1. Princípios constitucionais relevantes e cabíveis para as pessoas com deficiência
Os princípios constitucionais são bases de sustentação para todos os indivíduos no sistema jurídico. Tais princípios são as primordiais normas fundamentais que conduzem a conduta do individuo perante as leis estabelecidas. Para alguns doutrinadores, os princípios são a própria base do Direito.
Guilherme Amorim Campos da Silva descreve os princípios constitucionais como:
[...] Um conjunto de regras ou preceitos, que se fixam para servir de norma a toda espécie de ação Jurídica, traçando, assim, a conduta a ser tida em qualquer operação jurídica. Princípios Jurídicos, sem duvida, significam os pontos básicos, que servem de ponto de partida ou de elementos vitais do próprio direito. Indicam o alicerce do Direito. E, nesta acepção, não se compreendem somente os fundamentos jurídicos, legalmente instituídos, mas todo axioma jurídico derivado da cultura jurídica universal. Compreendem, pois, os fundamentos da ciência jurídica, onde se firmaram as normas originarias ou leis científicas do direito, que traçam as noções em que se estrutura o próprio direito. Assim, nem sempre os princípios se inscrevem nas leis. Mas, porque servem de base ao direito, são tidos como preceitos os fundamentais para a prática do direito e proteção aos direitos. (SILVA, 2005, p.1095).
Desta forma, os princípios constitucionais têm relevante importância no fundamento da norma jurídica, pois desempenham também como objeto de interpretação Constitucional. Eles estão contidos na Constituição Federal.
1.1. Princípio da Igualdade
O princípio da igualdade é um princípio constitucional, previsto no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, que assim dispõe:
Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, (...). (grifo nosso)
A finalidade desse princípio é promover o tratamento igualitário entre os indivíduos, pretendendo amenizar, ou ate mesmo, eliminar o tratamento desigual e todo ato discriminatório, uma vez que o ato discriminatório na análise da pessoa com deficiência ocorre quando a diferenciação, exclusão e restrição por motivos da deficiência, fazendo com que a pessoa com deficiência seja impossibilitada de exercer o seu direito constitucional de igualdade (FARIAS; CUNHA; PINTO, 2016, p. 35).
O princípio da igualdade possibilita a lei tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, não se aplicando a isonomia como forma que impeça o estabelecimento de situações jurídicas distintas entre pessoas. Assim o princípio da igualdade aborda que, as desigualdades de fato têm origem das diferenças e aptidões pessoais, cabendo tratamento diferenciado as pessoas diferenciadas.1
Luiz Alberto David Araujo aborda nesse sentido:
Na realidade, o patrimônio jurídico das pessoas portadoras de deficiência se resume no cumprimento do direito à igualdade, quer apenas cuidando de resguardar a obediência à isonomia de todos diante do texto legal, evitando discriminações, quer colocando as pessoas portadoras de deficiência em situação privilegiada em relação aos demais cidadãos, benefícios perfeitamente justificados e explicados pela própria dificuldade de integração natural desse grupo de pessoas (ARAUJO, 1997, p. 122).
Através deste princípio, é vedada qualquer diferenciação incoerente, ate mesmo limitando a atuação do legislador, ou de outrem, na aplicação desigual da lei.
O artigo 4° do Estatuto da pessoa com deficiência aborda o tratamento igualitário e não discriminatório, proporcionando resguardo à pessoa com deficiência. E assim dispõe: “Art. 4° Toda pessoa com deficiência tem direito a igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação.”
Por outro lado, terão situações que poderão ocorrer a quebra de igualdade, situações essas que quando a pessoa com deficiência, devido a sua condição, estiver em situações de participação com pessoa sem deficiência, será quebrada a igualdade e prevalecerá a limitação da pessoa com deficiência (ARAUJO, 2003).
Observa-se que Celso Antonio Bandeira de Mello entende que as pessoas com deficiência podem ter a quebra da igualdade, gerando o direito a um tratamento especial, como por exemplo; criação de escola especial, tratamento especial dos serviços de saúde e local de trabalho protegido. Ressaltasse que é possível a quebra de igualdade depois de investigado duas situações importantes, que são: aquilo que for erguido em critério discriminatório, e se, houve justificativa racional, para a aplicação do tratamento jurídico especifico, levantado em função da desigualdade estabelecida (MELLO, 1997).
Ressaltasse que no princípio da igualdade a diferenciação entre igualdade formal e material. A igualdade formal esta prevista no artigo 5° da Constituição Federal. O objetivo principal é abordar que perante a lei, todos são iguais. E que a legislação não pode ser fonte de desigualdade entre as pessoas 2.
O princípio da igualdade material aborda que pessoas diferenciadas recebam tratamentos conforme a sua peculiaridade. Assim, em algumas situações onde qualquer pessoa apresentar suas limitações, deve receber tratamento de forma diferenciada, respaldando assim o princípio da igualdade 3.
Desta forma, a igualdade é o princípio de regra principal, e deve ser observada diante de indivíduos diferentes, uma vez que, nessa situação haverá regulamentações diferentes, que visa gerar e assegurar a igualdade.
1.2. Princípio da dignidade da pessoa humana
O princípio da dignidade da pessoa humana é o efeito da evolução do pensamento humano. Esse princípio rodeia desde a existência humana, apesar que não havia ainda uma concepção legal, mas os seus vestígios já se faziam presentes na consciência humana.
A dignidade da pessoa humana é um dos princípios basilar do Estado Democrático de Direito, visto que é um dos fundamentos, e esta previsto na Constituição Federal de 1988 no artigo 1°, inciso III, que assim dispõe:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania
III - a dignidade da pessoa humana;
(grifo nosso)
Guilherme Amorim Campos da Silva compreende o princípio da dignidade da pessoa humana como:
Direito fundamental integrante da categoria de direitos negativos ou de defesa, também denominados diretos individuais ou de liberdade. Proclama o valor distinto da pessoa humana e tem, como conseqüência lógica, a afirmação de Direitos específicos de cada ser humano, sem distinções de gênero, raça, cor, credo, sexo e outras. Objetivo e fundamento dos direitos humanos dá unidade ao sistema constitucional brasileiro (SILVA, 2007, p. 114).
Assim, este princípio é um conjunto de princípios e valores, que protege o individuo em sua dignidades, abrangendo esta proteção na integridade físico, moral e espiritual. Assegurando ao homem os seus direitos perante a sociedade e o poder público.
Desta forma, todas as pessoas são titulares deste princípio.
1.3. Princípio da liberdade de locomoção
A Constituição Federal de 1988 no artigo 5° aborda tipo de liberdade que qualquer indivíduo possui, visando, sobretudo controlar abuso e excesso do poder do Estado.
O Princípio da liberdade de locomoção, conhecido também como o direito de ir e vir, está incluso dentro dos direitos fundamentais previsto na Constituição Federal, no artigo 5°, inciso XV, que assim dispõe: “XV- É livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens.”
Este princípio constitucional discorre do direito do individuo ingressar, sair, permanecer e se locomover no território brasileiro. Mas tal princípio não é absoluto, podendo ser restringindo conforme cada caso que a lei prevê.
A pessoa com deficiência tem a liberdade restringida em vista da pessoa sem deficiência, uma vez que a sua deficiência gera uma limitação, como mental, física ou sensorial.
No entanto, o Estatuto da Pessoa com Deficiência no Capítulo X, visa amenizar particularmente essas limitações, assegurando a pessoa com deficiência o seu direito de ir e vir com prioridade e segurança. Como por exemplo; reserva de 2% das vagas de estacionamento abertos ao publico para pessoas com deficiência. Reserva de 10% dos carros das frotas de taxi adaptados para o acesso das pessoas com deficiência.
Essas e dentre outras reservas, possibilita que a pessoa com deficiência, possa se locomover, com segurança, tranqüilidade e prioridade.
Ressalta-se também, a importância do poder publico em gerenciar a infraestrutura das ruas em todas as cidades. Pois a falta de infraestrutura gera a restrição para a pessoa com deficiência em se locomover.
Assim, este princípio garante a liberdade da pessoa com deficiência em se movimentar, e ao mesmo tempo está ligado à acessibilidade, no qual trata o direito de mobilidade com segurança e prioridade dos mesmos.
2. Breve histórico do Estatuto da Pessoa com Deficiência
O Estatuto da Pessoa com Deficiência é repleto de acontecimentos importantes na sua formação. Primordialmente, é necessário abranger a Constituição Federal de 1988, uma vez que, através desta Constituição, surgiu à proteção da pessoa com deficiência por meio dos direitos fundamentais, abordando o princípio da igualdade e o princípio da dignidade da pessoa humana.
A Constituição Federal de 1988 foi marco importante para os direitos sociais, apresentou diversos dispositivos para proteção das pessoas com deficiência, proporcionando mudanças no tratamento das pessoas com deficiência, e até mesmo visando formas de gerar inclusão social dessas pessoas (LARAIA, 2009).
Visando maior credibilidade para proteger e oferecer direito para as pessoas com deficiência, surgiu a Convenção Internacional dos Direitos dos Deficientes.
A Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência foi estabelecida no mês de dezembro do ano de 2006, por meio da Assembléia Geral da ONU, a Convenção visa proteger, garantir e promover o respeito, à dignidade, a liberdade fundamentais e o acesso aos direitos humanos para toda pessoa com deficiência4.
De acordo com Ana Carolina Del Castillo Juca
Elaborada ao longo de 4 anos, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência – 2007 contou com a participação de 192 países membros da ONU e de centenas de representantes da sociedade civil de todo o mundo. Em 13 de dezembro de 2006, em sessão solene da ONU, foi aprovado o texto final deste tratado internacional, firmado pelo Brasil e por mais 85 nações, em 30 de março de 2007, cuja finalidade é proteger os direitos e a dignidade das pessoas com deficiência. As Partes da Convenção são obrigadas a promover, proteger e assegurar o exercício pleno dos direitos humanos das pessoas com deficiência e assegurar que gozem de plena igualdade perante a lei. Esse texto da convenção foi aprovado pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 13 de dezembro de 2006 e promulgado pelo Brasil em 25 de agosto de 2009 (Juca, 2016).
Foi acolhido pelo Brasil através do Decreto Legislativo n°186/2008, ratificada em 2008 e promulgada pelo Presidente da Republica pelo Decreto Federal n° 6.949/2009, e desta forma adentrou no ordenamento Jurídico brasileiro (GONÇALVES, 2016).
Izabel Maria Madeira de Loureiro Maior descreve sobre a finalidade da convenção:
Trata-se de um importante instrumento legal no reconhecimento e promoção dos direitos humanos das pessoas com deficiência e na proibição da discriminação contra as estas pessoas em todas as áreas da vida, incluindo ainda previsões específicas no que respeita à reabilitação e habilitação, educação, saúde, acesso à informação, serviços públicos, etc. Simultaneamente à proibição da discriminação, a Convenção responsabiliza toda a sociedade na criação de condições que garantam os direitos fundamentais das pessoas com deficiência (MAIOR, 2007).
Assim a Convenção tem a finalidade de alterar o conceito e o entendimento, de que a pessoa com deficiência é que tem que se adequar na sociedade, passando o entendimento, no sentido de que a sociedade que deve se reabilitar, e exercer a inclusão da pessoa com deficiência (GONÇALVES, 2016).
Porém, anteriormente a Convenção, no Brasil no ano 2000, o Senador Paulo Paim apresentou o Projeto de Lei sobre o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Em 06 de julho de 2015 foi sancionada a Lei n° 13.146, denominada como Lei Brasileira de Inclusão/ Estatuto da Pessoa com Deficiência.
A referida lei entrou em vigor no dia 02 de janeiro de 2016, e beneficia mais de 46 milhões de brasileiros em varais áreas, como por exemplo: saúde, educação, trabalho, habilitação, reabilitação, transporte, turismo, lazer e acessibilidade. A lei é de suma importância, uma vez que, é instrumento de maior emancipação civil e social para a pessoa com deficiência, consolidando leis já existentes e remete ao avanço nos princípios da cidadania5.
3. A plena efetividade do Estatuto da Pessoa com Deficiência
O Estatuto da Pessoa com Deficiência trouxe diversos debates, especialmente entre os civilistas, uma vez que A Lei n° 13.146/2015 visa à plena inclusão civil de pessoas deficientes que eram tidas como relativas ou absolutamente incapazes no Código Civil de 2002 em seu sistema anterior6.
Em pouco tempo da vigência e aplicação da Lei de Inclusão surgiu dois posicionamentos com relação à eficácia e os reflexos das normas do Estatuto. Sendo o primeiro entendimento apoiado por José Fernando Simão e Vitor Kumpe, ambos não concordam com as alterações trazidas pela Lei de Inclusão, fundamentando que a dignidade das pessoas com deficiência deve ser preservada por meio da proteção como vulneráveis. Porem a segunda corrente apoiada por Pablo Stolze, Paulo Lôbo e Nelson Rosenvald aplaude a inovação, pela tutela da dignidade-liberdade das pessoas com deficiência, evidenciada pelos objetivos de sua inclusão7.
Há criticas de diversos doutrinadores civilistas, pois abordam que o Código Civil visava proteger indivíduos que não conseguem exprimir a sua própria vontade, sendo necessário assim um representante que fale e age, para que esse indivíduo possa participar dos atos da vida civil perante a sociedade. Para eles a vulnerabilidade do individuo não podem ser desconsiderada, considerando assim o deficiente vulnerável, porém ressaltam que o Estatuto da Pessoa com Deficiência visa gerar a inclusão das pessoas com deficiência, porém essas pessoas acabam ficando desprotegidas.8
Tais civilistas abordam que os efeitos da prescrição e decadência passaram a correr contra as pessoas deficientes, destacam-se que antes da entrada em vigor da Lei de Inclusão, o Código Civil de 2002 nos artigos 198, I e 208 protegiam essas pessoas consideradas absolutamente incapazes, sendo assim não poderia correr o prazo prescricional e decadencial contra eles. 9
Outro aspecto importante é que estando a pessoa com deficiência totalmente capaz, poderá celebrar negocio jurídico sem restrição, uma vez que as invalidades previstas no Código Civil não se aplicam mais. Sendo objetivo também da Lei de Inclusão tornar válido um contrato celebrado por incapaz, ate mesmo se esse contrato for desvantajoso. A anulação só será possível após a prova de um vicio de consentimento como o erro ou o dolo10.
A Lei Brasileira de Inclusão modificou também a responsabilidade subsidiaria do artigo 928 do Código Civil. Anteriormente ao Estatuto, o deficiente não respondia com seus próprios bens os danos causados a terceiro, o seu representante legal que iria responder pelos danos causados. Com a entrada em vigor do Estatuto da Pessoa com Deficiência, o deficiente adquiriu autonomia e responsabilidade exclusiva de si.11
Para Pablo Stolze o Estatuto da Pessoa com deficiência trouxe benefícios e proteção para as pessoas com deficiência, afirmando que a nova lei trouxe grande conquista social para tais pessoas por meio da inclusão, resguardados primordialmente o Princípio da Dignidade Humana12.
No que toca à efetividade da Lei Brasileira de Inclusão, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, proporcionou a inclusão social, ou retirou a vulnerabilidade da pessoa com deficiência, impedindo a sua inclusão. Conclui-se que a Lei Brasileira de Inclusão é benéfica ao deficiente, proporcionando a inclusão social, resguardando primordialmente a dignidade da pessoa humana.
Assim, a Lei Brasileira de Inclusão retirou a pessoa com deficiência do rol dos absolutamente incapazes, gerando independência e liberdade para praticar os seus atos, porém, não se pode desprezar que, as alterações no sistema da incapacidade geraram desamparo para as pessoas que são desprovidas de consciência e capacidade de comunicar.13
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho apresentado abordou os princípios constitucionais que envolvem os direitos inerentes a pessoa com deficiência.
Apresentou também o grande marco para as pessoas com deficiência, que é o surgimento da lei n° 13.146, de 6 de julho de 2015, conhecida como Lei brasileira de Inclusão, abordando varias garantias e direitos fundamentais. Uma das suas novidades são as alterações na teoria da capacidade, onde a pessoa com deficiência deixou ser incapaz e passa a ter capacidade para praticar os atos na vida civil.
Consequentemente ocorreram alterações no instituto da tutela e curatela, onde a curatela passa a ser aplicada com expressa indicação de um Juiz, em determinada situações (atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial), que o curatelado será assistido pelo seu curador. A curatela passa ter caráter extraordinário, e durará o menor tempo possível.
Nesse sentido, o presente trabalhou discorreu sobre os princípios constitucionais que norteiam a pessoa com deficiência e a plena efetividade do Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Assim, a Lei n°13.146/2015 Lei brasileira de Inclusão, por ser uma leia nova gera criticas de diversos aspectos na sua aplicação, porém o seu principal objetivo é garantir autonomia, liberdade e igualdade da pessoa com deficiência perante a sociedade.