1 INTRODUÇÃO
Considera-se a eleição (voto) como uma manifestação do sufrágio, que é exercida em tempo certo, como meio de construção de uma democracia, seja direta ou indireta, esta ultima, é a mais comum, pois é exercida através dos nossos representantes, eleitos e diplomados.
O ponto em comum entre todos os candidatos é o traçar da melhor estratégia, muitas de início são consideradas excelentes, mas nem todos os candidatos chegam ao poder, outras consideradas como fracas, fazem com que os candidatos chegem ao poder de uma forma relativamente fácil, desse modo, Torquato em sua obra Marketing Político e Governamental, afirma:
A tarefa principal de um político é atender às necessidades de seus eleitores, de acordo com a plataforma de seu Partido e os anseios gerais da sociedade. Donde se conclui que a política está intrinsecamente relacionada à promoção de interesses e valores. Ou em outros termos, a política está orientada para a expectativa de recompensas (TORQUATO, 1985, p. 12).
Pode-se afirmar que uma das principais estratégias dos candidatos é utilizar as necessidades e anseios da população, fazendo-o parecer compadecido do sofrimento, entretanto, o interesse político utilizado em campanhas é um dos meios para arrecadar votos e obter êxito nas eleições, são muitas as formas de se fazer tal prática, uma delas é a utilização do nome de cargo público.
O uso do nome em campanha eleitoral para alguns é visto como mero procedimento judicial/ administrativo de registro de candidatura, todavia, quando se olha através das lentes estratégicas do marketing eleitoral, a escolha do nome é tão importante quando a própria campanha, pois é por meio dele que o eleitor identifica seu candidato e se identifica com ele. O nome do candidato também serve para a formação da identidade: “[...] redunda numa Identidade que será transmitida aos eleitores” (TORQUATO, 1985, p. 17).
Tanto para pessoas como para objetos, animais e lugares, os nomes servem também para identificação. Quando se fala em identificação é importante frisar que esta, leva a uma evidente diferenciação de corpos. Nas eleições não muda muito, pois ao registrar sua candidatura, o candidato coloca o nome original e o nome pelo qual deseja concorrer ao pleito eleitoral, dessa forma se diferenciando dos demais, esse processo é fiscalizado pela Justiça Eleitoral, em todos os seus âmbitos.
A Justiça Eleitoral é responsável pela organização do processo eleitoral, desde o alistamento do candidato até a diplomação dos eleitos. Assim sendo, trabalha para garantir a lisura no pleito eleitoral, a igualdade nas campanhas, o respeito à soberania popular e à cidadania, ainda que essa igualdade entre partidos e candidatos não seja permanente: “[...] a ideia de que a igualdade entre os homens e a igualdade jurídica possuem uma natureza transitória” (CASTANHO, 2014, p.190). Trazendo o referido princípio à tona, neste pensar, a mencionada justiça fica responsável por conservar a igualdade durante a campanha, ainda que esta seja vista como de caráter não permanente.
Vale ressaltar que alguns candidatos são servidores públicos e, antes de efetuarem atividades voltadas às eleições, necessitam se afastar no cargo público, processo que é conhecido como desincompatibilização.
O mencionado instituto é inerente a todos os candidatos, todavia o presente estudo recai especificamente: Delegados, Praças e Oficiais da Polícia Militar e Corpo de Bombeiros.
Os candidatos ocupantes dos mencionados cargos necessitam afastar-se, porém, alguns ainda continuam fazendo referência ao cargo público que ocupam, quando efetuam o registro de candidatura, trazendo uma falsa ideia de ainda continuarem no cargo, afetando a paridade do pleito eleitoral e configurando uma ineficácia do instituto da desincompatibilização.
Para melhor explicar este fenômeno jurídico/administrativo, foi utilizada a metodologia de pesquisa bibliográfica, para identificar o porquê da ineficácia do fenômeno da desincompatibilização, aliada a necessidade de explicação do fenômeno em sociedade, suas consequências para o pleito eleitoral e para a democracia de uma forma geral. Nesse cenário, o artigo se propõe também a refletir sobre como o referido comportamento afeta o princípio da igualdade nas eleições e sua relativização em campanhas eleitorais.
Ao longo deste artigo, aborda-se o ato de desincompatibilização e seu papel diante da Justiça Eleitoral. Em seguida, apresentam-se reflexões sobre os princípios da igualdade, equilíbrio eleitoral, impessoalidade e os resultados da análise dos casos estudados e, ao final, encontram-se as considerações finais e as referências.
2 DO ATO DE DESINCOMPATIBILIZAR
A desincompatibilização é o mecanismo de direito eleitoral, no qual alguém que pretende concorrer a mandato eletivo afasta-se do emprego, cargo ou função que ocupa na esfera pública, seja direta ou indireta, evitando a inelegibilidade.
O referido instituto encontra-se previsto na Constituição Federal, em seu art. 14, §9 e na Lei Complementar 64/1990, esta estabelece os prazos para todos os afastamentos, ressalta-se que a desincompatibilização possui diversidade de prazos, um para cada caso concreto.
Os servidores e empregados da Administração Pública Direta, Indireta e Fundacional do Poder Executivo que desejarem concorrer a cargo eletivo em eleições devem afastar-se do exercício de seu cargo, com vencimentos e vantagens integrais, da data do registro de sua candidatura pela Justiça Eleitoral, até o dia seguinte ao da eleição. O não afastamento do empregado, do servidor público e/ou comissionado, do exercício de seu cargo ou função, poderá constituir caso de inelegibilidade, conforme previsto no art. 1° da Lei Complementar Federal n° 64, de 18 de maio de 1990. (COSTA, 2018).
Ocorre que, ao se desincompatibilizar, o antes servidor público, volta ao patamar de cidadão comum, que está afastado das atividades do órgão onde estava lotado. Durante aquele período de afastamento, o cidadão não deve possuir nenhuma espécie de vínculo com a instituição, pois um dos objetivos da desincompatibilização é fazer com que haja a dedicação exclusiva a campanha eleitoral, evitando o contato com a administração pública.
A não vinculação durante a campanha eleitoral é algo que fica apenas no direito positivo, pois alguns candidatos se utilizam do cargo para compor o nome apresentado para a sociedade em campanha, seja em TV, rádio, santinhos. Esse comportamento atinge diretamente a paridade do pleito eleitoral, dando maior visibilidade para um candidato em relação a outros.
É necessário frisar que no ano de 2014 o Tribunal Superior Eleitoral proibiu que os candidatos se utilizassem do nome de órgãos públicos para concorrer às eleições, com amparo na da resolução 23.405/ 2014:
Art. 30[...]
§ 2º Não será permitido, na composição do nome a ser inserido na urna eletrônica, o uso de expressão e/ou siglas pertencentes a qualquer órgão da administração pública direta, indireta federal, estadual, distrital e municipal.
A vinculação do nome ao órgão público era um comportamento comum, que provocava uma situação de distorção no processo eleitoral. Distorção esta caracterizada pelo achar da população que o candidato ligado a órgãos públicos, poderia estar mais capacitado que outros ou que apenas ele poderia dar continuidade as políticas públicas desenvolvidas pelo governo: “ao vincular o nome de campanha aos órgãos públicos, o candidato pode apresentar a falsa expectativa de que, se eleito, poderá ter acesso mais fácil à estrutura do governo e ajudar o cidadão.” (CONJUR, 2014)
Apesar do disposto, a Justiça Eleitoral, por meio da Resolução 23.548, de 18 de dezembro de 2017, se autocontradiz no que se refere ao nome, pois no artigo 53 III, afirma: “Deve ser deferido o uso do nome indicado, desde que este identifique o candidato por sua vida política, social ou profissional, ficando os outros candidatos impedidos de fazer propaganda com o mesmo nome.”
O inciso, apesar de parecer claro, merece a devida interpretação, uma vez que, ainda que o candidato utilize o nome pelo qual se identifica no meio social e profissional, quando este nome faz vinculação a um órgão público, o uso do nome é proibido.
Exemplo oportuno seria Oficiais e Praças da Polícia que se utilizam da sua denominação hierárquica ao se candidatarem, ainda que o quantitativo de profissionais de segurança pública seja menor que os candidatos civis. Ocorre que as denominações hierárquicas são privativas das instituições de segurança pública, especificamente do pessoal da ativa e a sua utilização para concorrer às eleições acaba por provocar desigualdade entre os candidatos, vide a lei 6.880 de 9 de Dezembro de 1980:
Art. 5º A carreira militar é caracterizada por atividade continuada e inteiramente devotada às finalidades precípuas das Forças Armadas, denominada atividade militar.
§ 1º A carreira militar é privativa do pessoal da ativa, inicia-se com o ingresso nas Forças Armadas e obedece às diversas sequências de graus hierárquicos.
Segundo o artigo 144 V da Constituição Federal, a Polícia Militar é classificada como um dos órgãos do Ministério da Justiça, dessa maneira os candidatos vinculados a referido órgão não poderiam utilizar o nome do órgão público, muito menos fazer referência a ele em ato de candidatura e campanha eleitoral, pois isso prejudica o principio do equilíbrio do pleito eleitoral, mesmo utilizando apenas a denominação hierárquica como: Capitão, Coronel, Major, Sargento, Cabo dentre outras, estas acabam fazendo referência ao órgão público diminuindo as chances de outros candidatos. A justiça eleitoral cria, neste caso, uma contradição e macula os princípios da igualdade e equilíbrio do pleito eleitoral.
3 IGUALDADE NA DISPUTA DO PLEITO ELEITORAL
O princípio constitucional da Igualdade, inserido no âmbito da disputa do pleito eleitoral, pressupõe um sufrágio livre, honesta e equilibrada durante os atos de campanha eleitoral, sem abusos. “Impõe uma regulação das campanhas eleitorais, alcançando o controle da propaganda eleitoral, a neutralidade dos poderes públicos, a vedação ao abuso de poder econômico e a imparcialidade dos meios de comunicação” (SALGADO, 2010, p.247).
A igualdade, de modo geral, que tem por finalidade impedir práticas abusivas em campanha eleitoral, a fim de garantir a livre formação de vontade do eleitor, tudo, através da lei e jurisprudência dos tribunais eleitorais, com a aplicação das devidas sanções a aqueles que possam impedir a realização de um sufrágio claro e verdadeiro.
Quando se fala em igualdade, é preciso entender que esta ideia é utópica, interpretação essa, retirada do artigo, escrito por Marcelo Roseno de Oliveira:
É possível perceber que os ordenamentos jurídico-constitucionais de várias nações democráticas, dentre os quais o do Brasil, contemplam normas que protegem especificamente a igualdade de oportunidades ou a equidade da disputa, não obstante ainda convivam com situações de desigualdade nos prélios, albergadas paradoxalmente por regras eleitorais que privilegiam as maiorias políticas, o que é revelado de forma sensível em aspectos como o rateio dos investimentos públicos nos partidos políticos e o direito de antena (OLIVEIRA, 2013, p.76-77)
Campanhas ricas versus campanhas pobres, conhecimento político versus falta de instrução, política de gênero, campanhas irregulares, uso do cargo para promoção pessoal. Todas essas questões são feridas no sistema eleitoral democrático brasileiro.
Não se pode ter uma eleição justa, baseada na igualdade, se os cidadãos não são vistos como iguais, pois as igualdades básicas da sociedade não são garantidas, dentre elas, a participação na vida pública pela falta de incentivo.
Todas as pessoas deveriam ter direito ao mesmo esquema de liberdades, e as desigualdades somente seriam admitidas se fosse assegurado a todos uma igualdade equitativa de oportunidades, privilegiando-se, ainda assim, as pessoas menos favorecidas (princípio da diferença). (OLIVEIRA, 2013, p.76)
Em termos de campanha, a igualdade entre os candidatos é muito difícil de ser encontrada, mas, por meio de legislação, a Justiça Eleitoral vem criando métodos para alcançar uma melhor paridade nas campanhas, como a proibição de showmícios, proibição de uso de cavaletes, limite nas doações para campanha, dentre outras.
Com relação à campanha eleitoral, o uso do nome é algo que não muito debatido, já que, para muitos, é apenas uma forma de identificação, para outros é uma oportunidade conquistar mais votos e vencer a disputa, esta corresponde a verdadeira função da utilização do nome.
É necessário fazer as devidas colocações quanto à questão de utilização do nome, visto que, quando um eleitor verifica a presença de um candidato ligado a órgãos de segurança pública, para ele, o candidato pode parecer melhor, dado que o mesmo teria melhor capacidade que um candidato que não está ligado à instituição pública.
De uma maneira mais específica, para o eleitor, apenas com a eleição de determinado candidato, as políticas governamentais poderiam ter continuidade, pois suposto candidato teria ligação com tais iniciativas.
4 A HIERARQUIA DAS INSTITUIÇÕES E A ESCOLHA DO NOME
Segundo a Resolução do TSE Resolução Nº 23.455, de 15 de Dezembro de 2015, que trata das disposições para o registro de candidatos, estes podem optar por usar o nome de registro ou o nome social. De todo modo, no artigo 31 §2 afirma:
Não será permitido, na composição do nome a ser inserido na urna eletrônica, o uso de expressão ou de siglas pertencentes a qualquer órgão da administração pública direta, indireta federal, estadual, distrital e municipal.
Isso ocorre para haver uma preservação dos órgãos públicos e evitar que candidatos de beneficiem, pois muitos desses órgãos são responsáveis pela implantação e desenvolvimento de políticas públicas em prol da população.
Cumpre ainda destacar que a referida Resolução, deixa margem para os casos das nomenclaturas decorrentes de hierarquias, mas que também estão ligadas a órgãos públicos. Exemplos claros disso são Capitães (ãs), Majores, Sargentos (as) e Delegados (as).
Nas eleições não é incomum encontrar candidatos ligados às instituições votadas à segurança pública. Ademais, vale ressaltar que, ao utilizar o nome da hierarquia de seus cargos, acabam tendo maior visibilidade que outros candidatos menores.
Quando se fala nesse tipo de associação, o objetivo é acautelar abusos provenientes de algumas candidaturas, que visam fazer um elo com determinados órgãos, empresas públicas ou sociedade de economia mista, bem como às ações e programas por eles desenvolvidos.
Tal prática fere o equilíbrio e a isonomia que deve haver entre os diversos candidatos, pois haverá inegável benefício àquele cuja imagem estiver associada a órgãos e ações estatais, que efetivamente proporcionam benefícios para a população em geral.
Parcela da sociedade que não possui instrução, quando se depara com referida propaganda, passa a ter a percepção de que somente aquele candidato tem aptidão para dar continuidade à gestão estatal, levando-o, assim, a definir seu voto.
É importante lembrar que o governo simboliza a atuação do Estado, é um conjunto de pessoas e órgãos que movimentam a máquina pública. O governo é quem gere o poder político do Estado, ou seja, todos os seus recursos públicos.
Teoricamente, quando um candidato usa o posto de capitão em sua candidatura, é notório que ele possui conhecimento de táticas e operações de segurança pública, quando o mesmo atua, não é a pessoa candidato que está atuando, mas sim o governo. É ele que gere os recursos públicos, define políticas públicas, implementa projetos sociais e econômicos. As ações governamentais não devem ser confundidas com candidaturas. Não há irregularidade, quando o candidato expõem as conquistas de seu governo, pois tal prática está associada ao debate político na disputa eleitoral e desenvolvida na propaganda.
A Constituição Federal, em seu artigo 14 § 8º, autoriza o militar a candidatar-se nos seguintes moldes:
O militar alistável é elegível, atendidas as seguintes condições:
I - se contar menos de dez anos de serviço, deverá afastar-se da atividade;
II - se contar mais de dez anos de serviço, será agregado pela autoridade superior e, se eleito, passará automaticamente, no ato da diplomação, para a inatividade.(Brasil, Constituição Federal, 1988)
Pode-se perceber, que a Constituição não detalha a forma da candidatura, mas afirma que, ao ser eleito, o candidato ora militar passará para a inatividade no ato da diplomação.
Todavia, o Estatuto da Polícia Militar do Piauí, em seu artigo 27, proíbe o uso das designações hierárquicas em atividades político partidárias:
Artigo 27: O sentimento do dever, o pundonor policial-militar e o decoro da classe impõe a cada um dos integrantes da polícia militar, conduta moral e profissional irrepreensíveis, com observância dos seguintes preceitos da ética policial militar; XVIII: abster-se o policia militar na inatividade, do uso das designações hierárquicas, quando: a) em atividade político partidária.
Ocorre que, ao serem eleitos, alguns candidatos continuam utilizando a designação hierárquica que ocupavam anteriormente. A reflexão que este artigo propõe encaminha-se no sentido da defesa de que essa mesma proibição seja válida também para atos pré-eleição, que são a candidatura e a propaganda eleitoral.
Tal proibição tem por foco desassociar a conduta do parlamentar já eleito, com as atividades e valores éticos e morais do órgão que antes fazia parte de forma ativa. Todavia, acredita-se que da mesma forma que pode prejudicar a instituição, o comportamento de associação do nome em campanha eleitoral também pode beneficiar o candidato, em atos de pré-eleição.
Tomando como exemplo a suposta situação: Candidato X, major da Polícia Militar, com mais de 10 anos de serviço ativo, possui amplos conhecimento prático e teórico de segurança pública e de combate ao crime, concorre a eleições com alguns outros candidatos, com propostas tão boas quanto às dele, todas voltadas para a segurança pública do município. O eleitor, diante dessa situação, tende a não avalia-la criticamente, sendo induzido a compreender que os feitos realizados quando da ocupação do candidato pelo posto serão refletidos também em sua atuação como político eleito.
A situação ora descrita, embora hipotética, ocorre no cenário dos atos pré-eleição, quando cidadãos são levados a não decifrar as artimanhas e estratégias eleitorais, sendo induzidos a acreditar que um candidato é melhor que o outro, violando o princípio da igualdade e o equilíbrio das candidaturas.
Nesse sentido, o mesmo pensamento empregado para a Polícia Militar também é válido para servidores de outras instituições: Bombeiros Militares, Exercito, Aeronáutica, Marinha, Polícia Civil e até títulos religiosos, como Pastor.