CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em conclusão, pode-se dizer que a lei era indispensável, vindo preencher um vazio legislativo extremamente danoso. Deve-se reconhecer, entretanto, que suscita diversos problemas de interpretação, sendo em muitos pontos lacunosa. Caberá à doutrina dar-lhe a melhor exegese, e à jurisprudência a melhor aplicação, com os olhos sempre voltados ao crucial conflito entre as exigências da segurança e os direitos da defesa, buscando o ponto de equilíbrio que harmonize a necessária luta contra a criminalidade com os valores de um processo penal respeitoso da dignidade humana.
A CRFB de 1988 consagra o princípio de serem, em juízo, admitidos todos os meios de prova; registra, porém, uma ressalva: se não obtidos por meios ilícitos (art. 5º, LVI). A colocação é lógica, pois o Direito não pode agasalhar o que ele mesmo rejeita.
Após análise do parágrafo único do art. 2º da Lei nº. 9.296/96, conclui-se a decisão judicial que deferi-la deve esclarecer os seus exatos limites, evitando assim eventuais abusos na apuração de fatos desconexos como objeto da investigação ou relacionados a terceiros estranhos à apuração criminal, e somente será possível sua admissão para a persecução de crimes em andamento, não se prestando a medida para a investigação de infrações que sequer tiveram início de execução, sob pena do direito à intimidade, que deve ser entendido como regra, restar demasiadamente vulnerado.
A Lei nº. 9.296, de 24 de julho de 1996, foi formulada para regulamentar o inciso XII, parte final do artigo 5º, da CRFB de 1988, determinando que a interceptação de comunicações telefônicas, seja de natureza que for para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, dependerá da ordem do Juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça, aplicando-se, também, à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática, cessando assim a controvertida questão sobre a possibilidade ou não deste meio de prova e, conseqüentemente, sobre a sua real licitude, desde que o evento tenho sido realizado após a edição da lei, que não contém efeito retroativo.
A interceptação de comunicações telefônicas, de acordo com o texto legal, não pode ser realizada se não houver indícios pelo menos razoáveis da autoria ou de uma participação em infração penal, ou ainda, se a prova puder ser obtida por outros meios disponíveis, sendo fundamental neste ponto, a necessidade da presença do fumus boni iuris, pressuposto determinante para todas as medidas que possuem caráter cautelar.
Somente se houver razoável suspeita de prática de crime punido com reclusão, a autorização judicial efetivará a quebra do sigilo das comunicações telefônicas, mesmo quando não se tratar de interceptação propriamente dita, tais como os números discados para telefones celulares, a lista de chamadas interurbanas, os registros sobre as comunicações existentes nos concessionários de serviços públicos, que são os denominados dados telefônicos, que estão relacionados com as chamadas telefônicas em tempo pretérito, ou seja, já realizadas.
A jurisprudência predominante, sobre a "quebra" do sigilo das contas telefônicas, faz com que o princípio do sigilo absoluto, perca força perante o interesse público, acrescentando a necessidade de uma justa causa para que se defina quando que o interesse coletivo estará acima de uma garantia fundamental do indivíduo. O Juiz deve ser extremamente cauteloso no momento da autorização da quebra dos dados telefônicos, devendo sempre levar em consideração o princípio da proporcionalidade, pois não é qualquer caso de investigação criminal ou instrução penal que justifica tal medida tão invasora da privacidade alheia.
Da mesma forma que ocorria no Código Brasileiro de Telecomunicações, a interceptação telefônica só será válida se for amparada por uma ordem judicial. Esta ordem deve ser anterior a interceptação e eventual autorização posterior não tem a condição de validar as provas irregularmente obtidas. Além disso, a ordem deve partir do Juiz competente para a ação principal, devendo, nesse caso, ser observada a competência ratione materiae (Justiça Federal e Justiça Estadual) e ratione loci. Caso a necessidade surja durante a instrução criminal, não há qualquer problema, pois o Juiz competente é o Juiz do processo.
Assinale, ainda, que o legislador brasileiro limitou-se a exigir prévia e motivada decisão judicial para seu deferimento.
Quando, ainda durante a investigação criminal, for solicitada a autorização para a interceptação, não tendo ocorrido a distribuição do inquérito, qualquer juiz do foro competente para a apreciação do feito, ou seja, que possa conhecer a questão em razão da matéria, poderá autorizar a interceptação telefônica, principalmente porque a competência territorial é prorrogável.
A diligência será conduzida pela autoridade policial, que poderá requisitar auxílio aos serviços e técnicos especializados às concessionárias de serviço público, sempre com a prévia ciência do Ministério Público, que poderá acompanhá-la, se assim entender necessário.
No sentido de se preservar os direitos personalíssimos,
"(...) o legislador previu regras para colher a prova, disciplinando um procedimento secreto para o juiz colher a prova que comportar em violação de sigo preservado pela Constituição ou por lei, cujo ato de diligência será conservado fora do processo, em lugar seguro, sem intervenção de cartório e servidor, somente podendo a ele ter acesso, na presença do juiz, as partes legítimas da causa, que não poderão ele servir-se para fins estranhos à mesma" (art. 3º, §3º, da Lei 9.034/95).
Se a comunicação interceptada puder ser gravada, será efetuada a sua transcrição, encaminhando-se ao juiz competente, juntamente com o devido ato circunstanciado, que em seu conteúdo, mantém registrado um resumo das operações realizadas.
A interceptação permanecerá em segredo de justiça, sendo que, caso já haja a ação penal, o defensor poderá analisá-la, respeitando-se assim, os princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa.
As "comunicações telefônicas" abrangem as conversações telefônicas comuns, bem como as comunicações em sistemas de informática e telemática, diante do que percebe-se a atenção do legislador aos progressos na área de telecomunicações, sendo nesse caso possível a interceptação de comunicações telefônicas enviadas de qualquer modo, abrangendo os dados enviados via Internet.
As provas obtidas por meio de interceptações telefônicas, antes da lei, ou gravações clandestinas são inadmissíveis no processo, pois foram obtidas por meios ilícitos, e pelo ordenamento jurídico hoje vigente, se constituem como prova ilícita. Mas deve-se sempre ser levado em consideração, que o sigilo das comunicações e o direito à intimidade, não possuem caráter absoluto.
REFERÊNCIAS
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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, STJ. 4. T. Resp. n° 2.194/RJ – Relator Min. Fontes de Alencar, Diário da Justiça, 1° jul. 1996.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, STF. Ação Penal n°. 307/3/DF Rel. Min. Ilmar Galvão – Serviço de Jurisprudência – Ementário STF n° 1.804-11.
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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, STF. ADIn n°. 1.488-9 DF, Rel. Ministro Néri Silveira.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, STF. HC 84203/RS, REl. Min. Celso de Mello – decisão : 19/10/2004. Informativo STF n° 366/2004, p. 3
NOTAS
1 Art. 5°. (...)
XII – é inviolável o sigilo de correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.
2 Art. 5°(...)
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
3 Artigo 6° deferido o pedido a autoridade policial conduzirá os procedimentos de interceptação dando ciência ao Ministério Público, que poderá acompanhar a sua realizar.
(...)
§2° Cumprida a diligência, a autoridade policial encaminhará o resultado da interceptação ao juiz, acompanhado de auto circunstanciado, que deverá conter o resumo das operações realizadas. (BRASIL, Lei 9.296/96)
4 Artigo 8° A interceptação de comunicação telefônica, de qualquer natureza, ocorrerá em autos apartados, apensados aos autos do inquérito ou do processo criminal, preservando-se o sigilo das diligências gravações e transcrições respectivas.
Parágrafo único. A apensação somente poderá ser realizada imediatamente antes do relatório da autoridade, quando se tratar de inquérito policial (Código de Processo Penal, art. 10, §1°) ou da conclusão do processo ao juiz para o despacho decorrente do disposto nos artigos 407, 502 e 538 do Código de Processo Penal. (BRASIL, Lei 9.296/96)
5 ART. 40. Quando, em autos ou papéis de que conhecerem, os juízes ou tribunais verificarem a existência de crime de ação pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia. (BRASIL, Dec. Lei n°. 3.689/41)
6 Art. 10. O dia do começo inclui-se no computo do prazo. Contam-se os dias, os meses e os anos pelo calendário comum.
7 Art. 798. Todos os prazos correrão em cartório e serão contínuos e peremptórios, não se interrompendo por férias, domingo ou dia feriado.
§1°. Não se computará no prazo o dia do começo, incluindo-se, porém o do vencimento.