Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Lei 13.718/18: aspectos materiais da importunação sexual.

Agenda 23/10/2018 às 13:34

Abordaremos os elementos estruturantes e algumas circunstâncias peculiares do crime de importunação sexual, previsto no art. 215-A do Código Penal.

O crime de importunação sexual está previsto no art. 215-A do CP.

Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro:
Pena - reclusão, de 1 a 5 anos, se o ato não constitui crime mais grave.

Inicialmente, registre-se que se trata de um crime comum (pode ser praticado por qualquer pessoa); material (exige um resultado naturalístico, i.e., um ato libidinoso); de forma livre (pode ser praticado por qualquer meio); comissivo (o verbo nuclear indica uma ação) e, excepcionalmente, comissivo por omissão (nos casos do artigo 13, §2°, do CP); instantâneo (a consumação é imediata, não se prolongando no tempo); unissubjetivo (pode ser praticado por uma só pessoa); plurissubsistente (sua realização comporta fracionamento).

Embora unissubjetivo, nada impede que seja praticado em concurso de agentes, admitindo, assim, coautoria (quando dois ou mais agentes praticarem o ato libidinoso contra a vítima) e participação (quando uma pessoa, v.g., instigar outra a praticar o ato libidinoso contra a vítima).

O verbo nuclear é praticar que significa fazer, realizar.

Por ser um crime plurissubsistente, admite tentativa.

A expressão “ato libidinoso” é elemento normativo do tipo.

O dispositivo tipifica como ação a prática de ato libidinoso, que é o “ato lascivo, voluptuoso, erótico, concupiscente, que pode ser, inclusive, a conhecida conjunção carnal (cópula vagínica) ou qualquer outro ato libidinoso diverso dela, por exemplo, a ejaculação, praticada na presença da vítima e até mesmo nela”[1].

O tipo penal exige vítima específica (contra alguém) e ausência de consentimento (sem a sua anuência). Nesse aspecto, registro que, a nosso ver, a discordância da vítima deve perdurar durante toda ação do agente, de modo que, se houver a concordância após o início, mas antes do final, descaracteriza-se a figura criminosa. Pela via inversa, se, iniciados os “atos libidinosos” com consentimento de ambas as parte, passar uma delas a dissentir da continuidade dos atos, deve a outra cessar imediatamente sua atividade, pois, se persistir, estará contraindo a incidência do dispositivo, ou, ainda, em se verificando algum constrangimento, poderá dar azo à configuração do crime de estupro.

Frise-se que a expressão alguém deve ser lida como “alguém maior de 14 anos”, pois, nesse caso, a tipificação penal deverá ser feita no artigo 217-A do CP[2]. Ainda, assevere-se que a ausência de consentimento não poderá consistir em nenhuma forma de constrangimento, sob pena de a tipificação penal migrar para o crime do artigo 213 do CP[3]. Ainda, se a conduta não for praticada contra alguém, i.e., se não houver uma vítima específica, poderá configurar o crime do artigo 233 do CP[4]. Se o consentimento da vítima for obtido mediante fraude, poderá incidir o crime tipificado no artigo 215 do CP[5]. E, ainda, se o agente praticar o ato libidinoso na presença de menor de quatorze anos, a fim de satisfazer a sua lascívia ou a de outrem, responderá pelo crime do artigo 218-A do CP[6][7].

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Ademais, o preceito secundário do dispositivo, que estipula a pena, é claro ao referir que o crime de importunação sexual somente terá lugar “se o ato não constituir crime mais grave”, tratando-se de apontamento expresso ao princípio da subsidiariedade.

O crime é punido a título de dolo. Não se admite forma culposa.

O dispositivo se apresenta como um tipo penal incongruente, pois está presente o dolo específico (com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro). Ainda, em virtude desse especial fim de agir, segundo parte da doutrina, trata-se de um crime de intenção.

__________________________________________________________

[1] BITENCOURT, Cezar Roberto. Anatomia do crime de importunação sexual tipificado na Lei 13.718/2018. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-set-30/cezar-bitencourt-anatomia-crime-importunacao-sexual?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook. Acessado em 10 de outubro de 2018.

[2] “Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos”.

[3] Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”.

[4] Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público”.

[5] “Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima”.

[6] Praticar, na presença de alguém menor de 14 (catorze) anos, ou induzi-lo a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem”.

[7] Neste caso, pensamos que o agente deve responder pelos dois crimes (art. 215-A e art. 218-A) em concurso formal, já que são duas as vítimas violadas em sua dignidade sexual.

Sobre o autor
William Garcez

Delegado de Polícia (PCRS). Pós-graduado com Especialização em Direito Penal e Direito Processual Penal. Professor de Direito Criminal da Graduação e da Pós-graduação da Fundação Educacional Machado de Assis (FEMA) e de cursos preparatórios para concursos públicos: Ad Verum/CERS (2018), Casa do Concurseiro (2019), CPC Concursos (2020), Mizuno Cursos (2021) e Fatto Concursos (2023). Professor de Legislação Criminal Especial do curso de Pós-graduação do IEJUR - Instituto de Estudos Jurídicos (2022) e da Pós-graduação da Verbo Jurídico (2023). Organizador e autor de artigos e obras jurídicas. Palestrante. Instagram: @prof.williamgarcez

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!