Direito e moral é algo extremamente delicado (sim no singular, pois estou falando do conjunto, da correlação). Existem várias ideias diferentes sobre a moral, e numa delas, vê-se que ela variou muito com o tempo e com os povos, e é muito difícil codificá-la, colocá-la em papel, e esperar uma aceitação ampla.
Já o Direito, apesar da mesma variação, é possível olhar para sua forma escrita, e ele tem uma objetividade muito maior que a anterior. E, enquanto ele consagra, sobretudo nas Constituições, valores que tem como mais importantes para o Estado, a interpretação desses valores pode gerar muita confusão, pois cada um está carregado de suas experiências e vontades, explícitas ou ocultas, e um afastamento disso é muito difícil (alguns dirão impossível).
Na correlação entre um e outro, lembro da nada pacífica quarta dimensão dos Direitos Fundamentais, que tem, na sua "definição" dada por Bonavides, alguns valores que seriam, sim, aplicáveis a todos os Estados indistintamente, quais sejam, direito à informação, a democracia e o pluralismo. E, penso, ainda assim, pode ser que hajam pessoas com bons argumentos contra a democracia, o que se pode ver, por exemplo, em Platão e algumas sociedades na antiguidade, que observavam as diferenças de aptidões e construíam-se baseadas nisso.
De todo modo, o presente texto quer chamar a atenção para a dificuldade imensa de se objetivar algo que talvez não seja objetivável e, ao mesmo tempo, apontar como um caminho a ser seguido, mas sem nenhuma imposição, identificar e destacar o que se tem na Carta da República brasileira, que é o pluralismo de ideias (art. 1º, V) e a laicidade (art. 5º, VI e 19, I).
Com o primeiro parâmetro, fica difícil dizer que há ideias superiores e, principalmente, que todas devem ser respeitadas, sendo que, se atentarem contra o ordenamento jurídico, receberão a devida sanção, que também está objetivada (a redundância é proposital).
Já com o segundo, lembrando que religiões são, talvez, a maior fonte de moral objetivada, através de seus códigos, ou o nome que preferirem dar, é de se atentar que nenhuma delas rege o Brasil e, portanto, não que se falar em valores cristãos, islâmicos, ou qualquer outro desse tipo. Portanto, ao se pensar em moral e bons costumes, deve-se fazê-lo ignorando o que tais instituições dizem, ainda que possa haver pontos de contato, mas neste caso, será seguido não por que um Deus ou outro, ou nenhum, disse, mas sim por que o Direito pátrio se expressou sobre aquilo.
Antes da conclusão, num rápido apontamento sobre o argumento de o preâmbulo falar em Deus, penso que se deve pensar em duas coisas:
1 - Harmonização com os dispositivos citados acima, o que dificilmente permite que algum Deus reja a direção deste país, pois entraria em choque tanto com o pluralismo de ideias quanto com a laicidade;
2 - Apesar de este argumento ficar fragilizado pelo próprio texto, lembro da jurisprudência e posição doutrinária pacíficas sobre o tema, segundo as quais o preâmbulo não tem força normativa, isto é, não faz lei.
Por fim, olhando as sutilezas e dificuldades da questão, retoma-se o que já foi dito, chamando a atenção e fazendo um apelo ao esforço de se pensar o Direito e a sociedade brasileiras de forma racional e o mais isenta possível, buscando, onde a subjetividade abunda, (e como exposto, o campo da moral é um desses lugares), a objetividade.