De início, para responder a essa pergunta de forma realista, é necessário conhecer e interpretar o objetivo fixado no §2, do Art. 1º, do decreto no. 9.288, de 16 de fevereiro de 2018: “... O objetivo da intervenção é pôr termo a grave comprometimento da ordem pública no Estado do Rio de Janeiro”. Após essa leitura, pragmaticamente a resposta é não! Aliás, será sempre não, porque esse objetivo, mais que improvável, é impossível de ser alcançado por um general, um jurisconsulto, um cardeal, um economista, um estadista, enfim, por quem quer que seja.
Há várias razões, começando pelo fato de ter sido muito mal formulado, assentado na utopia de acabar com o crime e voltado para combater fatos que acontecem no dia a dia, sem cogitar um ataque às causas, procedimento determinante para o êxito. E, dentre inúmeras, convém citar o funcionamento anômalo ou ausência de órgãos públicos (distopia estatal), principalmente da saúde, educação, assistência e salvaguarda sociais, o aumento da deformidade ética em nossa população, a crescente “impunição” (impunidade é efeito) e, também, a ausência ou insuficiência de programas e projetos para crianças e adolescentes, evitando-se a cooptação pelo crime.
Uma intervenção parcial, apenas na segurança pública, em um problema social que requer esforço multidisciplinar, de representantes das áreas sociais, econômicas, políticas e tecnológicas é um erro primário, uma operação extremamente desgastante e absolutamente ineficiente. É como lutar contra a hidra de Lerna. Já a expressão “pôr termo” guarda sinonímia com acabar, terminar com o grave comprometimento da ordem pública, referindo-se ao crime organizado e à criminalidade violenta. Ora, o crime é inerente à sociedade e nenhum mortal vai conseguir acabar com ele, pelo que a proposta deveria ser mitigar, reduzir.
Por que a intervenção está sendo realizada especificamente no Rio de Janeiro, que é o 17º Estado brasileiro no ranking da violência criminal? Porque essa estatística representa um lado da insegurança social, a denominada insegurança objetiva ou grau de insegurança. É a insegurança mostrada em números. De outro, um fator condicionante para a operação, está a insegurança subjetiva, a sensação de insegurança, a sensação de próxima vítima ou clima de insegurança. É a insegurança vista sob o aspecto psicológico que, com destaque para a percepção e o temor de riscos, amedronta, gera o pânico na população. Aliás, o clima de insegurança, altíssimo naquele Estado, de longa data, tem sido confundido com grau de insegurança, ensejando, equivocadamente, realização de açodadas operações de GLO, de fracos resultados. Na sequência, o insucesso dessas operações estaria na divergência entre sua concepção, fixada pelo Decreto 3897, de 2001, e pelo manual de GLO, elaborado pelo Ministério da Defesa, em 2014, e sua operacionalização (por exemplo, nunca houve transferência do controle operacional dos órgãos de segurança pública – OSP - necessários ao desenvolvimento das ações, para a autoridade encarregada das operações; o que, com a intervenção, vem ocorrendo).
O governador Pezão entendeu que a capacidade estadual na área da salvaguarda social (defesa de pessoas e patrimônio) estava exaurida e pediu ao presidente uma ampliação da GLO. Erro de avaliação de um e medida exagerada de outro, que optou, no susto, pela extrema intervenção. As forças policiais fluminenses, ainda que em um quadro de acentuada carência administrativa, logística e tecnológica, mostraram resultados possíveis, sem milagres. Contudo, jamais adotou procedimentos que reduzissem a insegurança subjetiva e a distopia estatal.
A União destinou mais de um bilhão para a intervenção, verba que poderia ter sido destinada ao reequipamento das polícias, profissionais da defesa social, preservando nossa instituição de maior credibilidade, as forças armadas, profissionais da defesa nacional (não se sabe se equipamentos adquiridos pelo Gabinete de Intervenção Federal – por exemplo, os 16 veículos blindados 4X4 Iveco Lince – ficarão com a PM do Rio). Disse o senhor Presidente:
“Não podemos aceitar passivamente a morte de inocentes e é intolerável que nós estejamos enterrando pais e mães de família, trabalhadores, policiais, jovens e crianças, e vendo bairros inteiros sitiados, escolas sob a mira de fuzis e avenidas transformadas em trincheiras. É o que mais se alardeia, é o que mais se divulga no presente momento. Por isso, chega. Basta. Nós não vamos aceitar que matem nosso presente, nem continuem a assassinar o nosso futuro”.
Lamentavelmente, o quadro pouco se alterou, as mortes continuam, os receios, os temores persistem e, convém lembrar, as forças armadas deixarão o Rio de Janeiro em 31 de dezembro próximo vindouro, retornando “o pepino” para aquele Estado-membro. Já estariam sendo pensadas estratégias para enfrentar, com efetividade, essa específica crise de insegurança, que, até para ser controlada, reduzida necessita de tempo?
O momento é oportuno para lembrar que o problema no Rio é menos de força que de suporte, de projetos sociais (arruamento e urbanizacão das favelas, aglomerados; postos de saúde, com pessoal e equipamentos; ensino integral – formação intelectual, moral e cívica, esportiva e profissionalizante – em escola integrada com a família, a igreja, associações locais; áreas de lazer, esporte e recreação; policiamento comunitário etc.). Por ora, não se pode descurar das operações policiais, porém, em paralelo, é necessário massificar ações de assistência e desenvolvimento sociais, priorizar atividades de inteligência, principalmente identificando eixos de suprimento ilegais de drogas e de armas; desenvolver operações psicológicas, que visem a reduzir a tensão, o medo.
Enfim, o Rio de Janeiro corre contra o tempo. O governador Pezão não pode lavar as mãos, como se a intervenção fosse a panaceia para o clima de insegurança ali reinante. Tem pouquíssimos meses para elaborar um plano de emergência, que se constitua em uma base para ações a partir de 01/01/19. Convém pensar e priorizar operações psicológicas, inclusive com participação da mídia, sociedade civil e terceiro setor. Em sintonia com a equipe de intervenção, a administração pública estadual já, agora, deve iniciar esse esforço.