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Família multiespécie e direito de família: uma nova realidade

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Agenda 04/07/2018 às 09:50

A família multiespécie é aquela formada por humanos e seus animais de estimação, quando considerados membros ou, até mesmo, filhos. É uma nova realidade afetiva que reclama a proteção do ordenamento jurídico pátrio.

RESUMO: Diante da crescente popularidade de animais de estimação nos lares, os mesmos vêm ganhando espaço significativo dentro das famílias, ao ponto de serem considerados como membros. O problema surge quando do divórcio ou dissolução da união estável, onde o animal de estimação torna-se o centro das discussões no que diz respeito a "guarda" e "pensão alimentícia". Inexistindo, portanto, legislação específica que regule a relação humano-animal, nestes casos, os litigantes contam somente com a sensibilidade do julgador em dirimir tais conflitos na esperança de que não considerem seus animais de estimação como meros objetos passíveis de partilha e valoração econômica, tendo em vista o afeto presente na relação.

PALAVRAS- CHAVE: Direito de família; guarda; pensão alimentícia; animais de estimação.

SUMÁRIO: Introdução; 1. Da família multiespécie: o surgimento de um novo tipo de família; 2. De bens semoventes a “filhos de quatro patas"; 3. Aplicabilidade das normas da proteção da pessoa dos filhos aos animais de companhia; 4. Da (im) possibilidade de pensão alimentícia aos animais de estimação; 5.Análise do projeto de Lei 1.365/2015; Considerações Finais. Referências


INTRODUÇÃO

Ao longo dos anos, o Direito vem sendo atingindo por diversas transformações em decorrência da constante evolução da sociedade e dos novos estilos de vida adotados pelos indivíduos que a compõem. No contexto social em que vivemos, seria impossível pensar o Direito tão somente como um conjunto de regras a serem aplicadas a determinadas situações, pura e simplesmente.

Dentro desta contextualização introdutória, talvez o Direito de Família tenha sido a ramificação que mais trouxe novidades e sofreu mais modificações, justamente por a família mudar constantemente, diante dos novos arranjos familiares com as mais diversas formações, todas devidamente protegidas pelo Estado e amparadas constitucionalmente, mostrando-se o rol trazido pelo art. 226 da Constituição Federal de 1988 meramente exemplificativo.

Existem diversos tipos de entidades familiares: famílias matrimoniais, decorrentes do casamento; famílias informais oriundas da união estável; famílias homoafetivas iniciadas a partir do elo afetivo entre pessoas do mesmo sexo; famílias monoparentais constituídas pelo vínculo afetivo entre um dos genitores com seus filhos; famílias anaparentais baseadas no vínculo existente entre irmãos diante da ausência dos pais; e ainda, a família "multiespécie" novidade no Direito de Família que merecerá profundas análises diante do tema aqui proposto.

Diante disto, mostra-se necessário discutir acerca deste novo modelo de família, principalmente no que diz respeito em sede de divórcio ou dissolução de união estável, pois quando deste evento, o ex-casal entra em profunda discussão quanto a quem vai ficar o bichinho de estimação considerado como membro da família e não como simples objeto passível de partilha, tal qual indica a legislação atual.

Nesse sentido, o presente trabalho traz a importância de se estudar e analisar esse novo fenômeno familiar, visto que, os animais de estimação ou companhia vem ganhando mais amplitude, tanto no aspecto afetivo como no aspecto econômico.

As pessoas, ao decidirem levar um animal de estimação para casa, na grande maioria das vezes, estão extremamente preocupadas com o bem estar do bichinho, buscando garantir a melhor alimentação, o melhor atendimento veterinário, bem como os melhores produtos pets postos em mercado, justamente pela intenção de integrá-lo ao ambiente familiar e as pessoas que o compõem, sem qualquer risco a saúde ou a segurança dos envolvidos.

Ao despender determinada quantia mensal e ao mesmo tempo oferecer todo o amor e carinho possível, a relação de reciprocidade entre animal e humano torna-se cada vez mais estreita, sobrevindo, portanto, uma eventual separação de um dos tutores e do animal uma verdadeira catástrofe para ambos, tendo em vista todo o afeto presente na interação humano-animal.

Ao passo que, para o humano, o animal de estimação é considerado um membro da família, deve o judiciário adequar-se a essa nova realidade social, devendo tentar atender ao máximo a satisfação da lide levada ao seu conhecimento. Para isto, mostra-se necessário definir até que ponto esse direito de ter o animal em companhia deve ser tutelado e em que medida, como, por exemplo discute-se a "guarda" e, até mesmo, um tipo de "pensão" para custeio e subsistência do mesmo.

Até o momento, as lides que vêm permeando o judiciário brasileiro estão sendo resolvidas, no que couber, nos ditames do instituto da guarda que diz respeito a proteção a pessoa do filhos, merecendo, portanto, profunda análise quanto ao seu cabimento, tendo em vista que o referido instituto é justamente aplicado a pessoas e não a animais, somado ainda ao fato de inexistir qualquer legislação específica que comporte tais circunstâncias.

Por fim, o presente trabalho concentra-se no desenvolvimento de cinco tópicos. O primeiro cinge-se na tentativa de conceituar família "multiespécie", bem como de demonstrar os elementos indicadores que caracterizam este novo grupo familiar. O segundo, por sua vez, cuida dos animais quanto bens semoventes, segundo o Código Civil de 2002 e a evolução dos mesmos na sociedade, sendo até mesmo considerados como" filhos". O terceiro, cuida da aplicabilidade das normas da proteção da pessoa dos filhos aos animais de companhia diante da inexistência de legislação específica diante dos casos concretos. O quarto cuida, como o tópico anterior, acerca do uso de "pensão alimentícia" para os animais de estimação tomando por base recente julgado acerca do tema. Por fim, mas não menos importante, preocupa-se com a análise do Projeto de Lei de nº 1.365 de maio de 2015, que trata acerca da guarda dos animais de estimação. 


1 DA FAMÍLIA MULTIESPÉCIE: O SURGIMENTO DE UM NOVO TIPO DE FAMÍLIA

Cuida, o artigo 226 da Constituição Federal de 1988, da família, intitulada âncora da sociedade e detentora de especial proteção do Estado. Relacionado a isto, segue em seus demais parágrafos algumas conceituações de entidades familiares previstas no texto magno, elencadas de forma meramente exemplificativa, ou seja, não há impedimentos quanto a formação de novos arranjos familiares em busca da felicidade tão apregoada pelo Direito das famílias.

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Desta forma, diversos são os tipos de entidades familiares: famílias matrimoniais, decorrentes do casamento; famílias informais oriundas da união estável; famílias homoafetivas iniciadas a partir do elo afetivo entre pessoas do mesmo sexo; famílias monoparentais constituídas pelo vínculo afetivo entre um dos genitores com seus filhos; famílias anaparentais baseadas no vínculo existente entre irmãos diante da ausência dos pais.

Verifica-se, portanto, que a família vem a todo instante transmudando-se, de acordo com sociedade e com os fatos que nela ocorrem, passando de, originalmente, como aquela reconhecida e protegida pelo Estado somente quando formada por laços sanguineos, dando lugar a formações familiares unidas por laços afetivos, onde buscam seus alicerces no afeto e pela constante busca da felicidade como forma de realização de cada um de seus membros.

Continuando, eis que vem ganhando um grau significativo de popularidade, a chamada "família multiespécie", podendo ser conceituada, como aquela formada pela interação humano-animal dentro de um lar, onde os componentes humanos reconhecem os animais de estimação como verdadeiros membros da família.

Difícil imaginar, na sociedade em que vivemos, um lar no qual não possua um animal de estimação, sendo diversos os motivos pelos quais induzem as pessoas a levarem um bichinho para casa, mas, talvez, o principal deles é o de vencer a solidão, sentimento que assola o mundo contemporâneo, no intuito de uma companhia leal e constante.

Assim, torna-se imperioso destacar quais o elementos norteadores para empregar uma real definição do que seria a família multiespécie, afinal, o simples fato de ter um animal de estimação em casa parece não se demonstrar suficiente para classificá-lo como real membro da família. Outrossim, os elementos aqui apontados não formam um rol taxativo e/ou cumulativo, mas tão somente induz, de forma exemplificativa, características próprias de famílias constituídas por humanos e animais de estimação.

Primeiramente, deve-se mencionar a necessidade da presença de afeto na relação humano-animal, na medida em que deve ser aferido o grau de importância que aquele ser representa para a família. A exemplo, temos os constantes casos de desaparecimento animais, nos quais os tutores, movidos pelo desespero oferecem até mesmo recompensa, na maioria das vezes pecuniária, pela devolução do animal desaparecido. Outro fator que merece destaque, é a preocupação com o estado de saúde dos animais de companhia, onde os tutores despendem quantias altas para reabilitação de saúde do bichinho na tentativa de poupá-lo de sofrimento e da morte. 

Continuando, pontua-se o estabelecimento de uma convivência constante entre os membros humanos e os animais de companhia, merecendo relevância a convivência dentro lar, visto que, aqueles animais que vivem na área externa da casa somada a falta de qualquer participação na rotina dos membros, bem como utilizados para outras funções, a exemplo da guarda, já descaracterizaria a formação de uma família multiespécie.

Ainda sobre a convivência, nota-se a preocupação dos tutores em incluir de todas as maneiras seus animais de companhia nas atividades desenvolvidas pela família, como viagens, fotos para os álbuns de família, compra de presentes, e, até mesmo, a realização de festa comemorativa pelo natalício do bichinho. Todas demonstram caráter inclusivo e reafirmam a condição do animal como membro da família.

A consideração moral seria outro indicativo para conceituar este novo arranjo familiar conceituado para indicar a existência da preocupação com as consequências que determinadas ações podem gerar para outrem (PETER, apud, LIMA). Encaixa-se neste ponto, a disposição de se abster de determinadas coisas ou situações em benefício do animal, como deixar de viajar, voltar cedo para casa para o bichinho não passar muito tempo só, evitar determinados produtos de limpeza em virtude de alergias que podem desenvolver no animal, entre outras inúmeras situações.

 Diante das considerações apontadas acima vislumbra-se, que a família não está adstrita unicamente pelo afeto e convivência entre seres humanos, mas, de igual forma, entre o vínculo estabelecido entre humanos e animais levados para o ambiente familiar, tidos como animais de companhia, sendo até mesmo considerados como membros da família.

A relevância do surgimento deste novo arranjo familiar é de tamanha importância que muitas pessoas, sejam oriundas de uniões estáveis ou de uniões matrimoniais, estão optando por não ter descendentes, dando lugar aos "filhos" de quatro patas, bem como os donos e tutores estão sendo substituídos por "mães", "pais", "irmãos", "tios", de acordo com a extensão da família.

Cumpre ao Direito, desta forma, adequar-se a essa nova modalidade de entidade familiar que vem cada vez mais ganhando espaço nos lares, sendo que este novo modelo, de igual forma, merece proteção estatal sucedendo delas, por consequência, efeitos jurídicos decorrentes de eventuais rupturas, de acordo com o tratamento a que é atribuído ao animal em questão, cuidando o tópico seguinte no que concerne a classificação existente aos animais, bem como a elevação do status de semovente até a condição de "filho", em alguns casos.


2 DE BENS SEMOVENTES A “FILHOS DE QUATRO PATAS”

De maneira abrangente e universal, podemos asseverar que um bem representa tudo que nos traga contentamento ou prazer. Pode-se ainda afirmar, que bem em outro sentido, é o oposto de mal; denota bondade, caridade, gentileza, entre outros. Fala-se ainda que o termo bem explicita posse, pertença, poderio e até propriedade.

Bem lembrado ainda a definição de bem trazida por Caio Mário da Silva Pereira (PEREIRA, apud, CHAVES, 2012, p.496), vejamos:

[...] tudo que nos agrada: o dinheiro é um bem, como o é a casa, a herança de um parente, a faculdade de exigir uma prestação; bem é ainda a alegria de viver, o espetáculo de um pôr do sol, um trecho musical; bem é o nome do indivíduo, sua qualidade de filho, o direito a integridade física e moral. Se todos são bens, nem todos são bens jurídicos. Nessa categoria inscrevemos a satisfação de nossas exigências e de nossos desejos, quando amparados pela ordem jurídica.

Afastando, portanto, a genericidade do termo bem e focando sob a face jurídica, o termo possui acepção particular. Representa, pois, tudo aquilo sensível a valoração jurídica, ou seja, aquilo que pode servir como causa de uma relação jurídica.

Nesse sentido, o Código Civil de 2002, dentre as diversas classificações dos bens, tratou dos semoventes segundo o legado do superado Código de 1916, categorizando os animais como bens semoventes, sem qualquer distinção, ou seja, define os animais como bens móveis suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social.

Partindo da premissa literal do artigo citado acima, conclui-se que como bens semoventes, os animais compõem patrimônio do seu titular, sendo passível, portanto, de venda, troca e, até mesmo, ser atribuído valor econômico, se considerado como bem pura e simplesmente.

Desta forma, o problema atual surge a partir da análise que em tempos remotos os animais eram tidos como instrumento de trabalho, pastoreio, guarda de patrimônio, controle de pragas, entre outras funções para as quais eram designados pela sua própria natureza e instinto. Hoje, em contrapartida, os animais de estimação ocupam um lugar significativo nos lares e aos mesmos é distribuído todo afeto possível na interação humano-animal.

Os animais de estimação, especialmente, cachorros (mais presente nos lares) deixaram de ser o "melhor amigo do homem" e passaram a qualidade de "filho". Esta é a nova realidade que permeia os lares contempoâneos.

Não é incomum a situação de inúmeras pessoas que "adotam" animais de estimação os elevando a qualidade de "filho"  em detrimento da procriação tradicional, optando por não dar continuidade a família por meio de descendentes. Noutro ponto, ainda vislumbra-se casais com filhos humanos e animais de estimação, ambos convivendo em condições de igualdade e tratamento.

Percebe-se, diante das situações acima citadas, que as famílias nestas circunstâncias, em especial casais, sentem-se em seu íntimo o total exercício da parentalidade em relação aos animais de estimação, dividindo responsabilidades, despesas alimentares, médicas, vestuário e, até mesmo, opções de lazer para seus "filhos de quatro patas".

Verifica-se essa condição na medida em que noutros tempos, os animais eram limitados aos ambientes externos das casas, no quintal; no jardim; acorrentados para soltura somente ao anoitecer; com casas próprias de cachorro, por exemplo, enfim, com espaços de vivência e convivência limitados. Era segundo dito popular da "porta para fora".

Contemporaneamente, os animais adentram sem qualquer limitação nos lares, fazem uso do sofá, inexistindo qualquer oposição, e  até mesmo dividem o mesmo quarto que os donos, restando evidente a posição de membro totalmente inserido na família. Portanto, o acesso irrestrito ao lar humano evidencia, de forma concreta, que os animais de estimação não são simplesmente ditos como membros da família, eles são considerados e vivem realmente como daquele grupo do qual estão inseridos.

Nesse diapasão, não pode mais haver a consideração de que o animal de estimação, considerado como membro da família, substituindo muitas vezes os filhos humanos sejam vistos unicamente como bem jurídico de valor econômico, sem prestigiar o afeto presente na relação humano-animal, não mais de companheirismo como outrora, mas sim na qualidade de pais e "filhos".

Desta forma, na condição em que vem sendo clamados como "filhos", não parece estranho que venham chegando ao judiciário demandas suscitando a guarda e custódia dos animais de estimação quando da dissolução da união estável ou do divórcio de casais. Nesse sentido, seriam tais lides abarcadas pela vara de família ou pelas varas cíveis?

O primeiro caso relativo a este tipo de situação é oriundo da 22ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de janeiro de 2015 em sede de apelação onde um homem obteve espécie de posse compartilhada do cãozinho de estimação com sua ex-companheira.

Em primeiro grau, litigavam os ex-companheiros pelo reconhecimento e dissolução da união estável, bem como a divisão dos bens comuns do casal, dentre eles o cãozinho de nome Dully da raça Cocker Spaniel, de idade já avançada, chegada a vida dos mesmos após aborto espontâneo da autora.

Assim, em sede de sentença, o juiz a quo determinou a posse e devolução de Dully para a ex-companheira/autora, sob o fundamento de que a mesma comprovou com êxito ser legítima proprietária do animal de estimação, tendo em vista que todos os documentos, tais como carteira de identificação e cartão de vacinação, continham como proprietária o nome da autora.

Indignado com a decisão de primeiro grau, insurgiu-se o réu contra sentença por meio de apelação direcionada ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, pretendendo unicamente a reforma da decisão quanto à posse do cão, pugnando para que a posse/guarda fosse de sua exclusividade.

Em seu voto, o relator, Desembargador Marcelo Lima Buhatem, destacou a importância do tema diante da ausência de normatização pelo legislador, bem como considerou desafiador, visto que deve-se revisar dogmas e conceitos clássicos do Direito Civil.

Destacou ainda, não basta ao animal de estimação ser visto como parte do Direito Ambiental ou Transindividual,, tampouco ser classicamente concebido como semovente.

Para o desembargador, ao animal de companhia é necessário empregar outro tratamento, justamente por ser de estimação e dotado de afeto e,  nas palavras do mesmo, " por preencher as necessidades humanas emocionais, afetivas, que, atualmente, de tão caras e importantes não podem passar desapercebidas pelo operador."

Ademais, o voto trouxe a afirmativa que os animais são seres que compõem  a família de forma afetiva em relação aos seus donos, sendo sua possível perda passível de sofrimento desmedido.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 0019757-79.2013.8.19.020822ª  CÂMARA CÍVEL

DIREITO CIVIL - RECONHECIMENTO/DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL - PARTILHA DE BENS DE SEMOVENTE - SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL QUE DETERMINA A POSSE DO CÃO DE ESTIMAÇÃO PARA A EX- CONVIVENTE MULHER– RECURSO QUE VERSA EXCLUSIVAMENTE SOBRE A POSSE DO ANIMAL – RÉU APELANTE QUE SUSTENTA SER O REAL PROPRIETÁRIO – CONJUNTO PROBATÓRIO QUE EVIDENCIA QUE OS CUIDADOS COM O CÃO FICAVAM A CARGO DA RECORRIDA  DIREITO DO APELANTE/VARÃO EM TER O ANIMAL EM SUA COMPANHIA – ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO CUJO DESTINO, CASO DISSOLVIDA SOCIEDADE CONJUGAL É TEMA QUE DESAFIA O OPERADOR DO DIREITO –  SEMOVENTE QUE, POR SUA NATUREZA E FINALIDADE, NÃO PODE SER TRATADO COMO SIMPLES BEM, A SER HERMÉTICA E IRREFLETIDAMENTE PARTILHADO, ROMPENDO-SE ABRUPTAMENTE O CONVÍVIO ATÉ ENTÃO MANTIDO COM UM DOS INTEGRANTES DA FAMÍLIA – CACHORRINHO “DULLY” QUE FORA PRESENTEADO PELO RECORRENTE À RECORRIDA, EM MOMENTO DE ESPECIAL DISSABOR ENFRENTADO PELOS CONVIVENTES, A SABER, ABORTO NATURAL SOFRIDO POR ESTA – VÍNCULOS EMOCIONAIS E AFETIVOS CONSTRUÍDOS EM TORNO DO ANIMAL, QUE DEVEM SER, NA MEDIDA DO POSSÍVEL, MANTIDOS –  SOLUÇÃO QUE NÃO TEM O CONDÃO DE CONFERIR DIREITOS SUBJETIVOS AO ANIMAL, EXPRESSANDO-SE, POR OUTRO LADO, COMO MAIS UMA DAS VARIADAS E MULTIFÁRIAS MANIFESTAÇÕES DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, EM FAVOR DO RECORRENTE – PARCIAL ACOLHIMENTO DA IRRESIGNAÇÃO PARA, A DESPEITO DA AUSÊNCIA DE PREVISÃO NORMATIVA REGENTE SOBRE O THEMA, MAS SOPESANDO TODOS OS VETORES ACIMA EVIDENCIADOS, AOS QUAIS SE SOMA O PRINCÍPIO QUE VEDA O NON LIQUET, PERMITIR AO RECORRENTE, CASO QUEIRA, TER CONSIGO A COMPANHIA DO CÃO DULLY, EXERCENDO A SUA POSSE PROVISÓRIA, FACULTANDO-LHE BUSCAR O CÃO EM FINS DE SEMANA ALTERNADOS, DAS 10:00 HS DE SÁBADO ÀS 17:00HS DO DOMINGO.

Ainda em relação ao mencionado acórdão, decidiu em seu voto, o relator, pela reforma parcial da sentença de primeiro grau, garantindo ao recorrente, diante das circunstâncias do processo, principalmente em razão do bem estar e interesse do animal em disputa, ressalte-se de idade já avançada e por consequencia necessitar de cuidados constantes,  o direito a companhia do cão Dully, sendo ao recorrente deferido o direito de exercer a posse provisória, devendo o mesmo agir de acordo com os interesses e necessidades do animal, sendo facultado buscar o cãozinho em fins de semana alternados, às 8h da manhã do sábado e devolvendo-o às 17h do domingo, na residência da apelada ex-companheira.

A partir de então, várias outras demandas surgiram, tendo como cerne a posse/guarda de animais de estimação quando da dissolução de uniões estáveis e/ou casamentos.

Frise-se, de igual forma, decisão da 10ª câmara de Direito Privado do TJ/SP, onde determinou o direito de cada litigante a ficar com o cão Rody durante semanas alternadas. A decisão ainda foi além da anterior, suscitando que o homem não é o único sujeito detentor de consideração moral, mas sim todos os sujeitos viventes, vejamos:

É preciso, como afirma Francesca Rescigno, superar o antropocentrismo a partir do reconhecimento de que o homem não é o único sujeito digno de consideração moral, de modo que os princípios de igualdade e justiça não se aplicam somente humanos, mas a todos os sujeito viventes.

 Diante das premissas trazidas pelas sensíveis decisões, urge o ordenamento jurídico pela necessidade de uma legislação específica que trate a matéria de animais de estimação quando disputados em sede de divórcio ou dissolução de união estável, visto que inúmeros casos irão chegar ao judiciário e nem todos os aplicadores do direito terão a sensibilidade e trato necessário para lidar com o assunto em questão, podendo daí surgir decisões injustas em relação aos tutores, bem como aos animais, merecedores de proteção e garantia de seu bem estar.

Indubitável mostra-se que não mais pode ser atribuída ao animal de estimação, aquele que é tratado como "filho", como 'membro da família", a denominação  semovente, bem móvel, res, parte do patrimônio, entre outros adjetivos que suscitem valoração econômica, pois a interação humano-animal é dotada de afeto não podendo ser desmerecida ou esquecida, mas sim protegida pelo Estado em suas diversas formas.

Sobre a autora
Maria Ravelly Martins Soares Dias

Sobral, Ceará; Advogada; Mestranda em Direito Privado (Centro Universitário UNI7); Pós-graduanda em Direito Civil (Damásio de Jesus); Especialista em Direito Processual Civil (Damásio de Jesus); Atuante na área do Direito Civil, especialmente Direito de Família.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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