Gastamos cada vez mais tempo das nossas vidas nas redes sociais, as quais se tornaram um importante espaço público para exercitarmos nossos direitos civis e individuais, notadamente aqueles previstos no artigo 5º da Constituição Federal e nos artigos 3º e 7º do Marco Civil da Internet, bem como, mais recentemente, no art. 1º da Lei Geral de Proteção de Dados, publicada no Diário Oficial da União do dia 15/08/2018, que entrará em vigor após decorridos 18 (dezoito) meses da sua publicação.
Usamos as redes sociais assim para compartilhar ideias, adquirir conhecimentos, expressar opiniões políticas, promover instituições, negócios e interesses, entreter, como para nos aproximar daqueles com os mesmos ou diversos interesses. Por exemplo, as redes sociais, diga-se de passagem, foram decisivas na organização dos protestos que antecederam a Copa do Mundo de 2014, no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e o será nas eleições de 2018, como já o foi nos movimentos “ele não” e “ele sim”.
A Lei Geral de Proteção de Dados, por sua vez, vem dizer que dado pessoal é a informação relacionada à pessoa natural identificada ou identificável, sendo, portanto, gênero, que comporta duas espécies: dado pessoal sensível e dado anonimizado. Dado pessoal sensível é o dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural, enquanto dado anonimizado é dado relativo a titular que não possa ser identificado, considerando a utilização de meios técnicos razoáveis e disponíveis na ocasião de seu tratamento.
Com a expansão dos ambientes virtuais, o governo e as empresas monitoram nossos dados de modo avassalador. Há empresas especializadas ofertantes de variados softwares de monitoramento das redes sociais. Os mais aclamados são o Digital Stakeout, o Beware, o Geofeedia e o LifeRaft, utilizados pelo governo e pelas empresas para agregar, filtrar e examinar bilhões de dados gerados todos os dias nas redes sociais. Eles não apenas localizam palavras chaves, mas também rastreiam a origem de qualquer postagem, identificam as relações entre pessoas, monitoram eventos e calculam o potencial de um indivíduo para praticar atos de violência.
O governo, particularmente, vem empregando esse tipo de software no acompanhamento das atividades políticas voltadas às eleições de 2018. Com efeito, o Ministério da Justiça e a Polícia Federal têm coletado informações sobre a movimentação das contas pessoais, incluindo Facebook e Twitter, de muitos usuários para a confecção de dossiês.
Quanto ao mais, o mercado também faz largo uso dessas ferramentas. Na captação e fidelização da clientela, as marcas monitoram os consumidores, mapeando seus hábitos e preferências para ofertar-lhes exatamente os produtos de que necessitam ou, muitas vezes, fazê-los acreditar que os produtos por elas ofertados são exatamente aqueles de que precisam.
As companhias ainda usam os dados obtidos nas redes sociais nos seus processos seletivos de emprego. Mediante sofisticados algoritmos, analisam a família, as opiniões políticas, a religião e a orientação sexual do candidato. No mais das vezes, as empresas não revelam como utilizam essas ferramentas, a vastidão dos dados coletados e os algoritmos utilizados na sua análise. Tal segredo impede que o público entenda a extensão da vigilância e se as medidas são efetivas ou se os algoritmos produzem resultados enviesados, resultando em discriminações ilegais.
O crescimento da vigilância, é relevante apontar, enfraquece o exercício dos nossos direitos civis e individuais, comprometendo nossa democracia. A privacidade nos ambientes virtuais urge ser repensada a fim de preservar nossas liberdades, promovendo a realização pessoal, a liberdade de pensamento, fomentando o livre mercado das ideias, essenciais para o discurso democrático, bem como para o empreendedorismo.
A legislação é de pouca ajuda para prevenir a difusão da vigilância nas redes sociais, mormente porque ainda não vigente a Lei Geral de Proteção de Dados e por desconhecermos seus efeitos. Esse vácuo legislativo é agravado pelo fato de que o governo frequentemente terceiriza o monitoramento das redes sociais para o setor privado, que, não bastasse, por si só já está deveras provido de softwares de monitoramento das redes sociais.
Para preencher essa lacuna legislativa, indispensável um maior envolvimento da sociedade, bem como melhor regulação do mundo digital, permitindo a fiscalização das atuais e novas tecnologias de vigilância com o fito de proteger nossos direitos civis e individuais. Ademais, só uma rígida regulação federal é apta à proteção contra a análise disfuncional, seja pelo governo, seja pelas empresas, dos dados advindos das redes sociais.
Cumpre salientar, contudo, que não se defende aqui uma total liberdade de expressão na internet, até porque as redes sociais poderiam tornar-se espaços sem leis, disseminando toda sorte de crimes, mas sim uma moderação, a fim de evitar os abusos e garantir a livre manifestação do pensamento, com responsabilidade. Desta feita, o manuseio dos dados gerados pelas redes sociais deve ser criteriosamente regulado.
Pois bem. Se, por um lado, é do interesse público a análise desses dados, é salutar invocar o princípio da proporcionalidade e realizar um sopesamento entre os interesses civis e individuais em face do interesse público, é dizer, um exame rigoroso da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito do monitoramento e análise dos dados coletados nas redes sociais.
Sendo o objetivo garantir uma democracia viável, bem como promover o mercado das ideias, urge considerar as consequências da vigilância e análise disfuncional dos dados advindos das redes sociais, combatendo, pois, a conformidade do pensamento, o enfraquecimento do discurso e as discriminações ilegais.