CONCLUSÃO.
Pela amostra por nós colhida, e pelas pesquisas pretéritas, um empregador que contrarie gravemente a legislação trabalhista, e que se defronte com a atuação do Ministério Público do Trabalho, provavelmente não será acionado na Justiça do Trabalho (5% de chance, em média). Se a investigação não for arquivada por falta de provas ou de interesse público (43,5% dos casos) nem for prorrogada (28% das hipóteses), a empresa, tendencialmente, irá assinar um termo ajuste de conduta (23%), em breve espaço de tempo (no máximo, um ano). Este compromisso, possivelmente, irá conter poucas cláusulas (no máximo três, em 57% dos casos), outorgando-se, em 24% das hipóteses, um prazo para adequação da conduta do infrator. Para assinatura deste termo, o infrator nada terá que dispender a título de indenização social (97% dos ajustes não contemplam punição imediata). As multas previstas em abstrato não terão valores superiores a R$ 11.000,00, sendo que as chances deste compromisso não ser fiscalizado beiram a 40%. Se houver fiscalização, será feita de forma superificial pela Inspeção do Trabalho. O compromissário, provavelmente, irá violar o ajuste (em pelo menos 58,5% dos casos), mas este descumprimento não ensejará cobrança de multas na maior parte das vezes (51,5%). Se houver cobrança, a chance de redução dos valores não é desprezível.
Este é o panorama da regulação do trabalho por parte do Ministério Público do Trabalho no Brasil encontrado em 2013, em São Paulo: o descumprimento de normas trabalhistas não gerou sanções, nem para a assinatura do ajuste (97% dos ajustes), nem por sua violação (51,5% de multas não foram cobradas); quase 60% dos termos de ajuste de conduta foram desrespeitados.[3]
Consoante Filgueiras (2012), este comportamento conciliador não impacta somente no ambiente empresarial, mas também em outros órgãos, como a Justiça do Trabalho, que tende a imaginar que a postura conciliadora é uma regra que, se não observada, implica injustiça ou desigualdade para com a empresa que se defende no Poder Judiciário. Isto acaba por prejudicar, ainda, posturas destoantes de procuradores que tem por hábito exigir indenizações em TACs ou ingressar diretamente com ações, porque desacredita a palavra destes, uma vez que as empresas tendem a enxergar nas promessas uma bravata (FILGUEIRAS, 2012).
O TAC, enquanto instrumento de atuação estatal, cai em descrédito por dois motivos: primeiro por não contemplar punições imediatas e, depois, por não ter suas multas – pouco aversivas – cobradas em caso de descumprimento. Esta dinâmica conciliatória somente reforça a convicção das empresas, no sentido da redução da expectativa de perdas financeiras, tornando-a confiante para novos ilícitos.
Em síntese, são efeitos deletérios dos TACs por nós pesquisados: a) subtração dos direitos coletivos dos trabalhadores, ao renunciar indenizações sociais, b) renúncia ou suspensão da aplicabilidade de direitos trabalhistas individuais, c) efeito antipedagógico para outros empregadores, d) diminuição da credibilidade da instituição como órgão de responsabilização jurídica, e) incremento da reincidência dos investigados, que testarão novos limites da ação do Estado, f) influência negativa para comportamentos destoantes no plano interno do MPT, e para posturas alternativas da Justiça do Trabalho e da Inspeção do Trabalho.
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Notas
[1] Entre início de 2009 e abril de 2010 (FILGUEIRAS, 2012, p. 250).
[2] Segundo CNJ (2016, p. 75), um magistrado da Justiça do Trabalho julgou, em 2015, em média, 1227 processos, entre ações de conhecimento e de execução.
[3] O estudo de Filgueiras (2012, p. 315), identificou que, dentre 517 ajustes, apenas 2,5% das hipóteses contemplava perda pecuniária, índice muito semelhante ao nosso (3%). Nenhum dos ajustes violados, na pesquisa do autor, foi executado para cobrança de multas.