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A transformação do estado social no estado penal

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Agenda 14/08/2018 às 10:50

SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

A questão de crescimento carcerário encontra-se presente em diversos países, e um país que apresentou um aumento relevante foi o Brasil. Adquirindo a posição de 4º país com a maior população carcerária do mundo, atrás dos Estados Unidos, China e Rússia, tem-se a necessidade de uma analise das políticas implantadas no sistema penal brasileiro, uma vez que as estimativas para os próximos anos são desanimadoras. Com a disponibilização do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias[7] (Infopen)[8], o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo[9], afirmou que caso o Brasil mantenha o ritmo de crescimento de suas penitenciarias, em 2022 possuiremos mais de 1 milhão de pessoas encarceradas[10].

O levantamento ainda apresenta um crescimento de 161% no período entre 2000 e 2014, valor dez vezes maior que o crescimento do total da população brasileira que apresentou aumento de apenas 16% no mesmo período, média de 1,1% ao ano[11]. Com esses dados podemos abordar diversas questões, desde sociais até os problemas orçamentários, traçando um perfil do tipo do preso existente no Brasil passando pelo funcionamento penal brasileiro e os exorbitantes valores gastos com um sistema ineficiente. 

2.1 O perfil do preso brasileiro

O perfil dos presidiários brasileiros não difere muito do encontrados nas prisões estadunidense: jovens, negros e com baixa escolaridade. Encontra-se atualmente um percentual de 56% do total de presos entre 18 e 29 anos, o que demonstra que em sua maioria é formada por jovens e comparando o perfil etário da população prisional com o da população brasileira em geral observa-se superioridade, pois essa faixa etária compõe apenas 21,5% da população total do país. Vale ressaltar que essa é considerada a faixa de idade da população economicamente ativa.

Outra característica da população prisional brasileira é no aspecto de cor, raça ou etnia. Os negros se apresentam com o percentual estonteante de 67% , o que significa que 2 a cada 3 presos são negros. Sendo realizado um paralelo com o percentual de negros dentro da população brasileira de acordo com o Censo de 2010[12], a população negra prisional supera a de negros na população total brasileira que se compõe por 51%.

As informações apresentadas acima são apenas um ilustrativo superficial das características marcantes dos presídios brasileiros, na qual podemos inferir grandes problemas dentro da sociedade brasileira principalmente na questão social, em que existe um precário investimento em educação publica, privando a classe mais necessitada de um ensino de qualidade e de aperfeiçoamento, acarretando em uma falta de profissionalização e consequentemente baixa remuneração, inserindo-os na criminalidade. Deste pode-se inferir a relação de mortalidade dessa população marginalizada, em que o jovem vivenciando a realidade criminal encontra como destino ou a prisão ou seu óbito, evidenciando o porquê da grande maioria da população carcerária ser composta por jovens.

Esse perfil se perpetua na sociedade brasileira, pois o estado brasileiro prefere adotar políticas públicas sem uma real eficácia de inserção dos jovens na sociedade e investir em medidas de caráter imediato, como a violência penal.  É necessário existir uma política realizada em longo prazo, que consiga transformar as condições e possibilidades dessa população carente de assistência, possibilitando sua participação social e inserção no mercado de trabalho[13].

2.2 A realidade das prisões

As penalidades, assim como as formas de cárcere, sofreram transformações ao longo dos anos, havendo uma transição do processo penal desde a violência física pública ocorrida no medievo com o intuito de salvar a alma do condenado através de seu suplício corporal, até a utilização das penitenciárias[14].

A privação de liberdade é vista na atualidade como a melhor opção no tratamento das condutas que afetam e colocam em perigo a sociedade. Quando a prisão é comparada com as punições passadas, encontra-se o seu atual status de humanitária, sendo este motivo de diversas análises sociológicas e sociais, apontando criticas severas desse sistema punitivo atual. Claramente que as penas e métodos aplicados pelos antepassados são extremamente exagerados e juridicamente desnecessários, mas isso não coloca a situação atual como melhor e única alternativa de punição.

O sistema penal brasileiro, assim como outros, incrementou em seu rol de penalidades, penas alternativas que substituem a privação de liberdade em casos de pequena ofensividade ao bem jurídico. Essas novas possibilidades, como por exemplo a prestação de serviço para comunidades carentes, vem favorecido bastante o sistema penal uma vez que o reinsere socialmente, acarretando benefícios tanto a sociedade, quanto ao desenvolvimento moral do condenado. 

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Mesmo com essas inovações dentro do ordenamento, a prisão ainda é a principal forma utilizada, porém além da punição de atos criminosos, deve existir também uma maneira de reabilitar esses indivíduos para que quando colocados em liberdade, sejam reinseridos socialmente. Disto surge a maior contradição do sistema prisional, pois ao invés de devolver a sociedade um individuo reabilitado, encontramos a prisão como uma “fábrica de delinquentes”, produzindo a marginalização no lugar de destruí-la, pois separam, classificam e afastam o sujeito da sociedade mais ampla[15]:

A punição vai-se tornando, pois, a parte mais velada do processo penal, provocando várias consequências: deixa o campo da percepção quase diária e entra no da consciência abstrata; sua eficácia é atribuída à sua fatalidade não à sua intensidade visível; a certeza de ser punido é que deve desviar o homem do crime e não o abominável teatro; a mecânica exemplar da punição muda as engrenagens. Por essa razão, a justiça não mais assume publicamente a parte da violência que está ligada a seu exercício. (FOUCAULT, 1987, p.13)

Por serem as prisões à opção mais utilizada no cumprimento das penas, necessitam possuir melhores estruturas físicas, já que, com a superlotação, os presos estão sendo amontoados em dezenas dentro de celas que são inicialmente projetadas para manter de 2 a 3 detentos. Além disso, a falta de ensino regular dentro das prisões e de atividades voltadas para sua profissionalização impossibilita o crescimento individual com a aplicação pratica dos conhecimentos no mercado de trabalho futuro. A questão da educação é, portanto, central na discussão da criminalidade.

2.3 Educação como precursora da igualdade social

Como já ensinava Pitágoras: “Educai as crianças para que não seja necessário punir os adultos”, a educação é um dos pilares da sociedade, pois é através dela que se transmite conhecimentos, habilidades, comportamentos e até mesmo ideologias. A educação se faz essencial, pois é através dela e por ela que o individuo desenvolve seu senso critico e encontra oportunidades de crescimento pessoal, tanto intelectual como profissional. Conceituação pertinente é a de Paulo Freire, que apesar de enfatizar a importância da ética no processo educativo e referir-se a pratica docente, destaque a educação como ato formador:

Não é possível pensar os seres humanos longe, sequer, da ética, quanto mais fora dela. Estar longe ou pior, fora da ética, entre nós, mulheres e homens, é uma transgressão. É por isso que transformar a experiência educativa em puro treinamento é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu caráter formador. Se se respeita a natureza do ser humano, o ensino dos conteúdos não pode dar-se alheio à formação moral do educando. Educar é substantivamente formar. (FREIRE, 1996, pag.37)

Desta maneira o sistema prisional não pode se abster dessa fase indispensável do ser humano, ainda mais por possuir em seu interior uma maioria de jovens, que necessitam desse processo de aprendizagem como fator determinante de suas atividades e escolhas futuras. As penitenciárias brasileiras, assim como as norte-americanas, possuem um baixo investimento no processo de aprimoramento do presidiário, sendo o foco preferível o trabalho prisional realizado.

A atividade laboral é considerava uma maneira de desenvolver as habilidades dos detentos, porém não deve ser a única, uma vez que o período de permanência no confinamento se faz em longo prazo com a grande parte dos presos, pois esse isolamento social faz com que percam a noção de humanidade, liberdade e por que não dizer de aprendizado pela repetição maçante da rotina prisional. Se houver a inversão das politicas, com uma priorização da educação em comparação com as politicas penais, uma mudança no quadro na criminalidade também será observada, pois essa reduzirá.

Afinal, parece haver nesse aspecto uma via de mão dupla: se a violência, em suas diversas formas, tem impacto negativo na educação, também é verdade que a educação pode ter impacto positivo no enfrentamento da violência. Uma educação de qualidade para todos tem o poder de desviar da criminalidade crianças e jovens, graças às oportunidades que oferece. (WAISELFISZ, MAPA DA VIOLÊNCIA 2010: ANATOMIA DOS HOMICÍDIOS NO BRASIL, 2010. P. 5)

A prisão possui como núcleo do seu conceito a punição e tem seu sentido pejorativo como algo necessário, pois deve ser vista como uma ameaça ao descumprimento do ordenamento jurídico estruturado socialmente. Ou seja, o presidio deve ser um local pior que a realidade em liberdade individual, que cause repudia aos indivíduos e assim intimide os possíveis infratores. Em parte essa ideia em torno do funcionamento prisional está correta, porém isso não deve representar um completo descaso com os detentos.

As politicas públicas, principalmente as com teor educacional, devem forcar tanto em evitar a entrada na criminalidade, realizando maiores investimentos no ensino publico em regiões carentes e com altos índices de criminalidade, como também realizar projetos de ensino dentro dos presídios, dando continuidade aos estudos dos detentos e investindo em sua profissionalização, para que quando sejam postos em liberdade, possam inserir no mercado de trabalho com menos obstáculos e evitando assim o seu retorno a criminalidade.


ADAPTAÇÃO DO DIREITO PENAL À REALIDADE SOCIAL

A carência de investimentos em políticas sociais produz dentro do próprio Estado os jogos de compensação. Essas formas de compensar a precariedade dos serviços públicos podem ser encontradas dentro do próprio ordenamento jurídico, sendo o mesmo que pune e condena teoricamente todos igualmente, também o que procura reduzir as desigualdades que podem ter causado seus atos criminosos.

Princípios fundamentais dentro do direito penal trazem à tona a discussão entre questões coletivas, como a segurança social, e as individuais:

Por impulso do Estado Social, em suma, não somente se incrementou quantitativamente a legislação penal (muito além do que era necessário para a tutela de novos bens jurídicos), como também se concretizou a maior transformação experimentada pelo Estado de Direito e especialmente pelo Direito penal: agora os bens jurídicos em torno dos quais gravita o sistema de sanções pertencem tendencialmente ao coletivo (bens supraindividuais). Do individual passa-se ao coletivo, isto é, ao supraindividual. O eixo do sistema deixa de ser a pessoa, considerada em sua individualidade, para recair sobre as expectativas sociais, universais. (GOMES, Luiz Flávio e BIANCHINI, Alice. 2002, p. 56)

E a discussão se acentua quando são estabelecidas as finalidades do Direito Penal: a proteção, subsidiária e fragmentária, de bens jurídicos; a proteção do individuo contra a reação social que o crime desencadeia; e a construção de um sistema normativo dotado de garantias que lhe concedam racionalidade[16].

Esse conjunto de objetivos do direito penal, juntamente com as tentativas desse direito de buscar atender o coletivo e o individual, projeta muitas facetas no Estado Penal dando-lhe características plurais, que ao mesmo que pune, busca compensar as suas próprias falhas.

3.1 A finalidade do Estado Penal

O direito penal tem como características essenciais a subsidiariedade e fragmentariedade. Ambas refletem a utilização do sistema penal como uma ultima tentativa de resolução dos problemas, fazendo-se necessário apenas caso o conflito não seja sanado por outro ramo do direito ou então ofenda um bem jurídico de grande importância social.

Desta maneira, os bem jurídicos protegidos se reduzem aqueles essenciais e por isso necessitam de uma maior rigidez para que seja efetivada sua proteção e as punições penais só são necessárias em caso de violação desses bens jurídicos resguardados e consagrados pela legislação.

Entres as finalidades também se encontram a de proteção do individuo contra a reação social decorrente do ato criminoso, em que o estado penal evita que a população resolva seus conflitos entre si, acarretando em reações desproporcionais. O estado penal procura oferecer ao individuo, independente do crime, a chance de defesa, assim como se concede, teoricamente, o perdão social após o cumprimento de sua pena.

Assim como todo ramo do direito, o penal possuem suas garantias que servem como proteção do individuo perante a força punitiva do Estado, assim como também oferece possibilidades de utilização de princípios que beneficie o réu e traga suas condições sociais para discussão no âmbito jurídico.

Podemos encontrar diversos princípios que apresentam como características essenciais fatores sociais, como nível de instrução e questões econômicas, dentre eles o principio da subsidiariedade, intervenção mínima, lesividade, adequação social, da insignificância e tantos outros que possibilitam ao direito penal que se enquadre dentro da realidade social.

O embate entre a proteção individual e a dos direitos coletivos é bastante polêmica e engloba um emaranhado de conteúdos e de questões subjetivas extensas e complexas. Quando existe o caso concreto, ocorre em muitos casos o sopesamento de princípios e direitos, tendo o juiz o papel fundamental de buscar atender a demanda do conflito de maneira mais eficiente e completa possível. Mas o próprio juiz como um ser humano possui valores e ideologias próprias que influenciam no seu julgamento, mesmo o que busca ser o mais imparcial possível.

Desta forma, por influencia de diversos fatores dentro do processo penal, tantos formais como informais, encontramos uma alternância, em que ora se prevalece o individual, e ora o coletivo. Porém pode-se nota que existe uma perspectiva supra individualista, ou seja, preponderância dos interesses coletivos sobre os individuais, em destaque, em que se coloca a coletividade e sua segurança como um bem jurídico supremo.

Com isso a ideia mesma de bem jurídico (e, em consequência, a própria finalidade garantista que se lhe pretendia conferir) sofre uma perda irreparável (e efetivamente até hoje não recuperada in totum), porque agora são justamente a liberdade e o patrimônio individuais os substratos empíricos que passam a construir os objetos preferidos da intervenção estatal para alcançar os objetivos coletivos (a pretexto de proteger bens indispensáveis para a convivência social, amplia-se a tutela dos bens supraindividuais). (GOMES, Luiz Flávio e BIANCHINI, Alice. 2002, p. 57).

Diversos princípios são utilizados dentro do sistema penal como formas de interpretação e analise mais eficiente ao caso concreto, possibilitado uma possível redução ou extinção de pena em boa parte dos crimes.  Mas esses princípios também podem ser vistos dentro de uma perspectiva de compensação estatal, pois com um estado social insuficiente, cabe ao estado penal buscar a redução das desigualdades geradas pela carência da assistência governamental e que são vislumbradas dentro da realidade social.

 Com a tentativa de aplicar o principio da igualdade, em que se deve tratar os diferentes na medida de suas desigualdades, o direito penal busca utilizar princípios que trazem consequências diferentes a situações distintas, mesmo sendo aparentemente ações criminosas semelhantes. Como exemplo podemos citar uma situação hipotética de subtração de bem material alheio, no exemplo certa quantia de dinheiro, em que um indivíduo A realiza a ação por real necessidade financeira para compra de alimentos, enquanto o individuo B realiza o mesmo ato pelo simples gosto da pratica criminosa. Em ambos os casos, os indivíduos seriam responsabilizados pelo tipo penal denominado de “Furto”, artigo 155 do Código Penal Brasileiro, porém fica nítida a diferença quando analisado o caso concreto, pois um teve a necessidade (furto famélico) e o outro não, não podendo o juiz julgar ambos aos mesmos olhos.

No exemplo acima, encontram-se no julgamento do individuo A uma excludente de ilicitude denominada de estado de necessidade, que uma das maneiras do estado penal compensar a falta de assistência por parte do governo com os indivíduos marginalizados e necessitados. Enquanto o segundo, por apenas praticar o ato, será responsabilizado penalmente com o decorrer do processo penal legal.

Existem diversos princípios e formas do sistema penal procurar reduzir esses problemas sociais refletidos em atividades criminosas, porém um com grande importância e bastante decorrente dentro das decisões judiciais é o da ofensividade e da insignificância.

O principio da ofensividade, também conhecido como principio da lesividade, relaciona-se com a questão de real ofensividade ao bem jurídico tutelado pelo Estado. Ou seja, para ser objeto de analise do processo penal, é necessário que haja uma real ofensa ao bem tutelado, gerando polemicas em torno dos crimes de perigo.  Desta maneira o princípio é norteador do legislador na criação de tipos penais, como do judiciário, que deve averiguar se houve ou não real ofensa ao bem jurídico tutelado.

Como já enfatizado, o princípio da ofensividade no Direito penal tem a pretensão de irradiar suas concretas consequências (seus efeitos) em dois diferentes planos: serve “não só de guia na atividade legiferante, orientando, portanto, o legislador, no exato momento da formulação do tipo legal, como o escopo de vinculá-lo à construção de tipos legais dotados de um real conteúdo ofensivo a bens jurídicos socialmente relevantes, senão também como critério de interpretação, dirigido ao juiz e ao intérprete, para exortá-los a verificar em cada caso concreto a existência (no fato histórico) na ‘necessária lesividade’ ao bem jurídico protegido. (GOMES, Flávio Luiz, 2002, p. 28)

Como deduções desse princípio encontramos a função subsidiaria do direito penal, como também o da própria insignificância, que exclui da apreciação penal situações que na pratica não ofendeu realmente o bem jurídico tutelado, como também coloca situações atípicas em crimes consequentes de problemas sociais, cabendo ao Estado buscar excluir a ilicitude ou evitar a própria tipicidade do ato para preservar os indivíduos em meio a criminalidade que são produtos da falta de investimento em diversos setores públicos da sociedade.

Para concluir sobre a questão da ofensividade:

O direito penal não é necessário para qualquer outro tipo de infração que não seja lesiva ou concretamente perigosa para o bem jurídico tutelado; (b) exclusivamente a efetiva lesão ou o concreto perigo é que justificam a proibição no Direito penal da liberdade, excluindo-se qualquer outra. (GOMES, Flávio Luiz, 2002, p. 46).

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Mais informações

Artigo apresentado no XXXIV Encontro de Iniciação Científica da Universidade Federal do Ceará realizado no período de 25 a 27 de Novembro de 2015.

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