Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Inconstitucionalidade da sindicância patrimonial

Exibindo página 3 de 4
Agenda 18/09/2018 às 16:20

IV – NULIDADE DAS PROVAS PRODUZIDAS NA SINDICÂNCIA PATRIMONIAL – PROVAS ILÍCITAS – CONTAMINAÇÃO DO PROCESSO DISCIPLINAR

O poder persecutório estatal não é absoluto, estando submetido a uma plêiade de direitos e prerrogativas que assistem, constitucionalmente, aos contribuintes, aos agentes públicos e aos indivíduos em geral.

Construiu o Supremo Tribunal Federal – STF uma firme jurisprudência quanto a necessidade da Administração Tributária, inclusive a fiscalização, repeitar os direitos e as garantias individuais dos contribuintes e dos terceiros.

Essa orientação do STF de proteger o plasmado das garantias fundamentais do cidadão na atualidade ganha contornos de efetividade, pois não são absolutos os poderes que se acham investidos os órgãos e agentes da administração tributária.

Nesse contexto, a 2ª T do STF, Rel. Min. Celso de Mello, no HHC nº 93.050-6/RJ[34], teve a oportunidade de explicitar as garantias constitucionais do cidadão em face da atuação arbitrária da fiscalização tributária:

“(...) ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA - FISCALIZAÇÃO - PODERES - NECESSÁRIO RESPEITO AOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS DOS CONTRIBUINTES E DE TERCEIROS.

- Não são absolutos os poderes de que se acham investidos os órgãos e agentes da administração tributária, pois o Estado, em tema de tributação, inclusive em matéria de fiscalização tributária, está sujeito à observância de um complexo de direitos e prerrogativas que assistem, constitucionalmente, aos contribuintes e aos cidadãos em geral. Na realidade, os poderes do Estado encontram, nos direitos e garantias individuais, limites intransponíveis, cujo desrespeito pode caracterizar ilícito constitucional.

- A administração tributária, por isso mesmo, embora podendo muito, não pode tudo. É que, ao Estado, é somente lícito atuar, "respeitados os direitos individuais e nos termos da lei" (CF, art. 145, § 1º), consideradas, sobretudo, e para esse específico efeito, as limitações jurídicas decorrentes do próprio sistema instituído pela Lei Fundamental, cuja eficácia - que prepondera sobre todos os órgãos e agentes fazendários - restringe-lhes o alcance do poder de que se acham investidos, especialmente quando exercido em face do contribuinte e dos cidadãos da República, que são titulares de garantias impregnadas de estatura constitucional e que, por tal razão, não podem ser transgredidas por aqueles que exercem a autoridade em nome do Estado. (...)”

Tal lição do STF se projeta para as situações jurídicas acarretadas pela sindicância patrimonial, concebida por Decreto do Poder Executivo (Decreto nº 5.483/2005), em violação ao princípio da “reserva de lei” de iniciativa do Presidente da República (art. 61, § 1º, II, c), onde se afasta o sigilo de dados do agente público sem as cautelas exigidas pela Carta Fundamental (art. 5º, incs. X e XII), quando é compartilhada informação fiscal e bancária do investigado sem autorização judicial.

Esse conjunto de normas que disciplinam os diversos aspectos das relações estatutárias ou contratuais mantidas pelos entes de direito público com os seus agentes, fazem parte da locução constitucional “regime jurídico dos servidores públicos”, que só podem ser gerados, alterados ou criados por ato normativo do Poder Legislativo, como já visto nos tópicos anteriores.

Assim, a documentação que passa a embasar a instauração do processo administrativo que apure o enriquecimento ilícito do agente público, caracteriza prova ilícita, por ter sido produzida pelo compartilhamento de dados sigilosos obtidos por convênio entre a CGU e a Receita Federal, no procedimento da sindicância patrimonial.

Ou seja, a documentação é obtida (ou derivada) da irregular sindicância patrimonial, que mesmo não sendo processo administrativo, faz suas vestes para obter informações que a própria legislação tributária condiciona, para possibilitar a transferência de informações sigilosas, sem que haja a regular a instauração do processo administrativo.

Os fundamentos que dão suporte à investigação patrimonial do agente público, no processo administrativo disciplinar, começam a ser desenvolvidos sob a égide da ilicitude da produção de prova, decorrente da transgressão à garantia constitucional da “reserva de lei” (Princípio da legalidade), da proteção à intimidade do cidadão a manutenção de seu sigilo de dados, salvo se relativizado pelo Poder Judiciário (art. 5º, inc. C e XII, da CF) e, por fim, da subversão da legislação tributária que exige, para fins de procedibilidade administrativa, o compartilhamento de informações após a instauração de processo administrativo, que não se confunde com a sindicância.

Cabe destacar, por relevante, que a 2ª T. do Supremo Tribunal Federal, no HC nº 82.788/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, já se posiciona sobre a impossibilidade da Administração Tributária agir de forma autoritária e “com poderes absolutos”:

“FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA - APREENSÃO DE LIVROS CONTÁBEIS E DOCUMENTOS FISCAIS REALIZADA, EM ESCRITÓRIO DE CONTABILIDADE, POR AGENTES FAZENDÁRIOS E POLICIAIS FEDERAIS, SEM MANDADO JUDICIAL - INADMISSIBILIDADE - ESPAÇO PRIVADO, NÃO ABERTO AO PÚBLICO, SUJEITO À PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DA INVIOLABILIDADE DOMICILIAR (CF, ART. 5º, XI) - SUBSUNÇÃO AO CONCEITO NORMATIVO DE "CASA" - NECESSIDADE DE ORDEM JUDICIAL - ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA - DEVER DE OBSERVÂNCIA, POR PARTE DE SEUS ÓRGÃOS E AGENTES, DOS LIMITES JURÍDICOS IMPOSTOS PELA CONSTITUIÇÃO E PELAS LEIS DA REPÚBLICA - IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO, PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, DE PROVA OBTIDA EM TRANSGRESSÃO À GARANTIA DA INVIOLABILIDADE DOMICILIAR - PROVA ILÍCITA - INIDONEIDADE JURÍDICA - "HABEAS CORPUS" DEFERIDO.

ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA - FISCALIZAÇÃO - PODERES - NECESSÁRIO RESPEITO AOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS DOS CONTRIBUINTES E DE TERCEIROS.

- Não são absolutos os poderes de que se acham investidos os órgãos e agentes da administração tributária, pois o Estado, em tema de tributação, inclusive em matéria de fiscalização tributária, está sujeito à observância de um complexo de direitos e prerrogativas que assistem, constitucionalmente, aos contribuintes e aos cidadãos em geral. Na realidade, os poderes do Estado encontram, nos direitos e garantias individuais, limites intransponíveis, cujo desrespeito pode caracterizar ilícito constitucional.

- A administração tributária, por isso mesmo, embora podendo muito, não pode tudo. É que, ao Estado, é somente lícito atuar, "respeitados os direitos individuais e nos termos da lei" (CF, art. 145, § 1º), consideradas, sobretudo, e para esse específico efeito, as limitações jurídicas decorrentes do próprio sistema instituído pela Lei Fundamental, cuja eficácia - que prepondera sobre todos os órgãos e agentes fazendários - restringe-lhes o alcance do poder de que se acham investidos, especialmente quando exercido em face do contribuinte e dos cidadãos da República, que são titulares de garantias impregnadas de estatura constitucional e que, por tal razão, não podem ser transgredidas por aqueles que exercem a autoridade em nome do Estado.

(...)

ILICITUDE DA PROVA - INADMISSIBILIDADE DE SUA PRODUÇÃO EM JUÍZO (OU PERANTE QUALQUER INSTÂNCIA DE PODER) - INIDONEIDADE JURÍDICA DA PROVA RESULTANTE DE TRANSGRESSÃO ESTATAL AO REGIME CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS.

- A ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância de poder perante a qual se instaure, para revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-se em elementos probatórios ilicitamente obtidos, sob pena de ofensa à garantia constitucional do "due process of law", que tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras no plano do nosso sistema de direito positivo. A "Exclusionary Rule" consagrada pela jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos da América como limitação ao poder do Estado de produzir prova em sede processual penal.

- A Constituição da República, em norma revestida de conteúdo vedatório (CF, art. 5º, LVI), desautoriza, por incompatível com os postulados que regem uma sociedade fundada em bases democráticas (CF, art. 1º), qualquer prova cuja obtenção, pelo Poder Público, derive de transgressão a cláusulas de ordem constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que resultem de violação do direito material (ou, até mesmo, do direito processual), não prevalecendo, em consequência, no ordenamento normativo brasileiro, em matéria de atividade probatória, a fórmula autoritária do "male captum, bene retentum". Doutrina. Precedentes.

- A circunstância de a administração estatal achar-se investida de poderes excepcionais que lhe permitem exercer a fiscalização em sede tributária não a exonera do dever de observar, para efeito do legítimo desempenho de tais prerrogativas, os limites impostos pela Constituição e pelas leis da República, sob pena de os órgãos governamentais incidirem em frontal desrespeito às garantias constitucionalmente asseguradas aos cidadãos em geral e aos contribuintes em particular.

- Os procedimentos dos agentes da administração tributária que contrariem os postulados consagrados pela Constituição da República revelam-se inaceitáveis e não podem ser corroborados pelo Supremo Tribunal Federal, sob pena de inadmissível subversão dos postulados constitucionais que definem, de modo estrito, os limites - inultrapassáveis - que restringem os poderes do Estado em suas relações com os contribuintes e com terceiros.”

Em outro expressivo precedente do Supremo Tribunal Federal – STF (MS nº 23.452-1/RJ), onde a Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI havia determinado a quebra de sigilos bancários, telefônicos e fiscal sem fundamentação, houve o efetivo controle dos excessos estatais, com a efetiva anulação dos atos praticados pelo poder investigatório[35]:

“(...) - A essência do postulado da divisão funcional do poder, além de derivar da necessidade de conter os excessos dos órgãos que compõem o aparelho de Estado, representa o princípio conservador das liberdades do cidadão e constitui o meio mais adequado para tornar efetivos e reais os direitos e garantias proclamados pela Constituição. Esse princípio, que tem assento no art. 2º da Carta Política, não pode constituir e nem qualificar-se como um inaceitável manto protetor de comportamentos abusivos e arbitrários, por parte de qualquer agente do Poder Público ou de qualquer instituição estatal.

- O Poder Judiciário, quando intervém para assegurar as franquias constitucionais e para garantir a integridade e a supremacia da Constituição, desempenha, de maneira plenamente legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da República.

O regular exercício da função jurisdicional, por isso mesmo, desde que pautado pelo respeito à Constituição, não transgride o princípio da separação de poderes.

Desse modo, não se revela lícito afirmar, na hipótese de desvios jurídico-constitucionais nas quais incida uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que o exercício da atividade de controle jurisdicional possa traduzir situação de ilegítima interferência na esfera de outro Poder da República.

O CONTROLE DO PODER CONSTITUI UMA EXIGÊNCIA DE ORDEM POLÍTICO-JURÍDICA ESSENCIAL AO REGIME DEMOCRÁTICO.

- O sistema constitucional brasileiro, ao consagrar o princípio da limitação de poderes, teve por objetivo instituir modelo destinado a impedir a formação de instâncias hegemônicas de poder no âmbito do Estado, em ordem a neutralizar, no plano político-jurídico, a possibilidade de dominação institucional de qualquer dos Poderes da República sobre os demais órgãos da soberania nacional.

Com a finalidade de obstar que o exercício abusivo das prerrogativas estatais possa conduzir a práticas que transgridam o regime das liberdades públicas e que sufoquem, pela opressão do poder, os direitos e garantias individuais, atribuiu-se, ao Poder Judiciário, a função eminente de controlar os excessos cometidos por qualquer das esferas governamentais, inclusive aqueles praticados por Comissão Parlamentar de Inquérito, quando incidir em abuso de poder ou em desvios inconstitucionais, no desempenho de sua competência investigatória.

OS PODERES DAS COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO, EMBORA AMPLOS, NÃO SÃO ILIMITADOS E NEM ABSOLUTOS.

- Nenhum dos Poderes da República está acima da Constituição. No regime político que consagra o Estado democrático de direito, os atos emanados de qualquer Comissão Parlamentar de Inquérito, quando praticados com desrespeito à Lei Fundamental, submetem-se ao controle jurisdicional (CF, art. 5º, XXXV).

As Comissões Parlamentares de Inquérito não têm mais poderes do que aqueles que lhes são outorgados pela Constituição e pelas leis da República.

É essencial reconhecer que os poderes das Comissões Parlamentares de Inquérito - precisamente porque não são absolutos - sofrem as restrições impostas pela Constituição da República e encontram limite nos direitos fundamentais do cidadão, que só podem ser afetados nas hipóteses e na forma que a Carta Política estabelecer. Doutrina. Precedentes.

(...)

A QUEBRA DO SIGILO CONSTITUI PODER INERENTE À COMPETÊNCIA INVESTIGATÓRIA DAS COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO.

- O sigilo bancário, o sigilo fiscal e o sigilo telefônico (sigilo este que incide sobre os dados/registros telefônicos e que não se identifica com a inviolabilidade das comunicações telefônicas) - ainda que representem projeções específicas do direito à intimidade, fundado no art. 5º, X, da Carta Política - não se revelam oponíveis, em nosso sistema jurídico, às Comissões Parlamentares de Inquérito, eis que o ato que lhes decreta a quebra traduz natural derivação dos poderes de investigação que foram conferidos, pela própria Constituição da República, aos órgãos de investigação parlamentar.

As Comissões Parlamentares de Inquérito, no entanto, para decretarem, legitimamente, por autoridade própria, a quebra do sigilo bancário, do sigilo fiscal e/ou do sigilo telefônico, relativamente a pessoas por elas investigadas, devem demonstrar, a partir de meros indícios, a existência concreta de causa provável que legitime a medida excepcional (ruptura da esfera de intimidade de quem se acha sob investigação), justificando a necessidade de sua efetivação no procedimento de ampla investigação dos fatos determinados que deram causa à instauração do inquérito parlamentar, sem prejuízo de ulterior controle jurisdicional dos atos em referência (CF, art. 5º, XXXV).

- As deliberações de qualquer Comissão Parlamentar de Inquérito, à semelhança do que também ocorre com as decisões judiciais (RTJ 140/514), quando destituídas de motivação, mostram-se írritas e despojadas de eficácia jurídica, pois nenhuma medida restritiva de direitos pode ser adotada pelo Poder Público, sem que o ato que a decreta seja adequadamente fundamentado pela autoridade estatal.

- O caráter privilegiado das relações Advogado-cliente: a questão do sigilo profissional do Advogado, enquanto depositário de informações confidenciais resultantes de suas relações com o cliente. (...)”

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Dessa forma, a transgressão pelo Poder Público (esfera correicional), ainda que em sede de procedimento (sindicância patrimonial) que investiga suposto enriquecimento ilícito do agente público, das restrições e das garantias constitucionalmente estabelecidas em favor dos contribuintes (agentes públicos/e de terceiros) culmina por gerar ilicitude da prova eventualmente obtida no curso das diligências estatais, o que provoca, como direta consequência desse gesto de violação a Constituição, a própria inadmissibilidade processual dos elementos probatórios produzidos.

Em outras palavras, a prova produzida pela sindicância patrimonial é ilícita (art. 5º, inc. LVI, da CF), tornando-se inadmissíveis no processo administrativo disciplinar.

Isto porque, a prova obtida por meios ilícitos é repudiada pela mesma Lei Fundamental, não servindo como meio ou fonte da acusação, por mais expressivo que sejam os objetivos da investigação.

A cláusula constitucional do devido processo legal (due process of law) tem como dogma não admitir a produção ou obtenção de provas ilícitas, na medida em que o réu ou o acusado (no caso do PAD) possui o impostergável direito de não ser denunciado, de não ser julgado e de não ser condenado com apoio em meios instrutórios produzidos de forma incompatível com os limites impostos pelo ordenamento jurídico ao poder persecutório e ao poder investigatório do Estado.

A inviabilidade da prova ilícita retira a eficácia dos fatos e eventos que se pretende provar. A prova ilícita é prova inidônea, não se prestando para qualquer fim, por ser repelida pelo ordenamento constitucional, sendo destituída de qualquer grau, por mínimo que seja, de eficácia jurídica.

Assim está grafado o art. 5º, inc. LVI, da CF:

“LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;”

E Antônio Magalhães Gomes Filho,[36] de forma acertada faz a seguinte advertência:

Após dez anos de vigência do texto constitucional persistem as resistências doutrinárias e dos tribunais à proibição categórica e absoluta do ingresso, no processo, das provas obtidas com violação do direito material.

Isso decorre, a nosso ver, em primeiro lugar, de uma equivocada compreensão do princípio de livre convencimento do JUIZ, que não pode significar liberdade absoluta na condução do procedimento probatório nem julgamento desvinculado de regras legais. Tal princípio tem seu âmbito de operatividade restrito ao momento da valoração das provas, que deve incidir sobre material constituído por elementos admissíveis e regularmente incorporados ao processo.

De outro lado, a preocupação em fornecer respostas prontas e eficazes às formas mais graves de criminalidade tem igualmente levado à admissão de provas maculadas pela ilicitude, sob a justificativa da proporcionalidade ou razoabilidade. Conquanto não se possa descartar a necessidade de ponderação de interesse nos casos concretos, tal critério não pode ser erigido à condição de regra capaz de tornar letra morta a disposição constitucional. Ademais, certamente não será com o incentivo às práticas ilegais que se poderá alcançar resultado positivo na repressão da criminalidade.”

Da mesma forma, Alexandre de Moraes[37] completa:

“A inadmissibilidade das provas ilícitas no processo deriva da posição preferente dos direitos fundamentais no ordenamento jurídico, tornando impossível a violação de uma liberdade pública para a obtenção de qualquer prova.”

Por ser prova ilícita e juridicamente inidônea, a sindicância patrimonial contamina todos os demais elementos de informação que dela resultaram, e que servem de suporte para manter hígido o processo administrativo disciplinar, instaurado em decorrência da ilicitude praticada pelo poder correicional.

A ilicitude originária da prova, nesse contexto, se transmite, por repercussão, a todos os dados probatórios produzidos pela sindicância patrimonial e transportados para o processo administrativo disciplinar que se apoia nos fundamentos causais das provas produzidas ilicitamente na sindicância patrimonial, e continua a manter eficaz a ilicitude das provas por derivação, contaminando todo o apuratório, que se torna imprestável e desprovido de conteúdo jurídico

Ada Pellegrine Grinover[38] analisa a questão da ilicitude da prova, mesmo da ilicitude por derivação, nos seguintes termos:

"A Constituição brasileira toma posição firme, aparentemente absoluta, no sentido da proibição de admissibilidade das provas ilícitas. Mas, nesse ponto, é necessário levantar alguns aspectos: quase todos os ordenamentos afastam a admissibilidade processual das provas ilícitas. Mas ainda existem dois pontos de grande divergência: o primeiro deles é o de se saber se inadmissível no processo é somente a prova, obtida por meios ilícitos, ou se é também inadmissível a prova, licitamente colhida, mas cujo conhecimento se chegou por intermédio da prova ilícita.

Imagine-se uma confissão extorquida sob tortura, na qual o acusado ou indiciado indica o nome do comparsa ou da testemunha que, ouvidos sem nenhuma coação, venham a corroborar aquele depoimento.

Imaginem uma interceptação telefônica clandestina, portanto ilícita, 'pela qual se venham a conhecer circunstâncias que, licitamente colhidas, levem à apuração dos fatos. Essas provas são 'ilícitas 'por derivação', 'porque, em si mesmas lícitas, são oriundas e obtidas por intermédio da ilícita. A jurisprudência norte-americana utilizou a imagem dos frutos da árvore envenenada, que comunica o seu veneno a todos os frutos. (...)."

Atento à inadmissibilidade da prova ilícita, o Supremo Tribunal Federal – STF construiu jurisprudência sólida contra a sua utilização pelo poder estatal, invalidando a sua eficácia, como decidido em vários precedentes, sendo um deles o da Ação Penal nº 307-3/DF, Rel. Min. Ilmar Galvão:[39]

“É indubitável que a prova ilícita, entre nós, não se reveste a necessária idoneidade jurídica como meio de formação do convencimento do julgador, razão pela qual deve ser desprezada, ainda que em prejuízo da apuração da verdade, em prol do ideal maior de um processo justo, condizente com o respeito devido a direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, valor que se sobreleva, em muito, ao que é representado pelo interesse da sociedade em uma eficaz repressão e delitos. É um pequeno preço que se paga por viver-se em estado de direito democrático. A justiça penal não se justifica a qualquer preço. Existem, na busca da verdade, limitações impostas por valores mais altos que não podem ser violados, enfim, Heleno Fragoso, em trecho de sua obra Jurisprudência Criminal, transcrita pela defesa. A Constituição Brasileira, no art. 5º, inc. CVI, com efeito, dispõe a todas as letras, que são admissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.”

Da mesma forma, o Ministro Sepúlveda Pertence, em alentado voto de Relator no HC nº 69.912/RS,[40] deixou registrado:

“Estou convencido de que essa doutrina da invalidade probatória do 'fruit of the poisonous tree' é a única capaz de dar eficácia à garantia constitucional da inadmissibilidade da prova ilícita.

De fato, vedar que se possa trazer ao processo a própria “degravação: das conversas telefônicas, mas admitir que as informações nela colhidas possam ser aproveitadas pela autoridade, que agiu ilicitaemente, para chegar a outras provas, que, sem tais informações, não colheria, evidentemente, é estimular e, não, reprimir a atividade ilícita da escuta e da gravação clandestina de conversas privadas.

......................................................................................................

Na espécie, é inegável que só as informações extraídas da escuta telefônica indevidamente autorizada é que viabilizaram o flagrante e a apreensão da droga, elementos também decisivos, de sua vez, na construção lógica da imputação formulada na denúncia, assim como na fundamentação nas decisões condenatórias.

Dada essa patente relação genética entre os resultados da interceptação telefônica e as provas subsequentemente colhidas, não é possível apegar-se essas últimas - frutos da operação ilícita inicial - sem, de fato, emprestar relevância probatória à escuta vedada.”

Contaminada na origem, a prova produzida na sindicância patrimonial que serviu para a Comissão de Sindicância opinar pela abertura do processo disciplinar de verificação de enriquecimento ilícito também foi imperiosa para o juízo de admissibilidade proferido pela a autoridade julgadora que determina a instauração do PAD, e se utiliza do acervo probatório produzido como fonte de apuração e de desenvolvimento.

Irrecusável, por isso mesmo, a absoluta ineficácia probatória dos elementos de convicção, cuja apuração decorre, em sua própria origem, de comportamento ilícito dos membros da Comissão de Sindicância, que se utilizaram de prova revestida de proteção constitucional como inviolável, respeitadas as exceções constitucionais previstas. A não observação pelo citado rito torna imprestável para o desenvolvimento do processo administrativo disciplinar.

Esse entendimento é um reflexo direto da expressão utilizada pela Suprema Corte dos Estados Unidos da América, qual seja, a teoria dos “frutos da árvore envenenada” (fruits of the poisoned tree”).

Assim, por derivação, a ilicitude inicial da prova se projeta sobre os atos posteriores praticados também pela comissão disciplinar que toma como base o suporte fático/probatório da transferência de informações sigilosas do agente, obtidos na sindicância patrimonial e, por sua vez, totalmente manipulados pela produção da prova ilícita.

Quanto a ilicitude da prova produzida pela Administração tributária, merece relevo citar posição do Supremo Tribunal Federal, no citado HC nº 93.050-6/RJ,[41] como se verifica em parte da emenda do v. acórdão:

“ILICITUDE DA PROVA - INADMISSIBILIDADE DE SUA PRODUÇÃO EM JUÍZO (OU PERANTE QUALQUER INSTÂNCIA DE PODER) - INIDONEIDADE JURÍDICA DA PROVA RESULTANTE DE TRANSGRESSÃO ESTATAL AO REGIME CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS. - A ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância de poder perante a qual se instaure, para revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-se em elementos probatórios ilicitamente obtidos, sob pena de ofensa à garantia constitucional do "due process of law", que tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras no plano do nosso sistema de direito positivo. A "Exclusionary Rule" consagrada pela jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos da América como limitação ao poder do Estado de produzir prova em sede processual penal. - A Constituição da República, em norma revestida de conteúdo vedatório (CF, art. 5º, LVI), desautoriza, por incompatível com os postulados que regem uma sociedade fundada em bases democráticas (CF, art. 1º), qualquer prova cuja obtenção, pelo Poder Público, derive de transgressão a cláusulas de ordem constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que resultem de violação do direito material (ou, até mesmo, do direito processual), não prevalecendo, em conseqüência, no ordenamento normativo brasileiro, em matéria de atividade probatória, a fórmula autoritária do "male captum, bene retentum". Doutrina. Precedentes. - A circunstância de a administração estatal achar-se investida de poderes excepcionais que lhe permitem exercer a fiscalização em sede tributária não a exonera do dever de observar, para efeito do legítimo desempenho de tais prerrogativas, os limites impostos pela Constituição e pelas leis da República, sob pena de os órgãos governamentais incidirem em frontal desrespeito às garantias constitucionalmente asseguradas aos cidadãos em geral e aos contribuintes em particular. - Os procedimentos dos agentes da administração tributária que contrariem os postulados consagrados pela Constituição da República revelam-se inaceitáveis e não podem ser corroborados pelo Supremo Tribunal Federal, sob pena de inadmissível subversão dos postulados constitucionais que definem, de modo estrito, os limites - inultrapassáveis - que restringem os poderes do Estado em suas relações com os contribuintes e com terceiros.

A QUESTÃO DA DOUTRINA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA ("FRUITS OF THE POISONOUS TREE"): A QUESTÃO DA ILICITUDE POR DERIVAÇÃO. - Ninguém pode ser investigado, denunciado ou condenado com base, unicamente, em provas ilícitas, quer se trate de ilicitude originária, quer se cuide de ilicitude por derivação. Qualquer novo dado probatório, ainda que produzido, de modo válido, em momento subseqüente, não pode apoiar-se, não pode ter fundamento causal nem derivar de prova comprometida pela mácula da ilicitude originária. - A exclusão da prova originariamente ilícita - ou daquela afetada pelo vício da ilicitude por derivação - representa um dos meios mais expressivos destinados a conferir efetividade à garantia do "due process of law" e a tornar mais intensa, pelo banimento da prova ilicitamente obtida, a tutela constitucional que preserva os direitos e prerrogativas que assistem a qualquer acusado em sede processual penal. Doutrina. Precedentes. - A doutrina da ilicitude por derivação (teoria dos "frutos da árvore envenenada") repudia, por constitucionalmente inadmissíveis, os meios probatórios, que, não obstante produzidos, validamente, em momento ulterior, acham-se afetados, no entanto, pelo vício (gravíssimo) da ilicitude originária, que a eles se transmite, contaminando-os, por efeito de repercussão causal. Hipótese em que os novos dados probatórios somente foram conhecidos, pelo Poder Público, em razão de anterior transgressão praticada, originariamente, pelos agentes estatais, que desrespeitaram a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar. - Revelam-se inadmissíveis, desse modo, em decorrência da ilicitude por derivação, os elementos probatórios a que os órgãos estatais somente tiveram acesso em razão da prova originariamente ilícita, obtida como resultado da transgressão, por agentes públicos, de direitos e garantias constitucionais e legais, cuja eficácia condicionante, no plano do ordenamento positivo brasileiro, traduz significativa limitação de ordem jurídica ao poder do Estado em face dos cidadãos. - Se, no entanto, o órgão da persecução penal demonstrar que obteve, legitimamente, novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova - que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra da prova originariamente ilícita, com esta não mantendo vinculação causal -, tais dados probatórios revelar-se-ão plenamente admissíveis, porque não contaminados pela mácula da ilicitude originária. - A QUESTÃO DA FONTE AUTÔNOMA DE PROVA ("AN INDEPENDENT SOURCE") E A SUA DESVINCULAÇÃO CAUSAL DA PROVA ILICITAMENTE OBTIDA - DOUTRINA - PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (RHC 90.376/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.) - JURISPRUDÊNCIA COMPARADA (A EXPERIÊNCIA DA SUPREMA CORTE AMERICANA): CASOS "SILVERTHORNE LUMBER CO. V. UNITED STATES (1920); SEGURA V. UNITED STATES (1984); NIX V. WILLIAMS (1984); MURRAY V. UNITED STATES (1988)."

Da mesma forma, segue outro precedente do Supremo Tribunal Federal[42]:

“INQUÉRITO. DENÚNCIA CONTRA DEPUTADO FEDERAL. CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA (ART. 332 DO CP). OBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. ENCONTRO FORTUITO DE PROVAS. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA AUTORIZADA POR JUIZ INCOMPETENTE, DE ACORDO COM O ART. 102, INC. I, AL. b DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E DO ART. 1° DA LEI N. 9.296/1996. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PELA EXISTÊNCIA DE INDICAÇÃO CLARA E OBJETIVA EM RELATÓRIO DA POLÍCIA FEDERAL DE POSSÍVEL PARTICIPAÇÃO DE MINISTRO DO TRIBUNAL DE CONTAS E, POSTERIORMENTE, DE MEMBRO DO CONGRESSO NACIONAL. NULIDADE DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. ILICITUDE DAS PROVAS DERIVADAS DA INTERCEPTAÇÃO ILICITAMENTE REALIZADA POR AUTORIDADE JUDICIAL INCOMPETENTE. CONFIGURAÇÃO DA HIPÓTESE DO ART. 395, INC. III, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. DENÚNCIA REJEITADA. 1. A denúncia preenche os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, individualiza a conduta do denunciado no contexto fático, expõe de forma pormenorizada todos os elementos indispensáveis à demonstração de existência, em tese, do crime de tráfico de influência, sem apresentar a contradição apontada pela defesa. 2. A prova encontrada, fortuitamente, durante a investigação criminal é válida, salvo se comprovado vício ensejador de sua nulidade. 3. Nulidade da interceptação telefônica determinada por autoridade judicial incompetente, nos termos do art. 102, inc. I, al. b, da Constituição da República e do art. 1.º da Lei n. 9.296/1996. 4. Ausência de remessa dos autos da investigação para o Supremo Tribunal Federal, depois de apresentados elementos mínimos caracterizadores da participação, em tese, de Ministro do Tribunal de Contas da União e de membro do Congresso Nacional na prática de ilícito objeto de investigação. 5. Contaminação das provas produzidas, por derivação, por não configuradas as exceções previstas no § 1° e no § 2° do art. 157 do Código de Processo Penal. 6. Denúncia rejeitada, por não estar comprovada, de forma lícita, a existência de justa causa para o exercício da ação penal, caracterizando a hipótese prevista no art. 395, inc. III, daquela lei processual.”

Doutrinariamente, Fernando  da Costa Tourinho[43] averba:

“Não só as provas obtidas ilicitamente são proibidas (busca domiciliar sem mandado judicial. escuta teletônica sem autorização da autoridade judiciária competente, obtenção de confissões mediante toda sorte de violência etc.), como também as denominadas 'provas ilícitas por derivação'.

Na verdade, ao lado das provas ilícitas, há a doutrina do 'fruit of the poisonous tree , ou simplesmente 'fruit doctrine' 'fruto da árvore envenenada' adotada nos Estados Unidos desde 1914 para os Tribunais Federais, e, nos Estados, por imperativo constitucional, desde 1961, e que teve sua maior repercussão no caso 'Silverthorne Lumber Co. v. United States, 251 US 385 (1920)', quando a Corte decidiu que o Estado não podia intimar uma pessoa a entregar documentos cuja existência fora descoberta pela polícia por meio de uma prisão ilegal. Mediante tortura (conduta ilícita), obtém-se informação do lugar em que se encontra o entorpecimento, que, a seguir, é apreendida com todas as formalidades legais... Assim, a obtenção ilícita daquela informação se projeta sobre a diligência de busca e apreensão, aparentemente legal, mareando-a, nela transfundindo o estigma da ilicitude penal. Não consiste a doutrina do 'fruto da árvore envenenada'. Os Tribunais norte-americanos têm se valido dessa doutrina 'com a finalidade de reafirmar os fundamentos éticos e dissuasivos da ilegalidade estatal em que se baseia aquela regra'. Aliás, a Suprema Corte tem sufragado a tese da inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação, ou da doutrina denominada 'fruits of the poisonous tree'. No HC 69.912-RS, o Ministro Sepúlveda Pertence, como Relator, observou: ‘Vedar que se possa trazer ao processo a própria degravação das conversas telefônicas, mas admitir que as informações nela colhidas possam ser aproveitadas pela autoridade, que agiu ilicitamente, para chegar a outras provas, que sem tais informações não colheria, evidentemente, é estimular, e não reprimir a atividade Ilícita da escuta e da gravação clandestina de conversas privadas... E finalizando: ou se leva às últimas consequências a garantia constitucional ou ela será facilmente contornada pelos frutos da informação ilicitamente obtida (Informativo STF, n. 36, de 21.06.1996). No HC nº 73.351/SP, o SRF concedendo o writ, observou que a prova ilícita contaminou as provas obtidas a partir dela. A apreensão dos 80 quilos de cocaína só foi possível em virtude de interceptação telefônica... (Informativo STF nº 30, de 15.05.1996).

E a sanção processual para as provas inadmissíveis é a sua imprestabilidade ou, na linguagem do novo  Codice de Procedura Penale, art. 191, sua ‘non utilizzabilitá’, (art. 191, 1, ‘LE prove acquisite in violazione deo divieti stabiliti dalla legge non possono essere utilizzate. 2. L’inutilizzabilitá è rilevabile anche di ufficio in ogni stato e grado del procedimento’).

Ninguém pode ser acusado ou julgado com base em provas ilícitas. Ressalte-se que a exigência do due process of law destina-se a garantir a pessoa contra a ação arbitrária do Estado e a colocá-la sob a imediata proteção das leis.

Aliás, o pretório Excelso já decidiu que, ... os meios de prova ilícitos não podem servir de sustentação ao inquérito ou a ação penal...’ (RTJ, 122/47).

E se, por acaso, em decorrência de prova obtida ilicitamente, por exemplo, um depoimento conseguindo mediante tortura, a Polícia se dirige ao verdadeiro culpado, e este, sem a menor resistência , confessa o crime? E se durante busca domiciliar realizada sem mandato judicial, uma empregada da casa, sem qualquer atitude agressiva da Polícia, delata o criminoso ou procurado? E, uma vez procurado o criminoso, este, sem qualquer coação, reconhece a sua culpa ou, no outro exemplo, indo a Polícia ao local onde o objeto procurado deveria estar, é encontrado e apreendido? Quid inde? Será que a ilegalidade inicial (tortura da testemunha, busca domiciliar ao arrepio da lei ) , se projeta sobre outras provas obtidas a partir daquela ilegalidade ou em decorrência dela? Dir-se-á que a confissão do criminoso e o depoimento da testemunha foram prestados com inteira liberdade, e, por isso mesmo, constituíram fontes independentes. Mas, se houver outras provas consideradas autôn0JD4s, isto é, colhidas sem necessidade dos elementos informativos revelado. pela prova ilícita, não haverá invalidade do processo. Disse-o o STF no HC 76.231-RJ ('Informativo STF n.  115).”

Destarte, a instauração de processo administrativo disciplinar que tenha como suporte probatório a transferência de informações fiscais e bancárias do agente público continua a germinar a ilicitude da prova e, via de consequência, não possui solidez jurídica para criar ou gerar juízo condenatório, em face da sua imprestabilidade perante o cenário jurídico-constitucional.

No contexto do sistema Constitucional vigente, no qual não se admite a produção de provas ilícitas, as provas transportadas da sindicância patrimonial para o processo administrativo disciplinar, por serem nulas, contaminam o PAD e todas as provas produzidas a posteriori, que acolham por derivação, tornando-se também imprestáveis para os fins almejados pela Administração Pública.

Não se revelará aceitável, para efeito de juízo de admissibilidade do processo administrativo disciplinar, que sejam utilizadas provas ilícitas, visto que as mesmas não se prestam para determinar o valor probante de possível enriquecimento ilícito do agente.

Sempre que a obtenção das provas resultarem em transgressão pelo poder público do ordenamento positivo, os atos posteriores são ilícitos por derivação, não se revelando aceitável para efeito de juízo condenatório do agente público. 

O enriquecimento ilícito do agente público deve ser provado validamente perante o ordenamento jurídico, sem transgressões  ou usurpações, para que o plasmado do direito justo seja respeitado pelo poder público, servindo de exemplo para toda a sociedade.

A Carta Fundamental não legitima o poder absoluto das autoridades públicas, condicionando os atos estatais à sua formatação, visando à segurança jurídica e à estabilidade das relações jurídicas, em prol de uma sociedade livre e justa.

Sobre o autor
Mauro Roberto Gomes de Mattos

Advogado no Rio de Janeiro. Vice- Presidente do Instituto Ibero Americano de Direito Público – IADP. Membro da Sociedade Latino- Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Membro do IFA – Internacional Fiscal Association. Conselheiro efetivo da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Autor dos livros "O contrato administrativo" (2ª ed., Ed. América Jurídica), "O limite da improbidade administrativa: o direito dos administrados dentro da Lei nº 8.429/92" (5ª ed., Ed. América Jurídica) e "Tratado de Direito Administrativo Disciplinar" (2ª ed.), dentre outros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATTOS, Mauro Roberto Gomes. Inconstitucionalidade da sindicância patrimonial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5557, 18 set. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/68470. Acesso em: 22 dez. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!