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A alienação fiduciária de bens imóveis e seu desdobramento no fólio real

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4 IMPLICAÇÕES DO REGISTRO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA NO REGISTRO DE IMÓVEIS

Determina o princípio da especialidade subjetiva (art. 176 da Lei n. 6.015/73) que são elementos essenciais que devem constar da matrícula do imóvel, dentre outros, o estado civil do proprietário, e se casado, o nome e qualificação do cônjuge, regime de bens do casamento e se este ocorreu antes ou na vigência da Lei n. 6.515/77, devendo ser mencionado ainda, o número do pacto antenupcial registrado (se houver).

É notório que, após o registro da alienação fiduciária podem ocorrer algumas hipóteses que possam exercer influência direta no registro imobiliário. O estado civil do devedor fiduciante é um exemplo típico, devendo ser averbadas todas as alterações na matrícula do imóvel.

Assim, tendo o devedor fiduciante contraído núpcias após a formalização do negócio jurídico, bem como do registro da alienação fiduciária, deverá ser apresentado requerimento pelo interessado, com a firma reconhecida (art. 221, II, da Lei n. 6.015/73), em que solicitada a alteração do estado civil do devedor, acompanhado da certidão de casamento dos contraentes, RG e CPF do cônjuge (todos nos originais ou em cópias autenticadas) e certidão de registro ou escritura pública de pacto antenupcial registrada no primeiro domicílio conjugal (caso determine o regime de bens adotado pelo casal).

Embora a averbação de casamento na matrícula do imóvel seja de suma importância para que, em razão do princípio da publicidade, transmita informações condizentes com a realidade jurídica das pessoas detentoras de algum direito real, tal averbação não tem o condão de transmitir obrigações, devendo para tanto, ser realizado um termo de assunção de dívida em aditamento ao contrato de alienação fiduciária registrado.

4.1 ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE USUFRUTO/NUA-PROPRIEDADE E DE IMÓVEL HIPOTECADO

O usufruto é definido através do Código Civil de 2002 (art. 713) como “[...] o direito real de fruir as utilidades e frutos de uma coisa, enquanto temporariamente destacado da propriedade”.

Assinala FIORANELLI apud NASCIMENTO[13] que o usufruto se caracteriza pelo destaque dos direitos de usar e fruir de seu proprietário, para ser entregue a terceira pessoa, permanecendo o que resta (a substância da coisa) nas mãos do primeiro, o qual passa a ser chamado de nu-proprietário.

Para ter os efeitos desejados perante terceiros, o título no qual se deu a sua formalização deverá ser registrado no Cartório de Registro de Imóveis em que situado o imóvel sob o qual recai o usufruto, conforme art. 167, I, item 7, da Lei n. 6.015/73. O mesmo se aplica à nua-propriedade, consequência lógica da instituição ou reserva de usufruto.

Assim, não há impedimento para que a nua-propriedade seja dada em alienação fiduciária, tampouco o usufruto, devendo constar do título de constituição o que realmente será objeto da garantia fiduciária, uma vez que em nenhum desses casos trata-se de propriedade plena.

Já no que diz respeito à hipoteca, embora se refira a um DIREITO REAL sobre coisa alheia (o qual permanece na esfera patrimonial do devedor hipotecante), é perfeitamente possível (juridicamente) que o imóvel hipotecado seja alienado fiduciariamente, devendo haver anuência do credor hipotecário nesse sentido.

Contudo, o inverso não é verdadeiro, ou seja, não pode o imóvel alienado fiduciariamente ser dado em garantia hipotecária de outra obrigação, uma vez que, conforme consagrado no art. 1.420 do CC de 2002, aquele que não pode alienar, não pode hipotecar ou gravar o imóvel de ônus reais.

4.2 ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA E INDISPONIBILIDADE DE BENS

Determina o item 124, Seção IV, Subseção III, Cap. XX, do Prov. 58/89 da CGJ/TJSP, com redação dada pelo Prov. 37/2013, que deverão ser averbadas nas matrículas respectivas, as declarações de indisponibilidade de bens.

Trata-se a indisponibilidade de bens ou direitos de uma restrição posta ao detentor de algum bem imóvel ou direito real, de dispor da coisa (em razão de ordens para cumprimento de decisões administrativas ou judiciais) – tratando-se, pois, de exceção à regra contida no art. 1.228, “caput”, Código Civil de 2002, o qual dispõe que o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, bem como o direito de reavê-la do poder de quem injustamente a possua ou detenha.

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Uma vez recebida pelo Oficial Registrador uma ordem de indisponibilidade de bens, deverá ser realizada uma busca na Serventia para verificar se a pessoa (física ou jurídica) cujo nome foi indicado na ordem de indisponibilidade possui algum direito real (propriedade plena, usufruto, nua-propriedade ou ainda, direitos eventuais sobre o imóvel). Em caso positivo, deverá ser averbada a indisponibilidade na matrícula do imóvel.

Ressalte-se que, enquanto não averbado o levantamento da indisponibilidade, estará o detentor do direito real determinado indisponível impedido de dispor do imóvel ou ainda, de onerá-lo.

Não sendo o caso de propriedade plena, mas sim de um direito eventual de reaver o imóvel, por exemplo, deverá ser averbada a indisponibilidade desse direito na matrícula do imóvel cuja propriedade foi transferida por seu anterior proprietário para garantia de uma dívida (alienação fiduciária), cabendo ao credor fiduciário, em uma eventual consolidação de propriedade em seu nome, buscar o cancelamento dessa indisponibilidade junto ao juízo que a determinou – caso contrário a consolidação pretendida restará prejudicada.

4.3 ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE 2º GRAU?

Diferentemente do que ocorre com o direito real de hipoteca, não cabe alienação fiduciária de 2º grau. Isso porque na hipoteca não há transferência da propriedade ao credor (se quer na forma resolutiva), o que permite que o mesmo imóvel seja dado para garantia de dívidas diversas.

Na alienação fiduciária o devedor transfere a propriedade (sob condição resolutiva) ao credor, permanecendo como proprietário do imóvel enquanto pendente o cumprimento da obrigação. Por não estar mais o imóvel na esfera patrimonial do devedor, não poderia este, alienar novamente um imóvel que não mais detém a propriedade plena. A única possibilidade de “alienação” por parte do devedor é a cessão de direitos eventuais a um terceiro (que assumirá, por consequência, a dívida do devedor cedente).

Dessa forma, somente na hipótese de cancelamento da alienação fiduciária (devendo tal ocorrência ser objeto de averbação na matrícula do imóvel) é que poderá o proprietário (antigo devedor fiduciante) dar o imóvel em garantia fiduciária de outra obrigação, conforme art. 1.359 do CC de 2002.

4.4 ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA POR ESPÓLIO E PARTILHA DE DIREITOS

Considera-se ESPÓLIO o conjunto de bens (móveis e imóveis), direitos e obrigações da pessoa falecida que, em razão de sua morte, serão partilhados entre seus herdeiros ou legatários.

Falecendo o proprietário de um imóvel, se criará, até que seja ultimada a partilha, uma universalidade indivisível. Assim, caso seus herdeiros, legatários ou cônjuge supérstite (conforme o caso), pretendam dar algum imóvel pertencente ao falecido em alienação fiduciária, deverão primeiramente registrar a partilha dos bens no Cartório de Registro de Imóveis competente.

Em razão da ausência de personalidade jurídica do espólio, bem como da indivisibilidade criada em razão do falecimento, deverá a alienação fiduciária de imóvel realizada por espólio ser autorizada por alvará judicial expedido pelo Juízo em que processado o inventário (nos casos de inventário judicial); contudo, tratando-se de inventário realizado através da via extrajudicial (Tabelionato de Notas), deverá o Tabelião responsável pela lavratura exigir autorização judicial para tanto.

Por outro lado, tratamento diverso deve ser dado aos casos em que o devedor fiduciante (que detém o direito eventual de reaver o imóvel) falece antes de adimplir a obrigação assumida diante do credor. Nessa hipótese, embora a propriedade plena não tenha retornado à esfera patrimonial do devedor falecido, deverão ser partilhados os direitos eventuais entre os herdeiros ou a quem de direito.

Para transmissão dos direitos eventuais deverá ser apresentado ao Cartório de Registro de Imóveis em que situado o imóvel o formal de partilha expedido pelo Juízo no qual foi processado o inventário, ou ainda, escritura pública de inventário e partilha dos bens e direitos do falecido.

Com o registro (lato sensu) da partilha dos direitos eventuais, serão os recebedores considerados como devedores fiduciantes do imóvel, permanecendo o contrato de alienação fiduciária inalterado em razão da transmissão involuntária.

Uma vez cumprida a obrigação pelos sucessores do devedor, cancela-se a alienação fiduciária, e a propriedade retorna de forma plena aos então titulares do direito eventual. Não cumprida a obrigação por parte dos adquirentes do direito eventual, o procedimento de intimação para purgação da mora deverá ser direcionado em face deles, podendo haver, inclusive, a consolidação da propriedade em nome do credor caso não purguem a mora.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conceituado o instituto da alienação fiduciária, delineado seu objeto e forma para que, com o registro no Cartório de Registro de Imóveis, constitua verdadeiro direito real de garantia oponível contra terceiros, verificou-se que essa modalidade de garantia se revela extremamente compatível com as necessidades da sociedade moderna atual.

Embora tenham sido abordadas apenas algumas questões corriqueiramente enfrentadas na prática do registro imobiliário (de maneira meramente exemplificativa, frisa-se, uma vez que diversos assuntos correlatos podem surgir), uma investigação mais delimitada do instituto da alienação fiduciária de bens imóveis pode acarretar outras tantas discussões presentes no mundo jurídico, as quais se revelam tecnicamente impossíveis de serem abordadas em um trabalho único em razão da infinidade de enfoques que lhe são correlatos.

Em que pese a sua criação tenha quase 20 anos de existência (20 de novembro de 1997), a alienação fiduciária de bens imóveis tem-se revelado, ainda na atualidade, como tema corriqueiramente abordado por juristas renomados em razão de todos os desafios enfrentados para consecução de suas finalidades.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos comentada. 17.ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2007.

CHALHUB, Melhim Namem. Negócio fiduciário. 3.ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

COLEÇÃO CADERNOS IRIB. Enfiteuse – Aforamento ou Emprazamento. 2.ed. São Paulo: IRIB, 2014, v. 4.

DE FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 6.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

______. Direito das obrigações. 4.ed. Atualizada de acordo com a Decisão do STF, proferida no RE 466343/SP, sobre a Prisão Civil na Alienação fiduciária em Garantia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 1: teoria geral do direito civil. 29.ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

FIORANELLI, Ademar. Direito Registral Imobiliário. Porto Alegre: SAFE, 2001.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume II: teoria geral das obrigações. 6.ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2009.

______. Direitos das coisas. 12.ed. São Paulo: Saraiva, 2011 (Coleção sinopses jurídicas; v. 3).

KONNO, Alyne Yumi. Registro de Imóveis: teoria e prática. São Paulo: Memória Jurídica, 2009.

SERRA, Márcio Guerra. Registro de Imóveis I: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2013.

______. Registro de Imóveis II: atos ordinários. São Paulo: Saraiva, 2013.

SILVA, Ulysses da. Direito Imobiliário: o registro de imóveis e suas atribuições. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2008.


Notas

[1] CHALHUB, Melhim Namem. Negócio fiduciário. 3.ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2006 p. 248.

[2] CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos comentada. 17.ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 620.

[3] GONÇALVES, Carlos Roberto Direitos das coisas. 12.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 180.

[4] COLEÇÃO CADERNOS IRIB. Enfiteuse – Aforamento ou Emprazamento. 2.ed. São Paulo: IRIB, 2014, v. 4, p. 09).

[5] SERRA, Márcio Guerra. Registro de Imóveis II: atos ordinários. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 29.

[6] CHALHUB, Melhim Namem. Negócio fiduciário. 3.ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 255.

[7] KONNO, Alyne Yumi. Registro de Imóveis: teoria e prática. São Paulo: Memória Jurídica, 2009, p. 27.

[8] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume II: teoria geral das obrigações. 6.ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 21.

[9] DE FARIAS, Cristiano; ROSENVALD, Nelson. Direito das obrigações. 4.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 11.

[10] DE FARIAS, Cristiano; ROSENVALD, Nelson. Direito das obrigações. 4.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 04.

[11] SERRA, Márcio Guerra. Registro de Imóveis I: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 125/126.

[12] CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos comentada. 17.ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 434.

[13] FIORANELLI, Ademar. Direito Registral Imobiliário. Porto Alegre: SAFE, 2001, p. 387.

Sobre as autoras
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORTOLOTTI, Ana Carolina; BORTOLOTTI, Ana Caroline. A alienação fiduciária de bens imóveis e seu desdobramento no fólio real. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5549, 10 set. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/68474. Acesso em: 22 dez. 2024.

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