3. COISA JULGADA
De acordo com o que nos esclarece Enrico Tulio Liebman, em clássica obra, "na opinião e linguagem comuns, a coisa julgada é considerada, mais ou menos clara e explicitamente, como um dos efeitos da sentença, ou como a sua eficácia específica". 55
Entretanto, o mesmo autor – a partir do qual houve uma considerável mudança nos estudos sobre a coisa julgada – define-a, não como efeito, mas autoridade da sentença, expressão que usa, inclusive, no título de uma de suas obras.
A maior parte da doutrina 56 entende que o Código de Processo Civil segue linha traçada por Liebman e trata a coisa julgada como qualidade da sentença, definindo-a como a eficácia que torna imutável e indiscutível a sentença irrecorrível (art. 467).
A coisa julgada possui tal importância para o ordenamento jurídico brasileiro, que existe vedação expressa na Constituição Federal 57 para que lei ordinária não a prejudique.
Quando o juiz decide definitivamente uma causa, esta não mais pode ser posta em Juízo, uma vez que os prejuízos de tal permissão seriam a perda da segurança jurídica e da credibilidade do Judiciário perante a sociedade.
Se, portanto, as mesmas partes, com o mesmo pedido e causa de pedir (mesma ação) figurarem em duas demandas e uma delas já houver sido decidida definitivamente, o segundo processo deverá ser trancado, conforme art. 267, V, do CPC.
Vale fazer aqui a ressalva de que uma das duas causas já deve ter sido extinta, com preclusão de todos os recursos, posto que, se isto não houver ocorrido, haverá litispendência, e não coisa julgada.
Por fim, convém esclarecer que, das partes componentes da sentença, acima analisadas: relatório, fundamentação, dispositivo, apenas faz coisa julgada esta última. "É só o comando pronunciado pelo juiz que se torna imutável, não a atividade lógica exercida pelo juiz para preparar e justificar a decisão". 58
Daí se conclui que o raciocínio ou linha de pensamento que adota o juiz pode ser modificado tantas vezes quantas lhe parecerem corretas em processos distintos. No entanto, o comando da sentença ou a conclusão daquele caso em espécie, não.
3.1. Preclusão
Há, também, diferença lógica, conceitual e prática entre coisa julgada e preclusão. As decisões interlocutórias de um processo não fazem coisa julgada, uma vez que esta é qualidade apenas da sentença. Todavia, por política processual e para que se atenda à segurança jurídica, quanto às questões incidentais, dá-se o fenômeno da preclusão.
No dizer de Chiovenda, a preclusão "consiste na perda duma faculdade processual por se haverem tocados os extremos fixados pela lei para o exercício dessa faculdade no processo ou numa fase do processo". 59
Em outras palavras, seria a impossibilidade de se exercer ato processual, em virtude de sua inadequação com as regras legais.
Frise-se, por fundamental, que a preclusão independe de declaração judicial, sendo fenômeno que ocorre por si só. Assim ensinam os doutrinadores; assim se vê na lei.
Ensina Stefano Riccio que a preclusão não é sanção, posto que o ato sequer chega a existir. Assim: "não é um ato viciado; é um ato ao qual é negado nascimento por consunção do interesse, (...) é, conseguintemente, um ajuste no processo". 60
A doutrina apresenta classificação do instituto em três espécies, a saber, preclusão temporal, lógica e consumativa.
A cada parte da lide são oferecidos prazos para que exerçam os respectivos atos no curso do processo. Os prazos, via de regra, são estabelecidos em lei.
Entretanto, quando assim não o for, assiná-lo-á, o juiz, dosando-o conforme sua prudência. 61 Quando a parte é omissa e deixa escoar in albis o tempo destinado à realização do ato, ocorre a preclusão temporal.
Porém, ainda que dentro do prazo estabelecido, se a parte praticar determinado ato em confrontação lógica com outro, o primeiro dará ensejo à preclusão lógica do segundo.
Exemplo disto: uma parte cumpre a determinação de pagar a outra certa quantia, imediatamente após a sentença e, depois de alguns dias, resolve interpor recurso de apelação.
A última das espécies consignadas pela doutrina é a preclusão consumativa, que vem a ser aquela em que a parte já realizou determinado ato e, posteriormente vem a repeti-lo. Não pode, v.g., a mesma parte, apresentar duas apelações, ainda que ambas sejam interpostas dentro do prazo legal.
Decline-se aqui apenas que uma das conseqüências dos recursos é o de não fazer precluir a possibilidade de se revisar determinada decisão.
Não iremos, entretanto, ingressar no estudo dos recursos, uma vez que o presente trabalho não comporta tal amplitude.
3.2. Coisa julgada formal e material
Quando se fala em coisa julgada, normalmente está-se querendo dizer coisa julgada material. Comumente se associa a coisa julgada à impossibilidade de repetição de ação semelhante. Todavia isto não está inteiramente correto, vez que existem duas espécies de res iudicata.
A coisa julgada formal se dá pelo trânsito em julgado da sentença, ou seja, pela impossibilidade de se discutir a matéria daquele processo, naquele mesmo processo.
Já a coisa julgada material possui um efeito mais amplo e alcança a qualquer outro processo, pois que a decisão incidiu sobre o mérito da causa e não apenas sobre a matéria processual.
Enquanto a coisa julgada formal tem alcance sobre o processo em espécie, a coisa julgada material faz surtir seus efeitos na lide em si. Formalmente corretos, todos os feitos teriam, ao final, sentenças que fariam coisa julgada formal e material.
Tem-se, então uma dualidade de coisas julgadas, porquanto uma seria a simples impossibilidade de seguir naquele processo (formal), enquanto a outra seria a aplicação do princípio do ne bis in idem, vez que dois juízes não poderiam decidir sobre o mesmo mérito, em que figurassem as mesmas partes (material).
3.3. Limites objetivos
O art. 468 do Código de Processo Civil determina que "a sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas".
Tal disposição é denominada pela doutrina como limites objetivos da coisa julgada. Chiovenda assim define citando o art. 1351 do Código Civil italiano que em muito influenciou o nosso: "a obrigação do juiz de não julgar sobre quanto já foi julgado confina-se em limites, que a nossa lei exprime desta forma: ‘a autoridade da coisa julgada só opera relativamente àquilo que constituiu o assunto da sentença’". 62
Tudo quanto se julgou, através de sentença em um processo, deve ser respeitado. Nem mais, nem menos. O juiz não pode "desconhecer ou diminuir o bem reconhecido no julgado anterior". 63 A matéria que faz coisa julgada está adstrita ao que foi decidido como objeto da demanda, sem alcançar, destarte, os incidentes processuais.
3.4. Limites subjetivos
Diz o art. 472 do Código de Processo Civil que "a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando a terceiro". Esses são, pois, os limites subjetivos da coisa julgada. Quando o Estado declara sua vontade através do juiz em um determinado processo, faz com relação às partes que demandam em Juízo.
Portanto, vale tão-somente para aqueles contra quem recai a sentença. Repete-se o axioma que vem desde o direito romano: res inter alios iudicata aliis non praeiudicare.
Ocorre, entretanto, que todos devem respeitar a coisa julgada. De há muito se tenta, em doutrina, uma solução para tal problema, aparentemente paradoxal. Se a coisa julgada tem efeito apenas entre as partes do processo, como haveria de reclamar respeito de todos?
Ovídio Batista, 64 seguindo lição de Chiovenda, traz como exemplo um contrato celebrado entre A e B. Os sujeitos da relação jurídica são A e B, porém o negócio jurídico realizado entre eles deve ser respeitado por todos. Assim também o deve ser a sentença.
Entretanto, explica o primeiro autor que, muito embora vários autores tentem pôr fim aos problemas advenientes dos limites subjetivos da coisa julgada, afirmar-se isto "não significa resolver os múltiplos e complexos problemas implicados nessa eficácia geral da sentença relativamente aos terceiros". 65
Ao contrário: não se põe fim a intricadas controvérsias de ordem prática e teórica apenas com a determinação de que a coisa julgada não irá prejudicar nem beneficiar terceiros. Princípios gerais e abstratos não resolvem um sem-número de casos práticos e complexos, típicos da modernidade das relações jurídicas hoje experimentadas.
"Assim, determinado credor, embora estranho à lide, não pode ignorar a sentença em favor de outrem que condenou seu devedor, desfalcando o patrimônio que lhe servia de garantia comum". 66
Liebman propõe a distinção entre a eficácia natural da sentença e a autoridade da coisa julgada, propondo que a primeira deveria fazer-se incidir com relação a todos, enquanto a segunda, sim, deveria alcançar apenas as partes. 67
Tal solução, bem mais razoável e lógica, aponta no sentido de que se torna inevitável reconhecer que, mesmo não participando de um processo, alguém pode arcar com efeitos de sua sentença.
O fenômeno da coisa julgada deve ser respeitado, pelo bem da ordem jurídica e segurança nas relações processuais. Entretanto, os efeitos que uma sentença pode produzir, sem dúvida, devem ser sopesados e analisados caso a caso, para que melhor se compreendam os limites da res iudicata.
O respeito à decisão judicial é uma das essências do Estado de Direito; à processualística resta estudar os efeitos que a coisa julgada exerce sobre terceiros, repita-se: caso a caso.
Muito se discute ainda em matéria de doutrina e debates são travados a respeito do tema, que é vasto, atual e fecundo para bons trabalhos e soluções voltadas aos casos práticos, motivos finais da ciência processual.
4. PROCEDIMENTOS ESPECIAIS
Conforme acima já se anotou, existem diferenças entre processo e procedimento (item 2.3). Este último vem a ser "apenas o meio extrínseco pelo qual se instaura, desenvolve-se e termina o processo; é a manifestação extrínseca deste, a sua realidade fenomenológica perceptível". 68
O Código de Processo Civil brasileiro divide os procedimentos em dois grandes grupos: o comum, que se subdivide em ordinário e sumário; e o especial. A nós, interessam, diretamente, os procedimentos especiais.
A regra dos feitos encontrados na vida cotidiana forense segue procedimento comum. Todavia, em alguns casos, os direitos envolvidos na demanda requisitam formas outras de se caminhar no processo até final julgamento.
Os procedimentos especiais são, portanto, aqueles que, pela natureza da lide, comportam desenvolvimento diferenciado dos demais feitos.
Os exemplos das diferenças encontradas nos procedimentos especiais podem ser de prazos (o réu dispõe de cinco dias para contestar ação de depósito e não quinze como no procedimento comum ordinário); ou ainda de exigências não contidas nos outros procedimentos (o depósito nas ações consignatórias, antes da citação do réu). 69
Podem-se, ainda, dividir os procedimentos especiais em procedimentos de jurisdição voluntária e contenciosa. Naqueles primeiros, segundo parte da doutrina, haveria apenas uma interferência estatal em negócios particulares. 70
Não se poderia sequer qualificar-se como processo, vez que este pressupõe lide, elemento inexistente na jurisdição voluntária.
E a jurisdição voluntária caracteriza-se justamente pela existência de interesses comuns, e não conflitantes. Ocorre que, pela natureza dos direitos envolvidos, necessária se faz a participação do Estado nestes atos jurídicos.
Exemplo disso, temos o casamento. Note-se que há interesses comuns e o Estado participa apenas chancelando a vontade das partes e, não, resolvendo litígios. Todavia no desfazimento do casamento pode ou não haver lide e, em havendo, seria, então, hipótese de jurisdição contenciosa, seguindo procedimento especial.
Quando ocorrer de uma determinada demanda enquadrar-se em uma das hipóteses de procedimento especial, por se tratar de norma cogente, não há que se falar em opção ao autor de escolha entre aquele e o rito comum.
São, portanto, as normas relativas aos procedimentos especiais, de ordem pública. Sua observância torna-se obrigatória e seu não atendimento acarreta nulidade processual, por via de incompetência absoluta do juízo.
Por fim, vale dizer, os procedimentos especiais vêm estabelecidos no próprio Código de Processo Civil ou em leis esparsas. Isto é o que ocorre com a ação de investigação de paternidade, objeto de estudo do próximo item.
4.1. Ação de investigação de paternidade e alimentos
As leis brasileiras exercem proteção aos direitos à filiação. É obrigatório o reconhecimento do filho e, demonstradas necessidade e possibilidade, obrigatória, também, a prestação dos alimentos.
A ação de investigação de paternidade é o meio bastante e adequado à declaração judicial de que determinada pessoa é realmente filha de outra, através de meios de provas tendentes ao esclarecimento da filiação.
Esta ação "tem como finalidade promover o acertamento do estado de filiação da pessoa, em face da origem natural contestada, decorrendo-se efeitos de ordem patrimonial e não-patrimonial". 71
Lembremo-nos de que nada impede o ajuizamento de uma ação de investigação de maternidade. Entretanto, por motivos óbvios, a estatística forense mostra que raros são os casos em que isto ocorre. Analisaremos e falaremos, pois, apenas em investigação de paternidade.
Esta ação é necessária àqueles casos em que não houve o registro voluntário do filho, para que a mãe possa cobrar a prestação dos alimentos do pai.
Tanto que determina o art. 5º da Lei 883/49 que "na hipótese de ação de investigação de paternidade, terá direito o autor a alimentos provisionais, desde que lhe seja favorável a sentença de 1ª instância, embora se haja, desta, interposto recurso".
Confirma isto a Lei nº 8.560 de 1992, que traz, em seu art. 7º, a previsão de que "sempre que na sentença de primeiro grau se reconhecer a paternidade, nela se fixarão os alimentos provisionais ou definitivos do reconhecido que deles necessite".
A ação de investigação de paternidade, apesar de, pelo seu título, por vezes suscitar confusões, visa à proteção ao direito de filiação, e não de paternidade.
Quando a parte ingressa em juízo com uma ação investigatória deseja obter do órgão jurisdicional um provimento no qual se declara aquela relação jurídica preexistente. Trata-se, portanto, de ação declaratória de conhecimento 72.
É um tipo de ação posta à disposição do filho não reconhecido voluntariamente pelo seu genitor. Obviamente, se se tratar de filho menor, o mesmo será representado ou assistido nos termos da lei civil em vigor.
Vale ressaltar que os filhos, mesmo havidos fora do casamento, uma vez assim declarados judicialmente, terão iguais direitos e qualificação, sendo vedadas quaisquer discriminações relativas ao seu estado, em face do que dispõe a nova ordem constitucional. 73
Os alimentos, por sua vez, são o complexo conjunto de necessidades básicas de um ser humano para sua sobrevivência e desenvolvimento intelectual. Inclui-se nesse conceito, não só os mantimentos como comida, mas tudo quanto necessário ao desenvolvimento saudável de alguém. Entre eles podem-se enquadrar moradia, ensino e lazer.
4.1.1. Aspectos
Pelo caráter eminentemente protetivo do direito à filiação e aos alimentos e por envolver direitos de caráter público e de tamanha importância ao ordenamento jurídico brasileiro, trataremos conjuntamente da ação de investigação de paternidade e dos alimentos e traçaremos um paralelo entre ambos, visto como são bastante ligados entre si.
4.1.1.1. Direito personalíssimo
O direito aos alimentos é de caráter personalíssimo. Somente o credor pode ingressar em juízo pleiteando o recebimento de prestações alimentícias.
Estabelece-se uma obrigação personalíssima, envolvendo o credor (alimentante) e o devedor (alimentário). É defeso, portanto, à mãe, fazer com que sejam revertidos para si os alimentos devidos pelo pai, a filho menor, mesmo após este atingir independência econômica. 74 O único efeito disto poderia ser a cessação da prestação alimentícia.
As ações de investigação de paternidade, também de caráter personalíssimo, têm seu âmbito de pertinência subjetiva adstrito à pessoa em função de quem não foi reconhecida a paternidade, voluntariamente.
Tão-somente o filho é quem tem legitimidade ativa ad causam para intentar a dita ação. Normalmente, vê-se a representação do filho menor, feita pela mãe, o que não acarreta ilegitimidade, visto como "o interessado é o próprio filho, que durante a incapacidade fala e age por via de representação". 75
4.1.1.2. Direito irrenunciável
Mostra-se tranqüila a posição, em doutrina, de que os alimentos têm caráter irrenunciável. Não valerá qualquer declaração de vontade neste sentido. Ou, no dizer de Pontes de Miranda, "qualquer renúncia não entra no mundo jurídico". 76
Entretanto, como anota Yussef Said Cahali, "a teor do art. 404 do CC, a irrenunciabilidade atinge o direito, não porém o seu exercício". 77
Quer isto dizer que, pode alguém não instar o devedor de alimentos a pagá-los, todavia tal ato só fará perder as prestações pretéritas. Quanto às futuras, estas, sim, não podem ser objeto de renúncia.
Já se decidiu que receber parcialmente o valor das prestações alimentícias implica desistência voluntária da parcela não recebida. 78
Nas ações de investigação de paternidade, também há o caráter irrenunciável do direito. Lembra-nos Belmiro Welter que conseqüência da indisponibilidade do direito na investigatória é a impossibilidade de desistência da demanda, incorrendo, inclusive, em nulidade, declaração judicial neste sentido. 79
E ainda o aludido autor conclui que, quando houver acordo nos autos, o Ministério Público deve pronunciar-se e, em caso de desistência por parte de quem representa o menor, deve o parquet "avocar a legitimidade para prosseguir com a ação, já que o pedido está envelopado em manifesto interesse público". 80
4.1.1.3. Direito imprescritível
Igualmente, pela natureza do direito aos alimentos, este não prescreve. A inércia no exercício do direito não prejudica em nada ao credor, senão pela perda das prestações pretéritas.
A qualquer tempo, pode o credor dos alimentos cobrá-los judicialmente. Coexiste com essa imprescritibilidade a previsão na Lei 5.478, no art. 23, da prescrição qüinqüenal das prestações de alimentos.
Todavia, há que se entender a harmonia entre os dois comandos. O que ocorre, no caso da prescrição qüinqüenal, é a perda do direito de haver as prestações periódicas de alimentos, fixadas por sentença judicial ou mediante acordo entre as partes.
Pode, entretanto, a qualquer tempo, o credor, pleitear pagamento das parcelas atuais.
Quanto à ação de investigação de paternidade, a matéria é dissentânea, tanto entre os doutrinadores, quanto na jurisprudência.
Seguindo a opinião do Prof. Caio Mário Pereira, entendemos ser o melhor ensinamento aquele que aponta no sentido de não prescrever o direito de ação e investigação de paternidade.
Segundo a linha de pensamento do citado autor, trata-se de uma ação de estado, de natureza declaratória. Em verdade, quando se intenta esta ação, está-se querendo ver declarado um direito preexistente.
Com efeito, há que se distinguir a natureza da ação de investigação de paternidade com os efeitos patrimoniais de sua declaração, estes, sim, prescritíveis, qual a regra geral. 81
4.1.2. Prova
Nas ações de investigação de paternidade, assim como em todas as outras, devem as partes provar o que se alega, a fim de formar o convencimento do juiz, pois, "dada a institucionalizada ignorância do juiz quanto aos fatos relevantes para o julgamento, é indispensável dotar o processo de meios capazes de tirar seu espírito do estado de obscuridade e iluminá-lo com a representação da realidade sobre a qual julgará". 82
A prova, na ação de investigação de paternidade, é de particular importância, uma vez que o filho havido na constância do casamento não há que provar tal qualidade, enquanto que a condição do filho havido fora do casamento e não reconhecido voluntariamente, depende da comprovação de um fato certo que indique uma relação jurídica entre pai e filho. 83
A respeito da prova, já se fez uma pequena análise do assunto em ponto anterior (item 2.3.2). Entretanto, no que diz respeito ao tema deste trabalho, trataremos de uma das espécies de prova, especificamente do ADN.
4.1.2.1. ADN
A sigla ADN significa Ácido Desoxirribonucléico. Por falta de preocupação com a preservação do idioma, a expressão é mais conhecida no Brasil pela sigla DNA, derivada do idioma inglês.
Como nos lembra José Arruda, 84 também assim ocorreu com a expressão AIDS, que em Portugal e nos países de língua espanhola é SIDA (síndrome da imunodeficiência adquirida).
O exame de ADN consiste na comparação do material genético (uma espécie de impressão digital ou assinatura biológica) de duas ou mais pessoas. Com o cruzamento de dados genéticos, pode-se saber com precisão se aquele material biológico (cabelo, sangue, mucosa) pertence a determinada pessoa. 85
Pode-se, ainda, determinar através do ADN, se certa pessoa é ou não pai de outra. Este teste, em específico, é o mais relevante ao nosso trabalho e é conhecido como exame ou teste de paternidade.
A probabilidade de acerto do teste chega a 99,9999999%. 86 Este número é digno de se atribuir certeza científica às suas conclusões.
Há questões éticas que envolvem o ADN e dizem respeito ao direito brasileiro, como, por exemplo, se se deve ou não tornar obrigatório o exame de ADN para comprovação de paternidade.
A questão não é pacífica.
Alguns advogam pela obrigatoriedade do fazimento do exame, uma vez que esta seria a forma mais adequada ao deslinde das ações investigatórias.
Ademais, pela modernização da técnica da realização do exame, segundo o Ministro do Supremo tribunal Federal, Sydney Sanches:
"O sacrifício imposto à integridade física do paciente é risível quando confrontado com o interesse do investigante, bem assim com a certeza que a prova pericial pode proporcionar à decisão do magistrado". 87
Todavia, encontramos também votos em sentido contrário no mesmo processo. Eis o do Ministro Francisco Rezek, do STF:
"Discrepa, a mais não poder, de garantias constitucionais implícitas e explícitas - a preservação da dignidade humana, da intimidade, da intangibilidade do corpo humano, da inexecução específica e direta de obrigação de fazer - provimento judicial que, em ação civil de investigação de paternidade, implique determinação no sentido de o réu ser conduzido ao laboratório, ‘debaixo de vara’, para coleta do material indispensável à feitura do exame DNA". 88
Em nossa posição acerca do assunto, entendemos que, de fato, a Constituição Federal é, sob vários aspectos, afrontada, quando da coleta forçada de material genético, todavia o ato de se negar a fornecê-lo não poderia passar incólume e, por si só, poderia servir de fundamentação à sentença declaratória de paternidade.
Seria temerária, a nosso ver, a possibilidade de um juiz determinar, durante o processo, o fornecimento compulsório de uma parte do corpo do investigado.
É bem verdade que esta parte poderia ser tão-somente um fio de cabelo; ainda assim, seria uma parte do corpo, cuja intangibilidade é consagrada pela Constituição Federal.