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Uma análise histórico-jurídica do holocausto

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Agenda 26/06/2005 às 00:00

Sumário: 1. Esclarecimentos da análise do Holocausto e do caso da Editora Revisão. 2. O que foi o Holocausto? 3. I Guerra Mundial (1914-1918). 4. Origens do Nazismo. 5. Ascensão ao poder. 6. O Holocausto posto em prática: campos de concentração e de extermínio. 7. Holocausto: o testemunho das vítimas. 8. A "contribuição" jurídica para o Holocausto. 9. Neonazismo e negacionismo do Holocausto: O caso jurídico HC – 8424, Rio Grande do Sul - (STF). 10. Nossa Posição em relação ao caso concreto. 11. Conclusão: A intolerância moderna


1. Esclarecimentos da análise do Holocausto e do caso da Editora Revisão

O presente artigo analisa o Holocausto, bem como o caso envolvendo o dirigente da Editora Revisão de Porto Alegre, RS, Siegfried Ellwanger, a qual publica artigos negando a veracidade da morte de 6.000.000 de judeus pelos nazistas no referido evento histórico 1. Desta análise surgem diversas questões atormentadoras: Como uma sociedade culturalmente avançada como a alemã pôde tornar-se presa de um regime ditatorial e cruel como o nazismo? E o que dizer da classe jurídica na Alemanha da década de 30 e 40? Qual foi o seu papel para a implementação da máquina de morte nazista? E o que dizer daqueles que negam a veracidade do Holocausto? Poderia, sob a óptica do Direito, um cidadão contestar fatos históricos tidos como incontroversos? Qual é o limite entre contestar a veracidade de um fato e utilizá-lo como propaganda contra um povo? Como equilibrar o direito fundamental a liberdade de expressão e a honra e dignidade de outros cidadãos? Caracterizar-se-ia no caso em estudo o crime de racismo?

Não é possível adentrarmos direto aos aspectos jurídicos sem antes compreendermos o ambiente histórico que paira sobre a discussão. Assim, num primeiro momento, a presente pesquisa fornecerá uma noção do que foi o "Holocausto", bem como o surgimento de grupos denominados pela mídia de "neonazistas". De posse dessas informações históricas, o leitor obterá uma melhor noção da seriedade do caso em análise.

Em seguida, será dada uma breve explicação de como o caso envolvendo o sócio da Editora Revisão foi parar no Supremo Tribunal Federal e como o referido tribunal decidiu a questão. Após, darei meu ponto de vista sobre a lide e a decisão do STF. No final, será feita uma reflexão sobre a intolerância a grupos minoritários em nossa era.

Desde já, deixo claro que o presente trabalho não pretende de forma alguma ofender à Alemanha ou o povo alemão. Seria mesmo ilógico culpar uma geração pelo erro dos seus antepassados, bem como generalizar de forma a tipificar o alemão como atroz e criminoso. De fato, a guerra, a barbárie e o massacre, infelizmente são características que acompanharam o governo humano nas mais variadas épocas, sociedades, raças e culturas. Ademais, a própria sociedade alemã vem trabalhando arduamente desde o fim da Segunda Guerra Mundial no sentido de se reaproximar dos antigos adversários de guerra e atuar de forma pacífica na comunidade dos povos. A maior prova disso é a sua integração na União Européia. Do mesmo modo, compreendemos que a bela, culta, civilizada e milenar história do povo alemão (dos povos germânicos em geral) não pode ser esquecida ou totalmente manchada pelos 12 anos de horror nazista (1933-1945). Para citar um exemplo, foi o alemão Gutenberg quem inventou a imprensa, uma contribuição inestimável para a proliferação do conhecimento e da cultura para todos os povos.

Para finalizar não pode ser desconsiderado que muito embora o Brasil seja um país caracterizado pela miscigenação e, de certa forma, por uma boa convivência entre as raças, o assunto em estudo lança base para uma discussão sobre se o nazismo deixou algumas sementes em nosso país no período getulista, as quais poderiam estar germinando os frutos da intolerância agora. De qualquer forma, este julgamento do STF pode traçar um importante marco em nossa história jurídica.


2. O que foi o Holocausto?

O termo "holocausto" está associado aos sacrifícios religiosos dos povos antigos, no qual a "vítima sacrificial" era entregue em fogo aos seus deuses 2. Os cananeus, por exemplo, ofereciam vítimas humanas, já os hebreus ofereciam animais, conforme delineado na "Lei Mosaica". Devido ao processo de extermínio nos campos nazistas, nos quais as vítimas eram selecionadas, mortas e lançadas ao fogo dos fornos crematórios, nos fazer lembrar estes rituais, atualmente, este termo é empregado pela historiografia mundial para descrever o genocídio de judeus e outras minorias durante a era nazista (1933-1945).

No entanto, como tal movimento conseguiu assumir o controle de toda uma nação? Para obter a resposta a esse questionamento é necessário analisarmos alguns fatos históricos que antecederam a ascensão do nazismo.


3. I Guerra Mundial (1914-1918)

Não é possível compreender as causas que possibilitaram o surgimento e a ascensão do nazismo na Alemanha sem entender o cenário alemão pós - I Guerra Mundial (1914-1918):

1º- À Alemanha assinara sua rendição em 1918 com suas tropas ainda não completamente esgotadas – logo surgiria a idéia de que tal derrota não era fruto de derrotas militares, mas de uma suposta traição interna por parte dos propagandistas judeus e bolcheviques que queriam destruir à Alemanha.

2º- À Alemanha foi obrigada a assinar o tratado de Versalhes, o qual lhe impôs pesadas multas, perdas de território e reduziu drasticamente seu exército – logo isto seria usado (pelos nazistas) para instigar o orgulho nacional ferido dos alemães, bem como atiçar desejos imperialistas e expansionistas.

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3º- A situação de miséria do povo alemão era desesperadora. Principalmente depois da quebra da Bolsa de Nova York em 1929, a qual desencadeou uma crise mundial, à Alemanha tornou-se uma das economias mais fracas do mundo e o número de desempregados crescia assustadoramente – logo isto seria usado como "prova" (pelos nazistas) de que o sistema democrático é falho, e que só um governo forte com um grande líder poderia reerguer a nação alemã.

Assim, os nazistas aproveitaram bem a situação caótica pelo qual passava à Alemanha. De fato, quando assumiram o poder em 1933, eles realmente conseguiram reerguer a economia alemã e combater o desemprego. Porém, este "sucesso" foi obtido pelos meios mais repugnantes – maciça produção da indústria bélica, obras faraônicas, confisco de riquezas e exclusão da vida sócio-econômica de diversos grupos (notadamente os judeus).

Mas, de onde surgiram os nazistas? Como foi a sua escalada ao poder?


4. Origens do Nazismo

O termo "nazista" provém do nome do "Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães". Adolfh Hitler fazia parte deste partido desde 1919, e assumiu a sua presidência em 9 de novembro de 1921. No ano de 1923, Hitler com o seu partido tentaram o "putsch" – um golpe para apoderar-se do Estado alemão da Baviera e marchar até a capital alemã, Berlim. Mas o "putsch" (golpe) não teve o necessário apoio popular e fracassou. Hitler foi sentenciado a cinco anos de prisão (dos quais só cumpriu nove meses) e o partido quase se dissolveu.

Durante o tempo em que ficou na prisão, Hitler escreveu o livro "Mein Kampf" ("Minha Luta"), no qual traçou diretrizes que mais tarde seriam o alicerce ideológico do regime nazista. A partir de 1928, com muitos comícios (nos quais dava um show de oratória), passeatas e propaganda, Hitler começou a ressuscitar o Partido Nacional-Socialista (nazista), e nas eleições deste mesmo ano o partido conseguiu 12 cadeiras no "Reichstag" (uma espécie de parlamento alemão). Nas eleições de 1930, os nazistas conquistaram 107 cadeiras no Reichstag, e na de 1932 conquistaram 230! Neste mesmo ano, Hitler concorreu à presidência do Reich (reino ou governo) e perdeu para o marechal Von Hindenburg, mas alcançou a impressionante marca de 13.500.000 votos.

Assim, os nazistas tornavam-se um partido forte na Alemanha, e iniciava uma fulminante caminhada ao poder baseando-se num discurso nacionalista e anticomunista, o que atraiu tanto o interesse da burguesia alemã (a qual temia a chegada dos comunistas ao poder), como o da população em geral que enfrentava o desemprego, a inflação e o orgulho nacional ferido pela derrota na Primeira Guerra Mundial.


5. Ascensão ao poder

No dia 30 de janeiro de 1933 Hitler foi nomeado chanceler pelo presidente Von Hindemburg. No dia 27 de fevereiro os nazistas aplicaram um golpe político: incendiaram o Reichstag, jogaram a culpa nos comunistas e convenceram o presidente Hindemburg a expedir um "Decreto de Emergência", do qual saiu a "Lei de Plenos Poderes", suspendendo os direitos individuais. De imediato, os nazistas invadem a sede dos demais partidos políticos, prendem seus dirigentes e acabam com suas atividades. Agora, o Partido Nacional-Socialista tornava-se o único legal da Alemanha.

Mas a repressão não foi aplicada só aos oponentes políticos. Organizações apolíticas consideradas inimigas também foram rechaçadas. Os sindicatos foram ocupados, lojas maçônicas foram atacadas e a sede das Testemunhas de Jeová foi invadida no mês de abril e confiscada no mês de junho. Neste ano foram instalados os primeiros campos de concentração.

No ano de 1934 morreu o presidente Von Hindemburg. Assim foi feito um plebiscito, no qual cerca de 98% do eleitorado alemão votou a favor do acúmulo de cargos por parte de Hitler - chanceler e presidente. Agora Adolfh Hitler tornava-se o "Führer" (líder) do "Reich" (reino ou governo) alemão.


6. O Holocausto posto em prática: campos de concentração e de extermínio

O primeiro campo de concentração foi instalado na cidade de Dachau em 1933. No início foram encarcerados oponentes políticos e objetores de consciência do regime nazista. Assim, nos primeiros anos, milhares de comunistas, social-democratas, sindicalistas, Testemunhas de Jeová, pacifistas e alguns filósofos antinazistas foram aprisionados. A partir da "Kristallnacht" ("Noite dos Cristais" - ataque aos estabelecimentos comerciais e sinagogas dos judeus) na noite de 9/10 de novembro de 1938, começou a deportação em massa de judeus.

Com o início da Segunda Guerra Mundial em setembro de 1939 (invasão da Polônia pelo exército alemão), e á medida que os nazistas conquistavam e ocupavam vários países da Europa, proliferaram-se os campos de concentração, guetos e prisões. Com o passar do tempo, foram criados os campos de extermínio, os quais tornaram-se verdadeiras indústrias da morte!

O mais destacado deles foi Auschwitz (localizado na Polônia). Sobre este campo de extermínio, o seu próprio comandante Rudolf Höss escreveu:

Sem o saber, eu era um simples dente na cadeia da grande engrenagem de extermínio do Terceiro Reich...o Reichsführer das SS ( Heinrich Himmler) mandou vários líderes de alta categoria do Partido, e oficiais das SS, a Auschwitz, de modo que eles pudessem ver por si mesmos o processo de extermínio de judeus. Todos eles ficaram profundamente impressionados com aquilo que viram. 3

Quando foi testemunhar no Tribunal de Nuremberg, Rudolf Höss declarou:

Em junho de 1941, recebi ordens para construir o campo de extermínio em Auschwitz. Para esse fim fui a Treblinka (um outro campo de extermínio) para ver a maneira como funcionava...Nossas instalações eram melhores, capazes de exterminar 2.000 pessoas de cada vez, ao passo que em Treblinka, para o mesmo ritmo eram necessárias 10 câmaras de gás... 4

Até a libertação de Auschwitz pelos russos em 27 de janeiro de 1945, mais de 1.500.000 seres humanos foram mortos neste campo!

Mas estes não foram os únicos meios de extermínio usados pelos nazistas. Havia também os "Einsatzgruppen" que vinham logo atrás do exército nazista fazendo execuções em massa, de modo que "quando tais grupos chegaram aos territórios soviéticos, alguns índices parciais de mortes dão um total de mais de 900.000", sendo a maioria judeus. 5


7. Holocausto: o testemunho das vítimas

De Max Liebster, um judeu enviado a Sachsenhausen:

Minha declaração baseia-se em minha experiência pessoal e no que testemunhei neste campo... a mídia e o governo nazista afirmavam que é um campo de detenção preventiva... a Gestapo me disse que eu estava a caminho de um campo de extermínio.

Os maus-tratos quando chegamos a Sachsenhausen estão além da compreensão humana... os barracões eram tão apinhados que era necessário deitar como sardinhas em lata, um homem com os pés virados para a cabeça dos outros. De manhã, encontravam-se homens mortos ao lado dos vivos...

Ouvi dizer que meu pai estava a uma distância de três barracões. Eu o encontrei deitado atrás do monte de sacos de palha, suas pernas inchadas de hidropisia, e suas mãos congeladas. Depois que ele morreu, tive de carregar o corpo dele no ombro até o crematório. Ali vi mais mortos empilhados do que eles conseguiam cremar. Milhares morreram em Sachsenhausen devido ao tratamento desumano... 6

De Martin Poetzinger, uma Testemunha de Jeová alemã:

Eu e minha esposa, ambos alemães, passamos em conjunto, um total de 17 anos nos campos de concentração nazistas. Eu estive em Dachau e Mauthausen, e minha esposa, Gertrud, esteve em Ravenbrück... nós éramos objetores de consciência para com a idolatria e o militarismo obrigatórios de Hitler. Ao passo que milhares de nós sobrevivemos aos campos, muitos não sobreviveram...

Logo que Hitler assumiu o poder, em 1933, ele começou a perseguir sistematicamente as Testemunhas de Jeová, por causa de sua posição neutra quanto à política e à guerra. Em resultado disso, milhares de Testemunhas alemãs, muitas das quais eram meus amigos, tornaram-se não só vítimas do Holocausto, mas também mártires...

Dois breves exemplos mostrarão o tipo de espírito que ardia no peito de alguns dos alemães que deveras resistiram ao hitlerismo. Wilhelm Kusserow, de 25 anos, de Bad Lippspringe, foi fuzilado em 27 de abril de 1940, por ter-se recusado a servir nos exércitos de Hitler.

Dois anos depois, o irmão de Wilhelm, Wolfgang, foi decapitado, pelo mesmo motivo, na prisão de Brandenburg. Segundo os cálculos de Hitler, o fuzilamento já era, então, dignificante demais para os objetores de consciência. Wolfgang só tinha 20 anos... 7

Interessante notar que o regime nazista não aniquilou apenas judeus e estrangeiros, mas até mesmo milhares de cidadãos alemães que não concordavam com as medidas racistas e belicosas de Hitler foram amargamente perseguidos.

Apesar de todas as provas, ainda assim, o Holocausto tem sido questionado como um verdadeiro fato histórico, conforme será analisado mais adiante.


8. A "contribuição" jurídica para o Holocausto

O historiador John Cornwell escreveu um livro intitulado "O Papa de Hitler", no qual ele critica a postura do Vaticano durante o Holocausto e o silêncio de Pio XII em relação ao massacre de judeus 8. Logo após, ele escreveu um outro livro intitulado "Os cientistas de Hitler", abordando o apoio tecnológico que essa classe deu para a guerra e os massacres cometidos pelos nazistas. Agora eu confesso que fico imaginando se um dia ele escreverá uma obra com o título: "Os juristas de Hitler!".

Para a tristeza e vergonha da classe jurídica, boa parte dos juristas alemães deram uma "mão" para Hitler construir seu Império de terror e degradação dos judeus e outras minorias. Mas como pôde acontecer isso logo na Alemanha? (e depois por extensão na Áustria)? Logo nas mais cultas classes jurídicas do mundo? Logo nas terras de Kant, Ihering e Kelsen?

Muitos poderiam alegar que os juristas não poderiam ter feito muita coisa, e que bater de frente com Hitler seria morte certa. Aliás, é mais ou menos esse o argumento utilizado pelos defensores de Pio XII.

No entanto, não são os jurista quem se intitulam os "defensores da civilização?" Não passamos cinco anos nas faculdades sendo doutrinados sobre a pretensa importância e beleza do Direito na luta contra o Totalitarismo? Não é verdade que alguns de nossos professores nem mesmo fazem questão de esconder sua crença numa "superioridade" do Direito em relação às demais áreas de atuação humana?

Para que sirva de alerta (e até mesmo de "toque de humildade"), passamos a demonstrar algumas medidas "jurídicas" que os nazistas tomaram para desumanizar seus inimigos com o aval (ou pelo menos a omissão) da classe jurídica.

Restrição dos direitos dos judeus 9:

Esses são apenas alguns exemplos da "legitimação" da barbárie. Encerrada a exposição histórico-jurídica do tema, passemos a análise de um caso particular que ocorreu no Brasil.

Sobre o autor
Bruno Marini

Professor de Direitos Humanos, Biodireito e Bioética na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), em Campo Grande (MS), Doutorando em Saúde (UFMS), Mestre em Desenvolvimento Local (UCDB) e Especialista em Direito Constitucional (UNIDERP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARINI, Bruno. Uma análise histórico-jurídica do holocausto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 725, 26 jun. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6875. Acesso em: 22 nov. 2024.

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