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Garantia em juízo na fase de cumprimento de sentença nos juizados especiais cíveis frente ao Código de Processo Civil e o FONAJE

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5 FORUM NACIONAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS

5.1 Origem E Função

O Fórum Nacional dos Juizados Especiais, também conhecido pela sigla FONAJE, consiste em encontros de Magistrados que atuam no procedimento especial de todo o país, com a finalidade de debater matérias controversas nos Juizados Especiais, sejam elas procedimentais ou processuais.

O FONAJE foi criado no ano de 1997, sob a antiga denominação de Fórum Permanente de Coordenadores de Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Brasil, tendo como objetivo inicial atender a necessária sofisticação do rito especial, proporcionando o compartilhamento de informações e padronização dos procedimentos adotados em âmbito nacional. (FONAJE, 1997).

Neste sentido, a eficácia da aplicação da Lei n° 9.099/95, somada aos seus alicerces – oralidade, informalidade, simplicidade, economia processual e celeridade -, diante dos desafios jurídicos no âmbito processual ensejou a origem de conflitos normativos entre a referida Lei e o Código de Processo Civil, ampliando a finalidade do FONAJE, consoante artigo 1°, de seu Regimento Interno (1997):

Art. 1º – O FÓRUM NACIONAL DE JUIZADOS ESPECIAIS – FONAJE tem por finalidade: I – congregar magistrados do Sistema de Juizados Especiais Cíveis e Criminais dos Estados e Distrito Federal;

II – Aperfeiçoar o sistema de Juizados Especiais e promover a atualização de seus membros pelo intercâmbio de conhecimentos e de experiências;

III – Uniformizar métodos de trabalhos, procedimentos e editar enunciados;

IV – Analisar e propor projetos legislativos de interesse de Juizados Especiais;

V – manter intercâmbio, dentro dos limites de sua finalidade, com entidades de natureza jurídica e social do país e do exterior.

Os encontros nacionais são organizados uma vez a cada semestre, por convocação do Presidente do FONAJE ou por maioria dos representantes dos Estados e Distrito Federal, conforme art. 9° do Regimento Interno.

Em síntese, são discutidos, elaborados e votados enunciados a fim de suprir as lacunas da Lei n° 9.099/95, elucidando aos Magistrados e operadores do direito as orientações quanto à interpretação e aplicabilidade normativa dos conflitos legislativos no âmbito do Juizado Especial. Segundo dispõe o art. 10° do Regimento Interno, a modificação ou exclusão de enunciados somente ocorrerá pelo voto de 2/3 dos presentes na Assembleia Geral, sendo as demais deliberações ocorrendo por maioria simples.

Logo, importante elucidar a análise jurídica dos Enunciados redigidos pelo FONAJE, delimitando sua natureza jurídica por meio da conceituação do que se entende como Enunciado no ordenamento jurídico brasileiro.

5.2 Enunciados

O enunciado equivale a natureza jurídica de súmula, haja vista a originarem da reunião jurisprudencial de uma Corte Superior sobre determinada matéria, determinando uma orientação acerca do tema controvertido, a fim de propagar um entendimento uníssono.

É a materialização das criações do dinamismo das relações do direito, isto é, instaurada a partir de construção jurisprudencial recorrente, a qual firma-se um entendimento sedimentado sobre o tema.

As Súmulas não são elaboradas autonomamente. Na verdade, são elas o produto, enfim, o resultado de procedimento de uniformização da jurisprudência. (STRECK, 1995, p. 127)

Contudo, não contém força normativa equivalente à lei, e consequentemente, sua aplicação não é obrigatória, mas sim recomendável. Trata-se de orientação, recomendação.

É nesta perspectiva, que o Ilustre Min. Luiz Lênio Streck (1995, p. 138), ainda que sob o âmbito do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, disserta sobre vinculação normativa da Súmula, ante a ótica de Hans Kelsen, senão vejamos:

As Súmulas do Supremo Tribunal Federal (em matéria constitucional) e as Súmulas do Superior Tribunal de Justiça (última instância judicial com atribuição de unificar o Direito federal) equivalem, dentro dessa linha de raciocínio, em certa medida, ás proposições jurídicas preconizadas por Kelsen na Teoria Pura do Direito, na medida em que representam - por não terem força vinculante - meros enunciados das normas postas por aquelas Cortes. Ou seja, o dever ser de tais proposições é descritivo (não obrigatório), não prescrevendo conduta a ser seguida pelos órgãos individuais e colegiados do Poder Judiciário. Por óbvio uma advertência aqui deve ser feita: não se ignora a força persuasória das Súmulas, Elas têm um poder de violência simbólica de enormes proporções em nosso ordenamento e na estrutura das instituições jurídico—políticas. (Grifo do autor)

Com razão, o mesmo aplica-se a atividade dos enunciados, haja vista sua equiparação à natureza jurídica de Súmula.

Deste modo, a atividade criadora do juiz de 1° grau, assim como o livre convencimento motivado não podem ser sobrepostos pelos enunciados, tendo em vista o princípio da Legalidade; pois omissa na legislação especial caberá a legislação geral atuar sobre a relação jurídica.

Nesta toada, observa-se tal incidente nos enunciados elaborados pelo FONAJE, estabelecendo padronização procedimental, oriundo de orientação, não imperativa, mas sim facultativa consoante discorre nas lições de Douglas Fernandes (S.I.):

Os enunciados tratam-se tão somente de orientações procedimentais com o fim maior de padronização e uniformização nacional dos atos processuais praticados em todos os Juízos, não podendo, por conseguinte, sobrepor as legislações formais, tampouco o princípio da legalidade. A relevância dos Enunciados Fonaje não deve passar de orientações procedimentais, entendimentos comuns entre os juizados dos estados sobre a aplicação técnico-jurídica de determinados dispositivos, sejam da lei especial seja da lei dos códigos de processos, no âmbito dos juizados especiais, para o deslinde dos casos.

Outrossim, salutar a discricionariedade do Magistrado em discordar do contido no Enunciado, proferindo decisão – de mérito -, ao observar não aplicável a possibilidade da orientação, quando necessário, fundamentando sua decisão[4].


6 CONFLITO NORMATIVO ENTRE CPC E FONAJE

6.1. Antinomia

O vocábulo antinomia, em seu significado literal consiste na designação de um conflito entre duas ideias, posicionamentos, opiniões. Entretanto, para o entendimento jurídico a antinomia possui caráter próprio, tendo em vista a noção difundida que o sistema do direito é coerente.

Neste sentido, a existência da antinomia pressupõe a existência de um sistema jurídico amplo, que dispõe sobre a vida social, política e jurídica, através de normas eficazes.

Vale ressaltar, nas lições de Tércio Sampaio Ferraz Jr. (2003, p. 140) que sistema consiste na reunião de objetos e suas características (repertório do sistema), somados às relações entre eles, de acordo com certos regramentos (estrutura do sistema). Na sequência, consoante ao objeto dos sistemas, ainda complementa, “são normas (especificadas por seus atributos: validade e efetividade). O que dá a coesão do sistema, como um todo, são as relações entre elas”. (2003, p.141). Então, as normas partem do pressuposto da imperatividade, ou seja, a validade de uma norma apoia-se em outra e assim até que seja construído um sistema normativo coeso, e, logo, não oriundo de uma construção arbitrária (DINIZ, 2008, p.09).

Surge, pois, a constatação de que o Direito deve ser visto pela sua dinamicidade, no qual possibilita a mudança normativa de seu sistema em consonância com a atualidade das relações humanas, adaptando-se conforme necessidade. Desse modo, tais modificações incidem sobre a atuação legislativa, que editam novas leis, os quais os juízes promulgam novos julgados, entendimentos jurisprudenciais, ante ao dinamismo da vida (DINIZ, 2008, p.10).

Isso posto, o surgimento de novas normas suscita a possibilidade de se conceber conflitos normativos entre elas, visto que a realidade jurídica é complexa, no qual um conjunto ordenado pode-se encontrar em uma desordem, apresentando choques de proposições contrárias ou até lacunas.

O conflito pressupõe que a norma “A” e “B” seja válida, haja vista imprescindível “A” determinar uma conduta e “B” da mesma forma, no entanto, de forma inconciliável com a primeira.

Assim, no entendimento de Flávio Tartuce (2014, p. 42) conceitua-se antinomia como “a presença de duas normas conflitantes, válidas e emanadas de autoridade competente, sem que se possa dizer qual delas merecerá aplicação em determinado caso concreto”.

Sob a mesma ótica, complementa Maria Helena Diniz (2008, p. 15) que “A antinomia é um fenômeno muito comum entre nós ante a incrível multiplicação de leis. É um problema que se situa no nível da estrutura do sistema jurídico (criado pelo jurista), que, submetido ao princípio da não-contradição deverá ser coerente.”

Diante disso, observa-se que a ocorrência da antinomia é inerente a atividade legislativa, devido à criação de inúmeras leis buscando a satisfação dos anseios da sociedade à época de sua criação, isto é, o dinamismo da vida.

Com razão, cumpre afirmar que somente é possível a antinomia quando verificada entre duas ou mais normas jurídicas, não havendo, por exemplo, tal fato entre norma moral e jurídica. Sendo assim, verifica-se o magistrado obrigado a resolver o caso concreto com base no preenchimento das lacunas de conflito, visto que a presença da antinomia o impossibilita de interpretar a validade de uma norma em detrimento da outra, já que ambas são válidas. Desta forma, a decisão judicial supre apenas o conflito particular ao qual está adstrito, não pondo a termo a antinomia, sendo esta permanecendo no ordenamento jurídico, e diante disso, ainda, possível de instaurar segurança jurídica ao sistema.

Com isso, imprescindível a busca de critérios objetivos para a solução destes conflitos, na tentativa de harmonizar as relações das normas em sua aplicabilidade.

6.2. Critérios Para a Solução De Antinomias No Direito Interno

 Após breve exposição sobre o que vem a ser a “antinomia” e como ela pode se relacionar à decisão do magistrado e demais efeitos no ordenamento, mostra-se fundamental esclarecer os principais critérios a serem adotados na solução destes conflitos.

Em primeiro momento, pode-se classificar as antinomias quanto ao critério de solução, subdividindo-se em aparente e real. A primeira consiste naquelas em que os critérios para solucioná-la encontram dentro do ordenamento normativo; e a segunda no oposto, isto é, quando inexiste previsão normativa para sua solução e então há a necessidade de edição de uma nova norma que a solucione.

Desse modo, já se pode concluir que entre o Código de Processo Civil e o enunciado n° 117 do FONAJE existe uma antinomia aparente, tendo em vista os critérios que, se usados, a fim de perseguir uma solução são fornecidos pelo próprio sistema normativo interno, sendo eles: o hierárquico, cronológico e da especialidade.

O critério hierárquico emana da proposição em latim “lex superior derogat legi inferior”[5], na qual consiste no caráter de supremacia da norma em que a lei superior prevalece sobre a inferior, independente da ordem cronológica que esta adveio, havendo, portanto, preferência pela aplicação da lei em campo hierárquico maior.

Nesta toada, é a aplicação da Constituição Federal frente a Lei Ordinária, e esta frente a Lei Especial, sendo que aquela norma que possui nível de hierarquia superior será a aplicada.

O princípio lex superior quer dizer que em um conflito entre normas de diferentes níveis, a de nível mais alto, qualquer que seja a ordem cronológica, terá preferência em relação a de nível mais baixo. Assim, p.ex., a Constituição prevalece sobre uma lei. Dai falar-se em inconstitucionalidade da lei ou de ilegitimidade de atos normativos diversos da lei, por a contrariarem. (DINIZ, 2008, p. 34).

Em vista disso, o critério hierárquico permite identificar solução de conflito de normas entre diferentes níveis no ordenamento jurídico, de tal modo que, ainda existe a hipótese de conflito entre critérios.

Entende-se por critério cronológico - “lex posterior derogat legi priori”[6] – a noção do tempo de início de vigência das normas, ou seja, quando norma posterior prevalece sobre norma anterior. Cumpre informar, que para efeitos do critério cronológico, as normas devem coexistir em mesmo nível hierárquico, caso contrário recairia sobre a competência do critério anterior.

Quando a nova norma vem modificar ou regular, de forma diferente, a matéria versada pela anterior, no todo (ab-rogação) ou em parte (derrogação), podem surgir conflitos entre as novas disposições e as relações jurídicas já definidas sob a vigência da velha norma revogada. (DINIZ, 2008, p. 36).

Encontra correspondência no art. 2° da Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiras.

Assim sendo, a lex posterior vem a ser utilizada eficientemente quando o legislador almejou a afastar a norma anterior, de modo que caso este não seja o ocorrido abrir-se-á hipóteses de conflitos entre os demais critérios.

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Em último tem-se o critério da especialidade – lex specialis derogat legi generali[7]-  que é a solução para o conflito que se estabelece entre duas ou mais normas aplicáveis ao mesmo caso concreto, de modo que uma delas possui aplicação específica, sendo a outra geral.

Neste ponto, considera-se especial aquela norma que contém todos os requisitos de uma geral, somado a algumas particularidades, especialidades de natureza objetiva ou subjetiva, acrescentando subsídios à geral, prevalecendo sobre esta. (DINIZ, 2008, p.40). Contém disposições congruentes à geral, mas que a particularidade do caso concreto dá maior credibilidade à aplicação da norma especial.

Não obstante, o critério da especialidade, em outras palavras, trata da análise das normas excepcionais ao caso singular, a fim de que seja aplicado conforme a especificidade da situação e especialidade da norma, entretanto, não se pode olvidar que este critério também pode adentrar em conflito com os demais.

Na visão de Flávio Tartuce (2010, p. 43), o critério cronológico, presente no art. 2°, da LINDB, consiste no menos eficaz, sendo o da especialidade intermediário e o hierárquico mais sólido, haja vista a imposição e importância do texto da Constituição Federal.

No entanto, os critérios por si só não são capazes de garantir a segurança jurídica, tendo em vista que, embora ofereçam soluções para resolver antinomias, existem as possibilidades de incorrerem conflitos entre a aplicação entre critérios frente às normas, na qual se aplicado pelo primeiro resultaria em uma norma, e se aplicado pelo segundo em outra norma.  É o que se denomina antinomia de 2° grau, isto é, enfrentamento entre duas normas válidas que assimilam dois critérios para sua solução (TARTUCE, 2010, p. 43).

De modo a complementar, são os dizeres de Maria Helena Diniz (2008, p. 49):

Embora os critérios anteriormente analisados possam solucionar os problemas de antinomias normativas, não se poderá olvidar situações em que surgem antinomias entre os próprios critérios, quando a um conflito de normas seriam aplicáveis dois critérios, que, contudo, não poderiam ser ao mesmo tempo utilizados na solução da antinomia, pois a aplicação de um levaria à preferência de uma das normas e a de outro resultaria na escolha da outra norma. P. ex.: num conflito entre uma norma constitucional anterior e uma norma ordinária posterior, pelo critério hierárquico haverá preferência pela primeira e pelo cronológico, pela segunda.

Assim, verifica-se a alternativa de operação de conflitos entre os critérios nos seguintes moldes: a) hierárquico e cronológico (norma anterior-superior antinômica a posterior-inferior); b) especialidade e cronológico (norma especial-anterior antinômica a geral-posterior); c) hierárquico e de especialidade (norma superior-geral antinômica a inferior-especial).

Definidos os choques acima, a doutrina viu a necessidade de elaborar também outras regras para enfrentamento destes conflitos, ao passo que apresentam grau de complexidade maior ao operador de direito.  Nesta esteira, desenvolveu-se 03 (três) metacritérios ou metaregras direcionadas a cada conflito em questão, de grande utilidade, porém, de difícil generalização. (JUNIOR, 2003, p.204). Destarte, na hipótese do conflito hierárquico e cronológico aplica-se a metaregra lex posterior inferior non derogat priori superiori, ou seja, o critério cronológico não tem o condão de sobrepor ao hierárquico quando a lei posterior for inferior a anterior.

Prevalecerá, portanto, o critério hierárquico, por ser mais forte que o cronológico, visto que a competência se apresenta mais sólida do que a sucessão no tempo, e, além disso, a aplicação do critério cronológico sofre uma limitação por não ser absoluta, já que esse critério só será válido para normas que se encontram no mesmo nível. (DINIZ, 2008, p. 50).

Neste sentido, aceitar que o lapso temporal da norma vigente posterior e inferior se sobreponha à norma superior, em níveis diferentes, seria o equivalente a constatar a inaplicabilidade do critério hierárquico, haja vista que este se tornaria inoperante. Vale ressaltar ainda, que vai ao entendimento contrário da solidez deste critério, considerado conforme alhures, o critério mais forte de todos.

Com relação ao conflito entre especialidade e cronológico, tem-se a lex posterior generaliz non derogat priori speciali, isto é, pela tradução literal a lei posterior geral não derroga a anterior especial, logo detecta-se em primeira análise o prevalecimento da regra especial sobre a geral. Contudo, cumpre dizer que nem sempre esta metaregra é totalmente eficaz, haja vista a alternativa de lex posterior generali derogat prior speciali ser possível, diante da casuística em estudo (DINIZ, 2008, p. 50).

 Em outras palavras, Norberto Bobbio entende que a regra geral deste conflito deve ser analisada com cautela, visto que necessário avaliar as peculiaridades de cada caso singular (BOBBIO, 1995, p. 108).

Assim, a hipótese de mudança da aplicação da regra geral, tendo em vista as normas em estudo e como elas se relacionam, pressupõe que este critério é parcialmente inefetivo, pois não garante segurança ao operador do direito quanto a solução da antinomia, devendo este ainda, sob a peculiaridade da situação exprimir decisão sobre qual persiste como válida, ou seja, em momentos haverá supremacia de um (norma posterior geral), como também em momentos diversos haverá a supremacia de outro (norma anterior especial). (DINIZ, 2008, p. 50).

Por fim, persiste o conflito entre critério hierárquico e da especialidade, configurando o mais problemático quanto à resolução dos conflitos que lhe são oferecidos. Diferentemente dos outros critérios, este não apresenta uma regra, definindo-se pela incompatibilidade de uma norma superior-geral com uma norma inferior especial. Logo, se observar pelo ponto de vista hierárquico prevalece a primeira, e pelo especial prevalece a segunda, portanto, não há solução previamente segura para o conflito.

A doutrina é muito clara neste sentido, que se trata de conflito entre duas posições de interpretação jurídica do ordenamento, no qual dependerá do intérprete assimilar quais as circunstâncias favoráveis. Além disso, a problemática converge no encontro entre preceitos fundamentais, que tanto a hierarquia como a especialidade trazem ao ordenamento jurídico, senão vejamos no ilustre entendimento de Norberto Bobbio (1995, p. 109):

A gravidade do conflito deriva do fato de que estão em jogo dois valores fundamentais de todo ordenamento jurídico, o do respeito a ordem, que exige o respeito da hierarquia e, portanto, do critério da superioridade, e o da justiça, que exigem a adaptação gradual do Direito às necessidades sociais e, portanto, respeito do critério da especialidade.

Sem embargo, os anseios sociais motivados pela dinamicidade das mudanças da sociedade convergem para a estruturação de novas leis que garantem o direito perseguido, ao passo que a criação de normas especiais pressupõe a existência de demanda de um grupo específico da sociedade, que necessita ter seu direito assegurado, neste sentido a norma se delimita a aplicar apenas a este determinado grupo, no qual a parcela restante não é abrangida por se tratar de excepcionalidade da norma.

Pertinente adiantar que a criação do microssistema dos Juizados Especiais Cíveis consiste na adaptabilidade do Direito às demandas sociais, pois, conforme mencionado no início do trabalho, houve interesse do legislativo em assegurar as necessidades sociais da pessoa humana poder ter não somente o direito ao acesso à justiça assegurado, como também poder exercê-lo de modo efetivo.

Na sequência, sob a ótica teórica tem-se por óbvio a supremacia do critério hierárquico, tendo em vista que permitir a hipótese da lei especial derrogar a geral, seria semelhante a instaurar por completo a desordem normativa, na qual ocorreria devido à fragilidade inserida sobre os princípios generalíssimos presentes nos textos normativos de mais altos níveis, como por exemplo, a Constituição Federal. Contudo, sob o campo de análise do estudo prático, obtém-se que a funcionalidade normativa impede a supremacia total do critério hierárquico, visto que a exigência de adaptação dos princípios gerais às especialidades de cada caso retoma a necessidade de aplicação do critério da especialidade. (BOBBIO, 1995, p.109).

Conclui-se, então, que a existência de antinomias aparentes solicita a previsão de soluções dentro do âmbito normativo delas inseridas, no qual os próprios critérios de resolução dos conflitos podem enfrentar-se entre si, ocorrendo, portanto, a denominada antinomia de 2° grau.

Para a solução desta nova situação, foi demonstrada a existência de metaregras ou metacritérios, os quais consistem em regras restritas à experiência concreta da aplicabilidade normativa pelos operadores de direito, de grande utilidade e difícil generalização. Neste diapasão, exposto todas as hipóteses de conflitos normativos e alternativas de desfecho entre eles, imperioso a análise do surgimento da antinomia da presente matéria do trabalho, tal qual seja o título do próximo tópico.

6.3  Conflitos Normativos Entre Novo Código De Processo Civil e  Enunciado N° 117 Do FONAJE.

Entende-se que todo ordenamento jurídico pressupõe a existência de uma norma que regule toda situação, ao passo que inexiste caso sem regulamento, apresentando-se completo ao operador do direito. Bobbio conceitua esta ideia como completude, na qual “um ordenamento jurídico tem uma norma para regular qualquer caso.” (1995, p. 115).

Com isso, veja-se que anterior ao período de vigência do Novo Código de Processo Civil, outro dispositivo normativo geral (art. 475-J) regulamentava as disposições da impugnação ao cumprimento de sentença, em particular quanto a obrigatoriedade da garantia em juízo.

Sabido que o microssistema processual dos Juizados Especiais Cíveis, introduzido pela Lei n° 9.099/95, buscou garantir o acesso à justiça através de um procedimento mais célere, simples, informal, garantido a tutela dos direitos daqueles que não possuíam condições de exercê-los à época. Entretanto, a norma especial, conforme já mencionado, não trouxe em seu bojo, no capítulo “Da Execução”, disposição expressa quanto a obrigatoriedade da garantia em juízo na defesa do devedor com relação ao cumprimento de sentença, mas tão somente quanto a execução de título executivo extrajudicial presente no §1°, do art. 53, da Lei.

Neste primeiro momento, não há conflito normativo tendo em vista, em verdade, da existência de ausência de norma especial sobre o tema, constatando-se uma lacuna, a qual pode se distinguir em voluntária ou involuntária de acordo com os dizeres de Dantas, Malfati, Camargo e Lotufo (2005, p. 62):

Nas hipóteses em que a existência de lacuna pode ser atribuída ao legislador, deve ainda ser feita a distinção em decorrência de ser voluntária ou involuntária sua existência: pode-se tratar de mero descuido do legislador ou pode ser que tenha mesmo querido editar norma incompleta, a ser completada pelo aplicador no momento da concretização.

Destarte, o presente caso assemelha-se à lacuna voluntária, em que houve edição de norma omissa; pois se tratando de especial deveria atender a todas as particularidades do microssistema empregado. Pode-se interpretar aqui, talvez como a intenção do legislador em trazer a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil quanto às lacunas que houvesse.

Nesta toada, com o anseio de suplementar o espaço em branco, a fim de que haja coordenação com a norma geral (Código de Processo Civil), e deste modo, evitando-se uma antinomia hierárquica-cronológica, o FONAJE criou o enunciado n° 117, a fim de dispor expressamente sobre a matéria em compatibilidade com a norma geral, optando por manter a coesão do ordenamento; tendo em vista o caráter subsidiário do Código de Processo Civil, que já continha as normas, bastando ao intérprete do Juizado Especial a concretizar.

Pode-se afirmar, então, que o Enunciado originou devido à necessidade de regulamentação jurídica expressa quanto à lacuna enfrentada em diversas situações pelos Magistrados. Explico a reunião de todas as soluções de todos os casos particulares pelos Magistrados fez surgir à necessidade de disposição expressa quanto ao caso, formalizando a orientação jurisprudencial a título de Enunciado.

Em 16/03/2016, com o início da vigência da Lei. 13.415/2015, o então dito Novo Código de Processo Civil trouxe inúmeras mudanças procedimentais, buscando compor um Código moderno, pautado por assegurar as garantias constitucionais[8], ao passo que compatível à eficácia social de suas normas à sociedade.

Dentre elas, observou-se maior aproximação do Código de Processo Civil para com os princípios constitucionais basilares, tais como o contraditório, ampla defesa e celeridade processual, haja vista a atualização procedimental objetivar a procrastinação do lapso temporal ao deslinde processual. Com razão, o art. 525, ao contrário do art. 475-J do CPC/73, inovou ao permitir que o executado apresentasse impugnação ao cumprimento de sentença independente da garantia em juízo, extinguindo-a de requisito de admissibilidade de sua defesa. 

Diante disso, tem-se que a disposição normativa mais recente-superior- geral compatível com a efetividade jurídica atual dispensa a garantia em juízo, assim como a norma anterior-inferior-especial – enunciado n° 117 – determina a obrigatoriedade da garantia em juízo pelo devedor. Constata-se, pois, a antinomia. Percebe-se, ainda, que somente o critério hierárquico, da especialidade ou cronológico por si só não seriam capazes de solucionarem o conflito, de modo que necessário socorrer aos metacritérios. Somado a isso, tanto pelo critério hierárquico-cronológico ou hierárquico-especialidade não seria possível afirmar incisivamente sobre uma solução segura, sendo que necessário uma análise mais ampla sobre a relação da criação dos enunciados para com o ordenamento jurídico, no âmbito do microssistema dos Juizados.

Os Enunciados do FONAJE, conforme alhures discutido pode ser interpretado pela formalização da reunião de julgados sobre o tema, no qual acompanham o momento processual vigente à aplicação. Nesta esteira, o Enunciado vislumbra função de uniformização procedimental, tendo em vista que é possível mensurar esta necessidade devido a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil ao microssistema dos Juizados, potencializando a eficácia da prestação jurisdicional. No próprio site do FONAJE encontram-se os objetivos, em que consta literalmente, no objetivo n°2, “uniformizar procedimentos, expedir enunciados (...)”. Resta claro, então que a superveniência do enunciado se deu pela derivação da Lei geral, acarretando na formalização da orientação jurisprudencial a fim de facilitar o operador do direito, destacando também seu caráter mutável. 

Vale comunicar que, diante das mudanças procedimentais que o CPC/2015 trouxe ao Processo, o FONAJE, no XXXVIII Encontro do Fórum Nacional de Juizados Especiais, realizado em Belo Horizonte, no fim de novembro, firmou o entendimento quanto à supremacia da aplicação da Lei 9.099/95 diante do CPC/2015, elaborando alguns enunciados específicos, sendo o principal de n°161, que diz “considerado o princípio da especialidade, o CPC/15 somente terá aplicação ao Sistema dos Juizados Especiais nos casos de expressa e específica remissão ou na hipótese de compatibilidade com os critérios previstos no art. 2° da Lei 9099/95”. Verifica-se aqui, em primeiro momento, o uso do critério da especialidade para solução de conflitos normativos entre os dois Sistemas processuais, além disso, formaliza a orientação da função subsidiária da norma geral, o que para o estudo em voga garante forte subsídio, pois, esta aplicação deve ser compatível aos princípios estruturais do Juizado, contidos do art. 2° da Lei.

Muito embora o Enunciado n° 117 ainda esteja vigente, este apenas tem condão descritivo, de orientação, determinando a sugestão de uma aplicabilidade mais coerente à situação, não vinculando o Magistrado estritamente a ele, o que pode acarretar no conflito normativo quando o art. 525, CPC for interpretado em concordância com os princípios do art. 2° da Lei dos Juizados. Ademais, o enunciado remete entendimento ao Código revogado, portanto, no mínimo retrógrado, necessitando de atualização jurídica ao novo ordenamento; pois, trata-se de recomendação, não inova procedimento, mas sim, uniformiza de acordo com a norma geral atual.

Nesta sequência, suscitam-se dúvidas quanto às benesses da obrigatoriedade da garantia em juízo em face da oportunidade de exercer o as garantias constitucionais do contraditório e ampla defesa no processo, ou de qual forma esta obrigatoriedade estaria em consonância com as diretrizes da celeridade, simplicidade e informalidade do procedimento especial.

Desse modo, plausível discutir como esta utilidade remissiva pode demonstrar a necessidade da reedição do enunciado n° 117, em conformidade com os princípios constitucionais assegurados pelo Texto Maior em conjunto com a Lei especial.

6.4 Ampla Defesa e Celeridade Processual

O microssistema dos Juizados surgiu para assegurar a eficácia dos direitos assegurados a todos, visando desenvolver um órgão judicial que trabalhasse em divergência com o formalismo excessivo do procedimento comum, aplicando-se princípios estruturais próprios, com o objetivo de prover uma justiça equânime pela praticidade procedimental. Guiando-se pela informalidade, oralidade, simplicidade, economia processual e celeridade, com predominância da conciliação como busca solidária para transação entre as partes, elementos imprescindíveis para que à parcela de pessoas, antes excluída do serviço e acesso à justiça, seja efetivado o provimento judicial do Estado-juiz com afinco em cumprir a missão de restabelecer a ordem jurídica e de atender ao interesse público. (OLIVEIRA, 2012).

Com isso, resta cristalino que no âmbito dos Juizados busca-se desmantelar a morosidade judicial, por meio de um processo mais célere. Isso acontece pela sinergia entre todos os demais princípios, assim como a incidência daqueles garantidos pela Constituição Federal, que se aplicam a todo ordenamento jurídico. Ressaltam-se para o presente estudo, o princípio do contraditório e ampla defesa, corolários do Estado Democrático de Direito.

A Constituição Federal de 1988 trouxe o contraditório e ampla defesa no art. 5°, LV[9], o qual possui expressa aplicabilidade a todo âmbito jurisdicional, isto é, seja em qualquer processo, judicial ou administrativo, e aos acusados em geral. Ainda, aponta o exercício de uma garantia fundamental de justiça. (CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, 2012, p. 64).

Diante disso, torna-se indispensável à ciência dos atos processuais, as quais viabilizam o exercício do contraditório e ampla defesa, a fim de que motivada a atuação das partes na dialética processual, contribuindo com um processo mais justo, principalmente no âmbito dos Juizados. De modo a complementar, Cintra, Grinover e Dinamarco explicam que a ciência dos atos não se limita apenas aos procedimentos de intimação, citação, notificação, mas como também essencial garantir a bilateralidade dos atos contrariáveis. (2012, p.65).

Neste passo, o princípio da celeridade deve conciliar-se aos preceitos fundamentais, de modo que não haja sobreposição de um pelo outro, assim caminhando para melhor prestação jurisdicional.

Conforme já debatido, no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, em fase de cumprimento de sentença, o Enunciado n° 117 do FONAJE orienta pela obrigatoriedade da segurança em juízo para oposição da defesa do devedor em execução de título executivo judicial ou extrajudicial. De igual forma, o Novo Código de Processo Civil, trouxe normativa diversa ao assegurar a desnecessidade do de garantia em juízo para apresentar impugnação ao cumprimento de sentença, que anteriormente era obrigatória, com fulcro no art. 525. Por isso, necessário vislumbrar os desdobramentos, a priori, acerca desta normativa, ou seja, quem garante maior comunicabilidade entre os princípios da celeridade e contraditório e ampla defesa?

Parte-se do pressuposto que a simplicidade e informalidade sustentam a oportunidade do executado em valer-se do exercício bilateral no processo, participando-o do seu início até o desfecho.  Além disso, inegável que o Direito tem seu olhar direcionado à seara social, ou seja, a sociedade, haja vista que desde a criação até a vigência de um conjunto normativo no ordenamento jurídico se almeja acompanhar a evolução, a atualização daquela sociedade, a fim de estatuir normas congruentes as relações sociais.

Não muito diferente pode-se dizer do Código de Processo Civil, que se atentou ao fato do Legislador transmitir normas coerentes com a atualização das relações sociais entre os indivíduos. Com razão, a obrigatoriedade da segurança em juízo transmite o acompanhamento da posição de um Código de Processo Civil, até então á revogado, que não mais proporciona satisfatoriamente preceitos constitucionais à sociedade. Logo, o enunciado n° 117 suscita um posicionamento retrógrado do Judiciário quanto às novas interpretações fáticas e sociais do Legislador, ao passo que instaura ao processo dúvidas quanto a tutela dos direitos resguardados pelo Texto Maior.

Muito embora exista o argumento de que esta exigência da segurança em juízo se explica porque o executado já teria participado da fase de conhecimento do processo, onde exerceu o contraditório e ampla defesa, bem como onde se formulou o título judicial, a aquele lhe restaria aguardar a intimação da penhora para apresentar impugnação. (CUNHA, 2013). Tal ideia excluiria, em primeira análise, o exercício da ampla defesa em todas as fases e momentos processuais, haja vista que, embora exercido em fase de conhecimento, nada obsta que seja de igual forma garantida em fase executiva; além do mais, exclui da possibilidade de defesa àqueles que não dispõem de bens ou ativos financeiros suscetíveis à penhora ou o mínimo que garanta o valor controverso alegado. Portanto, a celeridade processual que se busca pela satisfação do devido processual pregada pela imposição do Enunciado n° 117 transmite insegurança ao âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, visto que este como órgão garantidor do acesso à justiça em determinando momento obsta o exercício daqueles considerados hipossuficientes a situação.

No outro giro, segundo já exposto, o Enunciado n° 161 do FONAJE determina aplicação subsidiária e remissiva do Código de Processo Civil quando em conformidade com os princípios basilares dos Juizados. Com razão, o CPC/15 trouxe melhor harmonização entre os princípios da celeridade e da ampla defesa, estabelecendo no art. 525 pela desnecessidade da garantia em juízo, de modo que ao executado lhe assegura o exercício da defesa permitindo-o utilizar em juízo todos os instrumentos cabíveis, e ao mesmo tempo garante a continuidade processual pautado na bilateralidade dialética, pois a morosidade processual pode estar a serviço daquele interessado na protelação do procedimento.

Desse modo, imprescindível a análise jurisprudencial das Turmas Recursais Únicas do Estado do Paraná, conforme no julgamento em 06/11/2015 do Recurso Inominado n° 0005574-73.2013.8.16.0148 pela 1ª Turma Recursal[10].

Trata-se de Recurso Inominado interposto em face de sentença que rejeitou os embargos à execução, no qual o requerente não garantiu o juízo por entender não ser válido bloqueio judicial sem contraditório, constatando cerceamento de defesa.

Contudo, as alegações da parte restaram infrutíferas, visto que o voto dos Magistrados, quanto à garantia em juízo, procedeu em estrito cumprimento ao enunciado n° 117 do FONAJE.

Em outra ocasião, em julgamento também da 1ª Turma Recursal em 11/09/2015 do Recurso Inominado n° 0000426-62.2013.8.16.0122[11]:

Trata-se de execução de título judicial ajuizada por EDINARA MABONI MACHADO em face de TRADE HUNTER COMERCIO EXTERIOR LTDA, objetivando o pagamento de R$5.419,70. Opostos embargos à execução, estes não foram conhecidos por ausência de garantia do juízo (evento 26.1). Inconformado o executado interpôs recurso inominado, alegando, em síntese que houve cerceamento de defesa, pois a recorrente ofereceu bens à penhora, mas havendo recusa pela recorrida, não foi possibilitado ao juízo a indicação de outros bens, o que gerou a rejeição dos embargos à execução. Observando que a penhora online através do sistema do BACENJUD poderia gerar grave danos a recorrente, devendo ser utilizado como última opção. Ainda requereu que fosse reconhecida a ilegitimidade passiva da recorrente.

Novamente, verifica-se a dominância da orientação do enunciado n° 117, sobre o princípio do contraditório. Outrossim, o pedido do recurso diante do cerceamento de defesa restou indeferido, o que suscita se realmente se garante a celeridade pela garantia em juízo em prol do devido processo legal.

Conclui-se então, que não há certeza quanto à segurança jurídica e a legalidade do Enunciado do FONAJE, tendo em vista, p.ex. os casos supracitados, que é aplicado de forma criteriosa e restrita a literalidade, sem observar situações em que às partes lhes são cerceados a defesa. Com isso, não se vislumbra clareza quanto benesses à celeridade processual pela garantia em juízo, quando observadas estas situações, ao passo que com as novas disposições do Código de Processo Civil, tal orientação pode ser passível de revisão.

6.5 Enunciado Garante Segurança Jurídica?

Conforme demonstrado a aplicabilidade dos enunciados do FONAJE suscita a utilização destes como fonte de direito cogente em paralelo à legislação ordinária n° 9.099/95.

Neste parâmetro, o art. 1° do Regimento Interno do FONAJE é claro ao explicitar suas finalidades, tais quais uniformizar métodos de trabalhos, procedimentos e editar enunciados (inciso III).  Então, tem-se que esta uniformização procedimental, formulada pelos Magistrados, decorre dos entraves enfrentados nas soluções de casos singulares, isto é, deriva da atividade jurisprudencial.

Importante frisar a inovação jurídica pela jurisprudência, nas lições de Miguel Reale (2002, p. 168):

A jurisprudência, muitas vezes, inova em matéria jurídica, estabelecendo normas que não se contêm estritamente na lei, mas resultam de uma construção obtida graças à conexão de dispositivos, até então considerados separadamente, ou, ao contrário, mediante separação de preceitos por largo tempo unidos entre si. Nessas oportunidades, o juiz compõe, para o caso concreto, uma norma que vem completar o sistema objetivo do Direito.

Ainda, a obrigatoriedade do resultado da produção jurisprudencial não detém caráter coercitivo aos demais juízes, pois compete ao caso sub judice. (REALE, 2002, p. 170).

Entretanto, imperioso distinguir que aos enunciados não se aplicam qualidade idêntica a de fonte jurisprudencial, mesmo que contendo aspectos semelhantes, tendo em vista que derivam da atividade judiciária em discutir a melhoria da prestação judicial, pela unidade procedimental.

Nesta toada, surge a discussão quanto à efetividade da aplicação dos enunciados do FONAJE, pois formulados sem a indicação dos fatos e fundamentos que motivaram as edições, ficando restrito aos Magistrados presentes aos encontros, o que pressupõe, no mínimo, ausência de democracia e transparência. (ROSA, 2017).

Assevera-se, além disso, que o FONAJE não consiste, pois, em órgão jurisdicional, mas sim fórum, que por ele são realizados eventos, congressos para reunião de Magistrados, para edição de enunciados declarativos, que, cumpre especificar, não possuem efeito vinculante (ROSA, 2017), bem como o precedente no common law, consoante lembra Lenio Streck (2016), “[...] nem é feito em workshop ou jornadas (caso dos enunciados).”

Destarte, a aplicabilidade dos enunciados como fonte, com a ausência de disponibilização dos fundamentos e razões para elaboração dos enunciados dos Magistrados participantes das reuniões, de decisão origina um abismo frente aos princípios da simplicidade, celeridade, oralidade e eficiência, porque o provimento judicial cita o FONAJE para não motivar a própria decisão, sendo que o próprio FONAJE não apresenta os motivos dos enunciados. (ROSA, 2017).

Nesse ponto de vista, constata-se nebulosa a seguridade jurídica ao ordenamento que um enunciado pode prover, pois, p. ex., “Indefiro o pedido pela aplicação do enunciado Y do FONAJE”, sem motivar a relação jurídica que a embasou, seja pela própria decisão ou pelo enunciado, no mínimo supõe nulidade do enunciado ou interpretação arbitrária, por não ser democrática.

A título de exemplo é o recente julgado da 1ª Turma Recursal do Estado do Paraná, em 27 de Junho de 2017, referente ao Recurso Inominado n° 0008394-50.2014.8.16.0174[12].

Houve interposição de embargos à execução sem garantia do juízo devido à ausência de citação válida. Contudo, importante trazer à baila a fundamentação precária da justificativa da aplicação do enunciado n° 117, in verbis:

É o relatório. Passo ao voto. Satisfeitos os pressupostos viabilizadores da admissibilidade do recurso, razão pela qual, merece conhecimento. Pois bem. É pacifico o entendimento de que para a oposição de embargos à execução, tanto nos títulos executivos extrajudiciais quanto judiciais, é imprescindível a garantia do juízo. Nesse sentido, é a orientação jurisprudencial do FONAJE: ENUNCIADO 117. É obrigatória a segurança do Juízo pela penhora para apresentação de embargos à execução de título judicial ou para apresentação de embargos à execução de título judicial ou extrajudicial perante o Juizado Especial (XXI Encontro Vitória/ES). Assim, não há qualquer situação que autorize a alteração da sentença monocrática, que deve ser mantida intocada. Ante o exposto, não merece provimento ao recurso, conforme razões expostas acima, devendo ser conservada a decisão singular por seus próprios fundamentos (artigo 46 da LJE) e, com base no art. 55 da Lei nº 9.099/95, deve ser a parte recorrente condenada ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que arbitro em 15% sobre o valor da condenação Do dispositivo. Ante o exposto, esta 1ª Turma Recursal resolve, por unanimidade dos votos, em relação ao recurso de FABIANA GOMES DO PRADO STAFIN, julgar pelo (a) Com Resolução do Mérito - Não-Provimento nos exatos termos do voto. O julgamento foi presidido pelo (a) Juiz (a) Fernanda De Quadros Jorgensen Geronasso (relator), com voto, e dele participaram os Juízes Fernando Swain Ganem e Aldemar Sternadt. Curitiba, 21 de Junho de 2017 Fernanda de Quadros Jorgensen Geronasso Juíza Relatora. (grifo do autor).

Do mesmo modo, a 1ª Turma Recursal se posicionou em 21/09/2016, no julgamento do Recurso Inominado n° 0003759-65.2015.8.16.0182[13]:

RECURSO INOMINADO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO EM FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. .IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA REJEITADA AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA AO CÁLCULO DO EXEQUENTE. NECESSIDADE DE GARANTIA COMO PRESSUPOSTO DE ADMISSIBILIDADE .DA IMPUGNAÇÃO. ART.53, §1º DA LEI 9099/95. ENUNCIADO 117 DO FONAJE SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. APLICAÇÃO DO ART. 46 DA LEI 9.099/95. RECURSO NÃO PROVIDO.(Grifei) (TJPR ? 0002458-73.2013.8.16.0014. “[...] Após determinação judicial, o recorrente foi intimado a promover o pagamento do acordo, todavia, apresentou simples petição nos autos arguindo as mesmas teses lançadas neste recurso. Entretanto, referida peça não pode ser vista como embargos à execução, pois ausente, requisito necessário para ser conhecido, conforme dispõe o Enunciado 117 do garantia do juízo FONAJE: É obrigatória a segurança do Juízo pela penhora para apresentação de embargos à execução de título judicial ou extrajudicial perante o Juizado Especial.[...]”(grifo do autor).

Em contrapartida a 2ª Turma Recursal do Estado do Paraná já começou a vislumbrar a viabilidade da relativização da garantia em juízo ao conhecimento dos embargos à execução, ainda que de forma precursora, segundo ementa do julgamento do Recurso Inominado n° 0003583-27.2014.8.16.00019[14]:

RECURSO INOMINADO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. EXECUÇÃO. GARANTIA DO JUÍZO. RELATIVIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE DEPÓSITO DA MULTA DO ARTIGO 475-J DO CPC/73 QUE NÃO OBSTA O CONHECIMENTO DOS EMBARGOS À EXECUÇÃO. DEPÓSITO DO VALOR PRINCIPAL SUFICIENTE NO CASO DOS AUTOS. RECURSO DESPROVIDO.

No acórdão proferido pelas Magistradas Manuela Tallão Benke e Camila Henning Salmoria (2016) constaram que:

[…] o requisito da garantia integral do juízo para a oposição de embargos à execução vem há muito sendo relativizado, sendo que, no presente caso, o pagamento do principal mostra-se suficiente, não havendo razão para não se conhecer dos embargos à execução opostos por falta de depósito do valor acessório.

Identifica-se, que no caso acima não houve garantia integral em juízo, o que de forma prévia já demonstra, conforme proferido, entendimento relativizado sobre a necessidade da garantia em juízo.

Isso posto, a aplicabilidade discricionária do enunciado n° 117 do FONAJE pode acarretar em uma insegurança jurídica, haja vista ausência de fundamentação que a assegure sintonia com os princípios basilares do microssistema dos Juizados Especiais, em contrapartida, a nova sistemática imposta pelo art. 525 do CPC/15, optando pela desnecessidade da garantia em juízo, a priori, demonstra melhor harmonia para com um procedimento mais simples e informal, sem obstar o direito ao contraditório e ampla defesa daquele que se encontra em situação de hipossuficiência processual.

Salutar que a segurança jurídica consiste em um princípio pertinente ao campo dogmático pela discussão sobre a validade da norma jurídica, a função da jurisdição e as inovações sobre o uso alternativo do direito. (SOUZA, 1996, p. 03).

A segurança jurídica constitui um princípio abarcado pela Constituição Federal de 1988, presente em diversos dispositivos, de forma implícita, com o objetivo de assegurar os direitos dos cidadãos de um sistema jurídico coeso. Por exemplo, a proteção ao direito adquirido, ato jurídico perfeito e a coisa julgada (Art. 5°, XXXVI).

Isso advém do estabelecimento de um Estado Democrático de Direito, que visa assegurar, garantir, tanto os direitos sociais e individuais, como os valores do próprio ordenamento. (ÁVILA, 2011, p. 29).

De maneira ampla, pode-se constatar que ao analisar as possibilidades normativas de solução dos conflitos normativos, aumenta-se o rol de alternativas de aplicação da lei, e com isso mais insegurança jurídica é trazida ao ordenamento. (SOUZA, 1996, p. 91).

Desse modo, a criação de enunciados pelo FONAJE, ausentes de transparência sobre as motivações, que embasaram a sua criação sustenta a hipótese de instaurar ao ordenamento relações jurídicas instáveis, visto que os Magistrados os utilizam em compatibilidade a fonte de direito, e sem fundamentação prévia, pois, conforme demonstrado alhures, ultrapassa o caráter de orientação.

A situação agrava-se ainda com a nova redação da Lei Geral (CPC), que diante do enunciado n° 161 do próprio FONAJE, apresenta melhor sintonia com os princípios da simplicidade e informalidade, podendo ser utilizado de forma subsidiária. O enunciado n° 117 acompanha o entendimento procedimental da sistemática já revogada (CPC/73), perpetuando na utilização de um procedimento já entendido pelo Legislador como superado e desatualizado, portanto, no mínimo tal enunciado seria retrógrado sendo imprescindível sua atualização.

Por fim, com o objetivo de ampliar a validade e eficiência dos enunciados, Alexandre Morais da Rosa (2017) entende que “o Fonaje poderia melhorar a qualidade de seus enuncias se indicasse a motivação pela qual se pode ou não concordar com as deliberações. Do contrário, são nulos, por ausência de motivação adequada.”, ou seja, a aplicação discricionária dos enunciados, criados pela atividade judiciária, e por ela aplicada – sem motivação -, suscita a existência de um ordenamento jurídico instável, acarretando em insegurança jurídica.

Sobre os autores
Paulo Emílio Suzuki Belisse

Advogado, inscrito na OAB/PR n° 83.159.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Victor Mendonça; BELISSE, Paulo Emílio Suzuki. Garantia em juízo na fase de cumprimento de sentença nos juizados especiais cíveis frente ao Código de Processo Civil e o FONAJE. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5616, 16 nov. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/69557. Acesso em: 5 nov. 2024.

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