O Decreto 4.729/2003, publicado em 09 de junho de 2003, alterou algumas regras do Regulamento de Previdência Social originárias do Decreto 3.048/99 e, dentre as alterações, enquadrou o Administrador de Sociedade Limitada Não Empregado como "contribuinte individual", equiparando-o do ponto de vista do critério de contribuição previdenciária ao "contribuinte-empresário". Continua, pois, sendo contribuinte obrigatório, porém não mais sob a condição de "empregado", como ocorria anteriormente. Vejamos o texto já alterado:
"Art. 9º. São segurados obrigatórios da previdência social as seguintes pessoas físicas:
V - como contribuinte individual:
h) o sócio gerente e o sócio cotista que recebam remuneração decorrente de seu trabalho e o administrador não empregado na sociedade por cotas de responsabilidade limitada, urbana ou rural;"
Essa alteração do critério de enquadramento anterior exibe importante mudança no tratamento jurídico desse tipo de relação jurídica, com repercussões também no Direito do Trabalho.
É que para esses casos, apesar de haver hipóteses em que não se fazia presente a subordinação jurídica do trabalhador, típica das relações de emprego, não havia previsão no nosso ordenamento jurídico que autorizasse a que fosse a contratação de administrador não subordinado considerada uma exceção à regra da CLT, de existência de vínculo empregatício nas relações de trabalho.
Nesse passo, o Parecer de Consultoria Jurídica do Ministério de Previdência e Assistência Social nº 2.484, de 05 de julho de 2001, concluiu que "o diretor eleito de sociedade por quotas de responsabilidade limitada é segurado obrigatório, na condição de empregado da empresa, tendo em vista a falta de previsão no ordenamento jurídico da pessoa do diretor não empregado nesses tipos societários". Isso porque, antes da vigência do Novo Código Civil, a gerência das sociedades por quotas de responsabilidade limitada poderia ser atribuída apenas a seus sócios.
No caso das sociedades anônimas, já não havia dúvida no que diz respeito à natureza da relação de trabalho quanto aos diretores eleitos nessas empresas, sendo pacificado o entendimento do TST de que o diretor eleito nas S/A’s tinha "suspenso" o seu contrato de trabalho durante o tempo do seu mandato, salvo se houvesse subordinação na relação de trabalho. Tal entendimento foi inclusive assentado no Enunciado 269 do E. TST.
Enunciado do TST
Nº 269 Diretor eleito. Cômputo do período como tempo de serviço
O empregado eleito para ocupar cargo de diretor tem o
respectivo contrato de trabalho suspenso, não se computando o
tempo de serviço deste período, salvo se permanecer a
subordinação jurídica inerente à relação de emprego.
(Res. 2/1988 DJ 01-03-1988)
Referência: CLT, arts. 2º, 3º, 4º e 499
O nosso Novo Código Civil, de 10 de janeiro de 2002, previu a possibilidade de a administração das sociedades limitadas ser feita por não sócios, desde que conste tal disposição no contrato social (Art.1.061). Com isso, criou-se no nosso ordenamento jurídico a figura contratual do Administrador de Sociedades Limitadas Não Sócio.
Assim, hoje o Administrador da sociedade pode ser contratado para administrá-la mesmo sem ser sócio. Tal contratação pode ainda estabelecer aspectos de subordinação ou não, ou seja; o Administrador pode ser empregado ou não, dependendo da existência ou não de subordinação.
A natureza jurídica da prestação de serviços do administrador definir-se-á, portanto, dependendo do grau de autonomia de que gozar (se tem ordens a cumprir, horários, se submete à disciplina da empresa, etc).
A hipótese do Administrador Não Sócio e Não Empregado veio a ser chancelada pela norma previdenciária quando do surgimento do Decreto 4.729/03, de 09 de junho de 2003, que admitiu a figura do Administrador Não Empregado, enquadrando-o como contribuinte individual, e apartando-o da figura do empregado, como era considerado pela Previdência antes da vigência do Novo Código Civil, haja vista o mencionado Parecer do Corpo Jurídico do INSS nº 2.484/01.
Há que se observar, contudo, que a norma previdenciária não é via adequada a criar uma forma contratual trabalhista que constitua uma exceção ao pólo de atração que é o vínculo de emprego. O Direito Previdenciário, ainda que considerado ramo autônomo do Direito, está vinculado, a conceitos de outros ramos do direito. Os conceitos previdenciários são subsidiados de outras áreas, notadamente do Direito Tributário, do Direito Administrativo e do Direito do Trabalho. Tal fato se dá no caso do conceito de "empregado", em que se utiliza a orientação do Art. 3º da CLT.
É o que ensina o Prof. Sergio Pinto Martins, In Direito da Seguridade Social, Ed. Atlas:
"O Direito da Seguridade Social, entretanto, vai se abeberar em vários conceitos oriundos do Direito do Trabalho, como o de empregado (art.3º da CLT), empregador (art.2º da CLT), remuneração (art.457 da CLT), salário (art.457 da CLT), salário-utilidade (art.458 da CLT) etc."
Portanto, na hipótese em questão, configurar-se-á a figura do empregado ou do prestador de serviços não subordinado, em face das regras do Art. 3º da CLT. "Art.3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. Parágrafo Único. Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição do trabalhador, nem entre trabalho intelectual, técnico e manual."
Não havendo subordinação jurídica nesses casos, não há que se falar, por óbvio, em relação de emprego, sobretudo em face do alto grau de discernimento de que geralmente são dotados esses profissionais aos quais se confere a responsabilidade de administrar as empresas.
Cumpre acentuar também que fato de o Administrador possuir quotas, por si, não afasta a relação de emprego, já que à luz do Art.9º da CLT, a transmissão de quotas pode ser considerada fraudulenta e anulada, caso demonstrado o intuito de fraudar a legislação trabalhista. Há casos em que os empregados possuem cotas de suas empregadoras, e nem por isso deixam de ser empregados. Sobrepõe-se, nesses casos o "contrato realidade", em que o "divisor de águas" vai realmente ser a existência ou não de autonomia e subordinação, de acordo com a forma contratada entre prestador de serviços e empresa.
Em recente artigo, o Dr. Almir Pazzianoto destacou a utilização do Princípio da Boa-Fé nos Contratos dentro do contexto das Relações Trabalhistas onde bem coloca:
"No direito civil o contrato tácito se encontra condicionado, conforme escreveu Clóvis Bevilaqua, "as mesmas condições subjetivas e objetivas exigidas para a validade dos atos jurídicos entre vivos, em geral; capacidade das partes contratantes; objeto lícito; e forma prescrita ou não defesa em lei (art. 82). A essas condições gerais deve se acrescer o "acordo ou consentimento recíproco" (Código Civil, Livraria Francisco Alves, RJ, 1955, vol. IV, pág. 194). Na esfera trabalhista ao contrato tácito alcance mais dilatado. Aceita-se que sejam ultrapassados os limites da adesão implícita e se admite que surja e gere efeitos pretéritos, presentes e futuros, independente do conhecimento, anuência e vontade de uma das partes. É o denominado "contrato realidade".
e ainda:
"A doutrina trabalhista prestigia essa modalidade excepcional de construção do vínculo empregatício e permite ao juiz que invalide contrato formal de natureza diversa, e converta prestador de serviço eventual, profissional liberal, diretor de sociedade anônima, representante comercial autônomo, em empregado permanente, com os encargos que a decisão atrai."
À vista do exposto pode-se concluir que é possível, de acordo com o ordenamento atual, a contratação de prestador de serviços de administração de sociedades limitadas sem vínculo de emprego, contudo tal situação somente se dará quando a prestação de serviços seja isenta de subordinação, não incidindo os elementos do conceito de empregado, constante do Art. 3º da CLT.