6. Os principais modelos de controle externo existentes no mundo
Assim, analisados os requisitos mínimos necessários ao estabelecimento de um sistema, apresenta-se oportuno, neste momento, definir-se o que seja controle externo.
Segundo o glossário de termos comuns utilizados no âmbito do controle externo, elaborado pelo Tribunal de Contas da União em conjunto com o Tribunal de Contas de Portugal, nas palavras de Alfredo José de Souza, então Presidente da Corte de Contas lusitana, em palestra proferida no I Encontro Euro-Americano dos Tribunais de Contas, em Ouro Preto-MG, em março de 1998, controle externo "é entendido como a "fiscalização realizada por um organismo externo, independente da entidade fiscalizada"" [10].
Ainda, o eminente palestrante relata o panorama atual do desenvolvimento dos sistemas de controle externo no mundo, asseverando:
"A implantação actual dos sistemas no Mundo é relativamente irregular e, embora mantendo-se a sua dicotomia básica – apesar da aproximação de conceitos que se tem vindo verificar – pode afirmar-se que tem evoluído no sentido de reforçar o número e a qualidade das experiências de auditoria de tipo anglo-saxônico, em detrimento das experiências de fiscalização jurisdicional de tipo europeu continental, maximelatino".
Assim, considerando a conclusão do eminente palestrante lusitano, do crescimento do sistema de controle externo do tipo anglo-saxônico, que adota a modalidade de controladoria e auditoria-geral, onde a apreciação das contas públicas é feita por juízo administrativo singular, ao contrário de nosso sistema – tribunal de contas – que recepcionou a corrente que adota o julgamento colegiado, importa levar em conta no estabelecimento de novas normas de controle externo, tal tendência, a fim de que, mediante debate aprofundado do tema, possa o sistema de controle externo brasileiro sofrer, se for o caso, as devidas alterações no que tange ao tipo de controle a ser realizado, sempre objetivando sua maior eficácia.
Contudo, convém lembrar que as alterações dessa ordem, que modificam o tipo de fiscalização, de julgamento colegiado para singular, implicará em reforma constitucional, uma vez que o caput do artigo 73 e parágrafo único do artigo 75 da Constituição Federal mencionam explicitamente que os Tribunais de Contas brasileiros atuarão na forma colegiada, sendo o Tribunal de Contas da União, composto por nove Ministros e os demais Tribunais, por sete Conselheiros.
Ainda, no que pertine à análise relativa à verificação de qual seja a melhor modalidade de controle externo a ser empregado no sistema brasileiro, dizente com a quantidade de julgadores envolvidos na apreciação das contas públicas, é importante que se considere o fato de que a espécie colegiada de julgamento foi instituída em nosso País, segundo Leonardo José Andriolo, única e exclusivamente por conta de quinhão histórico herdado de Portugal, visto que "com a chegada da família real ao Rio de Janeiro, no dia 7 de março de 1808, o Brasil passava de simples colônia à condição de sede de governo português, sendo organizados os serviços de governo e administração, sendo criado, também, o Erário Régio, responsável pela guarda dos tesouros reais. Na mesma época, foi instituído o Conselho da Fazenda, a quem coube o controle dos gastos públicos, embora operasse de maneira ineficaz, devido à desorganização financeira do país e aos saques da nobreza lusitana ao Erário" [11].
Portanto, a análise desta importante questão exige a superação de conceitos historicamente herdados. Somente assim, haverá isenção suficiente para que se sejam conduzidos a bom termo os necessários, aprofundados e imparciais estudos, que possam, se for o caso, justificar uma mudança de paradigma quanto ao controle externo procedido no Brasil.
7. Direito comparado – O poder jurisdicional administrativo do Tribunal de Contas francês
Também é relevante mencionar que a criação de um sistema de controle externo nacional, com normas e procedimentos comuns a todas as cortes de contas, ensejaria o surgimento embrionário de um efetivo poder jurisdicional administrativo [12].
Ademais, cumpre registrar que o Tribunal de Contas francês, na lição de Sérgio Gonçalves do Cabo [13], ao imputar "responsabilidade pessoal e pecuniária dos "comptables" [14] desempenha "o cerne de suas funções jurisdicionais".
Dessa forma, semelhantemente ao que ocorre na França, o estabelecimento de um sistema de controle externo nacional ensejaria, como já mencionado, a instituição de um poder jurisdicional administrativo, que sem dúvidas respaldaria, ainda mais, a atuação dos tribunais de contas nacionais na importante tarefa de fiscalização do bom uso dos dinheiros públicos.
8. A relevância do papel institucional das cortes de contas
Como já visto, o tratamento constitucional atribuído aos tribunais de contas nacionais denota a relevância da missão institucional dos órgãos de execução do controle externo. Na mesma medida de importância, apresenta-se o Poder Judiciário que, face ao seu elevado grau de destaque, enquanto instituição nacional, empenhou-se em ver promulgada a Lei Complementar n.º 35/76, que instituiu a Lei Orgânica da Magistratura Nacional.
Ainda nesse escopo, o Ministério Público, percebendo a necessidade de padronizar suas normas e procedimentos em todo o território nacional, também fez editar sua lei orgânica nacional – Lei Federal n.º 8.625/93 –, que dispôs sobre as normas gerais para a organização do Ministério Público dos Estados e Distrito Federal.
Fundamental verificar que a referida norma, implicitamente, conferiu ao Parquet status de Poder, dada sua similitude com a Lei Orgânica da Magistratura Nacional, alçando-lhe, assim, ao nível de importância política dos Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo.
Assim, a instituição de uma lei orgânica comum às cortes de contas brasileiras, também se constituiria em relevante ferramenta no plano político-institucional, na medida em que lhes consagraria o status institucional em nível de Poder. Trata-se, portanto, de medida estratégica a ser adotada pelo conjunto dos tribunais de contas como forma de valorização do papel institucional dos órgãos de fiscalização do controle externo perante à sociedade. Nesse sentido, a criação de uma lei orgânica nacional apresenta-se, a toda evidência, como medida imprescindível a ser implementada.
9. Os tribunais de contas e a certificação ISO
Existe estudo na doutrina pátria [15], constatando uma crescente tendência pela busca de melhores resultados, por parte dos tribunais de contas nacionais, no que diz com o aumento da qualidade dos serviços que oferecem ao cidadão.
Verifica-se que, diante da ausência de critérios de uniformização de procedimentos em nível nacional, algumas cortes de contas, imbuídas de louvável espírito vanguardeiro, rompendo com o paradigma da clássica dicotomia existente entre os setores público e privado, resolveram buscar soluções no seara da atividade privada, adotando normas de qualidade estabelecidas por organismos internacionalmente conhecidos como certificadores de qualidade de gestão.
Assim, como já tivemos oportunidade de colocar, vale ressaltar que a referida certificação ISO [16] já é realidade nos Tribunais de Contas dos Estados do Ceará, Paraná, Paraíba, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, assim como no Tribunal de Contas do Município de São Paulo, "que, mercê de seus esforços, na atualidade, são os únicos Tribunais de Contas a exibirem a certificação ISO em seus documentos oficiais e páginas eletrônicas, revelando que os Tribunais de Contas brasileiros estão preocupados e atuantes no sentido de oferecer aos seus clientes, os cidadãos, serviços cada vez mais qualificados em termos de eficiência e eficácia" [17].
Especificamente, no que toca ao TCE/RS, ressalta-se que em 12 de janeiro de 2005, cumprindo prazo estabelecido em seu planejamento estratégico, o Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul obteve a sua certificação ISO 9001 [18], entregue pela empresa certificadora British Standards Institution (BSI).
Portanto, os tribunais de contas do Brasil, de forma absolutamente voluntária e isolada, têm procurado adaptarem-se às normas ISO, com o objetivo de melhorarem a eficácia e eficiência de seus procedimentos.
Ora, se os fatos concretos tem demonstrado a busca de auxílio, pelas cortes de contas nacionais, em termos de estabelecimento de procedimentos que possam melhorar o seu produto – execução do controle externo –, em organismo internacional, com sede em Genebra, Suíça, pode-se concluir pela existência de uma omissão legislativa nacional nesse sentido. Dessa forma, a promulgação de uma lei orgânica nacional colocaria fim à referida lacuna normativa, pois, de fato, estando em absoluta consonância com o desenrolar dos eventos concretos relatados, representaria o legítimo interesse de todos os tribunais de contas brasileiros em aprimorarem seus procedimentos em busca de uma padronização, que atualmente, vem sendo atestada e conferida por organismo privado internacional.
10. Conclusões
Diante de tudo quanto exposto, passa-se a elencar uma série de conclusões, no sentido de oferecer ao leitor um encadeamento de idéias fundadas na interpretação dos fatos históricos e fundamentos constitucionais referentes à matéria, que, espera-se, possa ser de utilidade no prosseguimento da discussão doutrinária sobre o tema em exame:
a)o movimento republicano levado a cabo no Brasil, que culminou com a proclamação da República em 1889, constituiu-se no fato histórico viabilizador da instituição dos tribunais de contas brasileiros;
b)a considerável disparidade etária dos tribunais de contas brasileiros, que compreende mais de cem anos entre a criação do primeiro e a instalação do último tribunal, permite concluir que os mesmos se encontram em estágios diversos de desenvolvimento de suas estruturas administrativas e modos operativos, evidenciando a inexistência da necessária uniformização de procedimentos entre as cortes de contas;
c)o estabelecimento de um sistema de controle externo eficaz implica a busca de ensinamentos, pelas cortes de contas nacionais, na experiência acumulada dos tribunais mais antigos, naquilo que eles souberem fazer melhor;
d)o estabelecimento de um sistema de controle externo eficaz não pode prescindir de um estudo no direito comparado, a fim de se buscar soluções encontradas por outros países, que devidamente adaptadas às peculiaridades brasileiras, possam representar aumento na eficácia da fiscalização das finanças públicas em nosso país;
e)é anacrônico, no mundo globalizado de hoje, a adoção de uma postura isolacionista no enfrentamento de questões ligadas ao estabelecimento de rotinas que possam otimizar a atuação de uma corte de contas no cumprimento de seus misteres constitucionalmente definidos;
f)se o conjunto de normas constitucionais que atribuem legitimidade ao papel fiscalizatório dos tribunais de contas nacionais, é comum a todos eles, por dedução lógica, a lei orgânica que os regulamenta também o haveria de ser;
g)o princípio constitucional da prestação de contas, implícito no art. 34, inc. VII, alínea d da Constituição Federal, reforça a idéia de elaboração de um sistema uniforme de controle externo no país;
h)devido à ausência de uniformização de procedimentos entre as cortes de contas existentes no país, o Brasil ainda carece da implantação de um sistema de controle de externo, em nível nacional, na estrita acepção técnica da expressão;
i)importa levar em conta a tendência mundial de crescimento do sistema de controle externo do tipo anglo-saxônico, que adota a modalidade de controladoria e auditoria-geral, onde a apreciação das contas públicas é feita por juízo administrativo singular, ao contrário de nosso sistema – tribunal de contas – que recepcionou a corrente de julgamento colegiado, a fim de que, mediante debate aprofundado do tema, possa o sistema de controle externo empregado no Brasil sofrer, se for o caso, as devidas alterações no que tange ao tipo de controle a ser realizado, sempre objetivando sua maior eficácia;
j)a criação de um sistema de controle externo nacional, com normas e procedimentos comuns a todas as cortes de contas, ensejaria o surgimento embrionário de um efetivo poder jurisdicional administrativo, semelhantemente ao atribuído ao Tribunal de Contas francês no julgamento das contas dos comptables;
k)a instituição de uma lei orgânica comum às cortes de contas brasileiras lhes alcançaria, implicitamente, status institucional em nível de Poder, colocando-os, em linha de importância política, ao lado dos Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo, a exemplo do que ocorre com o Ministério Público; e
l)diante da ausência de critérios de uniformização de procedimentos em nível nacional, algumas cortes de contas, imbuídas de louvável espírito vanguardeiro, rompendo com o paradigma da clássica dicotomia existente entre os setores público e privado, resolveram buscar soluções no seara da atividade privada, adotando normas de qualidade estabelecidas por organismos internacionalmente conhecidos como certificadores de qualidade de gestão, evidenciando lacuna legislativa que discipline a uniformização de procedimentos entre as cortes de contas brasileiras.
Assim, tomando em conta todos os argumentos fáticos e jurídicos colacionados no presente estudo, responde-se afirmativamente à pergunta formulada na introdução, asseverando-se que a criação de uma lei orgânica nacional para os tribunais de contas brasileiros é medida positiva a ser planejada, regulada e adotada no cenário nacional porque se constitui em perspectiva necessária e imprescindível ao aprimoramento e fortalecimento das instituições brasileiras de controle externo.
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