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Processo licitatório destinado à participação de microempresas e empresas de pequeno porte. Limite de valor previsto no art. 48, I, da Lei Complementar nº 123, de 2006, e sua relação com o prazo dos contratos de prestação de serviços continuados

Agenda 11/06/2018 às 21:14

Aplicação do limite de R$ 80 mil previsto no art. 48, I, da Lei Complementar nº 123, de 2006, nas licitações destinadas à contratação de serviços de natureza continuada

Introdução

Nos termos do art. 37, XXI, da Constituição, ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes.

Tal regra, vale dizer, além de evidenciar o Princípio da Isonomia, segue sobejamente alinhada aos princípios republicano e democrático, entre outros, conjunto do qual se extrai que as contratações públicas não podem ser dirigidas para, de qualquer forma, favorecer quem apenas disponha de maior simpatia dos governantes. 

Abordando o tema, quando do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 2716, o Supremo Tribunal Federal (STF) se pronunciou nesse sentido, in verbis:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. [...]. LICITAÇÃO. ISONOMIA, PRINCÍPIO DA IGUALDADE. [...]. 3. A licitação é um procedimento que visa à satisfação do interesse público, pautando-se pelo princípio da isonomia. Está voltada a um duplo objetivo: o de proporcionar à Administração a possibilidade de realizar o negócio mais vantajoso - o melhor negócio - e o de assegurar aos administrados a oportunidade de concorrerem, em igualdade de condições, à contratação pretendida pela Administração. Imposição do interesse público, seu pressuposto é a competição. Procedimento que visa à satisfação do interesse público, pautando-se pelo princípio da isonomia, a função da licitação é a de viabilizar, através da mais ampla disputa, envolvendo o maior número possível de agentes econômicos capacitados, a satisfação do interesse público. A competição visada pela licitação, a instrumentar a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração, impõe-se seja desenrolada de modo que reste assegurada a igualdade (isonomia) de todos quantos pretendam acesso às contratações da Administração. [...]. (ADI 2716, Relator(a):  Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 29/11/2007, DJe-041 DIVULG 06-03-2008 PUBLIC 07-03-2008 EMENT VOL-02310-01 PP-00226 RTJ VOL-00204-03 PP-01114)

Mas, por outro lado, vale lembrar que a Constituição, no seu art.  170, assegura que a atividade econômica é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.

O inciso IX do referido art. 170 pontifica que a atividade econômica observará, como princípio, o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.  

O tratamento ventilado tem razão de ser e harmoniza-se com aqueles princípios orientadores da licitação, não sendo por eles negado.

Nesse sentido, não se deve olvidar que a interdependência das normas constitucionais, decorrente do Princípio da Unidade da Constituição, implica interpretação sistemática, para harmonização dessas normas, de forma que não sejam consideradas isoladamente, mas integrantes de um sistema em que cada norma vige no seu campo próprio (Celso Ribeiro Bastos, Hermenêutica e Interpretação Constitucional, Celso Bastos Editor, 1997, p. 103/104)

De outra banda, recorde-se que o tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte já constava do texto original da Constituição, no mesmo art. 170, IX, e, por outro lado, o STF, como resta exemplificado no julgamento da ADI 815/DF, não admite a existência de normas constitucionais originárias inconstitucionais e como o faz a doutrina estrangeira de Otto Bachof.

Saliente-se que as empresas de menor porte têm papel social e econômico relevantes, sendo grandes precursoras da geração de emprego e do desenvolvimento econômico nacional, ao mesmo tempo em que enfrentam sérias dificuldades para sair (e se manter fora) da informalidade e para concorrer com as grandes e organizadas corporações, merecendo a proteção dada pelo constituinte e que se reflete, também, na legislação infraconstitucional.

  

Do processo licitatório destinado exclusivamente à participação de microempresas e empresas de pequeno porte. Serviço de natureza continuada e o limite de R$ 80 mil

Diante de todo o contexto supra delineado, atendendo ao comando constitucional do art. 170 e visando a conferir o tratamento favorecido e diferenciado às microempresas e empresas de pequeno porte, o legislador pátrio editou a Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006 (Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte), que, mais adiante, veio a ser modificada pela Lei Complementar nº 147, de 7 de agosto de 2014. Aquela Lei Complementar nº 123, de 2006, prevê o seguinte:

Art. 47.  Nas contratações públicas da administração direta e indireta, autárquica e fundacional, federal, estadual e municipal, deverá ser concedido tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte objetivando a promoção do desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional, a ampliação da eficiência das políticas públicas e o incentivo à inovação tecnológica. (Redação dada pela Lei Complementar nº 147, de 2014)

Art. 48.  Para o cumprimento do disposto no art. 47 desta Lei Complementar, a administração pública: (Redação dada pela Lei Complementar nº 147, de 2014)

I - deverá realizar processo licitatório destinado exclusivamente à participação de microempresas e empresas de pequeno porte nos itens de contratação cujo valor seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais); (Redação dada pela Lei Complementar nº 147, de 2014)

[...]

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De acordo com os dispositivos supra transcritos, em suma, as contratações da Administração conferirão tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno, sendo que uma dessas formas de tratamento consistirá, exatamente, na realização de processo licitatório exclusivo para itens de contratação cujo valor seja de até R$ 80 mil.

Buscando conferir sentido um pouco mais preciso às disposições do art. 48, I, da Lei Complementar nº 123, de 2006, os arts. 6º e 9º do Decreto 8.538, de 6 de outubro de 2015, ditam o seguinte:

Art. 6º Os órgãos e as entidades contratantes deverão realizar processo licitatório destinado exclusivamente à participação de microempresas e empresas de pequeno porte nos itens ou lotes de licitação cujo valor seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais).

Art. 9º Para aplicação dos benefícios previstos nos arts. 6º a 8º: I - será considerado, para efeitos dos limites de valor estabelecidos, cada item separadamente ou, nas licitações por preço global, o valor estimado para o grupo ou o lote da licitação que deve ser considerado como um único item; e [...]

Porém, como se observa, no que toca especificamente ao valor limite de R$ 80 mil, a aplicação da regra do art. 48, I, da Lei Complementar nº 123, de 2006, ainda poderá gerar dúvidas e/ou equívocos, repercutindo, na prática, em possível desrespeito ao princípio da estrita legalidade e vulneração do interesse público, isso especialmente quando se tratar de contratos administrativos de prestação de serviços de natureza continuada, que são muito comuns no cotidiano da Administração Pública. Explica-se.

O problema se resume em saber se, nos contratos de prestação de serviços de natureza continuada − que são passíveis de prorrogações sucessivas com base no permissivo do art. 57, II, da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, e podem alcançar o prazo total de 60 (sessenta) meses −, o limite de R$ 80 mil se relacionaria com o prazo inicial do contrato ou com o prazo total de 60 (sessenta) meses. As diferenças decorrentes são bastante significativas.

Felizmente, o Tribunal de Contas da União (TCU), provocado, viu-se compelido a analisar o problema, quando, via do Acórdão nº 1.932/2016-Plenário, assentou a seguinte e importante conclusão, in verbis:

No caso de serviços de natureza continuada, o limite de contratação no valor de R$80.000,00, de que trata o art. 48, inciso I, da LC 123/2006, refere-se a um exercício financeiro, razão pela qual, à luz da Lei 8.666/1993, considerando que esse tipo de contrato pode ser prorrogado por até sessenta meses, o valor total da contratação pode alcançar R$ 400.000,00 ao final desse período, desde que observado o limite por exercício financeiro (R$ 80.000,00).

Pontue-se que, por ocasião do julgamento que deu origem ao Acórdão nº 1.932/2016, os senhores ministros do TCU acolheram o voto do relator, Ministro Vital do Rego, que, na assentada, apresentava voto já reajustado e com o objetivo de se aliar ao voto verberado pelo Ministro Benjamin Zymler.

O Acórdão nº 1.932/2016-Plenário, publicado no sítio eletrônico da Corte de Contas, revela que uma compreensão inicial propunha que a interpretação do art. 48, I, da Lei Complementar nº 123, de 2006, deveria se dar de forma restrita. Ao final do julgamento, entretanto, não foi o que prevaleceu, o que, aliás, se deu de forma acertada.

O exame detalhado do voto do eminente relator do Acórdão nº 1.932/2016-Plenário, Ministro Vital do Reto, é, pois, bastante salutar:

Voto:

[...]

4. Em breve síntese, o ponto fulcral a ser debatido nestes autos é a real extensão que deve ser dada ao art. 48, inciso I, da Lei Complementar 123, de 2006 (Lcp 123/2006), com redação dada pela Lei Complementar 147, de 2014 (Lcp 147/2014). [...]

5. O problema trazido pelo representante cinge-se a saber se, nas licitações em que a administração puder utilizar a faculdade prevista no art. 57, inciso II, da Lei 8.666, de 1993 (a prestação de serviços a serem executados de forma contínua podem ter a sua duração prorrogada por iguais e sucessivos períodos com vistas à obtenção de preços e condições mais vantajosas para a administração, limitada a sessenta meses) , o valor de até R$ 80.000,00 a que se refere o art. 48, inciso I, da Lcp 123/2006 restringe-se ao período inicial de contratação previsto no edital de licitação ou deve abarcar, também, possíveis prorrogações.

[...]

9. Estes autos vieram à apreciação deste colendo Plenário na sessão de 2/3/2016, oportunidade em que apresentei voto no sentido de que o art. 48, inciso I, da Lei Complementar 123, de 2006, que restringe o processo licitatório exclusivamente à participação de microempresas e empresas de pequeno porte nos itens de contratação cujo valor seja de até R$ 80.000,00, deve ser interpretado de forma estrita. [...]

10. Ocorre que naquela assentada, o eminente Ministro Benjamin Zymler, com fundamento no art. 112 do Regimento Interno pediu vista dos autos.

11. Sua Excelência devolveu-me os autos, apresentando posicionamento diverso do meu. Por elucidativo, peço vênias para reproduzir a sua declaração de voto:

[...]

2. Sua Excelência, o Ministro Vital do Rêgo, relator do feito, apresentou em 2/3/2016, para deliberação deste colegiado, proposta, no sentido de considerar a representação procedente, uma vez que, no entendimento do relator, no caso de contratação de serviços de natureza continuada, o valor de até R$ 80.000,00 a que ser refere o art. 48, inciso I, da Lei Complementar 123, de 2006, deveria contemplar a vigência total do contrato, ou seja, o período inicial mais suas possíveis prorrogações.

3. Segundo o voto apresentado, prorrogar um contrato, nos termos do art. 57, inciso II, da Lei 8.666/1993, não significa fazer outro contrato, mas tão somente firmar termo aditivo renovando o contrato já existente.

4. Dessa forma, entende que o valor da contratação a que se refere o art. 48, inciso I, da Lei Complementar 123/2006, nos casos de serviço de natureza continuada, pode ser definido como o valor total dos dispêndios a serem feitos pela administração em contrapartida a uma prestação de serviço, decorrentes de um mesmo contrato, que poderá ser prorrogado até completar o prazo total de 60 meses.

5. Ademais, para Sua Excelência, o dispositivo da lei complementar, por restringir o comando insculpido no art. 37, inciso XXI, da Constituição, que exige igualdade de condições a todos os concorrentes nas licitações públicas, deveria ser interpretado de forma restrita. Assim, não se poderia dar uma interpretação mais abrangente à norma de forma a elastecer o benefício a um grupo de empresas em detrimento do direito de participação de outras.

6. Com as devidas vênias ao ilustre relator, divirjo de sua proposta quanto a exegese do aludido inciso I do art. 48 da Lei Complementar 123/2006.

7. É inconteste na doutrina e na jurisprudência que às normas que prevêem direito excepcional não pode ser dada intepretação extensiva. Entretanto, não observo por parte da promotora do Pregão Eletrônico 22/2015 uma interpretação dessa natureza ao mencionado dispositivo legal.

8. A literalidade do art. 48 da Lei Complementar 123/2006, que transcrevo a seguir, admite, de fato, a controvérsia a respeito da interpretação que deve ser dada ao dispositivo no caso de licitações para a contratação de prestação de serviços continuados:

Art. 48. Para o cumprimento do disposto no art. 47 desta Lei Complementar, a administração pública: I - deverá realizar processo licitatório destinado exclusivamente à participação de microempresas e empresas de pequeno porte nos itens de contratação cujo valor seja de até R$80.000,00 (oitenta mil reais);

9. Mais uma vez, com as vênias devidas, entendo que uma interpretação mais adequada a ser dada ao dispositivo passa pela identificação dos balizadores utilizados pelo legislador para estabelecer o valor monetário máximo para o qual o incentivo constitucionalmente previsto (art. 179 da Constituição) deveria ser concedido. Em outras palavras, cabe descobrir o parâmetro a que o montante financeiro mencionado faz referência.

10. Para tal mister, entendo que, antes de tudo, deve-se buscar na própria norma o referencial utilizado pelo legislador para a definição da importância de R$ 80.000,00 prevista na lei.

11. Conforme dispõe o seu art. 3º, a Lei Complementar 123/2006 utiliza, para considerar microempresa ou empresa de pequeno porte, a receita bruta por essas auferida em cada ano-calendário. Da mesma forma, não se pode olvidar que o valor a que se refere o citado art. 48, se converterá em receita bruta da licitante que vier a ser contratada pela administração pública. Dessa forma, não vejo como afastar a relação existente entre esses valores.

12. Resta, contudo, identificar a que unidade os valores dizem respeito. No caso da receita bruta auferida, a lei é expressa: refere-se a cada ano-calendário. Assim, entendo que na ausência de qualquer referência para o valor dos itens de contratação a que se refere o inciso I do art. 48, para os casos de serviços de natureza continuada, o mais adequado é a utilização do período anual, pois o valor de R$ 80.000,00 nada mais é que a fração do faturamento dessas empresas que o legislador entendeu como o limite adequado para a realização de licitação que lhes fosse exclusiva, de forma a atender o art. 179 da Constituição Federal, que trata do tratamento jurídico diferenciado a ser a elas concedido.

13. A partir desse raciocínio, apesar de não ser regra, nada impede que, em face da redação do art. 57, inciso II, da Lei 8.666/1993, o contrato originário possa ter um prazo diferente de um ano. Nesses casos, faz-se necessária a proporcionalização, de forma que o contrato originário possa ter, como limite máximo a ensejar a licitação exclusiva, o valor resultante desse cálculo. Por exemplo, para contratos com duração de seis meses, esse valor seria de R$ 40.000,00. Para contratos de dezoito meses, R$120.000,00. Considerando a possibilidade de prorrogações sucessivas desse tipo de contrato por um período máximo de até sessenta meses, esse valor limite seria de R$ 400.000,00.

14. Ademais, por outro lado, se considerarmos que o limite de R$80.000,00 deva se referir, como consignou o eminente relator, ao prazo máximo permitido de sessenta meses (art. 57, inciso II, da Lei nº 8.666/1993) para os contratos de prestação de serviços continuados, estaríamos falando em valores mensais de R$ 1.333,33. Tal importância inviabilizaria qualquer contrato de prestação de serviços que exigisse a disponibilização de até mesmo apenas um colaborador, considerando o salário mínimo desse empregado e demais encargos trabalhistas. Vê-se, assim, que tal interpretação inviabilizaria a realização de licitação exclusiva para as microempresas e empresas de pequeno porte, nos casos de contratação de serviços continuados. Esta corte estaria, por via transversa, fazendo do inciso I do art. 48 do Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte letra morta.

15.Ressalto, ainda, que, em geral, para os contratos de prestação de serviços, as empresas não dependem para a sua execução de grande estrutura organizacional ou de relevantes ativos permanentes, o que faz das microempresas e empresas de pequeno porte vocacionadas para o atendimento desse tipo de demanda da Administração.

16. Dessa forma, entendo que a melhor interpretação a ser dada ao inciso I do art. 48 da Lei Complementar 123/2006, para os casos de serviços de natureza continuada, é que o valor nele previsto se refere ao período de um ano, devendo, para contratos com períodos diversos, ser considerada sua proporcionalidade. Tal interpretação, parece-me a que dá a necessária efetividade ao incentivo previsto no art. 179 da Constituição Federal.

Ante o exposto, com as devidas vênias ao ilustre relator e em consonância com a proposta da unidade técnica, VOTO por que seja adotada a deliberação que ora submeto a este Colegiado.

12. Após ler atentamente o voto do Ministro Benjamin Zymler, rendi-me aos seus argumentos, por entender que é medida de melhor justiça. Assim, adoto como razões de decidir os fundamentos apresentados por Sua Excelência.

13. Com efeito, limitar o valor do contrato de natureza continuada a R$ 80.000,00, para o período de cinco anos, prazo permitido pelo art. 57, inciso II, da Lei 8.666/1993, seria praticamente fulminar o 48, inciso I, da Lei Complementar 123, de 2006, porquanto restaria à administração a possibilidade de firmar contratos que não superassem o valor de pouco mais de R$ 1.3000,00 por mês.

14. Dessa forma, comungo com a posição defendida pelo eminente revisor, no sentido de que a melhor interpretação a ser dada ao inciso I do art. 48 da Lei Complementar 123/2006 é considerar que, para os serviços de natureza continuada, valor de R$ 80.000,00 preconizado na mencionada norma refere-se a um exercício financeiro. Uma vez que a Lei de Licitações e Contratos possibilita que este tipo de contrato seja prorrogado até o limite de 60 meses, no limite, a contratação poderia alcançar o montante de R$ 400.000,00.

Acórdão:

[...]

9.2. firmar entendimento de que, no caso de serviços de natureza continuada, o valor de R$ 80.000,00, de que trata o inciso I do art. 48 da Lei Complementar 123/2006, refere-se a um exercício financeiro, razão pela qual, à luz da Lei 8666/93, considerando que este tipo de contrato pode ser prorrogado por até 60 meses, o valor total da contratação pode alcançar R$ 400.000,00 ao final desse período, desde que observado o limite por exercício financeiro (R$ 80.000,00);

[...]

No julgado, foi estabelecida uma relação entre o valor limite de R$ 80 mil, como fração do faturamento das empresas, e a receita bruta caracterizadora da condição de microempresas ou empresas de pequeno porte, chegando-se à conclusão de que se refere ao período anual. 

Fixou-se, com base nos excertos do voto do Ministro Benjamin Zymler, que, quando o contrato originário tiver prazo diverso do anual, faz-se necessária a proporcionalização, de forma que o contrato originário possa ter, como limite máximo a ensejar a licitação exclusiva, o valor resultante desse cálculo. Os exemplos dados ajudam na compreensão: para contratos com duração de seis meses, o valor seria de R$ 40 mil; para contratos estabelecidos em dezoito meses, R$ 120 mil; para contratos prorrogados até o limite de 60 (sessenta) meses, a soma total alcançaria R$ 400 mil.

Como consignado, se o limite de R$ 80 mil se referisse ao prazo máximo 60 (sessenta) meses para os contratos de prestação de serviços continuados, os valores mensais estariam limitados a R$ 1,333 mil, sendo que tal importância inviabilizaria qualquer contrato de prestação de serviços que visasse a disponibilização de um único colaborador, considerando o salário mínimo desse empregado e demais encargos trabalhistas. Interpretação tal inviabilizaria a realização de licitação exclusiva para as microempresas e empresas de pequeno porte, nos casos de contratação de serviços continuados. E, assim, se faria letra morta do inciso I do art. 48 da Lei Complementar nº 123, de 2006. O Acórdão nº 1.932/2016-Plenário afastou esse cenário.

Na sequência do julgamento proferido pelo TCU (Acórdão nº 1.932/2016-Plenário) e em razão dele, adveio a Orientação Normativa nº 10, da Advocacia-Geral da União (AGU), alterada pela Portaria AGU Nº 572, de 2011, e, especialmente, pela Portaria AGU Nº 155, de 2017, abordando, na sua respectiva segunda parte, o tema ora em discussão. Confira-se:

ORIENTAÇÃO NORMATIVA Nº 10 (*)

A ADVOGADA-GERAL DA UNIÃO, no uso das atribuições que lhe conferem os incisos I, X, XI e XIII, do art. 4º da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, considerando o que consta do Processo nº 00688.000777/2016-68, resolve expedir a presente orientação normativa, de caráter obrigatório a todos os órgãos jurídicos enumerados nos arts. 2º e 17 da Lei Complementar nº 73, de 1993:


PARA FINS DE ESCOLHA DAS MODALIDADES LICITATÓRIAS CONVENCIONAIS (CONCORRÊNCIA, TOMADA DE PREÇOS E CONVITE), BEM COMO DE ENQUADRAMENTO DAS CONTRATAÇÕES PREVISTAS NO ART. 24, I e II, DA LEI Nº 8.666/1993, A DEFINIÇÃO DO VALOR DA CONTRATAÇÃO LEVARÁ EM CONTA O PERÍODO DE VIGÊNCIA CONTRATUAL E AS POSSÍVEIS PRORROGAÇÕES. NAS LICITAÇÕES EXCLUSIVAS PARA MICROEMPRESAS, EMPRESAS DE PEQUENO PORTE E SOCIEDADES COOPERATIVAS, O VALOR DE R$80.000,00 (OITENTA MIL REAIS) REFERE-SE AO PERÍODO DE UM ANO, OBSERVADA A RESPECTIVA PROPORCIONALIDADE EM CASOS DE PERÍODOS DISTINTOS.


INDEXAÇÃO: SERVIÇO. VALOR. CONTRATAÇÃO. PRORROGAÇÕES. LICITAÇÃO EXCLUSIVA PEQUENAS EMPRESAS. EMPRESAS DE PEQUENO PORTE. LICITAÇÃO CONVENCIONAL. DISPENSA EM RAZÃO DO VALOR.

REFERÊNCIA: Arts. 170, inc. IX e 179, da Constituição Federal; Arts. 7º, § 2º, inc. II, 8°, 15, inc. V, 23, caput e incs., §§ 1º e 5º, 24, inc. I e II, e 57, inc. II, da Lei nº 8.666, de 1993. Arts. 44 e 48, da LC nº 123, de 2006; Arts. 5º, 6º e 7º do Decreto n° 6.204, de 2007; Enunciado PF/IBGE/RJ 01. NOTA n. 00085/2016/DECOR/CGU/AGU; Despacho n. 00013/2017/DECOR/CGU/AGU; Parecer PGFN/CJU/COJLC nº 1545/2016; Parecer AGU/CGU/NAJMG 39/2007-MRAK; Acórdãos TCU 177/1994-Primeira Câmara, 260/2002-Plenário, 696/2003-Primeira Câmara, 1.560/2003-Plenário, 1.862/2003-Plenário, 740/2004-Plenário, 1.386/2005-Plenário, 186/2008-Plenário, 3.619/2008-Segunda Câmara, 943/2010-Plenário, 1.932/2016 - Plenário.


GRACE MARIA FERNANDES MENDONÇA

(*) alteradas pelas PORTARIAS AGU Nº 572, DE 13.12.2011 - publicada no DOU I 14.12.2011 e AGU Nº 155, DE 19.04.2017 - publicada no DOU I 20.04.2017

Esse conjunto de orientações, do TCU e da AGU, surgiu em boa hora e, como se evidencia, conferiu a segurança jurídica necessária para a condução das licitações exclusivas previstas no art. 48, I, da Lei Complementar nº 123, de 2006. Ao mesmo tempo, demonstrando raciocínio jurídico impecável, alinhado aos princípios e regras constitucionais atinentes, garante o efetivo tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte.

Conclusão

O entendimento firmado em torno do art. 48, I, da Lei Complementar nº 123, de 2006, alcançado e harmonizado em posições do TCU (Acórdão nº 1.932/2016-Plenário) e da AGU (Orientação Normativa nº 10), confere segurança jurídica e privilegia uma maior efetividade no cumprimento do comandos insertos no art. 170, IX, da Constituição, e no art. 48, I, da Lei Complementar nº 123, de 2006. É induvidoso que uma interpretação mais restrita simplesmente inviabilizaria a realização de licitação exclusiva para as microempresas e empresas de pequeno porte nos casos de contratação de serviços continuados, o que não se coadunaria com o ordenamento jurídico pátrio.

Assim, reprisando o teor do enunciado trazido no Acórdão nº 1.932/2016-Plenário, a Administração deve observar, com rigor, nas licitações e contratos que: No caso de serviços de natureza continuada, o limite de contratação no valor de R$80.000,00, de que trata o art. 48, inciso I, da LC 123/2006, refere-se a um exercício financeiro, razão pela qual, à luz da Lei 8.666/1993, considerando que esse tipo de contrato pode ser prorrogado por até sessenta meses, o valor total da contratação pode alcançar R$ 400.000,00 ao final desse período, desde que observado o limite por exercício financeiro (R$ 80.000,00).

Referências Bibliográficas

BACHOF, OTTO. NORMAS CONSTITUCIONAIS INCONSTITUCIONAIS? LIVRARIA ALMEDINA, 1994.

BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional. Editora Celso Bastos, 1997.

BRASIL. Advocacia-Geral da União. Orientação Normativa nº 10. Disponível em <https://agu.gov.br>. Acesso em 13 de junho de 2018.

_______. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em <https://www.planalto.gov.br>. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 05/10/1988. Acesso em 13 de junho de 2018.

_______. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/>. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 22/06/1993. Acesso em 13 de junho de 2018.

_______. Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006. Institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/>. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 15/12/2006. Acesso em 13 de junho de 2018.

_______. Tribunal de Contas da União. Plenário. Acórdão nº 1.932/2016. Relator Ministro Vital do Rego. Disponível em <https://www.tcu.gov.br>. Acesso em 13 de junho de 2018.

Sobre o autor
Luiz Ramos Rego Filho

Advogado da União. Ex-Advogado da Caixa Econômica Federal. Graduado pela UniDF. Especialista em Direito Público. Cursou a Fundação Escola do Ministério Público do Distrito Federal. Cursou a Escola da Magistratura do Distrito Federal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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