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Crimes permanentes por equiparação:

proposta

Agenda 04/06/2005 às 00:00

            Sempre me posicionei a favor de um direito penal mínimo e contra o excesso de criminalização e de penalização. Penso, como já advertira Von Liszt, que o direito penal só pode ser usado como meio extremo e para o fim de punir aquelas condutas que ponham em perigo as condições existenciais da vida em sociedade. Ainda mais porque as sanções penais exigem sejam aplicadas e executadas por um sistema judicial-penitenciário assaz diferente do que aqui existe. Consentaneamente, prego a descriminalização de condutas, a despenalização e, em conseqüência, a desjudicialização. A descriminalização, para destipificar condutas; a despenalização, para autorizar a aplicação de penas alternativas à prisão; e a desjudicialização, para que essas penas alternativas – algumas delas, possam ser aplicadas por autoridades administrativas. Essas sanções alternativas, que de penas transmudam-se em penalidades, aproximam o direito penal, cada vez mais, do direito administrativo. Essa aproximação, com a desjudicialização, redundará em verdadeira transformação, em favor da celeridade e eficácia processual.

            2.Por outro lado, apesar das ocorrentes imensas dificuldades, não se pode renunciar à punição penal daqueles que ousam se indispor gravemente contra as leis estatais não se intimidando perante suas cominações. A certeza da punição, na sentença de Beccaria, é o melhor fator de prevenção do delito, superior até à atual crescente gravidade da pena. Urge, então, melhorar os mecanismos de combate ao crime e de prisão das pessoas hostis à sociedade. Para isso, deve-se aparelhar convenientemente os órgãos de persecução penal para que bem possam exercer o seu mister. Esse aparelhamento será de toda ordem, incluindo a esfera legislativa. A meu ver a Constituição Federal vigente, ao revés, agiu em favor dos infratores da lei ao retirar, indiretamente, a atribuição da autoridade policial de expedir mandado de busca e apreensão domiciliar. O mandado, hoje, a espera de uma demorada burocracia, ou é expedido tardiamente ou é substituído por providências outras, não raras vezes com a perigosa e censurável cumplicidade de juízes e membros do Ministério Público. Essa barreira à repressão, porém, é inarredável por revestir constitucionalmente a qualidade de cláusula pétrea. Apesar disso, outros mecanismos devem ser buscados para dotar o Estado, e até mesmo os cidadãos, de meios para uma eficaz e imediata reação contra os transgressores do direito.

            3.É para isso que estou apresentando uma proposta para equiparar, por força de lei, certos delitos instantâneos a crimes permanentes. Nestes, como se sabe, o seu momento consumativo se protrai no tempo, perdurando enquanto durar a situação de fato criada pelo agente. Assim, por exemplo, no seqüestro e no rapto, o crime estará na fase de consumação enquanto a vítima estiver em poder do agente, isto é, enquanto estiver privada de sua liberdade física. Diferentemente do crime instantâneo, o delito permanente gera uma gama muito maior de possibilidade de atuação do seu sujeito passivo e dos órgãos repressivos do Estado, em benefício da melhor tutela do interesse jurídico e da célere atuação em face do agressor do direito.

            4.Essa afirmativa pode ser constatada, por exemplo, por meio dos seguintes efeitos da pretendida equiparação: possibilidade jurídica de legítima defesa e de prisão em flagrante delito, durante todo o tempo em que o objeto material (pessoa ou coisa) estiver sob o poder do agente, co-autor ou partícipe.

            5.A meu juízo, os crimes, que devem ser equiparados aos permanentes, são o furto, o roubo, o esbulho possessório, a apropriação indébita, a receptação, a subtração de incapazes, o peculato e o contrabando ou descaminho. Evidentemente esta lista poderá ser ampliada, buscando equiparar outros ilícitos, definidos no próprio Código Penal ou na legislação complementar.

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            6.Eis agora um esboço de anteprojeto de artigo de lei para a equiparação:

            Art. x - Equiparam-se aos crimes permanentes, os seguintes delitos previstos no Código Penal:

            I - furto (arts. 155 e l56);

            II - roubo (art. 157);

            III - esbulho possessório (art. l6l, § lº, inc. II);

            IV - apropriação indébita (arts. l68 e 169);

            V - receptação (art. 180);

            VI - subtração de incapazes (art. 249);

            VII - peculato (arts. 312 e 313);

            VIII - contrabando ou descaminho (art. 334).

            § 1º - Por força da equiparação, a fase de consumação do crime perdura enquanto o objeto material do delito estiver em poder do agente, co-autor ou partícipe.

            § 2º - A equiparação destina-se aos seguintes fins, penais e processuais penais:

            I - fins penais:

            a) tempo do crime (art. 4º do CP);

            b) territorialidade (art. 5º do CP);

            c) lugar do crime (art. 6º do CP);

            d) reconhecimento da atualidade da agressão para a legítima defesa (art.25 do CP);

            e) admissibilidade do concurso de pessoas (art. 29 do CP);

            f) termo inicial da prescrição antes de transitar em julgado a sentença final (art. 111, inc. III do CP);

            II - fins processuais penais:

            a) determinação da competência pelo lugar da infração (art.71 do CPP);

            b) prisão em flagrante delito (art. 303 do CPP).

Sobre o autor
Dílio Procópio Drummond de Alvarenga

professor aposentado de Direito Penal na Universidade Federal de Juiz de Fora (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVARENGA, Dílio Procópio Drummond Alvarenga. Crimes permanentes por equiparação:: proposta. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 699, 4 jun. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6805. Acesso em: 25 nov. 2024.

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