Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

A ilegalidade dos juros do ICMS do Estado de São Paulo

Exibindo página 2 de 4
Agenda 14/06/2018 às 15:46

4. Da Natureza Jurídica dos Juros de Mora

Historicamente, havia dúvida a respeito natureza jurídica dos juros de mora em matéria tributária.

A dúvida era se estávamos diante de competência legislativa em matéria financeira ou monetária (art. 22, VI e art. 24, I da CF), ou seja, competência privativa da União ou concorrente dos Estados e do Distrito Federal.

O Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal (“STF”) no julgamento do RE nº 183.907-4-SP, de 29 de março de 2000, abordou a questão ao tratar do índice de correção monetária utilizado pelo Estado de São Paulo.

Confira-se:

“São Paulo. Ufesp. Índices fixados por lei local para correção monetária. alegada ofensa ao art. 22, II e VI, da Constituição Federal.

Entendimento assentado pelo STF no sentido da incompetência das unidades federadas para a fixação de índices de correção monetária de créditos fiscais em percentuais superiores aos fixados pela união para o mesmo fim.

Ilegitimidade da execução fiscal embargada no que houver excedido, no tempo, os índices federais.”26

Nesse caso, foi instalado o debate a acerca da natureza jurídica das normas que instituíram a correção monetária do débito fiscal.

Na oportunidade, não houve conclusão a respeito da natureza jurídica do instituto.

Todavia, os eminentes Ministros da Corte Suprema dissentiram acerca de qual dispositivo legal havia sido literalmente violado (art. 22, VI ou art. 24, I da CF).

O Relator, Ministro Ilmar Galvão, entendeu que a questão dizia com o sistema monetário e, assim, apenas a União teria competência para legislar a esse respeito.

Porém, os Ministros Nelson Jobim, Sydney Sanches e Néri da Silveira, posicionaram-se no sentido de que a matéria versada dizia respeito a direito financeiro, ou seja, admitiria legislação concorrente, desde que observada a disciplina geral definida pela União.

Segundo o Voto do Ministro Nelson Jobim:

“Existindo norma da União adotando índice de correção de débitos fiscais federais, funciona ela, em relação aos Estados, como norma geral.

Ou seja, o índice adotado pela União se constitui no parâmetro máximo de correção para os Estados.

Os Estados poderão escolher índices diversos do adotado pela União.

Tais índices não poderão ultrapassar o da União, posto que os Estados, no tema, têm somente competência legislativa suplementar.” 27

Segundo o voto do Ministro Sydney Sanches:

“Entendo que se trata de direito financeiro, e o Estado pode legislar a respeito, só não pode exceder os parâmetros federais.”28

Na mesma linha, o Ministro Néri da Silveira concluiu com o seguinte entendimento:

“A matéria é de direito financeiro e não de direito monetário; os Estados podem estabelecer índices de atualização de seus débitos, mas, por se tratar de matéria em que estamos num campo de competência concorrente União e Estados, estes não poderão estabelecer índices superiores aos estabelecidos pela União para a correção de seus débitos fiscais”29

A mesma questão, com relação à constitucionalidade do artigo 113 da Lei nº 6.374/89, voltou a discussão no julgamento da ADI nº 442 do STF, concluída em 14 de abril de 2010, e a seguir ementada:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 112 DA LEI Nº 6.374, DE 1º DE MARÇO DE 1989, DO ESTADO DE SÃO PAULO. CRIAÇÃO DA UNIDADE FISCAL DO ESTADO DE SÃO PAULO – UFESP. ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA PELO ÍNDICE DE PREÇO AO CONSUMIDOR – IPC. UNIDADE FISCAL DO ESTADO DE SÃO PAULO COMO FATOR DE ATUALIZAÇÃO DOS CRÉDITORS TRIBUTÁRIOS. ARTIGO 24, INCISO I, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL. INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO.

1. Esta Corte, em oportunidades anteriores, firmou o entendimento de que, embora os Estados-membros sejam incompetentes para fixar índices de correção monetária superiores aos fixados pela União para o mesmo fim, podem defini-los em patamares inferiores --- incentivo fiscal. Precedentes.

2. a competência dos Estados-membros para fixar índices de correção monetária de créditos fiscais é tema que também foi examinado por este Tribunal. A união e Estados-membros detem competência legislativa concorrente para dispor sobre matéria financeira, nos termos do disposto no artigo 24, inciso I da CB/88.

3. a legislação paulista é compatível com a Constituição de 1988, desde que o fator de correção adotado pelo Estado-membro seja igual ou inferior ao utilizado pela União.

4. Pedido julgado parcialmente procedente para conferir interpretação conforme ao artigo 112 da Lei nº 6.374/89 do Estado de São Paulo, de modo que o valor da UFESP não exceda o valor do índice de correção dos tributos federais.”30

O eminente Ministro Eros Grau, autor do voto condutor, reconheceu que os Estados e União, neste caso, detêm competência legislativa concorrente.

Nas palavras do Ministro, “a legislação paulista é compatível com a Constituição de 1988, desde que o fator de correção adotado pelo Estado-membro seja igual ou inferior ao utilizado pela União”.

A respeito da Correção Monetária, Cláudio Renato do Canto Farág ensina:

“A correção monetária também chamada de revalorização dos créditos, nada mais é de que uma das técnicas utilizadas pelo Direito para restaurar a igualdade real dos débitos, dentro da nova concepção financeira nacional do realismo monetário.

É uma das cláusulas de salvaguarda do mesmo poder aquisitivo da moeda e está ligada à teoria das dívidas de valor, ou seja, àquelas que se referem à substância do débito, reforçando, com esclarece o Prof. Philomeno J da Costa, uma quantidade nominativa maior do mesmo débito”31

Em síntese, a correção monetária tem o condão de manter atualizado o valor da moeda, em face da perda ocasionada pela inflação.

Por outro lado, a respeito dos juros de mora o professor Cláudio Renato do Canto Farág, afirma que:

“atuam como uma indenização pela falta do pagamento no prazo. A indenização se dá pela privação do capital nos cofres públicos, devendo o contribuinte indenizar o Estado pela falta na data aprazada.

Os juros não têm caráter punitivo, ensejando que é apenas a remuneração do capital.

Sacha Calmon ensina que “em direito tributário é o juro que recompõe o patrimônio estatal lesado pelo tributo não recebido a tempo. A multa é para punir, assim como a correção monetária é para garantir, atualizando-o, o poder de compra da moeda”.

Outros autores entendem no mesmo sentido, dizendo que “os juros de mora, no âmbito do Direito Tributário, atuam como complemento indenizatório da obrigação principal.

A própria expressão ”indenização” ajuda a esclarecer bem a função dos juros moratórios, pois indica a necessidade de e compensar um dano ou reparar o mesmo”.

O Código Tributário Nacional determina no art. 161, §1º, que “se a lei não dispusesse de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de 1% (um por cento) ao mês”.

José E.S. de Melo ensina o seguinte sobre os juros em matéria tributária: “juros significam e exprimem os interesses ou lucros que a pessoa tira da inversão de seus capitais ou dinheiro, ou a verba que recebe do devedor como compensação pela demora no pagamento do que lhe é devido”.

Com base em toda a construção doutrinária e jurisprudencial, evidente que os juros moratórios, assim como a correção monetária, se enquadram como institutos de direito financeiro ou tributário.

José Afonso da Silva afirma que:

“Direito tributário é o conjunto de normas e princípios que regulam as relações entre o Fisco e os contribuintes resultantes da imposição dos tributos, que são os impostos, as taxas e as contribuições – pelo que esse inciso I do art. 24. tem íntima relação com o disposto nos arts. 145. e ss., que tratam do Sistema Tributário Nacional, especialmente o art. 146, que, de certo modo, complementa a competência legislativa federal aqui prevista, estatuindo que as normas ferais da União hão de ser veiculadas por meio de lei complementar, que é hoje o Código Tributário Nacional (Lei 5.172/1966).

Há quem situe o direito tributário como o ramo do direito financeiro (Geraldo Ataliba). A constituição, porém, separa um do outro, destacando o “direito financeiro”, que é o conjunto de normas e princípios que disciplina a atividade financeira do Estado; um sentido amplo, seu conteúdo envolve o direito tributário também, compreendendo, neste quadrante, as questões da tributação, como fonte principal das receitas públicas, e o orçamento, como instrumento de aplicação dessas receitas em forma de realização das despesas públicas. ”32

Independente do entendimento a respeito de qual ramo do direito se enquadram, seja ele financeiro ou tributário, ambos estão enquadrados no artigo 24, inciso I da Constituição Federal.

“Art. 24. – compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

I – Direito Tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico. ”

Segundo registro de José Afonso da Silva, esse fato decorre da literalidade dos §1º a 4º do artigo 24 da CF que,

“Os §§1º a 4º trazem a disciplina normativa de correlação entre normas gerais e suplementares, pelos quais se vê que a União produz normas gerais sobre a matéria arrolada no art. 24, enquanto aos Estados e Distrito Federal compete suplementar, no âmbito do interesse estadual, aquelas normas.

Tem sido uma questão tormentosa definir o que são “normas gerais”, para circunscrever devidamente o campo de atuação da União. Diremos que “normas gerais” são normas de leis, ordinárias ou complementares, produzidas pelo legislador federal nas hipóteses previstas na Constituição, que estabelecem princípios e diretrizes da ação legislativa da União, dos Estados, Do Distrito Federal e dos Municípios.

Por regra, elas não regulam diretamente situações fáticas porque se limitam a definir uma normatividade genérica a ser obedecida pela legislação específica federal, estadual e municipal: direito sobre direito, normas que traçam diretrizes, balizas, quadros à atuação legislativa daquelas unidades da Federação. “Suplementares” são as normas estaduais ou do Distrito Federal que, no âmbito de suas respetivas competências, suplementam com pormenores concretos as normas gerais (§§1º e 2º).

Tudo isso é uma técnica de repartição de competência federativa; os §§3º e 4º complementam sua normatividade, estabelecendo, em primeiro lugar, que os Estados e o Distrito Federal exercerão a competência legislativa plena se não forem produzidas as normas gerais e, em segundo lugar, que “a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual no que lhe for contrário”.

Note-se bem, o constituinte foi técnico: a lei federal superveniente não revoga nem derroga a lei estadual no aspecto contraditório.

Esta apenas perde sua aplicabilidade, porque fica com sua eficácia suspensa. Quer dizer, também, que se a lei federal for simplesmente revogada deixando um vazio de normas gerais, a lei estadual recobre sua eficácia e passa outra vez a incidir plenamente.”33

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Em específico, Raul Machado Horta afirma que:

“As Constituições Federais passaram a explorar, com maior amplitude, a repartição vertical de competências, que realiza a distribuição de idêntica matéria legislativa entre a União Federal e os Estados-membros, estabelecendo verdadeiro condomínio legislativo, consoante regras constitucionais de convivência.

A repartição vertical de competências conduziu à técnica da legislação federal fundamental, de normas gerais e de diretrizes essenciais, que recai sobre determinada matéria legislativa de eleição do constituinte federal.

A legislação federal é reveladora das linhas essenciais, enquanto a legislação local buscará preencher o claro que lhe ficou, aperfeiçoando a matéria revelada na legislação de normas gerais às peculiaridade e às exigências estaduais. A Lei Fundamental ou de princípios servirá de molde à legislação local.”

Forçoso concluir, daí, considerando que os juros de mora tem natureza financeira, que conforme artigo 24, inciso I da CF, Estados e Distrito Federal estão submetidos aos limites instituídos pelas normas gerais editadas pela União, quando existentes, por se tratar de competência concorrente.


5. Da Inconstitucionalidade dos Juros de Mora

Como exposto nos capítulos anteriores, a Constituição Federal trata da competência legislativa dos entes federados em seus artigos 21 a 25, estabelecendo as regras de competência privativa, exclusiva e concorrente.

O artigo 24, da Constituição Federal, estabelece quais os casos em que haverá competência concorrente entre a União, os Estados e ao Distrito Federal, na instituição de leis.

Após a toda a construção doutrinária e jurisprudencial a respeito da natureza jurídica dos juros de mora, com importante arresto na ADI nº 442, julgada pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, que tratou da correção monetária, foi possível construir o entendimento de que os juros de mora em matéria tributária fazem parte do ramo de direito financeiro.

Forçoso concluir, daí, que, com fundamento no inciso I, do artigo 24 da Constituição Federal, a instituição dos juros de mora tem o dever legal de observar as regras competência legislativa concorrente.

No tocante, a União instituiu a SELIC por meio da Lei nº 9.250/95, que constitui a taxa de juros de mora para correção de débitos tributários em âmbito federal.

Em atenção ao disposto no artigo 24 da Constituição Federal, a Lei que instituiu a SELIC constitui norma geral, estabelecendo os limites máximos para a atuação dos Estados no exercício de sua competência concorrente.

ALei nº 13.918/09, que instituiu os juros de mora no Estado de São Paulo não observou os parâmetros da lei federal, que estabeleceu regra geral, impondo os limites de sua atuação concorrente.

Desse modo, de forma desarrazoada, elevou os juros de mora para 0,13% ao dia.

É importante conferir a redação atribuída por este diploma ao artigo 96 da Lei estadual 6.374/89:

“Art. 96, § 1º. A taxa de juros de mora será de 0,13% (treze décimos por cento) ao dia.

§ 2º. O valor dos juros deve ser fixado e exigido na data do pagamento do débito fiscal, incluindo-se esse dia.

§ 3º. Na hipótese de auto de infração, pode o regulamento dispor que a fixação do valor dos juros se faça em mais de um momento.

§ 4º. Os juros de mora previstos no § 1º deste artigo, poderão ser reduzidos por ato do Secretário da Fazenda, observando-se como parâmetro as taxas médias pré-fixadas das operações de crédito com recursos livres divulgadas pelo Banco Central do Brasil.

§ 5º. Em nenhuma hipótese a taxa de juros prevista neste artigo poderá ser inferior à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia — Selic para títulos federais, acumulada mensalmente.”

Em suma, é manifesta a invalidade de taxas superiores à SELIC, definidas em Lei Estadual vigente.

Por essa razão, a questão foi levada a julgamento pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por meio da Arguição de Inconstitucionalidade nº 0170909-61.2012.8.26.0000.

Nesse momento o Órgão Especial do Tribunal de Justiça concluiu pela inconstitucionalidade dos artigos 85 e 96, da Lei Estadual n° 6.374/89, com a redação dada pela Lei Estadual n° 13.918/09, para conferir interpretação conforme a Constituição Federal, de modo que a taxa de juros aplicável ao montante do imposto, ou da multa, não exceda àquele incidente na cobrança dos tributos federais. Confira-se:

“INCIDENTE DE INCONSTITUCINALIDADE – Arts. 85. e 96 da Lei Estadual nº 6.374, com a redação dada pela Lei Estadual nº 13.918/09 – Nova sistemática de composição dos juros da mora para os tributos e multas estaduais(englobando a correção monetária) que estabeleceu taxa de 0,13% ao dia, podendo ser reduzida por ato do Secretário da Fazenda, resguardado o patamar mínimo da taxa SELIC – Juros moratórios e correção monetária dos créditos ficais que são desenganadamente, institutos de Direito Financeiro e/ou de Direito Tributário – Ambos os ramos do Direito que estão previstos em conjunto no art. 24, inciso I, da CF, em que se situa a competência concorrente da União, dos Estados e do DF - §§1º a 4º do referido preceito constitucional que trazem a disciplina normativa de correlação entre normas gerais e suplementares, pelos quais a União produz normas gerais sobre direito Financeiro e Tributário, enquanto aos Estados e ao Distrito Federal compete suplementar, no âmbito do interesse local, aquelas normas – STF que, nessa linha, em oportunidades anteriores, firmou o entendimento que de que os Estados-membros não podem fixar índices de correção monetária superiores aos fixados pela União para o mesmo fim (v. RE nº 183.907-4/SP e ADI nº442) – CTN que, ao estabelecer normas gerais de Direito Tributário, com repercussão nas finanças públicas, impõe o cômputo de juros de mora ao crédito não integralmente pago no vencimento, anotando a incidência da taxa de 1% ao mês, “se a lei não dispuser de modo diverso” – Lei voltada à regulamentação de modo diverso da taxa de juros no âmbito dos tributos federais que, destarte, também se insere no plano das normas gerais de Direito Tributário/Financeiro, balizando, no particular, a atuação legislativa dos Estados e do DF – Padrão da taxa SELIC que veio a ser adotado para a recomposição dos créditos tributários da União a partir da edição da Lei nº 9.250/95, não podendo então ser extrapolado pelo legislador estadual – Taxa SELIC que, por sinal, já se presta a impedir que o contribuinte inadimplente possa ser beneficiado com vantagens na aplicação dos valores retidos em seu poder no mercado financeiro, bem como compensar o custo do dinheiro eventualmente captado pelo ente público para cumprir suas funções – Fixação originária de 0,13% ao dia que, de outro lado, contraria a razoabilidade e a proporcionalidade, a caracterizar abuso de natureza confiscatória, não podendo o Poder Público em sede de tributação agir imoderadamente – Possibilidade, contudo, de acolhimento parcial da arguição, para conferir interpretação conforme a Constituição, em consonância com o julgado precedente do Egrégio STF na ADI nº 442 – Legislação paulista questionada que pode ser considerada compatível com a CF, desde que a taxa de juros adotada (que na atualidade engloba a correção monetária), seja igual ou inferior à utilizada pela União para o mesmo fim – Tem lugar, portanto, a declaração de inconstitucionalidade da interpretação e aplicação que vêm sendo dada pelo Estado às normas em causa, sem alterá-las gramaticalmente, de modo que seu alcance valorativo fique adequado à Carta Magna (art. 24, inciso I e §2º) – Procedência parcial da Arguição.”34

Segundo o julgado, o legislador paulista extrapolou sua competência em razão da inobservância da norma geral instituída pela União.

O conflito de normas consignado na decisão, não se mostra incompatível com a Constituição Federal, todavia, acarreta a suspensão da eficácia da norma Estadual (Art. 25, §4º da CF).

Desse modo, importante lembrar que não há revogação dos dispositivos estaduais, mas, apenas, a suspensão de seus efeitos enquanto viger a lei federal, adequando-se gramaticalmente, de modo que fique adequada à disposição Federal.

Por outro lado, porém não menos importante, restou consignado no julgado que os juros instituídos pelo Estado de São Paulo, são extremamente onerosos, contrariando os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e não confisco.

Vale lembrar que a Lei 13.918/09, estabelece juros de 0,13% ao dia, equivalente a 3,9% ao mês, ou 47,45% ao ano, e supera, em muito, o montante acumulado pela SELIC.

Os princípios da razoabilidade e proporcionalidade constituem instrumentos de controle de atos estatais abusivos, de forma genérica.

Segundo Humberto Ávila, a taxa de juros deve guardar razoabilidade:

“Relativamente à razoabilidade, dentre tantas acepções, três se destacam.

Primeiro, a razoabilidade é utilizada como diretriz que exige a relação das normas gerais com as individualidades do caso concreto, quer mostrando sob qual perspectiva a norma deve ser aplicada, quer indicando em quais hipóteses o caso individual, em virtude de suas especificidades, deixa de se enquadrar na norma geral.

Segundo, a razoabilidade é empregada como diretriz que exige uma vinculação das normas jurídicas com o mundo ao qual elas fazem referência, seja reclamando a existência de um suporte empírico e adequado a qualquer ato jurídico, seja demandando uma relação congruente entre a medida adotada e o fim que ela pretende atingir.

Terceiro, a razoabilidade é utilizada como diretriz que exige a relação de equivalência entre duas grandezas.”35

Com relação à proporcionalidade, perfeita a fundamentação do Ministro Gilmar Mendes:

“A doutrina constitucional mais moderna enfatiza que, e se tratando de imposição de restrições a determinados direitos, deve-se indagar não apenas sobre a admissibilidade constitucional da restrição eventualmente fixada (reserva legal), mas também sobre a compatibilidade das restrições estabelecidas com o princípio da proporcionalidade.

Essa orientação, que permite converter o princípio da reserva legal (Gesetzesvorbehalt) no princípio da reserva legal proporcional (Vorbehalt des verhältnismässigen Gesetzes), pressupõe não só a legitimidade dos meios utilizados e dos fins perseguidos, como também a adequação desses meios para consecução dos objetivos pretendidos (Geeignetheit) e a necessidade de sua utilização (Notwendigkeit oder Erforderlichkeit).

O subprincípio da adequação (Geeignetheit) exige que as medidas interventivas adotadas mostrem-se aptas a atingir os objetivos pretendidos. O subprincípio da necessidade (Notwendigkeit oder Erforderlichkeit) significa que nenhum meio menos gravoso para o indivíduo revelar-se-ia igualmente eficaz na consecução dos objetivos pretendidos.

Um juízo definitivo sobre a proporcionalidade da medida há também de resultar da rigorosa ponderação e do possível equilíbrio entre o significado da intervenção para o atingido e os objetivos perseguidos pelo legislador (proporcionalidade em sentido estrito).”36

A razoabilidade manifesta-se na garantia do devido processo legal.

Impende considerar que o Poder Público não pode agir de forma a onerar excessivamente o contribuinte, com feições exclusivamente confiscatórias.

O princípio da vedação ao confisco é previsto no art. 150, IV, da Constituição Federal.

“Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios utilizar tributo com efeito de confisco”.

A doutrina entende que a tributação não pode ser excessivamente onerosa, de modo a majorar o elemento tributável.

Em outras palavras, o Estado não pode utilizar o confisco tornar público o patrimônio privado, em ofensa aos princípios da ordem econômica, inserta no artigo 170 e seguintes da Constituição Federal de 1988.

Hugo de Brito Machado, leciona que:

“Tributo com efeito de confisco é tributo que, por ser excessivamente oneroso, seja sentido como penalidade.

É que o tributo, sendo instrumento pelo qual o Estado obtém os meios financeiros de que necessita para o desempenho de suas atividades, não pode ser utilizado para destruir a fonte desses recursos.

Nesse sentido o tributo não pode ser antieconômico, vale dizer, não pode inviabilizar o desenvolvimento de atividades econômicas geradoras de riqueza, ou promotoras da circulação desta”37

Essa questão, inclusive, é sancionada pelo Supremo Tribunal Federal em reiteradas decisões. Vejamos:

“(...) A garantia constitucional da não-confiscatoriedade.

(...) A Constituição da República, ao consagrar o postulado da não-confiscatoriedade, vedou qualquer medida, que, adotada pelo Estado, possa conduzir, no campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, em função da insuportabilidade da carga tributária, o exercício a uma existência digna, ou a prática de atividade profissional lícita, ou, ainda, a regular satisfação de suas necessidades vitais (educação, saúde e habitação, p. ex.).

Conceito de tributação confiscatória: jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal (ADI 2.010-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.) e o magistério da doutrina. A questão da insuportabilidade da carga tributária.

(...)

Tributação e ofensa ao princípio da proporcionalidade.

O Poder Público, especialmente em sede de tributação, não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade, que traduz limitação material à ação normativa do Poder Legislativo.

O Estado não pode legislar abusivamente. A atividade legislativa está necessariamente sujeita à rígida observância de diretriz fundamental, que, encontrando suporte teórico no princípio da proporcionalidade, veda os excessos normativos e as prescrições irrazoáveis do Poder Público.

O princípio da proporcionalidade, nesse contexto, acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar os abusos do Poder Público no exercício de suas funções, qualificando-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais.

A prerrogativa institucional de tributar, que o ordenamento positivo reconhece ao Estado, não lhe outorga o poder de suprimir (ou de inviabilizar) direitos de caráter fundamental constitucionalmente assegurados ao contribuinte.

É que este dispõe, nos termos da própria Carta Política, de um sistema de proteção destinado a ampará-lo contra eventuais excessos cometidos pelo poder tributante ou, ainda, contra exigências irrazoáveis veiculadas em diplomas normativos editados pelo Estado.”38

O Estado não pode agir de forma imoderada, desvirtuando a natureza e a finalidade dos juros de mora, além de exceder os limites de sua competência.

Esse é o entendimento que tem prevalecido nos Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Confira-se:

Ação ordinária declaratória. ICMS. Juros. ProgramaEspecial de Parcelamento PEP. Afastadas as preliminares de ausência de interesse processual e impossibilidade jurídica do pedido. Parcelamento dodébito que importa em confissão de dívida quanto aos aspectos fáticos da relação tributária. Possibilidade de discussão e controle jurisdicional dos aspectos jurídicos envolvendo a cobrança da dívida. Nãoaplicação dos juros de mora com base nos arts. 85. e 96 da Lei Estadual nº 6.374/89 com a redação da Leinº 13.918/09. Incidência da taxa SELIC. Precedentes.Fixação acertada dos honorários advocatícios desucumbência. Sentença de procedência. Recuoficial e voluntário da Fazenda do Estado nãoprovidos39

“AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL - ICMS - Adesão ao Programa Especial de Parcelamento de débitos - Juros de mora calculados nos termos da Lei Estadual nº 13.918/2009 Pretensão de correção do débito, com exclusão dos juros, tidos por inconstitucionais e aplicação do teto da Taxa SELIC - Inconstitucionalidade da Lei Estadual n.º 13.918/09reconhecida pelo C. Órgão Especial desta Corte - Sentença de procedência mantida Recurso não provido.40

APELAÇÃO - AÇÃO DECLARATÓRIA - ADESÃO AO PROGRAMA ESPECIAL DE PARCELAMENTO - TAXA DE JUROS APLICADOS NO CÁLCULO DO DÉBITO - INCONFORMISMO - CABIMENTO. Inconstitucionalidade da Lei estadual 13.918/09 declarada pelo Plenário deste Tribunal de Justiça. Inviabilidade de aplicação do critério de atualização determinado por aquele diploma. Precedentes deste Tribunal e do STF. Decisão reformada.41

Inclusive é necessário reconhecer, inclusive, o direito à Repetição do Indébito dos valores pagos a maior nos últimos 5 (cinco) anos.

O art. 165. do Código Tributário Nacional confere a legitimidade para propor a ação de repetição ao sujeito passivo da obrigação tributária.

O sujeito passivo, por definição legal, é aquele que praticou o fato tipificado na lei tornando-o devedor do tributo.

“Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos:

I - cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido;

II - erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento;

III - reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória.”

O artigo 166 do Código Tributário Nacional, disciplina a devolução do indébito nos denominados tributos indiretos.

Preceitua o mencionado artigo in verbis:

“Art.166. A restituição dos tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-lo.”

O indébito tributário surge do enriquecimento sem causa do Estado, causando prejuízo ao contribuinte que assume encargo acima dos limites legais.

Pela aplicação do princípio da legalidade tributária, tudo que foi pago a mais do que determina a lei deve ser repetido.

No dizer de JOSÉ AFONSO DA SILVA, o Princípio da Legalidade “significa a submissão e o respeito à lei, ou a atuação dentro da esfera estabelecida pelo legislador”

Kyoshi Harada afirma que:

“Tolerar o pleito direto dos consumidores para reaver aquilo que indevidamente suportou (de fato) seria, não só contrariar a teoria geral do direito, como também afrontar o princípio de economia processual.”42

Segundo Eduardo Caldeira Estrela:

“Nesse sentido, o principio da legalidade se revestiu de um conteúdo mais restrito, visando tutelar os direitos subjetivos dos particulares do arbítrio dos órgãos aplicadores do direito, dentre estes o Juiz e o administrador nas suas esferas judiciais e administrativas, respectivamente. Esse conteúdo, portanto, de prevenir de tributos arbitrários, optou-se por uma formulação mais restrita do princípio da legalidade, isto é, numa reserva absoluta de lei.

A reserva absoluta que o Direito Tributário consagra, impõe a necessidade de uma lei contenha todos elementos da decisão no caso concreto, ou seja, a lei por ter fundamento último de validade na Constituição, é ela que reserva conteúdo específico, caso a caso, à lei. É ela que definirá como poderá ser exercida a ação de tributar, da qual decorre a obrigação tributária.

Além de necessariamente ter a lei tributária que veicular, na sua totalidade, os elementos da regra-matriz de incidência, só a mesma poderá estabelecer deveres instrumentais tributários, regular a época e forma de pagamento de tributos, definir a competência legislativa dos órgãos e repartições administrativas relativamente ao lançamento, à cobrança e fiscalização de pagamento, a cominação de sanções e a capitulação de infrações tributárias. Em suma, só poderá atuar o Fisco no exato cumprimento da lei.

O princípio da estrita legalidade é, assim, um dos pilares do Sistema Constitucional Tributário Brasileiro. O direito positivo tributário exige um maximum de legalidade, e como se há de observar, tem a legalidade estrita influência marcante sobre a temática da repetição do indébito, já que o princípio da legalidade tributária, quando tomado também no seu aspecto material, conduz à conclusão de que qualquer aplicação equivocada do ordenamento, seja formal, seja materialmente, é mais que suficiente para justificar à devolução.”43

Com o reconhecimento da inconstitucionalidade dos juros de mora instituídos pela Lei nº 13.918/09, não há dúvida em relação à que a diferença entre esta e a SELIC, deve ser repetida.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já determinou a exclusão dos juros tidos por inconstitucionais, aplicando em substituição a SELIC. Confira-se:

“TRIBUTÁRIO – APELAÇÃO – Repetição de Indébito Programa Especial de Parcelamento PEP do ICMS – Pretensão de correção do débito, com exclusão dos juros, tidos por inconstitucionais e aplicação do teto da Taxa SELIC, no cálculo do débito do Parcelamento Especial nº 20004701-9 Inconformismo Cabimento – Inconstitucionalidade da Lei estadual 13.918/09 declarada pelo Plenário deste Tribunal de Justiça – Inviabilidade de aplicação do critério de atualização determinado por aquele diploma – Precedentes deste Tribunal e do STF – Taxa de juros aplicável ao montante do imposto ou da multa que não pode exceder à Selic utilizada pela União para o mesmo fim Sentença reformada – Recurso provido.”44 (grifou-se)

O caso citado tratou do Programa Especial de Parcelamento, onde autorizava o pagamento de débitos de ICMS com a redução das multas e dos juros moratórios calculados com base na lei 13.918/09.

Mesmo após a adesão ao Parcelamento, o contribuinte buscou o reconhecimento da ilegalidade da taxa de juros, usando como paradigma a arguição de inconstitucionalidade, tendo por reconhecido seu direito ao pagamento dos juros limitados à SELIC.

O Relator do desse caso, Desembargador Rebouças de Carvalho, em trecho de seu voto, afirma que:

“A remuneração dos créditos fiscais do Estadual de São Paulo não podem se dar em patamares superiores aos empregados para a remuneração dos créditos da União.

E isso se dá porque se reconhece que o Estado de São Paulo excedeu-se no poder de legislar acerca da correção de seus débitos quando estabeleceu em seu favor índices de remuneração superiores aos aplicados aos débitos federais, já que o exercício da competência legislativa concorrente pelo Estado membro se dá nos limites da legislação federal.

É o que se extraí da análise do artigo 24, §3º e § 4º, da Constituição Federal.

Pelo mesmo fundamento adotado no incidente de inconstitucionalidade invocado pelo autor, sempre entendi constitucional a adoção da Taxa SELIC pelo Estado de São Paulo, afastando pretensões tendentes à aplicação de juros de mora e de correção monetária em valores mais vantajosos para os notórios sonegadores.

(…)

Nesse diapasão, resta incontroverso que o índice aplicável deverá ser em conformidade com aquela cobrada nos tributos Federais (taxa SELIC), nos termos da r. decisão, exarada pelo C. Órgão Especial deste Tribunal, consequentemente, devendo efetuar adaptação decorrente de operação aritmética, compensando-se ou restituindo na sua impossibilidade, os valores correspondentes à diferença entre a taxa de juros aplicada nos termos da SELIC e aquela efetivamente cobrada quando da adesão daquela ao Programa de Parcelamento Incentivado do ICMS - PEP do ICMS nos termos determinados pelo Decreto nº 58.811/2012 quanto ao débito relativo ao Auto de Infração e Imposição de Multa nº 3131546, objeto do Termo de Aceite do PEP do ICMS nº 20004701-9,acostado às fls. 69/70, inscrito, na Dívida Ativa sob o nº 1064685345 e devidamente quitado à fl. 64

No mesmo sentido, consignem-se julgados do Tribunal de Justiça:

TRIBUTÁRIO – APELAÇÃO – Repetição de Indébito Programa Especial de Parcelamento PEP do ICMS – Pretensão de correção do débito, com exclusão dos juros, tidos por inconstitucionais e aplicação do teto da Taxa SELIC, no cálculo do débito do Parcelamento Especial nº 20004701-9 Inconformismo Cabimento – Inconstitucionalidade da Lei estadual 13.918/09 declarada pelo Plenário deste Tribunal de Justiça – Inviabilidade de aplicação do critério de atualização determinado por aquele diploma – Precedentes deste Tribunal e do STF – Taxa de juros aplicável ao montante do imposto ou da multa que não pode exceder à Selic utilizada pela União para o mesmo fim Sentença reformada – Recurso provido.45

A decisão é clara quanto ao direito de revisão da dívida de ICMS. Os juros aplicados, por força de legislação inconstitucional, devem ser excluídos do valor do crédito tributário.

Nesse diapasão, a decisão exarada pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça deve ser seguida, uma vez que incontroverso que a taxa de juros aplicada deverá ser em conformidade com a SELIC.

Sobre o autor
Tulio Schlechta Portella

Advogado, formado pela FADISP. Especialista em Direito e Processo Tributário pela Escola Paulista de Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!