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A necessidade da autonomia funcional, administrativa e financeira da Defensoria Pública da União

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2. A DEFENSORIA PÚBLICA COMO MECANISMO DE DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA

Sempre existiu na sociedade, a necessidade de se amparar os mais necessitados, pois estes não tinham acesso à prestação jurisdicional, simplesmente pela exorbitante custa processual. Seus problemas eram encaminhados a diversos setores, sem ocorrer de fato à eficiente presteza em suas resoluções, ocorrendo até mesmo, por diversas vezes, a desistência do cidadão em buscar o seu direito.

No Brasil, a origem da Defensoria Pública ocorreu com as Ordenações Filipinas de 1603, onde “o princípio da gratuidade dos serviços advocatícios, nas causas cíveis e criminais, veio a garantir a igualdade de condições dos pobres em juízo.” (WEINTRAUB, 2000). Era previsto que tinha direito a defesa pública e gratuita, aquele que comprovasse ser pobre, através de uma certidão de pobreza emitida por autoridade policial, sendo que tal legislação perdurou até 1916.

Em 1870, criou-se pelo Instituto dos Advogados Brasileiros, um Conselho com o objetivo de oferecer aos pobres, assistência judiciária gratuita. Porém, pouco alcançava a todos que necessitavam, por existir um vasto número de pessoas para serem atendidas.

Já em 1934, passou a ser exigido aos Estados que concedessem aos necessitados a assistência judiciária gratuita, no entanto, somente com a promulgação da Constituição Federal de 1988, é que ocorreu a ampliação dos direitos de acesso à justiça, em que a Defensoria Pública foi criada como instituição essencial à função jurisdicional do Estado, juntamente com o Ministério Público e a Advocacia Pública, passando a ser garantido à figura do Defensor Público para defender a todos os hipossuficientes.

Com o advento do art. 134, da Constituição Federal de 1988, nasceu então a Defensoria Pública:

Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal.  (BRASIL, 1988, página única)

A Defensoria Pública é defendida em corrente majoritária, como sendo o elo fundamental da sociedade e o Estado, garantindo a proteção, levando a democratização e impondo um sistema justo no meio social. Foi criada especialmente para tornar tangível e vivo o dever estatal.

Não por mero acaso. Defensoria Pública é a instituição Democrática mais próxima da sociedade e aberta/sensível às suas transformações, principalmente dos seus setores mais vulneráveis, que estão inseridos em contextos sociais, econômicos e jurídicos de contradições e demagogias. (BURGER; KETTERMANN; LIMA, 2017 p. 20)

O que se pode afirmar, é que o Brasil anterior a isso, jamais havia encarado os direitos humanos com a real necessidade em que ele deve ser considerado, não o levando como uma seriedade necessária e primordial. Após essa implementação, a Constituição Federal ao menos escolheu quem o fará: a Defensoria Pública.  Ela possui notoriedade para possibilitar o acesso à justiça, mas acima disso, têm vocação, podendo ser denominada como “a mãe de todas as lutas”, sendo por meio dela, possível auferir os demais direitos fundamentais.

Apesar de prevista constitucionalmente desde 1988, somente com a Lei Complementar nº 80 do ano de 1994, denominada Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública (LONDEP), é que a instituição foi regulamentada. A lei estabelece em seu artigo 1º alguns deveres que a Defensoria Pública deve ter perante a sociedade:

Art. 1º  A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, assim considerados na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal. (BRASIL, Lei Complementar, 1994, página única, grifou-se)

Os deveres são obrigações naturais que nasceram juntamente com a sua criação, passando a existir pontualmente com o propósito de ser cooperadora da sociedade menos favorecida. Isto posto, o artigo 5º, inciso LXXIV, da Constituição estabelece que o “Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.

A Lei nº 1.060/50 que trata sobre a assistência judiciária, criada para estabelecer normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados, versa no mesmo sentido do artigo constitucional citado acima. Compreende-se que para ser um assistido da Defensoria Pública, basta não ter condições suficientes para arcar com às custas processuais, ou seja, ser hipossuficiente, que significa dizer, ter poucos recursos econômicos.

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Em regra, aquele que se torna beneficiário do serviço público é quem tem a incumbência de comprovar não possuir recursos financeiros, portanto, “deve a instituição assegurar o acesso à justiça a todas aquelas pessoas que se encontram em grau de necessidade.” (SILVA, 2013, p. 30). 

Não só atualmente, mas desde sua criação, a Defensoria Pública é compreendida como o escape essencial daquele que necessita da assistência, porém não tem condições de tê-la.

É a Defensoria Pública quem goza de maior legitimidade jurídica e condições reais para promover tal tutela. Aliás, já dissemos outrora que a realidade tem demonstrado que ela terá atuação de destaque na defesa dos direitos sociais (moradia, saúde e educação), enquanto que o Ministério Público se preocupará, em preponderância, com a defesa do patrimônio público e do meio ambiente. Essa concentração irá, inevitavelmente, ocorrer em razão de dois importantes fatores. Enquanto que a primeira faz, diariamente, um atendimento ao público com carga, quantitativa e qualitativamente, densa, o segundo legitimado tem se detido com a atuação dos administradores públicos, especialmente no trato do orçamento, e com as grandes empresas potencialmente poluidoras e degradantes do ambiente. Ou seja, é a Defensoria Pública que tem demonstrado forte diálogo com a sociedade civil, enquanto o Ministério Público tem se preocupado com os instrumentos de combate à improbidade administrativa e o inquérito civil investigativo. (BURGER; KETTERMANN; LIMA, 2015, p. 32)

A expressão que define propriamente a instituição da Defensoria Pública é justamente a “justiça gratuita”, pois quer dizer que existe a concessão da gratuidade das custas e honorários advocatícios nas demandas judiciais pleiteados por hipossuficientes, ainda que sua defesa seja feita por advogados privados ao invés de advogado público, simplesmente em razão da não existência de instalações da Defensoria Pública em determinado local.

A Defensoria Pública é organizada em três abrangências, existindo a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios, prescrevendo ainda, normas gerais para sua organização nos Estados. A instituição tem alguns princípios que devem ser seguidos e assegurados, sendo à base da sua estruturação, são eles: a unidade, a indivisibilidade, e a independência funcional.

Tratando-se sobre o princípio da unidade afirma-se que os atos do Defensor Público, são na verdade, os atos da Defensoria Pública, ficando relacionados como um todo na instituição. Ou seja, a parte hipossuficiente beneficiada, não é representada por um Defensor em específico, mas sim pela instituição Defensoria. Conforme palavras de Nelson Nery:

O princípio da unidade significa que os atos dos defensores públicos são atos da própria instituição, de modo que não são estes servidores públicos especiais que atuam pessoalmente nas demandas judiciais e administrativas, mas a Defensoria como um todo. (NERY, 2010, p. 43)

Nesse caso, há a possibilidade de ocorrer substituições entre os Defensores Públicos, sem que haja problemas no processo pleiteado. Isso tudo, por ser um único organismo, no qual se opera em um todo, não existindo divisões na atuação, fundamentos ou finalidades.

Como o próprio nome já diz, o princípio da indivisibilidade é algo que não pode ser dividido, não havendo possibilidade de ocorrer fragmentações, doando o entendimento, de ser algo que pertence a todos. Ainda, estando o Defensor Público em períodos de férias, licenças ou remoções, a assistência jurídica que é garantida, deve ocorrer até finalizar o processo, isso porque, a lei prevê a possibilidade da substituição. É, portanto, esse princípio continuidade do anterior. Estão correlacionados, nas palavras de Moraes:

[...] a unidade e a indivisibilidade permitem aos membros da Defensoria Pública substituírem-se uns aos outros, obedecidas às regras legalmente estabelecidas, sem qualquer prejuízo para a atuação da Instituição, ou para a validade do processo. E isto porque cada um deles é parte de um todo, sob a mesma direção, atuando pelos mesmos fundamentos e com as mesmas finalidades. (MORAES, 2009, p. 118)  

Já o princípio da independência funcional, implica dizer que é um dos mais valiosos para a instituição da Defensoria Pública, visto que possibilita total liberdade aos seus membros, não estando ligados a nenhuma hierarquia, se não, a administrativa, que é a da pessoa do Defensor Público Geral. Paulo César Ribeiro reitera:

A independência funcional assegura a plena liberdade de ação do defensor público perante todos os órgãos da administração pública, especialmente o judiciário. O princípio em destaque elimina qualquer possibilidade de hierarquia em relação aos demais agentes políticos do Estado, incluindo os magistrados, promotores de justiça, parlamentares, secretários de estado e delegados de polícia. (GALLIEZ, 2010, p. 53)

Assim, a Defensoria tem plena autonomia, sem estar submetida às coordenadas de qualquer outro organismo estatal. A própria instituição é quem funcionalmente se organiza, estabelecendo atribuições e competência para si, e também para a administração de seus membros, tanto os Defensores Públicos, como o pessoal de apoio.

A Lei Complementar nº 80/94 foi alterada em 2009 justamente para constar que é ela expressão e instrumento do regime democrático. Tem por objetivo a primazia da dignidade da pessoa humana, a afirmação do Estado Democrático e a prevalência e efetividade dos direitos humanos. Assim determina o artigo 3º-A da referida Lei:

Art. 3º-A.  São objetivos da Defensoria Pública:

I – a primazia da dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades sociais;

II – a afirmação do Estado Democrático de Direito;

III – a prevalência e efetividade dos direitos humanos; e

IV – a garantia dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. (BRASIL, Lei Complementar, 1994, página única)  

Esses objetivos, também abarcados como metas, alvos e propósitos, devem ser entendidos de forma ampla, sendo que dia após dias, esses objetivos têm se tornado desafios, os quais devem ser enfrentados pela instituição. A Defensoria Pública busca incansavelmente reduzir as tantas desigualdades existentes na sociedade, as quais se tornam preconceitos e atingem em massa aos que estão à margem da sociedade, tornando-os ainda mais vulneráveis

Ainda que seja inegável a importância da Defensoria Pública para a aplicação do justo, tal instituição vive em estado crítico, por não ser valorizada como deveria e não receber os investimentos necessários.

O Brasil é um país democrático, onde tanto o pobre como o rico, possui a liberdade de se expressarem e se associarem a todo e qualquer assunto. A busca por essa democracia, também é uma das tantas lutas da Defensoria Pública, pois, um dos seus objetivos explícitos na lei, é a afirmação do Estado Democrático de Direito, onde independente de opiniões, e da bandeira que o próximo levante, o que deve prevalecer no meio da sociedade é o respeito.

De fato, qualquer instituição que se disponha a assumir a responsabilidade de ser democrática deve conhecer e compreender, em profundidade e necessariamente, a pessoa, o seu fim maior e ente mais nobre, sob pena de incorrer em demagogias e discursos meramente retóricos. Destarte, a pessoa ostenta uma individualidade única, produto de sua própria existência, seus sentimentos, sua história, sua família, suas angústias, seus medos e suas expectativas. Ela é digna de um tratamento não degradante, humilhante ou constrangedor, mas tolerante e adequado às suas condições e riscos conscientemente assumidos. Digna de cuidado e assistência. Porém, antes de tudo e de qualquer ação ou serviço, ela precisa ser muito bem entendida e compreendida no seu lugar e espaço, que alternam, evoluem, retrocedem.   (RÉ, 2013, p. 31)

A efetividade dos direitos humanos é reconhecida como um dos objetivos da Defensoria Pública, “pois de acordo com a doutrina majoritária, é ela quem está mais perto da real situação, acompanhando a realidade social e vivenciando as violações a tais direitos.” (STURMER, 2015, p. 37). A missão constitucional da Defensoria Pública implica em dar acesso à justiça, o que possibilita exercer a dignidade garantida à todo ser humano:

Por serem todos iguais em dignidade, a atuação da Defensoria Pública deve garantir respeito recíproco de cada pessoa à dignidade alheia, além de assegurar o respeito e a proteção da dignidade humana pelo Poder Público e pela sociedade em geral. Nesse âmbito de proteção fundamental da pessoa humana se inclui a tutela do mínimo existencial, que identifica o conjunto de bens o conjunto de bens e utilidades básicas necessária à subsistência digna e indispensável ao desfrute dos direitos em geral. (ROGER, 2014, p. 280)

É importante falar ainda, sobre a figura do Defensor Público, que é aquele considerado também essencial para que se tenha o privilégio alcançado, “são os profissionais que prestam a assistência jurídica aos necessitados. São, pois, os membros das Defensorias Públicas.” (SILVA, 2013, p. 24). Defende Petrunko da Silva:

Muitas vezes os Defensores Públicos sacrificam seus finais de semana e feriados, isso sem falar que habitualmente o horário de saída é extrapolado em muito, posto a grande demanda de atendimentos e o pequeno número de defensores. Sendo assim, o expediente normal é absolutamente insuficiente para a conclusão dos trabalhos. (SILVA, 2013, p. 31)

O número de Defensores Públicos existentes é praticamente insignificante frente à demanda que se tem nas instituições, sobrecarregando trabalho e impossibilitando inúmeros necessitados de serem atendidos como realmente deveriam. A sua própria figura é vista como reducionista, classificado banalmente como advogado de hipossuficiente, enquanto a sua real visibilidade deveria ser de distribuidor de cidadania.

Os Defensores Públicos e os demais membros dessa instituição possuem funções que devem ser prestadas a sociedade, podendo ser compreendidas como atribuições ou encargos a serem cumpridos. É através dessas funções que a Defensoria Pública poderá também alcançar de forma efetiva os seus objetivos.

Compreende-se que não é necessário criar novas leis para assegurar a garantia dos direitos aos necessitados, pois não é essa a conquista que o assistido espera alcançar, mas sim, que seja assegurado e exercido os direitos  já existentes no ordenamento.

Existe, portanto, uma abrangência na atuação da Defensoria Pública, pois não havendo contentamento em prestar o acesso à justiça, ainda busca contribuir na emancipação social. 

O que a tem tornado a mais significativa e eficiente legitimada na proteção dos direitos é a sua própria relação com o necessitado. Ela possui por natureza a habilidade democrática, e, têm como missão ofertar a assistência judiciária, que é feita de modo único e especialmente próprio.

Por fim, somente com uma Defensoria Pública estruturadamente forte, conseguirá dar eficácia e tornar efetivo o direito do acesso à justiça. Por isso, busca-se tanto, que o Poder Público mude sua visão quanto as Defensorias Públicas, dando maior atenção a essa instituição que é indispensável em nosso Estado Democrático de Direito.

Sobre os autores
Igor de Andrade Barbosa

Mestre em Direito Econômico e Desenvolvimento pelo Programa de Mestrado em Direito da Universidade Candido Mendes - UCAM. Especialista em Direito nas Relações de Consumo - UCAM. Especialista em Direito da Concorrência e Propriedade Industrial- UCAM. Diretor e Membro do Conselho Editorial da Revista Tribuna da Advocacia da Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil do Tocantins. Professor e orientador da graduação (bacharelado) do curso de Direito da Universidade Candido Mendes - Ipanema (licenciado). Professor da graduação e da pós-graduação do curso de Direito da Faculdade Católica do Tocantins UBEC.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARBOSA, Igor Andrade; NUNES, Tainá Brasil. A necessidade da autonomia funcional, administrativa e financeira da Defensoria Pública da União. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5467, 20 jun. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/66912. Acesso em: 5 nov. 2024.

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