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A ilegalidade dos juros do ICMS do Estado de São Paulo

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Agenda 14/06/2018 às 15:46

6. Da Aplicação Perante os Órgãos de Julgamento Administrativo

Após a decisão proferida no incidente de inconstitucionalidade, obrigatória a aplicação da SELIC em substituição ao índice instituído pela Lei 13.918/09. Esta aplicação deverá se estender, também, às instâncias dos órgãos administrativos de julgamento.

A aplicação por parte dos órgãos julgadores da Administração Tributária, de norma estadual declarada inconstitucional pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça, ofende os princípios norteadores da Administração Pública.

Dada sua importância, os princípios da administração pública foram registrados no artigo 37 da Constituição Federal:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)”

Tais princípios encontram-se contemplados, também, na Lei Complementar Estadual nº 939, de 03.04.2003, que instituiu o Código de Direitos, Garantias e Obrigações do Contribuinte no Estado de São Paulo.

Em que pese a importância da referida norma na defesa dos Contribuintes, infelizmente, ainda não encontrou o devido eco, sendo reiteradamente descumprida pelas diversas autoridades fiscais. Apure-se:

“Dos Deveres da Administração Fazendária.

Artigo 8º

A Administração Tributária atuará em obediência aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, interesse público, eficiência e motivação dos atos administrativos. ”46 (grifou-se)

Todas essas diretrizes reforçam a ideia de que, aos julgadores administrativos, não é lícito exigir ou manter exigência com base em dispositivo de lei estadual declarado inconstitucional, ou, em interpretação diversa àquela dada pelo Poder Judiciário.

Essa postura atenta contra os princípios da legalidade (cujo pressuposto é a constitucionalidade da lei), da moralidade e da eficiência (já que, mantida a exigência inconstitucional, seria necessário o recurso do contribuinte ao Poder Judiciário, o que, de certa forma, evidenciaria ineficiência da Administração Pública).

Atentos a isso, alguns julgadores do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo, já declararam voto, ainda que vencidos, acerca da necessidade de afastamento da taxa de juros prevista na Lei n. 13.918/09, substituindo-a ou conformando-a à taxa SELIC:

“JUROS DE MORA. APLICAÇÃO DA TAXA SELIC. MÉRITO. Aplicação somente das taxas de juros de mora equivalente à Taxa Referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - SELIC, nos exatos termos da Súmula n. 08. deste Tribunal, desde a lavratura do auto de infração. Afastamento das taxas de juros previstas pela Lei n. 13.918/09, regulamentada pelo Decreto n. 55.437/10 e Resoluções SF. Recurso conhecido e provido em parte.”47

“( iv ) APLICAR, sobre o remanescente da acusação fiscal (período de julho de 2006 até novembro de 2009), os juros moratórios, PORÉM, calculados até o limite da taxa SELIC.”48

“Ainda que vencida em meu parecer sobre esta matéria, perante esta Egrégia 10ª Câmara julgadora, deixo consignado meu entendimento sobre o assunto. A Lei nº 13.918/2009 alterou a Lei do ICMS (Lei 6374/1989) em seu art. 96, dispondo sobre a aplicação de juros ao percentual de 0,13% ao dia, inicialmente, sem limitador sobre o valor principal e sobre as multas aplicadas. Em consequência, cumpre destacar, que a aplicação de juros de mora a 0,13% ao dia, significa 36% de juros ao ano, sobre o valor principal, revelando nítido abuso, pois os juros de mora que estão sendo exigidos sobre os débitos de competência da Fazenda Pública Estadual, nos termos da legislação atualmente aplicada, acabam por distorcer a sua própria natureza jurídica haja vista que os juros têm natureza de indenização. Nesta toada, é incontestável a exorbitância da taxa de juros adotada pela Fazenda Pública Estadual, prevista na Lei nº 13.918/2009, quando comparada à taxa de juros determinada pelo Código Tributário Nacional, de 12% ao ano, bem como, pela análise da Taxa Selic, índice utilizado para atualização de débitos federais e que, nos últimos anos, não ultrapassaram 12% ao ano. Cabe relembrar, que os juros estaduais eram fixados com base na taxa Selic, não se prevendo nenhum outro índice de atualização, tal como ocorre na esfera federal. Certo é que os índices de juros fixados pelo Estado de São Paulo jamais poderiam ser superiores àqueles fixados pela União para atualização dos seus créditos tributários, ou seja, jamais poderiam os índices de atualização do Estado de São Paulo serem superiores à taxa Selic. Portanto, os juros impostos pela Lei nº 13.918/2009 encontram-se em total desacordo com a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal, além de violar o art. 22, VI, da Constituição Federal, in verbis: “Compete privativamente à União legislar sobre: VI – sistema monetário e de medidas, títulos e garantias dos metais;” Ademais, fere o disposto no art. 161, §1º do Código Tributário Nacional - CTN, que tem competência privativa para disciplinar a matéria, segundo o teor do art. 146, III, “a”, da CF: “Art. 161. O crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária. § 1º. Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de 1% (um por cento) ao mês.” O CTN fixou um limitador para a incidência dos juros de mora a 1% ao mês, o que significa que os juros de mora estarão limitados a 12% ao ano, entendimento que encontra respaldo, ainda, no Código Civil, e com o critério utilizado para atualização de débitos federais (taxa Selic). A questão em foco foi analisada pelo Poder Judiciário Paulista que vem dando ganho de causa aos contribuintes. Cabe destacar a Arguição de Inconstitucionalidade, processo nº 0170909-61.2012.8.26.0000, julgado pelo órgão Especial do Tribunal de Justiça que exarou seu entendimento conforme a seguinte Ementa:”49

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“Por fim, no que refere a atualização do débito, considerando que o Estado de São Paulo não pode submeter o contribuinte ao pagamento de juros superiores a taxa Selic, visto que se encontra válida e vigente a Lei estadual 10.175/98, que prevê a atualização dos débitos tributários por esta taxa, limito a atualização dos débitos ao patamar da Taxa SELIC. Explico: Determina a Constituição Federal que: Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico; (...) § 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais. § 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. § 3º - Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades. § 4º - A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário. Nesse sentido, a União, no exercício de sua competência, fixou na Lei 9.430/96 que: Art. 61. Os débitos para com a União, decorrentes de tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal, cujos fatos geradores ocorrerem a partir de 1º de janeiro de 1997, não pagos nos prazos previstos na legislação específica, serão acrescidos de multa de mora, calculada à taxa de trinta e três centésimos por cento, por dia de atraso. (...) § 3º Sobre os débitos a que se refere este artigo incidirão juros de mora calculados à taxa a que se refere o § 3º do art. 5º, a partir do primeiro dia do mês subseqüente ao vencimento do prazo até o mês anterior ao do pagamento e de um por cento no mês de pagamento. (Art. 5º. O imposto de renda devido, apurado na forma do art. 1º, será pago em quota única, até o último dia útil do mês subseqüente ao do encerramento do período de apuração. (...) § 3º As quotas do imposto serão acrescidas de juros equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - SELIC, para títulos federais, acumulada mensalmente, calculados a partir do primeiro dia do segundo mês subseqüente ao do encerramento do período de apuração até o último dia do mês anterior ao do pagamento e de um por cento no mês do pagamento.) Não obstante, o Estado de São Paulo, fixou na Lei 10.175/98 que: Artigo 1º - Os impostos estaduais e as penalidades previstas na legislação tributária estadual, não liquidados nos prazos previstos na legislação própria, ficam sujeitos a juros de mora. § 1º - A taxa de juros de mora é equivalente: 1 - por mês, à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia- SELIC, para títulos federais, acumulada mensalmente; Diante disso, há que se reconhecer que (1) conforme orienta a Constituição, há disposição normativa da União, impondo índice oficial e (2) há determinação válida, vigente e eficaz do Estado de São Paulo no sentido de impor a atualização de seus débitos tributários através da Taxa SELIC. Portanto, a legislação posterior não pode prever uma taxa de juros totalmente desvinculada de qualquer índice oficial e, deste modo, o legislador Paulista ultrapassou os parâmetros da legislação complementar tributária, pois não há vinculação do percentual de juros à qualquer índice. A situação posta deve ser afastada para resgatar a legalidade da forma de remuneração das obrigações tributárias não satisfeitas. A vista disso, o Estado de São Paulo deve, obrigatoriamente, ater-se aos índices oficiais que medem a inflação. A corroborar meu entendimento, cito a decisão do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que nos autos de Argüição de Inconstitucionalidade nº. 0170909-61.2012.8.26.000, da Comarca de São Paulo, em que é suscitante a 13ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, julgou parcialmente procedente a argüição, para o fim de conferir interpretação conforme a Constituição Federal aos artigos 85 e 96 da Lei Estadual 6.374/89, com a redação dada pela Lei Estadual 13.918/09, de modo que a taxa de juros aplicável ao montante do imposto ou da multa não exceda aquela incidente na cobrança dos tributos federais.50

Inclusive, o Tribunal de Impostos e Taxas, em 27.08.2005, publicou a Súmula 8/2005, com o seguinte teor:

“É legitima a aplicação aos débitos fiscais estaduais da taxa de juros de mora equivalente, ao mês, à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia SELIC, conforme previsão legal.”51

A partir da decisão do Tribunal de Justiça, era de se esperar que o posicionamento fosse adotado pelos Tribunais Administrativos, o que, infelizmente, não ocorre na prática.

Na maioria dos julgamentos proferidos nas instâncias administrativas, é utilizado argumento de que o órgão julgador não tem competência para afastar a aplicação da lei declarada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça.

Por força do artigo 28 da Lei 13.457/2009, que disciplina o processo administrativo fiscal no Estado de São Paulo, o Tribunal de Impostos e Taxas tem entendido o seguinte:

“somente se houver decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal e controle concentrado de constitucionalidade, ou em controle difuso quando houver resolução do Senado Federal suspendendo a execução da norma declarada inconstitucional é que o julgador tributário poderá afastar a aplicação da lei estadual, in verbis:

Artigo 28 – No julgamento é vedado afastar a aplicação de lei sob alegação de inconstitucionalidade, ressalvadas as hipóteses em que a inconstitucionalidade tenha sido proclamada:

I – em ação direta de inconstitucionalidade;

II – por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, em via incidental, desde que o Senado Federal tenha suspendido a execução do ato normativo.

Cumpre observar que nestes casos julgador tributário não estará decidindo a inconstitucionalidade da lei, mas tão somente dando cumprimento às decisões do Poder Judiciário.

Portanto, como não há declaração de inconstitucionalidade da Lei 13.918/2009, não há como afastar sua aplicação no âmbito deste Tribunal de Impostos e Taxas, motivo pelo qual rejeito a premilinar.”52

Entretanto, como visto, na maioria dos casos, a questão depende de um provimento judicial, tendo em vista que o afastamento enquanto processo administrativo, na maioria das vezes, não ocorre.

Esse continua sendo o posicionamento adotado pela grande maioria dos julgamentos proferidos pelo Tribunal de Impostos e Taxas:

“ICMS. Creditamento Indevido – Estornos de débito – Distribuidora de energia elétrica – I-1 – Estorno de débito referente a NFCEEs emitidas há mais de 5 anos. I-2 – Estorno de débito sem a indicação do número e séries das NFCEEs correspondentes. II.3 - Estorno de débito com base em NFCEEs canceladas. II.4 – Estorno de débito em montante superior aos documentos originais. Decadência. Art. 173, I, CTN. Ausência de impugnação quanto ao mérito das infrações. Multa e juros aplicados conforme a lei. Pedido de sustentação oral. CRÉDITO INDEVIDO POR ESTORNOS DE DÉBITOS (PORTARIA CAT N.º 55/04) DE NOTAS FISCAIS EMITIDAS HÁ MAIS DE 5 ANOS (I.1), SEM IDENTIFICAÇÃO DA NFCEE (I.2), DE NFCEE CANCELADAS (I.3) E DE ESTORNOS MAIORES QUE O ICMS DESTACADO (I.4). Inocorrência da decadência do crédito tributário. A atual orientação jurisprudencial da Câmara Superior deste C. Tribunal seguiu o entendimento pacificado no Superior Tribunal de Justiça quanto a aplicação do art. 173, I e não do art. 150, § 4º, ambos do Código Tributário Nacional, no caso de “crédito indevido”, não importando se o lançamento é por homologação. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL E ILEGALIDADE NA FORMA DO CÁLCULO DA MULTA. Atualização do valor básico da multa dentro dos termos dos arts. 85, § 9º e 96, II, da Lei n.º 6.374/89 e art. 565, do RICMS/00. MULTA COM EFEITO DE CONFISCO. Capitulação da Multa de acordo com a legislação em vigência. Inocorrência do art. 28, da Lei n.º 13.457/09. INCONSTITUCIONALIDADE DA ESTIPULAÇÃO DOS JUROS DE MORA ACIMA DA TAXA SELIC. A jurisprudência formada no Supremo Tribunal Federal tratou da vedação da correção monetária acima da Taxa Selic e não dos juros de mora. Legislação em vigor dentro dos padrões da legalidade e sem ocorrência do art. 28, da Lei n.º 13.457/09. Recurso Ordinário improvido.”53

“ICMS. PRELIMINAR: NULIDADE DA DECISÃO QUE NÃO ANALISOU TODOS OS ARGUMENTOS DA IMPUGNAÇÃO. Inocorrência. Apesar da simplicidade da decisão, todas as matérias de defesa foram averiguadas. MÉRITO: (I.1). CRÉDITO INDEVIDO DE ESCRITURAÇÃO DE NOTAS FISCAIS DE DEVOLUÇÃO DE VENDAS À PESSOAS FÍSICAS EM HIPÓTESE NÃO PERMITIDA PELA LEI (III.3). CRÉDITO INDEVIDO DE ESCRITURAÇÃO DE NOTAS FISCAIS DE DEVOLUÇÃO DE VENDAS À PESSOAS JURÍDICAS DE FORMA IRREGULAR (I.3). Falta de veracidade das justificativas apresentadas nas devoluções das mercadorias pelos destinatários ou na hipótese da não circulação de mercadoria de nota fiscal emitida, nos termos dos arts. 4º, IV; 59; 63, I; 136, I; 452; e 453, do RICMS/00. (II.2). EMISSÃO DE DOCUMENTO FISCAL SEM A CORRESPONDENTE ENTRADA DA MERCADORIA NO ESTABELECIMENTO. Pagamento integral deste item. INCONSTITUCIONALIDADE DA ESTIPULAÇÃO DOS JUROS DE MORA ACIMA DA TAXA SELIC. A jurisprudência formada no Supremo Tribunal Federal tratou da vedação da correção monetária acima da Taxa Selic e não dos juros de mora. Legislação em vigor dentro dos padrões da legalidade e sem ocorrência do art. 28, da Lei n.º 13.457/09. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL E ILEGALIDADE NA FORMA DO CÁLCULO DA MULTA. Atualização do valor básico da multa dentro dos termos dos arts. 85, § 9º e 96, II, da Lei n.º 6.374/89 e art. 565, do RICMS/00. Recurso Ordinário improvido.”54

O artigo 28 deveria ser relativizado para acompanhar o incidente de inconstitucionalidade proferido pelo órgão máximo do Poder Judiciário Paulista.

Não parece lógico, do ponto de vista jurídico, ter decisões conflitantes nas esferas administrativa e judicial.

Por essa razão, é necessária a aplicação da taxa de juros prevista na legislação estadual pelos órgãos de cobrança e julgamento administrativo, naquilo que exceder a SELIC.

Sobre o autor
Tulio Schlechta Portella

Advogado, formado pela FADISP. Especialista em Direito e Processo Tributário pela Escola Paulista de Direito.

Informações sobre o texto

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