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O direito internacional

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Agenda 08/12/2018 às 13:56

O DIREITO INTERNACIONAL CONSTITUCIONAL

     Direito constitucional é o ramo do direito público interno dedicado à análise e interpretação das normas constitucionais. Na perspectiva contemporânea, tais normas são compreendidas como o ápice da pirâmide normativa de uma ordem jurídica, consideradas leis supremas de um Estado soberano e têm por função regulamentar e delimitar o poder estatal, além de garantir os direitos considerados fundamentais. O direito constitucional aborda ainda as normas de organização e funcionamento do Estado, do ponto de vista de sua constituição política.

     Tanto o direito internacional quanto o direito constitucional transformam-se em conjunto e cada vez são encontrados mais pontos de interseção entre os dois ramos, que não necessariamente terminam onde o outro começa.

     A transformação e redução das fronteiras econômicas passam a transformar gradativamente também as fronteiras políticas. O processo de globalização econômica acentua-se cada vez mais. Excetuando os períodos de tensão, cresce a ideia de que são necessários padrões globais, denominadores comuns entre os países e as civilizações, posto que estamos cada vez mais conectados.

     Assim, ao lado de processos de integração regionais, com a elaboração de um direito supraconstitucional, a defesa dos direitos humanos ganha destaque, podendo ser considerado esse elemento comum integrador.

    Na evolução e intensificação da integração das relações sociais em escala mundial, surge a necessidade de estabelecer normas aceitas e reconhecidas pela comunidade internacional dos Estados como um todo, consagradoras de valores essenciais para a convivência coletiva, imperativa, ou pelo menos cooperativa às normas constitucionais dos Estados, restritivas da soberania estatal e variáveis no tempo e no espaço.

    Apesar da crescente integração internacional, inclusive, com a criação de blocos regionais e poderio crescente de empresas multinacionais, é difícil empreender a construção de um conjunto de normas que representem o interesse comum de todos os Estados, estabelecendo um novo Direito que irmanasse, inclusive por um sentimento de união global, Nações de diversos Continentes, através da fixação de padrões jurídicos mínimos conformadores de uma sociedade internacional plural e complexa de nossa era contemporânea.

    Com o gradativo desaparecimento das fronteiras das nações, surge a necessidade mundial de um ordenamento que estabelecesse normas que visem, na verdade, enfrentar os graves problemas de globalização, com a tentativa de estabelecer sistemas de proteção das relações internacionais com vistas de permitir o convívio entre os membros da sociedade internacional.

    A Carta da ONU é parte da constituição material do Direito Internacional Geral. Celebrada em “momento constitucional”, ela não apenas possui vocação universalista, mas também consolida hierarquia normativa internacional, inaugura lógica jurídica de subordinação e vincula terceiros Estados a seus princípios.

    Atualmente, a Organização das Nações Unidas comporta, virtualmente, a totalidade dos Estados existentes no mundo. Por mais que isso reflita a tendência evolutiva de universalização do Direito Internacional Contemporâneo, a pretensão universalista da organização esteve presente desde sua criação, como evidenciam as palavras da Casa diplomática brasileira durante as negociações que antecederam a Conferência de São Francisco: “Da mesma forma como todo indivíduo, em um ordenamento jurídico, é subordinado à jurisdição de algum Estado, também na ordem externa todo Estado deve estar incluído na Organização Internacional.”

O caráter constitucional da Carta da ONU é defendido por diversos autores, entre os quais Bardo Fassbender. Para o autor, o “sistema de governança” instituído pela Carta é um dos seus mais importantes elementos de constitucionalidade. O artigo 25 do documento confere ao Conselho de Segurança verdadeiras competências legislativas em matéria de paz e segurança internacionais. No exercício de suas funções previstas no capítulo VII da Carta, o órgão emite resoluções obrigatórias para todos os membros da ONU. O próprio autor reconhece, contudo, que essa ordem constitucional é rudimentar; a Corte Internacional de Justiça não possui jurisdição obrigatória sobre os Estados membros da organização, e não há um sistema formal de “freios e contrapesos” entre os seis principais órgãos da ONU. Se, por um lado, o Direito regula a sociedade, por outro, é um produto dela. Dessa forma, a constituição da sociedade internacional não poderia ser alheia a seu caráter descentralizado; por isso a institucionalidade imperfeita.

    Eram outros os tempos quando Corte Permanente de Justiça Internacional deliberou sobre o caso Lótus, em 1927. Atualmente, o voluntarismo é insuficiente para explicar a obrigatoriedade do Direito Internacional. A Carta da ONU, em um de seus aspectos constitucionais, relativizou o princípio do consentimento e previu obrigações para terceiros Estados. Além disso, os artigos 108 e 109, relativos às emendas à Carta, adotam o procedimento de maioria qualificada de dois terços dos membros, incluindo os membros permanentes do Conselho de Segurança. O que salienta a materialidade constitucional do texto é o fato de os Estados dissidentes em processo de alteração da Carta estarem vinculados ao novo texto, ainda que de modo contrário à sua vontade manifesta.

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    O sistema horizontal de normas, característico do Direito Internacional Clássico, foi redefinido pela Carta da ONU. O artigo 103 do documento estabeleceu hierarquia de normas na sociedade internacional. É característica emblemática das constituições a qualidade superior de seus dispositivos; nesse aspecto, também se reveste de natureza constitucional a Carta da ONU. Por força do referido artigo, não apenas a Carta da ONU, mas também as resoluções do Conselho de Segurança são hierarquicamente superiores às demais normas pelas quais os Estados estejam vinculados.

    O bloco de constitucionalidade não se resume ao texto formal elaborado por Assembleia Constituinte, mas inclui um conjunto de normas que deve ser incluído à constituição, em função de sua materialidade constitucional. O Reino Unido, por exemplo, não conta com texto constitucional único, o que não significa que não possua constituição. Em verdade, a constituição britânica é composta por normas escritas, por decisões judiciais e por princípios jurídicos. O Direito Internacional Geral, da mesma forma, conta com normas de precedência hierárquica que se agregam ao bloco de constitucionalidade cujo eixo principal é a Carta da ONU.

    Por iniciativa de países socialistas e de países em desenvolvimento, a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969 reconheceu, em seu artigo 53, a existência de normas imperativas de Direito Internacional Geral, das quais nenhuma derrogação é permitida, a não ser por norma posterior de mesma natureza. Essas normas de jus cogens possuem hierarquia superior a todas as demais normas de Direito das Gentes e devem ser respeitadas por todos os órgãos legislativos e jurisdicionais internos e internacionais.

    Obrigações erga omnes, devidas à comunidade internacional como um todo, são reconhecidas pela Corte Internacional de Justiça. Ainda que não haja, no estatuto da Corte, previsão de uma actio popularis, o instituto não é excluído do Direito Internacional Contemporâneo. Nos casos relativos à África do Sudoeste, os votos dissidentes dos juízes Kotaro Tanaka e Philip Jessup reconheceram que a existência de interesse jurídico por parte de qualquer Estado exige sua proteção pelos meios adequados.

    A Comissão de Direito Internacional, em seu projeto de artigos sobre responsabilidade internacional, de 2001, que, em boa medida, reduz a termo as normas consuetudinárias relativas ao tema, determinou que qualquer Estado pode invocar a responsabilidade internacional de outro que tenha violado obrigação devida à comunidade internacional como um todo. Pode, ainda, impor-lhes retorsões, a fim de forçá-lo a respeitar o Direito Internacional. Normas de jus cogens reconhecidas pela comunidade internacional, como a proibição do genocídio e da escravidão, possuem efeitos erga omnes, e sua violação acarreta responsabilidade agravada.

    A sociedade internacional é descentralizada. É natural que o Direito dessa sociedade também o seja. Enquanto a Carta da ONU constitui o eixo fundamental do bloco de constitucionalidade do Direito Internacional Geral, diversas organizações internacionais, de cunho regional ou funcional, consolidam regimes internacionais especiais, dentro dos quais novos aspectos constitucionais surgem com intensidade variada. Os tratados constitutivos de cada uma dessas organizações criam instituições legislativas e jurisdicionais; desenvolvem sistema jurídico próprio, por vezes supranacional, que se complementa com o Direito Internacional Geral e com o Direito Interno dos Estados. Forma-se, desse modo, uma rede constitucional desigual, que abrange os Estados, as regiões, as organizações que tratam de temas específicos da agenda internacional e a organização universal por excelência, a ONU. As consequências dessa evolução jurídica influenciam inelutavelmente o direito interno dos Estados.

    Desta necessidade, surge o objeto do Direito Internacional Constitucional, que é a delimitação de um ordenamento estruturante da sociedade internacional, através da fixação de parâmetros e valores comuns, com respeito à autodeterminação e independência dos Estados.

    Enquanto, no desenvolvimento histórico dos povos antigos, o estrangeiro era sempre inimigo que deveria ser submetido ou destruído, nos dias atuais, com a interdependência dos povos, a sociedade internacional busca uma comunidade de valores que sejam partilhados com firmeza concordante e consciência jurídica internacional.

    A dificuldade é, diante da diversificação internacional e da complexidade social, identificar os parâmetros jurídicos mínimos que conferem coerência e harmonia ao convívio internacional, bem como estabelecer a aceitação destes parâmetros, não só pela conscientização da internacionalização que vem ocorrendo, mas também pelo reconhecimento do complexo jurídico internacional integrado por normas costumeiras, principiológicas ou convencionais.

    O direito internacional constitucional é um campo do direito em formação, cujo conteúdo encontra-se em expansão, sendo alimentado por dois processos paralelos: a internacionalização do direito constitucional e a constitucionalização do direito internacional.

    O primeiro desses processos é regulado internamente pelas normas constitucionais dos países abertos a ele. Assim, pode assumir diferentes graus de intensidade, a depender da abertura do país analisado em relação à ordem internacional. No entanto, seja qual for a intensidade desse processo no interior de um dado país, as normas internacionais – sobretudo aquelas que dizem respeito aos direitos humanos – exercem pressão para que o processo siga em curso, porquanto podem ser invocadas por grupos sociais interessados – antes da ratificação de instrumentos internacionais, como forma de legitimar um pleito, e também após a ratificação, junto ao judiciário local e aos órgãos internacionais de fiscalização. Em última análise, esse processo contribui para a implementação dos direitos humanos.

    A principal consequência da configuração de um direito internacional constitucional é a convergência da comunidade internacional. Em síntese, os processos supramencionados, se permeados por um diálogo intercultural que envolva a identificação de um “mínimo denominador comum” entre todas as culturas e o respeito mútuo às diferenças, contribuirão para a conformação de um mecanismo de gerenciamento conjunto dos problemas globais. Guardadas as devidas proporções em termos de escala, a União Europeia representa um exemplo de mecanismo de gerenciamento de problemas comuns criado a partir de uma convergência contínua.

    A definição das características do Direito Internacional Constitucional é fruto da análise do modelo constitucional contemporâneo extraído da realidade histórica, política e social de integração internacional:

    a) Área do Direito Internacional: o Direito Internacional Constitucional é uma parte do Direito Internacional estruturante das relações internacionais;

    b) Imprecisão: não há delimitação precisa com normas próprias, sendo para alguma uma flexibilização generalizada do direito ou para outros um compromisso ético universal;

    c) Complexidade: apesar da constatação da existência e da necessidade de valores comuns imperativos na comunidade internacional, há o dilema do consenso cultural e de costumes com a divergência valorativa gerando progresso social;

    d) Diversidade temática: os preceitos jurídicos mínimos estruturantes da sociedade internacional são voltados a tratar de termas como Direitos Humanos, proteção ambiental e promoção da paz e segurança mundiais

    e) Mudança de paradigma: no Direito Internacional Constitucional a questão constitucional é repensada como reflexo da ocorrência da perspectiva globalizante de uma ordem sem limites geográficos e com conteúdos imprecisos.

    Do Direito Internacional Constitucional emanaria uma ordem jurídica global que promoveria a formação de uma comunidade de nações. No contexto do Direito de Integração, há instrumentos e mecanismos que permitem o desenvolvimento da ordem jurídica global:

    Universalização dos direitos fundamentais da pessoa humana: a internacionalização dos direitos humanos surge a partir do pós-guerra, em resposta às atrocidades do nazismo, com a formação de um sistema voltado à proteção da dignidade humana em todo o mundo, caracterizado pela universalidade e indivisibilidade dos direitos humanos.

    Desde meados do século XIX, começa o surgimento das normas internacionais de Direitos Humanos, como a Carta das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, sociais e culturais, ambos de 1966, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969, dentre outros.

    O Direito Internacional dos Direitos Humanos representa a fixação de parâmetros jurídicos mínimos de princípios constitucionais que incorporam as exigências de justiça e valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo o sistema jurídico.

    A tutela internacional dos Direitos Humanos decorre da necessidade de proteger valores que orientam o universo do relacionamento internacional, com vistas a permitir a convivência entre os membros da sociedade internacional e a fornecer diretrizes para a aplicação e interpretação das normas internacionais.

    Na tutela internacional dos Direitos Humanos há a fixação de parâmetros mínimos que resguardem a dignidade da pessoa humana, por meio de previsão de direitos essenciais para o ser humano, além de mecanismos de proteção e monitoramento na efetivação e concretização dos referidos direitos. No caso de violação aos direitos humanos, a tutela internacional prescreve a responsabilização do Estado violador, tendo a comunidade internacional a responsabilidade subsidiária, quando as instituições nacionais se mostrarem falhas ou omissas na proteção de direitos.

    A tutela internacional dos Direitos Humanos conflita com ideias e concepções próprias de diferentes povos do mundo que possuem valores e contextos histórico-culturais diversificados. Para alguns é uma utopia a existência da tutela universal; para outros, uma tentativa de compatibilizar a vida dos povos a uma realidade promotora da dignidade humana no mundo como uma prioridade de convivência internacional, já que todos os povos contribuem na diversidade e riqueza das civilizações e culturas, que constituem o patrimônio comum da humanidade.

    Relativização da soberania estatal em nome de certos objetivos comuns: no relacionamento internacional há uma interdependência entre os diversos Estados derivada do surgimento de problemas relacionados de preocupação comum, como as questões relacionadas aos direitos humanos, à paz mundial e ao meio ambiente. Além da interdependência, constata-se a existência de compromissos internacionais assumidos pelos tratados e acordos internacionais, refletindo uma limitação na soberania estatal.

    Intensificação dos fluxos internacionais de bens e serviços no desenvolvimento do comércio internacional e funcionamento das finanças internacionais: a estruturação de uma ordem econômica internacional, com a inclusão de princípios orientadores do intercâmbio comercial e financeiro na ordem mundial.

    Preocupação mundial com a degradação ambiental e o desenvolvimento sustentável: a preocupação no estabelecimento do equilíbrio entre a exploração da natureza pelo homem e a capacidade dos ecossistemas é fator de aproximação entre as nações, no sentido de buscar soluções e normatizar diretrizes de prevenção e precaução ambientais.

    Necessidade do combate de crimes internacionais com a cooperação internacional: o crime internacional é um mal que deve ser combatido por todas as nações que estejam voltadas para a prevenção e repressão de atos que ofendam valores considerados essenciais ao convívio internacional, como a proibição do genocídio e a corrupção. Deve existir cooperação internacional com articulação no combate à criminalidade.

    Reconhecimento do patrimônio comum da humanidade: há espaços geográficos, como espaço extra-atmosférico que não pertencem a nenhum Estado, mas que são compartilhados por toda a humanidade. O conceito de patrimônio comum da humanidade empregado na Convenção do patrimônio cultural e natural da UNESCO de 1972 é de interesse da comunidade internacional, como um legado que deve ser preservado e valorizado.

    Busca de solução pacífica de conflitos internacionais com mecanismos de segurança coletiva e manutenção da paz: no cenário internacional a busca da paz mundial e segurança coletiva constituem parâmetros mínimos de nações civilizadas dentro do convívio internacional, devendo o uso da força ser usada em casos excepcionais como na legítima defesa do Estado agredido ou ação da ONU para manter ou restaurar a paz.

    O Direito Comunitário é um desdobramento do Direito Internacional, mas que, ao contrário deste, não é de Direito Público, pois possui um caráter supranacional, tendo natureza Público-Privada. Na América do Sul temos como exemplo o Direito no âmbito do Mercosul. Outros autores preferem colocar a legislação do Mercosul como "Direito de Integração" e nesse posicionamento o direito da União Europeia seria o "direito de integração em nível comunitário" ou direito comunitário propriamente dito.

O Direito Internacional e o Direito Constitucional são revistos, abrindo caminho para o Direito Internacional Constitucional se firmar como ramo de estudo do direito.

Sobre o autor
Benigno Núñez Novo

Pós-doutor em direitos humanos, sociais e difusos pela Universidad de Salamanca, Espanha, doutor em direito internacional pela Universidad Autónoma de Asunción, com o título de doutorado reconhecido pela Universidade de Marília (SP), mestre em ciências da educação pela Universidad Autónoma de Asunción, especialista em educação: área de concentração: ensino pela Faculdade Piauiense, especialista em direitos humanos pelo EDUCAMUNDO, especialista em tutoria em educação à distância pelo EDUCAMUNDO, especialista em auditoria governamental pelo EDUCAMUNDO, especialista em controle da administração pública pelo EDUCAMUNDO, especialista em gestão e auditoria em saúde pelo Instituto de Pesquisa e Determinação Social da Saúde e bacharel em direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Assessor de gabinete de conselheiro no Tribunal de Contas do Estado do Piauí.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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