais permanentes, que recebera a denominação de direitos políticos. (SILVA, 2005, p. 344)

Ainda que exista uma gama de possibilidades de exercício dos direitos políticos, por um viés crítico é possível notar que os cidadãos sejam tangenciados do processo democrático, não em um aspecto jurídico, mas procedimental do decisionismo concentrado nas mãos dos representantes do poder, “tem-se que são os representantes eleitos – que demandam, portanto, excelência no trato do que é público – [que] acabam tomando decisões em nome do povo e instrumentos como o referendo e o plebiscito sequer são usados, ou sequer uma consulta pública é feita” (SCHERCH, 2017, p. 144). Neste aspecto a representatividade precisa espelhar a soberania popular, sob pena de se tornar um obstáculo aos direitos políticos:

Com a democracia semidireta, a alienação política da vontade popular faz-se apenas parcialmente. A soberania está com o povo, e o governo, mediante o qual essa soberania se comunica ou exerce, pertence por igual ao elemento popular nas matérias mais importantes da vida pública. Determinadas instituições, como o referendum, a iniciativa, o veto e o direito de revogação, fazem efetiva a intervenção do povo, garantem-lhe um poder de decisão de última instância, supremo, definitivo, incontrastável. (BONAVIDES, 2000, p. 355)

Em que pese os direitos políticos ocuparem uma posição de destaque nesta estrutura democrática de Estado, a partir do voto livre, secreto e soberano, é urgente retomar a configuração dos conselhos populares já instaurados na CF/88, uma vez que por este caminho se ultrapassa com facilidade as críticas individualistas, minimalistas e de excessivo liberalismo constitucional.

De outro modo, pode-se dizer que é obrigatório o alistamento eleitoral e o voto para os maiores de dezoito anos (art. 14, §1º, I) – ainda que facultativo para analfabetos, maiores de setenta anos e maiores de dezesseis e menores de dezoito (art. 14, §1º, II, ‘a’, ‘b’, ‘c’) – bem como são inalienáveis de plano, em vista da vedação à sua cassação e do rol taxativo para perda ou suspensão do seu exercício nos termos do art. 15 da Constituição de 1988.

Os direitos políticos positivos consistem no conjunto de normas que asseguram o direito subjetivo de participação no processo político e nos órgãos governamentais. Eles garantem a participação política por meio das diversas modalidades de direito de sufrágio: direito de voto nas eleições, direito de elegibilidade (direito de ser votado), direito de voto nos plebiscitos e referendos, assim como por outros direitos de participação popular, como o direito de iniciativa popular, o direito de propor ação popular e o direito de organizar e participar de partidos políticos. (SILVA, 2005, p. 348)

Desta forma, a soberania popular, que se desdobra no direito fundamental e individual de participação política, não se resume ao voto de tempos em tempos, é um exercício cotidiano – e mais do que um pleito individual por direitos políticos, é uma conquista (esquecida) dos coletivos de organização e de manifestação do poder social, na forma dos Conselhos Ativos e não meramente consultivos. No geral, não é apelo reconhecer a democracia como direito fundamental, pois:

A democracia poderia ser considerada um direito fundamental (mas permeado por uma série de conotações de ordem patrimonial, especialmente se esses direitos desempenharem, num sistema específico, funções assecuratórias) com o explícito apelo à inclusão. Isso não ocorre nas democracias socialmente parciais (modernidade tardia), que desconsideram os laços existentes entre política, solidariedade e direitos humanos. A democracia conteria, dessa forma, um comando objetivo tendente a conferir legitimidade a todas as formas de relação possíveis, assegurando não só o direito à participação, mas também capacidade matéria de participação efetiva, em uma perspectiva igualitária ou protoigualitária (igualitarismo liberal). (ALVES, 2013, p. 117)

A partir da soberania popular exercida em condições substanciais, na forma como a Constituição de 1988 se propõe a nortear, ganha relevo a estruturação do poder na organização do Estado.

Sobre os autores
Vinícius Scherch

Graduado em Direito pela Faculdade Cristo Rei, Cornélio Procópio - Paraná (2010). Pós-Graduado em Direito e Processo do Trabalho pela UNOPAR, Campus Bandeirantes - Paraná (2014). Graduado em Gestão Pública pela UNOPAR, Campus Bandeirantes-Paraná (2015). Mestre em Ciência Jurídica pela UENP -Jacarezinho. Advogado na Prefeitura Municipal de Bandeirantes - Paraná.

Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SCHERCH, Vinícius; MARTINEZ, Vinício Carrilho. Estado democrático de direito social:: O poder político na Constituição Federal de 1988. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5462, 15 jun. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/66660. Acesso em: 22 dez. 2024.

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