4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme estudado no presente trabalho, as incorporações imobiliárias são objeto da Lei nº 4.591/64. Esse diploma legal traz em seu conteúdo não apenas aspectos conceituais e burocráticos do empreendimento, mas representa um verdadeiro sistema protetivo ao adquirente.
Entretanto, o advento da Lei nº 8.078/90, na última década do século XX, trouxe ao ordenamento jurídico brasileiro a noção de vulnerabilidade do consumidor, o que resultou na elaboração desta lei como uma forma de proteger o consumidor – parte vulnerável na relação de consumo -, promover o equilíbrio contratual e a imposição da boa-fé objetiva.
Nesse contexto, a grande abrangência trazida nos conceitos legais do CDC ampliou sua incidência nas mais diversas áreas do direito. Logo, surgiu a necessidade de se estabelecer quando e como aplicar o diploma consumerista em cada situação. No que tange às incorporações imobiliárias não foi diferente, já que a relação entre incorporador e adquirente representa uma típica relação de consumo entre fornecedor e consumidor respectivamente.
A aplicação do CDC nas incorporações imobiliárias, porém, não é suficiente para abarcar todas as especificidades do instituto. Sendo assim, faz-se imprescindível estabelecer limites à incidência do CDC no âmbito de atuação da Lei nº 4.591/64.
Para tratar sobre esses limites, o trabalho em questão, em um primeiro momento, se preocupou em abordar as características fundamentais de uma incorporação imobiliária. Para tanto, trouxe a definição de incorporação considerando-a como um negócio jurídico no qual uma parte – o incorporador – se compromete a construir ou promover a construção de um edifício composto por unidades autônomas, procedendo à alienação dessas unidades a outra parte – os adquirentes – mediante contratos de compra e venda ou promessa de compra e venda.
Ainda, tratou do contrato de incorporação imobiliária, instrumento complexo que envolve todos os tipos contratuais necessários para o alcance do objetivo final da incorporação: a entrega da unidade autônoma a cada um dos adquirentes. Esses contratos, por sua vez, se referem a construção, a alienação e a constituição do condomínio.
Após elucidar a incorporação imobiliária, o presente estudo se preocupou em trazer as noções principais do CDC, para que ficasse claro o seu âmbito de incidência. Nesse contexto, abordou os objetivos desse diploma legal através da análise da sua Política Nacional de Relações de Consumo, que direciona o CDC a busca pelo equilíbrio contratual, pela proteção do consumidor, e pela imposição da boa-fé objetiva. Tudo isso através da harmonização de interesses entre os envolvidos.
O presente trabalho demonstrou que os conceitos amplos e abertos, utilizados propositadamente pelo CDC, têm a finalidade de estender sua aplicação a todas as situações em que haja uma relação de consumo nos termos em questão. Sendo assim, foi estudada a abrangência do CDC considerando-o como uma lei principiológica geral que é capaz de incidir sobre diversos ramos do direito em que se verificam uma relação de consumo, mas se limitando a seus objetivos, que são: a proteção do consumidor, a boa-fé objetiva e o equilíbrio contratual.
Durante o estudo, foi demonstrado que o CDC é uma lei geral e de caráter regulador, devendo ser aplicado respeitando a aplicabilidade de leis especiais. Nesse diapasão, foi demonstrado, também, que a Lei nº 4.591/64 cria através de suas normas um sistema protetivo ao adquirente que é compatível com a proteção ao consumidor pretendida pelo CDC. Isso ocorre por meio da disposição de diversas obrigações que o incorporador tem no desenvolvimento da atividade, equivalentes ao dever de informação e a responsabilidade pelo produto e serviço fornecido. Sendo assim, ambos os diplomas legais têm por objetivo a efetivação da proteção da parte vulnerável que é o adquirente-consumidor.
Desta forma, este trabalho concluiu que CDC e Lei das Incorporações devem ser utilizados conjuntamente, de forma harmônica, para que a proteção pretendida por ambas seja potencializada. Para isso, deve-se levar em consideração o fato da Lei 4.591/64 constituir seu sistema protetivo com base nas minúcias de uma incorporação imobiliária. Portanto, no que se refere a estas especificidades, suas normas são mais adequadas. Porém, o CDC, como lei geral e reguladora, é capaz de incidir para combater cláusulas abusivas na relação contratual e outras situações não previstas pela Lei 4.591/64, cumprindo, assim, o propósito estabelecido em sua Política Nacional de Relações de Consumo.
Diante do exposto, a harmonização entre as legislações representa a forma mais eficaz de se garantir a proteção à parte vulnerável da relação de consumo. Considerar a Lei 4.591/64, no que diz respeito às especificidades da incorporação imobiliária, e o CDC, em relação ao aspecto regulador e complementar, é a forma mais eficiente para garantir o melhor funcionamento do ordenamento jurídico no que se refere às incorporações.
Portanto, conclui o presente trabalho que o CDC deve incidir sobre as incorporações imobiliárias para garantir a proteção ao adquirente, a boa-fé objetiva e o equilíbrio contratual quando a Lei das Incorporações não for suficiente, tendo em vista que essa legislação especial traz um sistema protetivo hábil a proteger a parte vulnerável com base nas minúcias da incorporação, algo que o CDC não consegue tocar, por ser abrangente.
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Nota
[1] Art. 4º, III, da Lei nº 8.078/90: harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores. BRASIL.
Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção ao consumidor e dá outras providências. Brasília, 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm> Acesso em: 05 de out. de 2017.