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Inexistência de improbidade administrativa para o agente público responsável pela ordem tributária

se não houver crédito constituído e se não ficar demonstrado a posteriori ato de má-fé

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Agenda 28/06/2005 às 00:00

V- CONCLUSÃO

Após todo o argumentado, se constata que o agente público responsável pela ordem tributária possui uma margem de liberdade quando da sua atuação profissional.

Dentro desse contexto, quando ele lança ou deixa de lançar determinado crédito tributário, ou altera, no caso do IPTU, cadastro de contribuinte, dentro de uma razoável convicção profissional, construída de boa-fé, não há que se falar em ato ímprobo do agente público.

Esse fundamento toma valor quase que absoluto, quando o ato administrativo praticado pelo Auditor Fiscal, apesar de ter sido revisto pelo seu superior hierárquico, foi impugnado pelo contribuinte, tendo em vista que a falta de constituição definitiva do crédito tributário retira a tipicidade de qualquer irregularidade, quer no campo penal, quer na esfera administrativa.

Como compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário (art. 142, do CTN), o Ministério Público deverá, como condição de procedibilidade aguardar o desfecho da última instância interna, para verificar se existe materialidade, objetivando ingressar com uma futura ação de improbidade administrativa ou não.

Inobstante tal esgotamento da instância competente, caso não seja mantida a alteração do posicionamento primitivo do Auditor Fiscal, deverá estar condicionada à verificação do ato de improbidade administrativa a caracterização da má-fé e do dolo, elementos imperiosos para a subsunção na Lei nº 8.429/92. Mero equívoco ou ato praticado dentro da boa-fé não permite que se conclua que houve improbidade administrativa. Do contrário, esse raciocínio iria preconizar uma raça humana infalível, onde somente a perfeição é que iria reinar, não sendo admitido o erro ou o equívoco perpetrados de boa-fé.

Sabemos que o erro é possível, e a Lei de Improbidade Administrativa não é posta para coibir os equívocos praticados por agentes públicos de boa-fé e sim, para extirpar os atos devassos e construídos de forma imoral e que fiquem invencivelmente demonstrados. Há um limite bem grande entre o ato administrativo desastrado e o ato administrativo desleal.

O princípio da dignidade da pessoa humana não permite que o Poder Público aniquile a vida e a intimidade das pessoas, de forma leviana e desatrelada com a legalidade.

Para tanto, a sociedade não poderá mais permitir o uso de poder como forma de aviltamento dos direitos e das garantias individuais de todos.

Se os Auditores Fiscais não tiverem a mínima garantia de que quando eles agem de boa-fé estarão imunes a qualquer tipo de pressão ou punição, eles serão obrigados a efetuar o lançamento tributário, mesmo que entendam não haver elementos para fazê-lo. Ora, a liberdade profissional é um dos princípios fundamentais que guarnece o Estado de Direito. Sendo certo que este valor não poderá ser colocado sob suspeita quando o Ministério Público inverte o princípio da presunção de inocência, e resolve desconfiar de todos os atos públicos, como se eles fossem ímprobos, até que o agente público prove ao contrário.

Este não é o Ministério Público com o qual a sociedade sonha, pois como defensor da moralidade pública e fiscal da lei, não pode vulgarizar seus atos com infundadas e injustas acusações.

Assim, concluímos que inexiste ato de improbidade administrativa para o agente público responsável pela ordem tributária se não houver crédito tributário constituídos se não ficar demonstrado a posteriori manifestação de má-fé do responsável pelo respectivo ato. É necessário este binômio para que não ocorra uma lide temerária, contrária ao plasmado da dignidade da pessoa humana.


NOTAS

1 Cf. MATTOS, Mauro Roberto Gomes de., O Limite da Improbidade Administrativa - O Direito dos Administrados dentro da Lei nº 8.429/92, 2ª ed., Ed. América Jurídica, 2005, Rio de Janeiro, p. 2.

2 A norma legal só gera conseqüência jurídica quando ela é clara e precisa, ou é conectada com outro comando legal a fim de ter eficácia. Por isso, Fábio Konder Comparato esclareceu: "A lei em branco, muito ao contrário, apresenta-se como norma de conteúdo incompleto, e cujo aperfeiçoamento só é alcançado mediante reenvio a outro diploma normativo, já existente ou a ser futuramente editado." (COMPARATO, Fábio Konder. "Lei Penal em Branco: Inconstitucionalidade de sua Integração das Normas de Nível Infralegal – Os Crimes de Perigo são Crimes de Resultado", in Direito Público, Estudos e Pareceres, São Paulo, Saraiva, 1996, p. 269.

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3 Cf. ANDRADE, Manoel A. Domingues de., Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, 4ª ed., Coimbra, 1987, p. 69.

4 Cf. MATTOS, Mauro Roberto Gomes de., ob. cit. ant., p. 3.

5 Cf. HIRSCH, Joaquim. Der Sicherheitssataat, Francfort-sun-main, 1980, p. 55.

6 STF, Rel. Min. Celso de Mello, Ext. Nº 633/CH, Pleno, DJ 6.04.2001, p. 67.

7 Cf. MATTOS, Mauro Roberto Gomes de., ob. cit. ant., p. 3.

8 STF, HC nº 84.105/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, 1ª T., DJ de 13.08.2004, p. 275.

9 STF,HC nº 834/RS, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 1ª T., DJ de 23.04.2004, p. 24.

10 STF, HC nº 230020/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª T., DJ de 25.06.2004, p. 29.

11 STF, HC nº 81324/SP, Rel. Min. Nelson Jobim, 2ª T., DJ de 23.08.2002, p. 114.

12 MARTINS, Ives Gandra da Silva., "Função privativa da autoridade fiscal de constituir o crédito tributário e declarar a respectiva obrigação - Não há sonegação fiscal sem crédito tributário constituído. Procedibilidade penal e prejudicialidade", in Revista Dialética de Direito Tributário nº 34, Ed. Dialética, são Paulo, p. 90/91.

13 MARTINS, Ives Gandra da Silva, cit. ant., p. 102/103.

14 PRADO. Francisco Otávio de Almeida. Improbidade Administrativa, Malheiros, 2001, São Paulo, p. 108.

15 PAZZAGLINI FILHO, Marino; ROSA, Márcio Fernando Elias e FAZZIO JÚNIOR, Waldo., Improbidade Administrativa – Aspectos Jurídicos Oriundos do Patrimônio Público, 3ª ed., Atlas, São Paulo, p. 75.

16 Nesse sentido seguem os seguintes julgados: "(...) Para que seja tipificada a improbidade administrativa, faz-se necessário que tenha havido a caracterização inequívoca de dolo, ou seja, de que houve vontade deliberada do agente em fraudar a lei..." (TJ/MT, Rel. Des. Benedito Pereira do Nascimento, AI nº 8368/2002, 2ª C.C., julgado em 20.08.2002, in O Limite da Improbidade Administrativa – Direito dos Administrados dentro da Lei nº 8.429/92, Mauro Roberto Gomes de Mattos, Ed. América Jurídica, 2004, p. 213). "(...) Como não houve indícios de dolo ou de má-fé, nem foi causado prejuízo financeiro aos cofres públicos, afastada está a hipótese de improbidade administrativa. Sentença confirmada." (TJ/MG, Rel. Des. Jarbas Ladeira, Ap. Cível 1.0000.00.332094-2/000, 6ª CC, DJ de 3.10.2003)

17STJ, Rel. Min. Garcia Vieira, RESP 213994-0/MG, 1ª T., DJ de 27.09.99.

18 ALVARENGA, Aristides Junqueira., "Reflexões sobre Improbidade Administrativa no Direito Brasileiro", in Improbidade Administrativa – Questões Polêmicas e Atuais, Malheiros, 2001, São Paulo, p. 88.

19 OSÓRIO, Fábio Medina., Direito Administrativo Sancionador, ed. RT, 2000, São Paulo, p. 223.

20YELERA, Joaquín Meseguer, La Tipicidad de las Infracciones en el Procedimiento Administrativo Sancionador, Ed. Bosch, 2001, Barcelona, p. 13; COSTA, José Armando da. Incidência Aparente de Infrações Disciplinares, Ed. Fórum, 2004, Belo Horizonte, p. 65.

21 Cf. YEBRA, Joaquín Meseguer., La Tipicidad de las Infracciones en el Procedimiento Administrativo Sancionador, Ed. Bosch, 2001, Barcelona, p. 13.

22 "O princípio básico do Estado de Direito é o da eliminação do arbítrio no exercício dos poderes públicos com a conseqüente garantia de direitos dos indivíduos perante esses poderes." (CANOTILHO, José Joaquim Gomes., "Estado de Direito", Cadernos Democráticos, Fundação Mario Soares, Gradiva Publicações, 1999, Lisboa, p. 9.

23 Aprofundar em: MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. "Necessidade de Justa Causa para a Instauração de Procedimento Administrativo Disciplinar – Impossibilidade do Procedimento Genérico para que no seu curso se apure se houve ou não falta Funcional", Revista Ibero Americana de Direito Público, vol IX, Ed. América Jurídica, 1º trimestre de 2003, Rio de Janeiro, p. 175.

24 MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil, tomo I, 5ª ed., Forense, Rio de Janeiro, ps. 351/352.

25 "Ação civil pública de improbidade administrativa. Ato atentatório aos princípios da administração pública. Falta de comprovação da ocorrência de má-fé. Cadastramento para o auxílio bolsa-escola fora dos padrões estabelecidos pela administração. Ausência de demonstração de ocorrência de culpa ou dolo. Improbidade administrativa não comprovada. O elemento subjetivo é de suma importância na averiguação do ato, em se tratando de improbidade administrativa. Como não houve indícios de dolo ou má-fé, nem foi causado prejuízo financeiro aos cofres públicos, afastada está a hipótese de improbidade." (TJ/MG, Rel. Des. Jarbas Ladeira, Ap. Cível nº 1.0000.00.332094-2/000, 6ª CC, DJ de 3.10.2003).

26 No Preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos do Homem foi escrito: "que o desprezo e o desrespeito pelos direitos do homem resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da humanidade;. .."

27 BARRETO, Ireneu Cabral. A Convenção Européia dos Direitos do Homem, Aequitas Editorial Notícias, 1995, Lisboa, p. 15.

28 Para um aprofundamento mais completo, é útil consultar LONDERO, Magdalena. Proteção Internacional dos Direitos do Homem - Tese para concorrer à livre-docência de Direito Internacional Público na UFRJ, Impresso no Jornal do Comércio, 1954, Rio de Janeiro; MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais, 5ª ed., ed. Atlas, 2003, São Paulo; SOARES, Antônio Goucha, A Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia. A Proteção dos Direitos Fundamentais no Ordenamento Comunitário, Coimbra Editora, 2002, Coimbra; VITORINO, Antônio. Protecção Constitucional e Protecção Internacional dos Direitos do Homem: Concorrência ou Complementariedade? Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1993, Lisboa; SILVA, José Afonso da. "Cidadania e Dignidade da Pessoa Humana", Revista da Procuradoria da República, 9/119-126, 122-123.

29 OTERO, Paulo. Legalidade e Administração Pública. O Sentido da Vinculação Administrativa à Juridicidade, Almedina, 2003, Lisboa, p. 254.

30 SILVA, José Afonso da. A dignidade da Pessoa Humana como Valor Supremo da Democracia, Revista de Direito Administrativo – RDA, 212/89-94, Ed. Renovar, Rio de Janeiro, 2001, p. 92.

31 TAVAREZ, Juares. Critérios de Seleção de Crimes e Cominação de Penas, Revista Brasileira de Ciências Criminais, RT, número especial de lançamento, São Paulo, p. 78.

32 STF, voto no Min. Gilmar Mendes no HC nº 81.990, 2ª T., julgado em 15.10.2002, Rel. Min. Carlos Velloso, Ementário STF 2121-16/3322-3340.

33 TAVARES, Juares. cit. ant., p. 77.

34 AMARAL, Diogo Freitas do. Estudos de Direito Público e Matérias Afins, vol. 1, Almedina, 2004, Lisboa, p. 620.

35 STF, HC nº 42.697, RTJ 35/531.

36 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada, 4ª ed., Atlas, 2004, ps. 4/5.

37 MORAES, Alexandre de. Ob. cit. ant.ps. 4/5.

38 STJ, Rel. Min. Luiz Fux, REsp. 677603/PB, 1ª T., DJ de 25.04.2005, p. 249.

39 STJ, Rel. Min. Eliana Calmon, REsp 707137/PR, 2ª T., DJ de 18.04.2005, p. 298.

40 STJ, Rel. Min. Celso Mello, HC 70.389, Pleno, RTJ 178/1168.

41 STF, Rel. Min. Maurício Corrêa, HC nº 82.424/RS, Pleno, DJ de 19.03.2004, p. 17.

42 Assim ficou ementado o v. acórdão: "Habeas Corpus. Superior Tribunal de Justiça. Recebimento de denúncia. Constrangimento Ilegal. Alegação de Inépcia da denúncia quanto ao crime de roubo. 1 - A técnica da denúncia (art. 41 do Código de Processo Penal) tem merecido reflexão no plano da dogmática constitucional, associada especialmente ao direito de defesa. Precedentes. 2 - Denúncias genéricas, que não descrevem os fatos na sua devida conformação, não se coadunam com os postulados básicos do Estado de Direito. Violação também do princípio da dignidade da pessoa humana. 3 - A denúncia sob exame utiliza-se de um silogismo de feição fortemente artificial para indicar o paciente como autor intelectual do roubo. A decisão do Superior Tribunal de Justiça pelo recebimento da denúncia nada acrescentou em relação ao crime de roubo. 4 - Deferimento da ordem para anular a denúncia quanto à atribuição ao paciente da conduta prevista no art. 157 do Código Penal, ressalvados os votos vencidos da Min. Ellen Gracie e do Min. Joaquim Barbosa." (STF, Rel. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, HC nº 84768/PE, 2ª T., julgado em 8.03.2005, DJ de 27.05.2005).

43 STF, Rel. Min. Celso de Mello, HC nº 85237/DF, Pleno, julgado em 17.03.2005, DJ de 29.04.2005.

44 STF, Rel. para Acórdão Min. Marco Aurélio, RE 359.444/RJ, Pleno, j. 24.03.2004, Ementário STF 2153-7/1261-1309.

45 Cf. MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. A Constitucionalização do Direito Administrativo e Controle de Mérito (Oportunidade e Conveniência) do Ato Administrativo Discricionário pelo Poder Judiciário, Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 686, 22 mai. 2005. disponível em: http:// jus.com.br/revista./doutrina/texto.asp?id=6756.

46 STJ, Rel. Min. Luis Fux, REsp.480387/SP, 1ª T., DJ de 24.05.2004, p. 163.

Sobre o autor
Mauro Roberto Gomes de Mattos

Advogado no Rio de Janeiro. Vice- Presidente do Instituto Ibero Americano de Direito Público – IADP. Membro da Sociedade Latino- Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Membro do IFA – Internacional Fiscal Association. Conselheiro efetivo da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Autor dos livros "O contrato administrativo" (2ª ed., Ed. América Jurídica), "O limite da improbidade administrativa: o direito dos administrados dentro da Lei nº 8.429/92" (5ª ed., Ed. América Jurídica) e "Tratado de Direito Administrativo Disciplinar" (2ª ed.), dentre outros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATTOS, Mauro Roberto Gomes. Inexistência de improbidade administrativa para o agente público responsável pela ordem tributária: se não houver crédito constituído e se não ficar demonstrado a posteriori ato de má-fé. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 723, 28 jun. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6932. Acesso em: 23 dez. 2024.

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