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Ouvidoria como instrumento de uma democracia participativa

Agenda 27/09/2018 às 11:30

A ouvidoria pública pode ser compreendida como uma instituição que possibilita ao cidadão a sua relação com o Estado, permitindo um diálogo com a gestão administrativa e colaborando na melhoria do serviço prestado à sociedade.

Resumo

O Estado Democrático de Direito é aquele que possibilita a legitimação democrática do poder do Estado por meio da participação popular no processo político, na gestão pública, nas decisões do Governo e no controle da Administração Pública. Sem a participação popular, característica essencial do Estado de Direito Democrático, não podemos falar em Estado Democrático de Direito.

Nesse contexto democrático é que uma Ouvidoria Pública deve ser compreendida como sendo uma instituição que possibilita ao cidadão a sua relação com o Estado, permitindo que um diálogo com a gestão administrativa colabore na melhoria do serviço prestado à sociedade por governo de qualquer estado e de qualquer poder. Trata-se de uma transformação gradual das estruturas de poder compreendendo a importante participação do cidadão como fator primordial na democracia participativa.

Com esse cenário, a Ouvidoria Pública é um exemplo de instrumento institucional que, ao lado dos outros canais de participação e controle social existentes, busca operacionalizar o princípio da democracia participativa consagrado na Constituição Federal de 1988.

Palavras-chaves: Administração pública, ouvidoria pública, estado democrático de direito, democracia participativa, controle social.


1 Introdução

O estado democrático de direito delineia-se de acordo as vivências e transformações de uma sociedade. Traz em seu bojo o próprio processo de evolução, características e organização perpetuada ao longo dos séculos, transcendendo regimes políticos que centralizavam poder nas mãos de reis soberanos e de burgueses.

Longo e árduo foram os movimentos em defesa das liberdades individuais e contra arbitrariedades do Estado.

Nos dias atuais vivenciamos o Estado Democrático de Direito, sendo este um conceito que designa qualquer Estado que se aplica a garantir o respeito das liberdades civis, ou seja, o respeito pelos direitos humanos e pelas garantias fundamentais, através do estabelecimento de uma proteção jurídica. Em um estado de direito, as próprias autoridades políticas estão sujeitas ao respeito das regras de direito.

Nos últimos anos do século XX, ascende-se a luz, do que então não passava de utopia: a democracia participativa. Está apresentava-se como instrumento de introdução da sociedade além das urnas, além de um papel de delegar representantes que governariam o Estado muito raramente abrangendo a classe baixa da sociedade.
A participação e o controle social, tal como previstos pela Constituição Federal de 1988, são conquistas recentes. Os cidadãos e as organizações sociais podem participar da vida pública não apenas por meio do voto, ao eleger seus representantes, mas também por meio da participação de organizações sociais e de sujeitos de direitos em espaços democráticos de negociação e decisão no campo das políticas públicas, tendo como dois principais mecanismos de controle e de deliberação coletiva nas políticas públicas do Estado brasileiro: os Conselhos de Políticas Públicas e as Conferências.
A democracia participativa é considerada semidireta por não desconsiderar a presença dos seus representantes eleitos através do voto direto, mas sim a ideia de estarem mais próximos do “palco político”, apresentando opiniões, questionando e levando novas discussões sobre diferentes temáticas sociais nas diferentes esferas governamentais.
Para atuação da sociedade de forma ativa e constante, atualmente, os brasileiros têm ao seu alcance uma pluralidade de instâncias e de mecanismos de alargamento da esfera pública, normatizados e inseridos dentro da burocracia estatal, por pressão de organizações da sociedade civil.
Como exemplo de instrumento para participação social cidadã, surge no Brasil, por volta dos anos 90, a Ouvidoria.
A ouvidoria não é apenas um instrumento ou mesmo um canal entre o cidadão e a Administração Pública. Trata-se de uma instituição de participação que, juntamente com os conselhos e as conferências, tem o dever de promover a interação equilibrada entre legalidade e legitimidade.
O presente artigo inicia-se por apresentar o surgimento do ombudsman ao nascimento da primeira implantação de ouvidoria na administração publica brasileira, bem como o papel exercido por tal, sua atual importância para gestão pública e consequentemente para sociedade e os desafios enfrentados em vicissitude de seu processo de consolidação. Seguindo uma metodologia de pesquisa teórica, o trabalho será baseado em obras literárias de renomados autores, impreterivelmente em publicações de agentes públicos atuantes no processo de implantação da ouvidoria no Brasil, em estudos de caso do tema em questão tanto na esfera nacional como no âmbito mundial selecionando o suprassumo do assunto a ser aqui apresentado.

2 Disseminando mundialmente: do surgimento do Ombudsman ao Estado democrático de direito na Federação Brasileira

Após um longo processo de evolução do Estado, marcado pela rivalidade entre o rei e o parlamento, com a elaboração da Constituição de 1809, da Suécia, que estabelecia a divisão dos poderes estatais e a proteção dos direitos do cidadão contra as arbitrariedades do Estado, é instituído a figura do ombudsman parlamentar (delegado eleito do Parlamento/representante do cidadão). Este tinha objetivo de exercer o controle da administração pública, verificar a observação da lei pelos tribunais, podendo processar aqueles que cometessem negligência ou ilegalidades no exercício de seus deveres, obrigando-os a reparar a falta cometida. Para Vera Giangrande (1997: 19), a instituição do ombudsman está estritamente ligada à proteção dos direitos individuais contra as arbitrariedades do Estado.
O primeiro ombudsman foi eleito em 1810 e exercia, unitariamente, suas funções. Em 1915 entendeu, porém, o Parlamento, que deveria destacar as funções de supervisão das forças armadas e criou, autonomamente, o militie-ombudsman (comissário militar). Em 1968, no entanto, os dois órgãos se fundiram em um único, perdurando o sistema até 1975, quando, diante da sobrecarga de atividades, o ombudsman sofreu nova reforma, passando as atribuições a serem exercidas por quatro comissários, dilatando-se a competência do órgão para fiscalizar os serviços de assistência social, educação e tributação.
A partir da criação do Ombudsman sueco outros países, inicialmente os europeus, adotaram a instituição às vezes seguindo fielmente o modelo sueco e em outras, com pequenas adaptações ou alterações. Os primeiros países a adotarem o Ombudsman foram: Finlândia, Dinamarca, Nova Zelândia, Alemanha e Inglaterra.
A Constituição espanhola de 1978 contemplou a instituição do defensor del pueblo (do povo) como um alto comissário das Cortes Gerais, designado para a defesa dos direitos e liberdades fundamentais, cumprindo-lhe supervisionar a atividade da administração, da qual deve dar conta àquelas Cortes (art. 54). Um amplo debate sobre sua criação conduziu, finalmente, à promulgação da lei orgânica de 6 de abril de 1981.
Na Inglaterra, a insatisfação generalizada com os métodos tradicionais de defesa dos direitos do cidadão inspirava, em julho de 1957, o Frank's Report (Relatório de Frank), no qual a comissão designada para rever o sistema de tribunais administrativos propunha uma ampla reforma que iria encontrar eco em nova avaliação crítica, consubstanciada no Whyatt Report (Relatório Whyatt). Em tais diagnósticos iria se abeberar a elaboração legislativa do Parliamentary Comissioner Act (Lei do Comissário Parlamentar), de 1967. Funcionando como órgão auxiliar do Parlamento, acolhe queixas encaminhadas por intermédio de membros da Câmara dos Comuns e se dedica a amparar aqueles que, nos termos do ato que o instituiu, "sofreram injustiça em consequência de má administração".
Por sua vez, a União Soviética, institui a procuratura, órgão que se aproxima do Ministério Público ocidental e exerce funções especiais de controle de qualidade da administração pública, recebendo queixas dos administradores e avaliando críticas ao funcionamento dos serviços públicos. O modelo soviético serviu de subsídio para o public prosecutor (promotor público) na Iugoslávia e para a instituição da Procuratura na Polônia.
Em 1922 o jornal japonês Asahi Shimbun criou uma comissão para receber e investigar as reivindicações dos leitores; e em 1967, um jornal norte-americano, no Estado de Kentucky, indicou o seu ombudsmam. No Brasil o posto foi instituído, em 1989, pelo Jornal Folha de São Paulo.
O Brasil vinha de um cenário de autoritarismo do regime militar (1.964-1.985) onde a participação dos cidadãos na esfera pública era limitada e desencorajada. Frente a ditadura militar, em um realidade de pleno controle e restrição da liberdade de expressão e de associação de indivíduos e de grupos políticos e sociais que criticassem o regime político autoritário, havia um espaço enraizado de mobilização e de debate na base da sociedade brasileira.
Composto por militantes, religiosos, intelectuais e movimentos sociais inspirados, principalmente, por referenciais teóricos e morais, como a Teologia da Libertação e o movimento pedagógico criado pelo brasileiro Paulo Freire, chamado Educação Popular. Referencia-se também a perspectiva do pensador marxista Antônio Gramsci, para quem a mudança só poderia ocorrer a partir de uma maior consciência de classe e das estruturas de desigualdade e de opressão a que estava submetida a maior parte da população brasileira. Por sua vez, os setores progressistas da Igreja Católica, por meio das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) - grupos ligados às milhares de paróquias católicas espalhadas por todo o país - conferiram a esse movimento unidade e força política. Posteriormente exerceu forte influencia na organização de trabalhadores em sindicatos, bem como na formação do Partido dos Trabalhadores (PT) e, no campo associativo, a constituição de inúmeras associações de desenvolvimento e de defesa de direitos (associações de moradores, associações comunitárias, Ongs de defesa de direitos, etc.).
Devido à intensa pressão exercida pela sociedade, o regime militar promoveu uma gradual abertura política, que possibilitou no início dos anos de 1980, a criação do Partido dos Trabalhadores - PT (10/02/1980) e da Central Única dos Trabalhadores – CUT (28/08/1983). Esses dois eventos são marcos do processo de redemocratização do país e de um projeto de transformação mais radical da sociedade brasileira.
Em 1981, um grupo de parlamentares, liderados pelo Deputado Mendonça Neto, apresentou a Proposta de Emenda à Constituição nº 78, criando o cargo de procurador-geral do povo, com a atribuição de investigar as violações da lei e dos direitos fundamentais do cidadão. O titular seria eleito em sessão conjunta do Congresso Nacional, por indicação das lideranças, com mandato de quatro anos. A emenda ficou prejudicada por decurso de prazo e foi arquivada no ano imediato. Ainda em 1.982, o Deputado José Costa apresentou projeto de emenda constitucional destinada à criação da Procuradoria-Geral do Poder Legislativo e, em 1983, o Senador Luiz Cavalcanti propôs a implantação do ombudsman no Brasil "como heroica tentativa para extirpar da vida pública nacional o câncer da corrupção". Em 1.984, o Deputado Jônatas Nunes propõe o projeto de lei visando criar a Procuradoria Popular, com a atribuição de "receber e apurar queixas ou denúncias escritas de qualquer cidadão que se sinta prejudicado por ato da administração". Com o mesmo propósito, o Senador Marco Maciel introduziu projeto tendente a instituir o Ouvidor-Geral, com a incumbência de "receber e apurar queixas ou denúncias de quem se considere prejudicado por ato da administração". Ratificando a falta de êxito das demais tentativas na busca da democracia participativa.
Em agosto de 1987, a cidade de Curitiba cedia o II Simpósio Latino-Americano do Ombudsman, do qual surgiu a Carta de Curitiba sobre o instituto do Ombudsman, editando princípios que balizariam a institucionalização do órgão como uma Magistratura de Persuasão, compatível com os organismos e formas tradicionais de controle do poder público.
O município de Curitiba coloca-se então na vanguarda da experiência nacional com a importação do sistema do Ombudsman, no qual se fundamenta para criar a Ouvidoria Municipal, Decreto n.º 215/86, de 21 de março de 1986.
No plano federal, o Decreto n.O 93.714, de 15 de dezembro de 1986, instituiu, junto à Presidência da República, a Comissão de Defesa dos Direitos do Cidadão (Codici), com a iniciativa do então ex prefeito de Curitiba, Roberto Requião, que ao assumir o cargo de governador, implantou a ouvidoria na esfera estadual também. A comissão tem como incumbência recolher reclamações contra erros, omissões ou abusos de autoridades administrativas, representar contra o exercício abusivo ou ilícito da função administrativa e recomendar providências que façam cessar a incorreção de comportamentos administrativos. Porém, a comissão teve certamente a atuação enfraquecida pelo seu caráter colegiado, não aparentando, no curto período de seu funcionamento, estar dotada de dinâmica adequada às suas finalidades. Há de se ressalvar, no entanto, que o trabalho inicial da Prefeitura Municipal de Curitiba tinha um enfoque diferenciado, pois atuava estritamente no controle interno, com auditorias e não por meio do atendimento à população.
Outros organismos federais foram constituídos com propostas semelhantes às da defesa de interesse coletivo, como o Conselho de Defesa dos Direitos à Pessoa Humana (Lei n.º 4.319, de 16 de março de 1964) ou o Conselho Nacional de Defesa do Consumidor (Decreto n.º 91.469, de 24 de julho de 1985, - alterado pele Decreto n.º 94.508, de 23 de junho de 1987), posteriormente promulgado como Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990) com um relevante papel no desenvolvimento da consciência de consumo e de cidadania.
O movimento democrático que brotou na base da sociedade civil brasileira durante as décadas de 1970 e de 1980 conseguiu ter força e expressão política suficiente para provocar uma verdadeira democratização no nível institucional-legal do sistema político da Nação.
A Constituição Federal de 1988, construída a partir da influência de uma pluralidade de forças e de sujeitos políticos, estabeleceu o Estado Democrático de Direito no Brasil. Além disso, promulgou uma série de princípios e de diretrizes sobre a participação dos cidadãos no desenho, na implementação e no controle social das políticas públicas que, posteriormente, foram regulamentados e operacionalizados em diversos mecanismos institucionais nas três esferas da Federação. Contudo, apesar de sucessivos estudos para implantação do instituto sueco no Brasil e de estar previsto em seu projeto original um “Defensor do Povo”, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 não instituiu um Ombudsman para controle da administração federal. Estas funções ficaram divididas entre o Tribunal de Contas da União (TCU), o Ministério Público e o Congresso Nacional. As constituintes estaduais previram os Tribunais de Contas, Ministérios Públicos Estaduais e as Assembléias Legislativas. Qualquer atuação administrativa estará condicionada aos princípios expressos no artigo 37 da Constituição Federal. Porém, não há um capítulo ou título específico, nem um diploma único que discipline o controle da administração. Por outro lado, a existência de diversos atos normativos colaboram com regras, modalidades, instrumentos, órgãos, etc. para a organização desse controle.
Em 1.992 surgiram os primeiros sinais de abertura democrática na esfera federal: o debate para criação de canais a estrutura de poder e a população começa a tomar pulso. A Lei nº 8.490/92 cria a Ouvidoria-Geral da República na estrutura regimental básica do Ministério da Justiça.
No delinear da história brasileira a ouvidoria foi introduzida como um canal de atendimento legítimo ao cidadão, em segunda instância, neutro e imparcial, que atende com equidade manifestações de situações recorrentes que não foram solucionadas de forma satisfatória pelos canais competentes de atendimento da organização. Para fortalecer o indivíduo perante os seus direitos e interesses, confere maior transparência às ações organizacionais, superando a histórica passividade que temia a repressão, aprimorando a participação social e a conscientização da cidadania.
As ouvidorias brasileiras representam um marco nesse processo, configurando-se num espaço do ouvir dialógico, no qual a sociedade busca integração com o governo, de forma célere, responsiva e ética, certo de que será ouvida e a sua manifestação registrada, na busca da construção de um padrão de atenção ao cidadão que sofre um mal e procura o acolhimento através da escuta humanizada e a acessibilidade com resolutividade satisfatória.
De forma a consolidar o movimento de expansão das Ouvidorias, surgem sucessivas articulações no desenvolvimento da mesma:
• Em 1.995: cria-se a ABO – Associação Brasileira de Ouvidores/Ombudsman;
• Em 2.002: Decreto nº 4.490/02 cria a Ouvidoria-Geral da República na estrutura regimental básica da Corregedoria-Geral da União;
• Em 2.003: a Ouvidoria-Geral da União (OGU) integra a estrutura da Controladoria-Geral da União (CGU) e tem como competência a coordenação técnica do segmento de ouvidorias do Poder Executivo Federal. Além disso, fornece orientações técnicas para as instituições e órgãos públicos que desejam criar uma unidade de ouvidoria;
• Em 2.004: a Lei nº 10.689/04 ajusta a denominação de Ouvidoria-Geral da República para OuvidoriaGeral da União, que, pelo Decreto nº 4.785/03, tem entre outras, a competência de coordenar tecnicamente o segmento de Ouvidorias do Poder Executivo Federal. Mantendo dentre as suas competências as atividades de Ouvidoria-Geral;
• Em 2.005: Associação Nacional de Ouvidores Públicos- ANOP, sob a forma de associação, é uma pessoa jurídica de direito privado, de caráter nacional, sem fins lucrativos, de duração por tempo ilimitado e sem vinculação político-partidária ou religiosa. A ANOP tem sede e foro no Distrito Federal. Entre as suas propostas: Formular propostas e elaborar estratégias com vistas à consolidação e à disseminação de um sistema de ouvidorias públicas, autônomas e democráticas;
• Em 2.007: a partir de 1º/10/2007 (Resolução 3.477/07 do BC) as instituições financeiras (bancos e afins) são obrigadas a oferecer o serviço de ouvidoria aos cidadãos e correntistas, conforme determinação do Conselho Monetário Nacional (CMN). De acordo com o Banco Central, o objetivo da norma é fiscalizar o sistema bancário e melhorar o atendimento ao consumidor.

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3 O papel da ouvidoria na administração pública brasileira

A implantação da ouvidoria na administração pública brasileira deu-se em consonância com a importância da participação do cidadão na democracia. Consagrado na Constituição de 1.988, após um longo e complexo processo de mobilizações sociais e políticas que marcaram as décadas de 1970 e 1980, a ouvidoria constitui-se pela criação, ampliação e fortalecimento de mecanismos jurídicos e institucionais para promover a interlocução entre os agentes públicos e os cidadãos.
O § 3º do artigo 37 da Constituição Federal de 1988 e posteriormente a Emenda Constitucional nº 19, de 1998 prevê:
§ 3º A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente:
I - as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral,
asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços;
II - o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII;
III - a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública. (Emenda Constitucional nº 19, de 1998).
A Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003, em seu art. 17, principia parte da competência da Controladoria-Geral da União:
Compete assistir direta e imediatamente ao Presidente da República no desempenho de suas atribuições quanto aos assuntos e providências que, no âmbito do Poder Executivo, sejam atinentes à defesa do patrimônio público, ao controle interno, à auditoria pública, à correição, à prevenção e ao combate à corrupção, às atividades de ouvidoria e ao incremento da transparência da gestão no âmbito da administração pública federal. (Diário Oficial da União - Seção 1 - 29/5/2003).
Já em 2.011 é aprovada a Lei de Acesso a Informações Públicas (LAI), mais um dos frutos do processo de democratização do Estado brasileiro, que materializou no texto constitucional a participação social como um dos elementos-chave para a garantia de direitos humanos e para a organização das políticas públicas.
Daí pode-se compreender o conceito de Ouvidoria definido pela Controladoria-Geral da Uniao (CGU):
“Ouvidoria Pública deve ser compreendida como uma instituição que auxilia o cidadão em suas relações com o Estado. Deve atuar no processo de interlocução entre o cidadão e a Administração Pública, de modo que as manifestações decorrentes do exercício da cidadania provoquem a melhoria dos serviços públicos prestados” (CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO; OUVIDORIA-GERAL DA UNIÃO, 2012).
É imprescindível distinguir a atuação da ouvidoria dos serviços de atendimento ao cidadão (SAC) apresentando-se este como apenas um instrumento ou mesmo um canal entre o cidadão e a instituição. Por sua vez, a ouvidoria é uma instituição de participação que, juntamente com os conselhos e as conferências, tem o dever de promover a interação equilibrada entre legalidade e legitimidade.
Nesse cenário a ouvidoria deve atuar no processo de interlocução entre o cidadão e a Administração Pública. Sua missão está em promover a realização da democracia e a efetividade dos direitos humanos, por meio da mediação de conflitos e do reconhecimento do outro como sujeito de direitos. Por consequência sua função interliga-se a qualidade prática, uma vez que concretiza a missão na realidade cotidiana de modo que as manifestações decorrentes do exercício da cidadania provoquem contínua melhoria dos serviços públicos prestados, sendo um agente promotor de mudanças, favorecendo uma gestão flexível e voltada para a satisfação das necessidades do cidadão.
As palavras mediação e direitos humanos são fundamentais ao abordar sobre Ouvidorias Públicas. Ao exercer seu papel de porta-voz do cidadão na organização, o ouvidor tem revelado ser um importante instrumento de interação entre o órgão e a sociedade, aliado na defesa dos direitos do usuário, na busca de soluções de conflitos extrajudiciais e colaborador eficaz dos programas de qualidade implantados nas organizações. No âmbito interno o ouvidor atua em defesa da administração, procurando subsidiar o atendimento de reivindicações de funcionários, exercendo um controle preventivo e corretivo de arbitrariedades ou de negligências, de problemas interpessoais ou, ainda, de abuso de poder das chefias.
Atualmente a Lei Federal 13.460, de 2017, regulamentou o Código de Defesa do Usuário de Serviços Públicos. A nova legislação fortalece os direitos do cidadão que precisa obter informações no serviço público e é válida para os órgãos públicos federais, estaduais e municipais de todos os poderes. A lei assegura ao usuário que uma resposta seja dada ao pedido em até 30 dias, prazo prorrogável por igual período, bem como determina algumas regras mínimas para que o retorno da informação seja ágil. A mudança se aplica às ouvidorias de todos os órgãos públicos do país.
Em suprassumo, a Ouvidoria Pública no Brasil é um mecanismo de exercício da democracia participativa detentor de duas grandes finalidades: 1) realizar o controle social da qualidade do serviço público, auxiliando a busca de soluções para os problemas existentes nos órgãos do Estado e; 2) promover a efetividade dos direitos humanos ao ouvir, reconhecer e qualificar as manifestações recebidas, encaminhando-as para os órgãos competentes e acompanhando sua tramitação, para, posteriormente, fornecer a resposta adequada ao cidadão.

4 Os desafios enfrentados na consolidação da Ouvidoria no processo de democracia participativa na gestão publica brasileira

Diante das raízes históricas do cenário burocrático estatal brasileiro encontra-se a dificuldade imposta por gestores no que se refere à participação social. Esses gestores relutam em efetivamente abrir-se para a o diálogo com a sociedade e aceitar as deliberações oriundas de órgãos colegiados como os conselhos e as conferências ou a “submeter-se” as diretrizes de uma ouvidoria, uma vez que os mesmos a visualizam em uma perceptiva sistêmica onde de um lado está o estímulo à organização interna das ouvidorias públicas, com ênfase na eficiência, na eficácia e na efetividade e, de outro, o alcance de um nível cada vez mais elevado de participação das ouvidorias em parceria com outras instâncias de participação e controle social.
Seguindo está vertente, pontua-se ainda, a necessidade de recursos humanos qualificados. Uma estrutura de participação nas políticas públicas pressupõe a existência de organizações da sociedade civil fortalecidas e autônomas. É preciso que os representantes da sociedade entendam minimamente de aspectos da burocracia estatal, como os instrumentos de planejamento, gerenciamento e orçamento público.
De acordo com Alexandre Ciconello, o arcabouço jurídico regente nas relações das organizações da sociedade com o Estado brasileiro é anacrônico e historicamente construído em uma perspectiva instrumental de prestação de serviço, “as organizações submetidas a uma intensa e complexa burocracia que dificulta, inclusive, que diversos grupos sociais encontrem formas de representação e expressão em espaços públicos institucionais de participação”.
Enfatizando a visão de Ciconello (2008), Enid Rocha, que foi Secretária Nacional Adjunta de Articulação Social da Secretária Geral da Presidência da República, “a sociedade quer participar da decisão sobre os investimentos, da sua localização e não há cultura nem disposição dessas áreas de participar e é considerado algo que atrapalha totalmente”. É nítida a visão onde os ministérios da área econômica, de infraestrutura e os bancos de fomento são os principais opositores da participação dentro do governo.
No âmbito interno da ouvidoria pontua-se a eficiência ancorada na qualidade do atendimento. A participação social por meio das ouvidorias deve estar ancorada na qualidade dos mecanismos e procedimentos de escuta, que devem ser capazes, por exemplo, de registrar, de forma precisa e padronizada, os elementos individualizantes e particulares de cada caso, mas também a expressão coletiva que ele pode representar. Ou seja, é preciso que a demanda inicial do cidadão perante a ouvidoria seja captada de forma a possibilitar que as demais instituições e instrumentos participativos compreendam a expressão coletiva da demanda individual por direitos. Com esta prática, será possível qualificar as políticas públicas.
Os problemas de maior vulto, como por exemplo, divergências de entendimento de procedimentos ou normas, alcançam vários órgãos e ensejam soluções compartilhadas. Devem ser monitorados pela ouvidoria numa perspectiva de coletivização das conclusões. O procedimento ordinário pode carregar um grande potencial de melhoria dos processos de gestão interno e da gestão pública em geral.
Um dos maiores desafios está na compreensão das funções dos ouvidores por parte dos demais órgãos. Ao receber uma reclamação, por exemplo, a encaminha ao setor/órgão responsável por dever de ofício, mas não há uma interação em que faça com que este se sinta obrigado a responder à Ouvidoria sobre o que foi feito, a Ouvidoria tem que ir lá e cobrar. É necessário adotar os procedimentos em uma visão da gestão pública abrangente para a realização de uma tarefa essencial. Caso os canais internos da organização estejam bloqueados e as relações forem complicadas, o Ouvidor pouco poderá contribuir.
Outro fator ponderante é a burocracia e a lentidão no atendimento às solicitações. Estes são elementos que prejudicam o desempenho da Ouvidoria Pública. É, ainda, durante o processo de construção de uma unidade que deve se iniciar com um trabalho de sensibilização junto aos dirigentes e servidores no sentido de mostrar a importância do trabalho. É importante a conscientização de todos a fim de compreender que o encaminhamento das críticas pela Ouvidoria não visa atrapalhar o trabalho dos setores e sim contribuir com a resolução de problemas existentes ou que venham a existir.

5 Considerações finais

A sociedade evolui quando todos compreendem que seu limite acaba quando começa o do próximo. O mesmo se dá na administração pública.
Sabe-se que o processo histórico brasileiro está entranhado de raízes onde poder econômico e social delinearam suas características por muitos anos.
Com a Constituição de 1988, a participação social passa a ser valorizada não apenas como mecanismo de controle do Estado, mas também no processo de decisão das políticas sociais e na sua implementação, em caráter complementar à ação estatal. As ideias de participação e controle social estão totalmente conectadas: por meio da participação social, os cidadãos podem intervir na tomada de decisões, orientando o poder público a adotar medidas que atendam aos interesses coletivos. Ao mesmo tempo, podem exercer o controle sobre a ação do Estado, fiscalizando de forma permanente a aplicação dos recursos públicos.
E é nesse processo de democracia participativa aliada a controle social que se implementam as Ouvidorias Públicas. Estas são mais do que um canal de participação popular, elas são agentes de mudança, pois as diferentes manifestações recebidas acabam por gerar oportunidades de aperfeiçoamento das instituições e agentes públicos, estimulando a prestação de serviços de qualidade, capazes de garantir direitos humanos. Constituir-se um primeiro nível de participação social.
As Ouvidorias Públicas atuam como mediadoras entre o Estado e a sociedade, funcionando como espaços democráticos de controle social da Administração Pública.
O bom funcionamento das Ouvidorias Públicas requer sua integração sistêmica. Isso quer dizer que elas devem se relacionar de forma colaborativa, não hierárquica, continuada e em rede, visando compartilhar conhecimentos, aprender e gerar inovações no trabalho.
Vale ressaltar que tão importante quanto à criação de mecanismos de participação popular é o desafio de desconstruir a cultura de não participação imposta pelo regime militar através da repressão ao direito de emitir opiniões, expor sugestões, gerando uma cultura de acomodação geral.


Referências

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Sobre a autora
Emanuela Leite

Bacharel em Administração Pública pela Universidade Estadual da Bahia - UNEB.

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