4.O PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE COMO CRITÉRIO NORTEADOR
No direito brasileiro, pode-se dizer que o princípio da razoabilidade, que deita raízes no sistema jurídico Norte-Americano e acha-se expressamente previsto nas emendas nºs 4 e 14, encontra-se inserto na Constituição Federal, embora implicitamente, quando se assegura aos jurisdicionados o direito ao devido processo legal (art. 5º, LIV), também conhecido como due process of law, sendo que o juristaCelso Antônio Bandeira de Mello, [10] no que diz respeito ao princípio da razoabilidade no âmbito do direito administrativo, pondera que:
Enuncia-se com este princípio que a Administração, ao atuar no exercício de discrição, terá de obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas e respeitosas das finalidades que presidiram a outorga da competência exercida.
Diferente não deve ser a postura adotada pelo intérprete da norma processual penal, principalmente dos magistrados, no que concerne à aplicação do referido princípio, devendo se valer dessa razoabilidade para dar sentido lógico-racional à norma que trata do prazo de duração da prisão cautelar, procurando compatibilizar a duração desse prazo com o tempo necessário à prática dos atos de instrução do processo em análise no caso concreto, não ficando perplexo diante da inexistência de uma previsão legislativa específica e, tampouco, diante do já consagrado prazo de 81 dias fixado pela jurisprudência pátria.
Essa busca de um critério para o estabelecimento do prazo de duração da prisão cautelar e de sua compatibilidade com o prazo necessário à conclusão da instrução processual não tem passado ao largo da arguta percepção da jurisprudência pátria, como evidenciam acórdãos das mais variadas Cortes de Justiça:
-EMENTA: Habeas Corpus. 2. Prisão Preventiva. 3. Excesso de prazo. 4. Razoabilidade. 5. Complexidade do processo. 6. Precedente. 7. Ordem denegada (STF, HC 84201/SE - Relator:Min. GILMAR MENDES, publicado: DJ 01-10-2004 PP-00036).STF
STF - EMENTA: HABEAS-CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. INSTRUÇÃO CRIMINAL. EXCESSO DE PRAZO. RAZOABILIDADE. COMPLEXIDADE DO PROCESSO. 1. É legítima a prisão preventiva fundada na necessidade da instrução criminal, na garantia da aplicação da lei penal e na preservação da ordem pública, estando esses requisitos concretamente demonstrados na decisão que a decretou. 2. Excesso de prazo na instrução criminal. Alegação improcedente, dada a complexidade do processo caracterizada pela quantidade de co-réus e a necessidade da expedição de precatórias para a oitiva de testemunhas residentes em outras comarcas. Precedentes. Habeas-corpus indeferido. (STF, HC 82138 / SC. Relator:Min. MAURÍCIO CORRÊA - Publicação: DJ 14-11-2002 PP-00053).
STJ - HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. FUGA DO DISTRITO DA CULPA. PRISÃO PREVENTIVA FUNDAMENTADA NA CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL E PARA ASSEGURAR A APLICAÇÃO DA LEI PENAL.LEGALIDADE. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZO. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. PRIMARIEDADE E BONS ANTECEDENTES. IRRELEVÂNCIA. ORDEM DENEGADA. 1. A fuga do paciente do distrito da culpa é elemento suficiente para a decretação da prisão preventiva, tanto pela conveniência da instrução criminal como para garantir a aplicação da lei penal. 2. Para caracterizar excesso de prazo no encerramento da instrução criminal, não se considera apenas a soma aritmética de tempo para a realização dos atos processuais instrutivos, sendo necessário verificar as peculiaridades do caso concreto, impondo-se a aplicação do princípio da razoabilidade. 3. A primariedade e os bons antecedentes do paciente, como condições pessoais favoráveis, são irrelevantes para a decretação da prisão preventiva, quando demonstrada a efetiva necessidade da medida cautelar, em razão dos pressupostos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal.4. Ordem denegada.(STJ, HC 39620 / BA Relator: Min. ARNALDO ESTEVES LIMA -T5 –Publicação: DJ 11.04.2005 p. 346).
TJES - HC 100.05.000580-8 - Órgão Julgador: PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL. Data de Julgamento: 15/06/2005 - Publicação no Diário: 28/06/2005. Relator: SÉRGIO LUIZ TEIXEIRA GAMA. Vara de Origem: VITÓRIA - CENTRAL DE INQUÉRITOS. Ementa: HABEAS CORPUS - 1) EXCESSO DE PRAZO NA CONCLUSÃO DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL: INOCORRÊNCIA - 2) DESNECESSIDADE DE MANUTENÇÃO DA PRISÃO DO PACIENTE FACE A AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DO ARTIGO 312 DO CPP: INOCORRÊNCIA - 3) DESNECESSIDADE DE MANUTENÇÃO DA PRISÃO DO PACIENTE FACE A SUA PRIMARIEDADE, BONS ANTECEDENTES, OCUPAÇÃO LABORATIVA DEFINA E RADICAÇÃO NO DISTRITO DA PRESUMÍVEL CULPA: NÃO OBSTAM A DECRETAÇÃO. ORDEM DENEGADA. 1) Estando o processo em tramitação normal, com observância dos prazos processuais que regulam à espécie, não há, nenhuma ilegalidade ou abuso a ser sanado. Ademais, segundo orientação do STJ, a avaliação dos prazos processuais deve sempre ser analisada segundo a ótica da razoabilidade, tendo em vista que, no sistema judiciário atual existe um elevado número de processos judiciais tramitando. 2) Restando presentes os elementos ensejadores da decretação da prisão do ora paciente, quais sejam, a existência do crime, indícios da autoria e um dos requisitos elencados no artigo 312 do CPP, não há que se falar em desnecessidade da mesma. Ademais, o delito imputado ao ora paciente encontra-se elencado no rol dos hediondos, sendo, a teor do artigo 2º, II da lei 8072⁄90, expressamente vedada a concessão de liberdade provisória. 3) Ser o paciente primário, com bons antecedentes, ocupação laborativa definida e radicado no distrito da presumível culpa não obstam a decretação de sua custódia, se demonstrada a necessidade da mesma, na forma do artigo 312 do CPP.Ordem denegada.
TJES - HC 100.05.000438-9 - Órgão Julgador: SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL - Data de Julgamento: 11/05/2005 - Relator : MANOEL ALVES RABELO. Vara de Origem: VITÓRIA - 6ª VARA CRIMINAL. EMENTA: PENAL - PROCESSUAL PENAL - habeas corpus - roubo qualificado - constrangimento ilegal - excesso de prazo - não configuração - prisão preventiva - necessidade - garantia da ordem pública - Inexiste constrangimento ilegal na conclusão da instrução criminal se o paciente ficou foragido até a data de 27.10.2004, quando foi detido em função do decreto prisional expedido em 13.08.2003, demonstrando, assim, que pretende frustrar a aplicação da lei penal. Ademais, o entendimento majoritário é no sentido de que se deve prevalecer o critério da razoabilidade, que poderá flexibilizar, em determinadas circunstâncias, o prazo de 81 dias criado pela jurisprudência.- Ordem denegada.
TJES - HC 100.04.001365-6 - Órgão Julgador: SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL - Data de Julgamento : 15/09/2004. Data da Publicação no Diário: 19/10/2004. Relator: SÉRGIO BIZZOTTO PESSOA DE MENDONÇA. Vara de Origem: VITÓRIA - 8ª VARA CRIMINAL. EMENTA: HABEAS CORPUS - PRISÃO PREVENTIVA- PRIMÁRIO - BONS ANTECEDENTES - RESIDÊNCIA FIXA - EXCESSO DE PRAZO - ORDEM DENEGADA. 1. A alegação de primariedade, bons antecedentes e residência fixa não está acompanhada de qualquer prova, o que inviabiliza o seu exame. 2. Ademais, o fato do paciente ter residência fixa, ser primário e ter bons antecedentes não constitui óbice para custódia preventiva, se presentes os requisitos autorizativos previstos no artigo 312, do CPP. 3. A Autoridade Coatora sustenta a necessidade da custódia para a garantia da ordem pública, não havendo que se falar em constrangimento ilegal. 4. Quanto a alegação de excesso de prazo, também não pode prosperar, uma vez que, na esteira da orientação já consagrada pela jurisprudência pátria, assinalo que o exame acerca da ocorrência de excesso de prazo não pode decorrer de simples soma matemática. Ao revés, cabe o julgador analisar individualmente cada caso, sempre com apoio no princípio da razoabilidade. 5. In casu, reconheço que o encerramento da instrução está um pouco atrasado, todavia, a pequena demora não ofende o princípio da razoabilidade, não havendo, pois, que se falar em constrangimento ilegal. 6. Ordem denegada
A aplicação do princípio da razoabilidade deve ter lugar, portanto, quando apurado que, no caso concreto, extrapolou-se o prazo previsto para a instrução em face de justificáveis embaraços encontrados na realização dos atos processuais, não podendo se adotar a prática de aplicar o princípio em questão apenas formalmente, com vistas a justificar o injustificável excesso de prazo decorrente de erros ou omissões dos agentes públicos encarregados da práticas dos atos procedimentais, e nesse sentido foi contundente magistrado capixaba Marcos Antônio Barbosa de Souza, quando, seguindo a mesma orientação do desembargador e professor Sérgio Bizzotto Pessoa de Mendonça, reconheceu o excesso de prazo e a não aplicabilidade da razoabilidade, na seguinte situação:
- HC 100.04.002359-8 - Órgão Julgador: SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL - Data de Julgamento: 02/03/2005 - Data da Publicação no Diário : 08/04/2005 - Relator: SÉRGIO BIZZOTTO PESSOA DE MENDONÇA - Relator Substituto: MARCOS ANTONIO BARBOSA DE SOUZA - Vara de Origem COMARCA DE FUNDÃO. EMENTA: HABEAS CORPUS - PRISÃO EM FLAGRANTE - EXCESSO DE PRAZO - DECISÃO QUE DENEGA PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA INDEVIDAMENTE FUNDAMENTADA -ORDEM CONCEDIDA. 1 - O cômputo dos prazos processuais deve ser feito com base no princípio da razoabilidade, levando-se em consideração as complexidades de cada caso concreto. No presente caso, inexiste justificativa para o significativo excesso na conclusão da instrução criminal. 2 - O magistrado denegou pedido de liberdade provisória, manifestando-se por meio de alegações abstratas, sem a devida menção aos dados concretos que justifiquem a manutenção da custódia cautelar. Ordem concedida.TJES
Os Tribunais Superiores, procurando corrigir a omissão legislativa e evitar abuso têm aplicado o princípio da razoabilidade, inclusive em relação ao reconhecimento da presença ou não de excesso de prazo nas fases posteriores ao término da instrução criminal e nesse sentido o Superior Tribunal de Justiça consolidou a sua jurisprudência através das seguintes súmulas:
Súmula 21 do STJ – Pronunciado o réu, fica superada a alegação do constrangimento ilegal da prisão por excesso de prazo na instrução.
Súmula 52 do STJ – Encerrada a instrução criminal, fica superada a alegação de constrangimento ilegal por excesso de prazo.
Súmula 64 do STJ – Não constitui constrangimento ilegal o excesso de prazo na instrução, provocado pela defesa.
Percebe-se que as súmulas em questão visam aclarar a situação da prisão cautelar do réu sujeito a processo já com a instrução encerrada, mas ao que parece, a aplicação das súmulas é restrita aos casos onde o paciente alegue excesso de prazo exclusivamente em relação aos atos de instrução processual e sempre observada a razoabilidade na demora verifica em relação à prática dos atos, não havendo impedimento a que, diante do caso concreto, possa o réu alegar excesso de prazo em relação aos atos a serem praticados nas fases posteriores à instrução ordinária, como a excessiva demora no julgamento de recurso, ou, ainda, a demora além do razoável na submissão do réu a julgamento pelo Tribunal Popular do Júri e, nesse sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal:
EMENTA: 1. Habeas corpus: prejudicialidade parcial, dada a extensão dos efeitos do HC 85.020 (1ª T., Pertence, DJ 18.2.05) a um dos pacientes. 2. Prisão preventiva: excesso de prazo: diligências requeridas pela Defesa: ausência de prazo certo para a sua realização: tempo gasto que não cabe seja debitado ao paciente: inequívoco excesso de prazo não atribuível à Defesa, que prejudica eventual fundamento cautelar da prisão: liberdade provisória concedida de ofício. Diligências posteriores à inquirição das testemunhas, requeridas ou não pelas partes, fazem-se, a critério do juiz, quando necessárias à complementação de prova de fatos relevantes para o julgamento. Por isso, para a sua realização, a lei não fixa prazo certo. E não cabe debitar o tempo gasto ao co-réu que as tenha requerido (v.g., voto do Relator no HC 71.610, 30.6.94, Pleno, DJ 30.3.01).
Prazo da prisão que, no caso, sobrepuja os temperamentos admissíveis à luz do juízo de razoabilidade, ao qual a Turma tende a submeter a legitimidade da extensão temporal da prisão preventiva, após a instrução ordinária, malgrado a lei não lhe predetermine limites rígidos de duração. (STF - HC 85068 / RJ –Relator: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - Julgamento: 19/04/2005 - Publicação: DJ 03-06-2005 PP-00044.)
EMENTA: HABEAS CORPUS. DECISÃO QUE DESCONSIDEROU A ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZO VERIFICADO NA PRISÃO DECORRENTE DE PRONÚNCIA, QUE JÁ DURA MAIS DE CINCO ANOS. Remansosa a jurisprudência desta Corte de que não há falar em excesso de prazo quando concluída a instrução e, mormente, após a pronúncia. Entretanto, essa regra é de ser interpretada "cum grano salis", não comportando excessos gritantes como o que se registra nesses autos, em que a extrema demora verificada no julgamento do paciente não pode ser imputada à sua defesa, mas à prolação de três sentenças de pronúncia que foram sucessivamente declaradas nulas pelas Cortes superiores. Habeas corpus deferido. (STF - HC 81149 / RJ - Relator:Min. ILMAR GALVÃO - Julgamento: 18/12/2001 - Publicação: DJ 05-04-2002 PP-00038)
Não há que se olvidar que a prisão cautelar – cuja função é exclusivamente instrumental - não pode converter-se em forma antecipada de punição penal, uma vez que a privação cautelar da liberdade somente se justifica em hipóteses estritas e não retira do réu o direito a um julgamento em prazo compatível com a complexidade da causa, tendo ele direito a julgamento sem dilações indevidas, como decorrência da garantia constitucional do due process of law, conforme preceituam a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Art. 7º, ns. 5 e 6) e a Constituição Federal Brasileira em seu art. 5º, incisos LV e LXXVIII.
Não obstante, até mesmo para garantir que a instrução abrange todas aquelas fontes de provas indicadas em juízo e que sejam importantes ao deslinde da verdade, mesmo que processual, há que se prever um prazo compatível com a complexibilidade de cada caso, tomando-se como base os prazos previstos em lei para o conjunto dos atos procedimentais, mas não de forma peremptória, temperando-se esses prazos com o princípio da razoabilidade, de forma a permitir a realização concreta da idéia de justiça.