6 - CONCLUSÃO
Após discorrer acerca do instituto da industrialização por encomenda através da presente monografia, pode-se concluir que fica inequivocamente constatada a aplicação da regra-matriz de incidência tributária do IPI (e, complementarmente, do ICMS, nos casos em que houver posterior circulação da mercadoria industrializada), afastando, por conseguinte, tais operações da confluência do ISS, conforme praticado, laborando em clara afronta ao texto constitucional, pelas autoridades administrativas municipais.
Assim, qualquer contribuinte executor de atividade de industrialização feita por conta e ordem de terceiro, desde que tal operação seja assim enquadrada, poderá pleitear a incidência do IPI, tributo não cumulativo que não onerará os custos da cadeia produtiva. Impende destacar que serão classificadas como industrialização por encomenda aquelas que estão relacionadas a uma etapa intermediária do processo industrial, desvinculadas de qualquer processo de personalização do produto, e que não são prestadas diretamente a consumidor final.
Entretanto, apesar de não restarem dúvidas acerca do tratamento tributário a ser adotado, o Fisco Municipal, sedento por receitas tributárias, busca tributá-las também pelo ISS, desrespeitando os ditames constitucionais e os limites da competência tributária da União. Para justificar tal impertinência, o legislador infraconstitucional, utilizando a omissão da Constituição de 1988, aproximou de maneira ilegal os limites tributários dos entes políticos e fez surgir os malfadados conflitos de competência, sujeitando o contribuinte a uma irrazoável bitributação vinculada a um mesmo fato gerador.
Este posicionamento do legislador complementar, conferindo à legislação infraconstitucional um poder além do que efetivamente possui, não deve ser acolhido, tendo em vista a clarividência do texto constitucional ao traçar os limites de competência de cada um dos entes federados.
Resta incontroverso, portanto, que quaisquer eventuais cobranças e autos de infração oferecidos pelos Fiscos Municipais deverão ser desconstituídos pelos órgãos administrativos e judiciais, sob pena de afronta ao princípio da legalidade, nos termos defendidos fartamente pela doutrina vigente e pelas recentes e irreparáveis decisões do Supremo Tribunal Federal acerca da matéria, aplicáveis tanto para as operações de beneficiamento e transformação como também para os fornecimentos de embalagem.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Notas
[1] CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 24ª Edição. Malheiros Editores. São Paulo: 2008, p. 933/934.
[2] Artigos 154 a 156 da Constituição Federal.
[3] CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 24ª Edição. Malheiros Editores. São Paulo: 2008, p. 933/934.
[4] BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro, atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 371.
[5] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 5ª ed. São Paulo: Noeses, 2013. p. 771.
[6] Pontua-se aqui, a título complementar, a discordância ao entendimento jurisprudencial consolidado tanto no STF quanto no STJ de que a lista anexa à Lei Complementar 116/2003 é taxativa, admitindo, entretanto, leitura extensiva de cada item – Súmula 7/STJ. Tal entendimento fere a autonomia dos Municípios enquanto ente dotado de competência legislativa, além de causar uma inegável limitação à abrangência do texto constitucional, limitado irrazoavelmente pela Lei Complementar 116/2003. Entretanto, mesmo pugnando pela autonomia plena dos Municípios, mister destacar que as regras de competência tributária previstas na Constituição Federal devem ser respeitadas, evitando assim uma desordem legislativa e conflitos de competência.
[7] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Volume 2, 9 ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 27.
[8] MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. Vol. 1, 7 ed. São Paulo: Saraiva, 1971. p. 8.
[9] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 52.
[10] GOMES, Orlando (atualizado por BRITO, Edvaldo). Obrigações. 17ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008. p. 48.
[11] Deve-se destacar, aqui, o pioneirismo dos votos dos citados Ministros, uma vez que já se encontrava consolidado no STF o entendimento acerca da incidência do ISS sobre as operações de locação de bens móveis, bem como declarada a constitucionalidade do item 52 (e posteriormente 79) da antiga lista de serviços tributáveis pelo ISS, imposta pelo Decreto-Lei nº 406/1968. Neste sentido, vide precedentes do STF nos Recursos Extraordinários 112.947/SP, 115.103/SP e 113.383/SP. Tal entendimento anterior foi relegado após o julgamento do RE 116.121, afastando a incidência do ISS nas locações de bens móveis inclusive – estando inclusive pacificado por meio da Súmula Vinculante nº 31, a qual prevê que “é inconstitucional a incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza - ISS sobre operações de locação de bens móveis”.
[12] Merece destacar que a regra matriz de incidência do IPI recai sobre o produto – assim, a interpretação acima é reflexiva, tendo em vista que o fato gerador de tal tributo é a saída de bem resultante da prestação de serviço de industrialização. Assim, tributa-se a mercadoria, não o serviço prestado.
[13] JUSTEN FILHO, Marçal. O imposto sobre serviços na Constituição. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1985. p. 115.
[14] BAPTISTA, MARCELO CARON. ISS: Do texto à norma. 1 ed. São Paulo: Editora Quartier Latin, 2005. p. 281.
[15] BOTTALLO, Eduardo Domingos. IPI: princípios e estrutura. São Paulo: Dialética, 2009. p. 22.
[16] HARADA, Kiyoshi. ISS doutrina e prática. São Paulo: Atlas, 2008, p. 39.
[17] Art. 24. Compete aos municípios instituir impôsto sôbre:
(...)
II - serviços de qualquer natureza não compreendidos na competência tributária da União ou dos Estados, definidos em lei complementar.
[18] Carta da XVI Marcha a Brasília em Defesa dos Municípios. 2013. Disponível em: <http://www.informacoesmunicipais.com.br/?pagina=detalhe_noticia¬icia_id=41275>. Acesso em 24/02/2017.
[19] RIBEIRO, Marcellus Serejo. A industrialização como requisito para a racionalização da construção. 2002. Tese de mestrado apresentada ao PROARQ – Programa de Pós Graduação em Arquitetura – da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2002. p. 7.
[20] BIAVA JUNIOR, Roberto. A tributação das operações de “industrialização por encomenda”: análise do conflito de competência vertical entre os Entes Federativos (União - IPI, Estados - ICMS, Municípios - ISS). Disponível em: <http://publicadireito.com.br/artigos/?cod=eb0f8365fc175cca>. Acesso em: 01/12/2016.
[21] Artigo 43, incisos VI e VIII, do RIPI – Decreto nº 7.212/2010.
[22] GEOVANINI, Daniela; KILHIAN MARTIN, Flavia. IPI e ICMS para a Indústria e o Comércio – Prática Fiscal de A a Z: atualizado até 31 de dezembro de 2009. 1. ed. – São Paulo: FISCOSoft, 2010. pág. 382.
[23] MARTINS, Ives Gandra da Silva; PEIXOTO, Marcelo Magalhães (organizadores). ISS. LC 116/03. 1 ed. Curitiba: Juruá, 2006, p. 121.
[24] Conforme mencionado no capítulo anterior, a Constituição Federal de 1988 modificou a redação dada pela Constituição anterior, omitindo, na definição da regra-matriz de incidência do ISS, a menção que tal tributo municipal não poderia invadir a competência da União e dos Estados. Entretanto, apesar de não constar expressamente no novo texto, tal regra ainda é válida, em razão da independência das competências tributárias e do caráter excludente do ISS.
[25] Apenas para fins estatísticos, a lista de serviços constante no Decreto nº 406/68 (modificada pela LC 56/1987) continha 101 itens; a Lei Complementar 116/2003, quando editada, possuía 40 itens e 204 subitens listados como tributáveis pelo ISS.
[26] TAVARES, Alexandre Macedo; DELGADO, José Augusto. Não incidência do ISS sobre a Atividade de Beneficiamento (Alvejamento e Tingimento) de Produtos Têxteis Destinados a Posterior Comercialização ou Industrialização pelos Encomendantes. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Escrituras Editora. Edição n. 204, 2012. p. 108.
[27] Conselho Municipal de Tributos de São Paulo; Processo Administrativo nº: 2012-0.351.176-7; Conselheiro Relator: Marcos Minichillo de Araújo; Câmara Julgadora: 4ª Câmara Julgadora Efetiva; 6 de junho de 2013.
[28] Ministério da Fazenda – Secretaria da Receita Federal; Disit 08; Solução de Consulta nº 118, de 26 de Abril de 2012. Grifos nossos.
[29] ADI 4.389 MC, Relator: Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 13/04/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-098 DIVULG 24-05-2011 PUBLIC 25-05-2011 RDDT n. 191, 2011, p. 196-206 RT v. 100, n. 912, 2011, p. 488-505.
[30] Por exemplo, o AI 803.296/SP, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, opinando da seguinte forma:
“Conflito de incidências entre o ICMS e o ISSQN. (...) Obrigação de dar manifestamente preponderante sobre a obrigação de fazer, o que leva à conclusão de que o ICMS deve incidir na espécie. 2. A verificação da incidência nas hipóteses de industrialização por encomenda deve obedecer dois critérios básicos: (i) verificar se a venda opera-se a quem promoverá nova circulação do bem e (ii) caso o adquirente seja consumidor final, avaliar a preponderância entre o dar e o fazer mediante a averiguação de elementos de industrialização. 4. À luz dos critérios propostos, só haverá incidência do ISS nas situações em que a resposta ao primeiro item for negativa e se no segundo item o fazer preponderar sobre o dar.
(AI 803296 AgR, Relator Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 09/04/2013, Publicado em 07/06/2013).
[31] AgRg no REsp 1310728/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/06/2016, DJe 13/06/2016.