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ICMS-importação: definição do Estado competente para exigir o tributo nas modalidades de importação por conta própria e por conta e ordem de terceiro

Agenda 20/05/2019 às 16:00

A questão relativa à incidência de ICMS sobre a importação suscita debates em razão das polêmicas envolvendo a capacidade tributária ativa dos Estados-membros nas diversas modalidades de importação.

1 Delimitação da materialidade e critério espacial do ICMS sobre importações

A questão relativa à incidência de ICMS (imposto sobre circulação de mercadorias e serviços) sobre a importação suscita debates desde a sua introdução no ordenamento jurídico com o advento da Emenda Constitucional n. 23/83, seja em razão de sua similitude com o então já existente Imposto de Importação, de competência federal, seja em razão das polêmicas envolvendo a capacidade tributária ativa dos Estados-membros, especificamente nas denominadas importações “por conta própria” e “por conta e ordem de terceiro”.

Partindo do art. 155, II, da Constituição de 1988, atualmente pode-se desenhar especificamente a regra-matriz do ICMS-importação de mercadorias nos seguintes moldes: no antecedente, como critério material o ato de importar, introduzir mercadorias e bens estrangeiros no Brasil, com o objetivo de inseri-los no mercado brasileiro, critério espacial coincidente com o território dos Estados (e do Distrito Federal) em que se situarem os estabelecimentos destinatários das mercadorias e bens, critério temporal correspondente à entrada jurídica das mercadorias ou bens no estabelecimento; no consequente, critério quantitativo equivalente ao valor dos produtos importados (base de cálculo) e porcentagens previstas nas legislações competentes (alíquotas), e critério pessoal identificado pelos Estados e Distrito Federal como sujeito ativo, e produtores, industriais e comerciantes como sujeito passivo.

Especificamente em relação ao critério espacial, vem definido no art. 11, I, d, da LC 87/96 como o limite geográfico dos Estados e do DF onde estiver situado o estabelecimento em que ocorrer a entrada física da mercadoria ou bem.

Evidente que tal previsão acaba por produzir reflexos simultaneamente tanto para o critério espacial quanto para a sujeição ativa, porém contraria a norma do art. 155, IX, a, da CF e da própria LC 87/96, que acolhe a igualdade jurídica entre a entrada física e a simbólica, de modo que o fato jurídico da importação deve-se reputar praticado não apenas com base na entrada física, mas também na jurídica, isto é, o local da operação jurídica de importação, onde estiver localizado o estabelecimento destinatário da mercadoria ou do bem, ainda que a entrada física com o desembaraço aduaneiro tenha se verificado antes em outra localidade.

Prosseguindo na análise da regra-matriz do ICMS sobre as importações, no que concerne ao seu critério pessoal, a questão relativa ao sujeito passivo é simples de definir. Pelo texto constitucional, apenas os comerciantes, produtores e industriais podem ocupar a posição de sujeito passivo do imposto, e não qualquer pessoa jurídica. Afinal, o constituinte utiliza os termos “mercadoria” e “estabelecimento”, excluindo as importações feitas por pessoas físicas. Assim como nas operações de importação em geral, o sujeito passivo, que tem a obrigação de pagamento da prestação pecuniária, corresponde a quem realiza a conduta de importar, isto é, a pessoa cujo nome está consignado na declaração de importação, a pessoa do importador.

Com efeito, conjugando-se o art. 11 da Lei Complementar nº 87/96 com o teor do art. 155, inc. II, e §2º, inc. IX, a, da Constituição Federal, depreende-se que o sujeito passivo é o importador, isto é, aquele que realizou a operação jurídica de importação de mercadorias descrita na hipótese de incidência da regra-matriz do ICMS-importação. Disso se percebe que o tributo é devido pelo destinatário jurídico da mercadoria, e não por seu destinatário fático, isto é, a quem a mercadoria foi juridicamente remetida[1].

Já sob o aspecto do sujeito ativo, os entes competentes para a instituição do ICMS-Importação são os Estados e o Distrito Federal, nos moldes do art. 155, II, da CF/88, que perceberão as prestações pecuniárias correspondentes às operações de importação que se realizarem nos limites do seu território. Afinal, os Estados somente podem tributar fatos ocorridos dentro de seus territórios, sendo irrelevante o que os tenha gerado ou onde tenham começado tais fatos.

Quanto à competência para cobrança do ICMS-importação, note-se que uma delimitação precisa da materialidade, bem como do critério espacial da respectiva norma jurídica tributária em sentido estrito, conduzirá à adequada fixação do Estado competente para a cobrança do tributo (capacidade tributária ativa) nas diversas modalidades de importação, na condição de sujeito ativo da obrigação tributária. Note-se que cada um dos Estados detém competência para instituir e a capacidade de cobrar os impostos de sua alçada, podendo haver aí um conflito positivo de competência.

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2 A capacidade tributária ativa dos Estados e Distrito Federal para exigir o ICMS-importação nas diversas modalidades de importação

O ordenamento brasileiro prescreve duas formas de importação dos bens do exterior: (i) por conta própria ou (ii) por conta e ordem de terceiro, ambas as formas reconhecidas e regulamentadas pela Secretaria da Receita Federal.

1.Nas importações em geral, no regime de importação por conta própria

A importação “por conta própria” consiste na operação em que a importadora adquire mercadorias do exterior em seu nome responsabilizando-se com recursos próprios pelo fechamento e liquidação do contrato de câmbio, para em seguida vender tais mercadorias no mercado interno. Tem-se, assim, dois contratos de compra e venda, um entre o fornecedor estrangeiro e a importadora, e outro entre a importadora e a adquirente no mercado interno.

Quanto à capacidade tributária ativa, com o escopo de evitar conflitos de competência, o constituinte acabou por explicitar que cabe ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria (art. 155, IX, a, da CF), que deve ser entendido como aquele a quem a mercadoria estrangeira foi juridicamente remetida.

Assim, pode-se concluir que:

1.Pouco importa o local onde se dá o desembaraço aduaneiro, que é apenas o instrumento que fixa o instante da importação, sendo o sujeito ativo obtido a partir da localização do sujeito passivo, do destinatário da importação;

2.No caso de importação para terceiros, ainda que haja duas operações, uma de importação pelo importador e outra interna (revenda) ao adquirente, novamente o sujeito ativo da obrigação corresponderá ao Estado onde está situado o destinatário jurídico da importação, atuando o importador como Trading Company. Assim, pouco importam os negócios jurídicos posteriores ou as “circulações físicas”, tendo em vista que a tributação recai sobre a “operação jurídica de importação”.

Com efeito, como a tributação recai sobre a operação jurídica de importação, cabe o ICMS ao Estado onde está localizado o destinatário do negócio, na figura do importador, pouco importando as “circulações físicas” para fins tributários, até porque o dispositivo constitucional não se refere a estabelecimento do destinatário “final”, último adquirente da mercadoria na cadeia circulatória iniciada com a importação. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal corrobora o entendimento acima exposto (RE 396.859/RJ, 1ª T., Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 16-11-2004, DJU de 10-12-2004).

A respeito do sujeito ativo de ICMS incidente sobre a importação, no art. 155, inciso IX, a, a Constituição Federal é clara ao estabelecer que é devido ao Estado onde estiver situado o destinatário da mercadoria, de modo que nem mesmo a legislação complementar pode estabelecer sujeito ativo diverso. Não obstante, a Lei Complementar n. 87/96 no seu art. 11, I, d, estabeleceu equivocadamente como local da operação de importação, para fins de determinação do critério espacial e, por conseguinte, do sujeito ativo, o do estabelecimento onde ocorrer a entrada física do bem ou mercadoria importados, conflitando com o dispositivo constitucional que prevê como fato jurídico tributário a dar ensejo ao ICMS-importação a “operação de importação”, conceito diverso de mera “entrada física”.

Apesar da inegável relevância da legislação complementar, deve ela exercer papel de mecanismo de ajuste da legislação ordinária em consonância com os preceitos constitucionais, mostrando-se como o veículo normativo capaz de pormenorizar as outorgas de competência tributária. Assim, o legislador complementar deve disciplinar as competências tributárias em conformidade com o texto constitucional, e não em conflito.

Em razão da polêmica que se criou quanto à competência estadual para exigir ICMS, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional foi inclusive instada a se manifestar, emitindo o Parecer PGFN/CAT/N. 1.093/97, no mesmo sentido de que o estabelecimento destinatário da mercadoria é o que efetivamente realizou o fato jurídico. Raciocínio semelhante também foi desenvolvido pela Consultoria Tributária de São Paulo, na Resposta à Consulta n. 277/98, em que o órgão administrativo entendeu que desembaraço aduaneiro corresponde apenas ao aspecto temporal da hipótese de incidência do ICMS, sendo o sujeito ativo, na realidade, o Estado da localização do importador.

Não obstante, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça manifesta entendimento contrário, interpretando o texto constitucional de modo a entender como sujeito ativo o Estado-membro do local do estabelecimento onde se localiza o destinatário físico, o destinatário final das mercadorias (REsp n. 1.190.705/MG).

2.Nas importações por conta e ordem de terceiro

Na importação “por conta e ordem de terceiro” a empresa adquirente da mercadoria contrata intermediária, prestadora de serviços, para que providencie por conta e ordem da contratante o despacho de importação da mercadoria em nome desta, tal como definido no parágrafo único do art. 1º da Instrução Normativa SRF n. 225/2002. Na realidade a importadora que realiza a operação não detém a propriedade dos bens importados, que é transferida diretamente ao comprador brasileiro, de modo que na declaração de importação consta o CNPJ do adquirente, indicado também na fatura comercial, devendo o conhecimento de carga estar consignado ou endossado ao importador contratado, que passa a ter o direito de realizar o despacho aduaneiro e retirar as mercadorias.

Ao passo que a importação “por conta e ordem de terceiro” evidencia que se trata de mercadoria de propriedade alheia, na importação “por conta própria” a posterior venda do bem importado no mercado interno, após realizado o desembaraço aduaneiro, é negócio jurídico distinto da importação, tendo a importadora a livre disponibilidade do bem para comercializá-lo a quaisquer sujeitos pelo preço e condições que lhe convierem.

Daí a edição da Lei n. 11.281/2006, no intuito de distinguir as duas modalidades de importação. Por fim, em uma última modalidade que podemos denominar de importação por encomenda, quem realiza o negócio jurídico de importação é a própria trading company (importadora), sendo a empresa que encomenda uma mera adquirente no negócio jurídico posterior realizado no mercado interno[2].

Por conseguinte, na importação por encomenda seus efeitos fiscais se assemelham aos da importação “por conta própria”, na realidade, figurando a importadora (trading) como sujeito passivo do imposto, em contraposição aos efeitos fiscais da importação “por conta e ordem de terceiro”, em que o sujeito passivo do ICMS-importação acaba sendo a própria empresa adquirente da mercadoria.

O que se pode inferir dessa dicotomia é que, nas importações “por conta própria” e por encomenda, o sujeito ativo competente para a cobrança do imposto é o Estado onde estiver situado a importadora (trading), a quem é transferida a titularidade das mercadorias, figurando como destinatária jurídica. Em contraposição, nas importações “por conta e ordem de terceiro”, o sujeito ativo é o ente onde estiver localizada a própria empresa adquirente da mercadoria, que é quem consta da declaração de importação (D.I.) e que apenas contrata intermediária, prestadora de serviços, de modo que é transferida diretamente ao comprador brasileiro a propriedade dos bens importados.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. Rio de Janeiro: Saraiva, 2015.


Notas

[1] CARVALHO, Paulo de Barros. Derivação e Positivação no Direito Tributário, vol. II, São Paulo: Noeses, 2013, pp. 159-170; SALOMÃO, Marcelo Viana. O ICMS nas importações feitas por leasing internacional. ICMS: questões fundamentais. Coord. Marcelo Magalhães Peixoto e Fábio Soares de Melo. São Paulo: MP Editora, 2007, pp. 66-74.

[2] CARVALHO, Paulo de Barros. Derivação e Positivação no Direito Tributário, vol. II. São Paulo: Noeses, 2013, pp. 161-177.

Sobre a autora
Nathália Ayres Queiroz da Silva

Analista Jurídico do Ministério Público

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Nathália Ayres Queiroz. ICMS-importação: definição do Estado competente para exigir o tributo nas modalidades de importação por conta própria e por conta e ordem de terceiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5801, 20 mai. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/67702. Acesso em: 22 dez. 2024.

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