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Análise comparativa das tendências teóricas sobre o ensino jurídico no Brasil de 2004 a 2014

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Agenda 10/04/2024 às 08:58

3. Da análise comparativa das tendências teóricas do Ensino Jurídico

O terceiro capítulo pretende esquadrinhar as tendências teóricas do Ensino Jurídico, já delimitadas anteriormente, na tentativa de discutir a relevância de tais tendências à atual situação de cursos jurídicos e a atual perspectiva de ensino adotada. Em outras palavras, considerando os já estabelecidos autores da Categoria Temática de Ensino Jurídico no capítulo anterior, quais sejam, Horácio Wanderley Rodrigues, Luis Alberto Warat, José Eduardo Faria, Eduardo Carlos Bianca Bittar e Roberto Lyra Filho, doravante pretende-se analisar pormenorizadamente suas obras referenciadas nas pesquisas. Também se pretende discorrer de forma detalhada sobre cada autor, a fim de demonstrar suas contribuições ao debate do Ensino Jurídico, e se suas ideias podem ser consideradas, de fato, pertinentes. Em outras palavras, deseja-se analisar as contribuições de cada um dos cinco autores e apontar se, realmente, é possível afirmar que a notoriedade de seus pensamentos se deve à importância de sua obra, ou se ela está ligada ao fato de não existir outras fontes bibliográficas mais convenientes à disposição. Outrossim, objetiva-se também listar as obras de cada autor, com base nas referências utilizadas nas pesquisas, ou seja, analisar as obras de cada um dos autores com base, apenas, no que foi referenciado pelos 60 pesquisadores, estabelecido na pesquisa de Estado da Arte. Desta feita, será resumido o pensamento de cada autor, enquanto referenciais teóricos, os quais poderão ser estudados cuidadosamente, a levar questões a respeito de suas perspectivas sobre os problemas e as possíveis soluções ao ensino. Por fim, pretende-se também construir uma análise comparativa entre os cinco autores, com base, mormente, nos problemas e possíveis soluções ao Ensino Jurídico.

3.1. Dos pensadores no Ensino Jurídico: uma base teórica

Por meio de uma construção de hipóteses, fundamentada no que foi discorrido até aqui, a primeira parte do capítulo tentou demonstrar que os problemas encontrados no Ensino Jurídico não podem ser pensados de forma finalista, ou seja, por meio de argumentos e soluções derradeiros. Dada a sua complexidade, seria minimamente frágil apresentar respostas para as questões que mais permeiam o tema. É bem provável que a única possibilidade que se poderia afirmar de forma mais certeira, é o fato de que o Ensino Jurídico está em crise, não do ponto de vista econômico, pois se assim o fosse, não haveria tanto investimento na área, evidência demonstrada pelo número de Faculdades de Direito crescente a cada ano, assim como o consequente e desenfreado crescimento de cursos preparatórios para concurso público e para o Exame de Ordem, bem como o mercado editorial de manuais que vem se aproveitando da pujança econômica.

O que se critica, por outro lado, é a crise do ensino, do ponto de vista pedagógico, estrutural e simbólico, uma vez que, ao que parece, o Ensino Jurídico se tornou apenas uma indústria de bacharéis, os quais, considerando os baixos índices de aprovação no Exame da OAB, permanecerão como bacharéis, migrando possivelmente para outras áreas de trabalho ou, enquanto ainda houver esperança, continuarão a prestar o Exame, até conseguir êxito. Contudo, mesmo que não houvesse tal impedimento ao exercício profissional, ainda assim, não haveria espaço para tantos advogados, nem vagas em órgãos públicos. Ademais, não é apenas o aspecto quantitativo das Faculdades de Direito que se critica, mas sim, a baixa qualidade do ensino, as instituições que se inauguram desenfreadamente, com único propósito de fomentar ainda mais esta dinâmica produtivista de formação bacharelesca, sem a devida preocupação com uma formação crítica, humanista e axiológica do Direito e da sociedade – ao avesso do propósito da Resolução Número 9 (BRASIL, 2004).

Por meio deste cenário, o estudo do Ensino Jurídico se tornou cada vez mais importante. Desta feita, na perspectiva de sua complexidade, torna-se necessário o fomento à pesquisas sérias e à dedicação compromissada de pesquisadores, na esperança de se entender melhor os problemas que envolvem a questão e quais as possíveis soluções – se é que tais questões tenham solução ou possam ser solucionadas. A levar em consideração o contexto em que se encontra o Ensino Jurídico, bem como o processo que se construiu até então, com base nos autores delimitados na Categoria Temática de Ensino Jurídico, no segundo capítulo, quais sejam, Horácio Wanderley Rodrigues, Luis Alberto Warat, José Eduardo Faria, Eduardo Carlos Bianca Bittar e Roberto Lyra Filho, considerados as principais referências no que se refere ao tema, de acordo com o Estado da Arte realizado por meio da análise dos 60 trabalhos de Pós-Graduação nos últimos 10 anos, disponibilizados na base de dados da Biblioteca de Teses e Dissertações, doravante se pretende discorrer precisamente sobre a suposta relevância teórica de suas obras.

Destarte, retomando o método já exposto alhures, a intenção de delimitar a base da discussão do Ensino Jurídico por meio da análise das referências se deu pelo motivo de que, ao retomar as citações das pesquisas delimitadas no Estado da Arte, seria possível pensar de forma mais objetiva quais os autores que estavam sendo mais utilizados e, por consequência, serviam de base para a discussão do tema. Deste modo, o Anexo 3 foi composto apenas de autores que tiveram mais de uma obra citada ou que foram citados em mais de uma pesquisa, por este motivo, a menor quantidade de citações – correspondente à segunda coluna – é igual a dois. Assim, uma vez que se pretendia também identificar apenas aqueles autores que tivessem sido mais citados, estabeleceu-se que as Categorias Temáticas, apresentadas no capítulo anterior, somente iriam contemplar aqueles que obtivessem quantidade igual ou superior a 10 citações. Foi esta a forma encontrada para agrupar apenas aqueles autores cuja incidência nas pesquisas fora maior e, consequentemente, representassem as principais referências, ou seja, a base da discussão do Ensino Jurídico. Posto isto, com base no método da presente dissertação, identificou-se que restaram cinco autores, cujas obras se encontram entre as mais utilizadas pelos pesquisadores do tema. Assim, caberá nesta parte do capítulo esquadrinhar partes de suas obras no sentido de compreender e captar suas nuances teóricas implícitas ou explícitas, caso existam, na consideração dos 60 trabalhos investigados.

3.1.1. Horácio Wanderley Rodrigues

Horácio Wanderley Rodrigues, pesquisador do CNPq, bolsista produtividade Nível 2, é advogado em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. Como docente, atua no Programa de Pós- Graduação da Universidade Federal de Santa Catarina, a UFSC, nas disciplinas de Direito e Educação Jurídica e Fundamentos e Metodologia da Educação Jurídica, ambas do Doutorado; também em Epistemologia Jurídica e Fundamentos e Metodologia da Educação Jurídica, ambas do Mestrado. Desde 2014 atua como membro do Núcleo Docente Estruturante, nos Conselhos, Comissões e Consultas, Centro de Ciências Jurídicas, no Departamento de Direito da UFSC. Em relação a seus projetos de pesquisas, de 2013 até a atualidade, desenvolveu o tema Ensinar Direito: Fundamentos e Metodologia do Ensino do Direito – história, crises, diretrizes curriculares e didática dos cursos jurídicos brasileiros 38 ; no mesmo período também desenvolveu o projeto Conhecer Direito: processos de produção do conhecimento na área do Direito – o conhecimento jurídico produzido através da pesquisa, do ensino e das práticas profissionais 39 ; de 2010 a 2013, desenvolveu o projeto Conhecer: construindo novas possibilidades para a ciência do Direito e a pesquisa jurídica no Brasil 40 ; de 2008 a 2009, desenvolveu o projeto Aprender Direito: conhecendo os fundamentos epistemológico da Ciência e do Ensino do Direito e propondo novas estratégias metodológicas, tendo como ponto de partida o Racionalismo Crítico 41 ; de 1990 a 2008, também desenvolveu o projeto Ensino Jurídico e Direito Educacional no Brasil Contemporâneo: diretrizes curriculares, sistemas de avaliação, liberdade de ensinar e outras questões administrativas, legais e pedagógicas; já de 1990 a 1994, atuou no projeto Da crítica do Direito ao Direito Alternativo: de como a teoria se transformou em prática, sendo que os dois últimos projetos não possuem descrição publicada no Lattes (RODRIGUES, 2015).

Ainda sobre sua trajetória acadêmica, em conformidade com as publicações em seu currículo Lattes, não obsta asseverar que suas temáticas de pesquisas, mormente sua dissertação e tese, sempre estiveram vinculadas com a questão do Ensino Jurídico. Especificamente sobre seu mestrado, defendido na UFSC, cujo orientador foi Luís Alberto Warat, personalidade importante na discussão do tema e que se inclui entre os principais autores na Categoria Temática de Ensino Jurídico, o qual será a seguir tratado, teve como título O ensino jurídico de graduação no Brasil contemporâneo: análise e perspectivas a partir da proposta alternativa de Roberto Lyra Filho, cuja defesa ocorreu no ano de 1987. Sobre a temática de sua dissertação, não há como se olvidar de mencionar o pensamento de Lyra Filho, autor que figura entre as cinco principais referências sobre o Ensino Jurídico e, como será mais bem analisado na sequência, um dos principais entusiastas da Teoria Alternativa do Direito. Wanderlei Rodrigues também se dedicou ao tema em seu doutorado, cuja tese também foi defendida na Universidade Federal de Santa Catarina, o título foi A crise do ensino jurídico de graduação no Brasil contemporâneo: indo além do senso comum, sendo que o ano de obtenção do título foi em 1992, com orientação de Olga Maria Boschi Aguiar de Oliveira, professora Titular do Departamento de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, atuante na área de Direitos Sociais, Direitos Coletivos, Direitos Sindical, Direito e Fraternidade e Metodologia de Pesquisa em Direito, também em consonância com seu Lattes (RODRIGUES, 2015).

A análise do Currículo Lattes de Wanderley Rodrigues demonstra uma íntima relação acadêmica com o tema do Ensino Jurídico, seja por meio dos supra citados projetos de pesquisas, seja pelos inúmeros artigos científicos, textos jornalísticos, trabalhos publicados em anais e capítulos de livros sobre o tema42, mas principalmente em relação ao tema desenvolvido em sua dissertação e sua tese. Neste sentido, não se poderia deixar de ressaltar a importância da contribuição de Luis Alberto Warat como orientador, bem como a influência do pensamento de Roberto Lyra Filho, ambos os autores que, a levar em consideração a pesquisa do Estado da Arte, se mostram como base na discussão do Ensino Jurídico. Ademais, a dedicação com que o autor trata das questões jurídicas no Ensino Superior e na Pós-Graduação, de certa forma, vai contra o argumento mencionado alhures de que os pesquisadores, grosso modo, estão negligenciando o assunto, por vezes se esquivando de construir uma crítica robusta, de modo a contribuir para o entendimento do fenômeno do Ensino Jurídico em toda sua complexidade. Por outro lado, a quantidade de trabalhos publicados sobre o tema, bem como o número de trabalhos e livros publicados sobre o assunto, por si só, já explicam o motivo pelo qual o autor se apresenta como principal referência na Categoria Temática de Ensino Jurídico. A seguir, apresenta-se a Tabela 8 que dispõe da quantidade de referências de Horácio Wanderlei Rodrigues.

Tabela 8: Relação entre livros e quantidade de referências em Horácio Wanderlei Rodrigues

Obras

Quantidade de referências

Ensino jurídico e direito alternativo

9 43

Pensando o ensino do Direito no Século XXI: diretrizes curriculares, projeto pedagógico e outras questões pertinentes

6 44

Ensino jurídico: saber e poder

4 45

Novo currículo mínimo dos cursos jurídicos

4 46

Ensino jurídico para que(m)?

2 47

Ensino do Direito no Brasil: diretrizes curriculares e avaliação das condições de ensino

1 48

Com base na Tabela 8, em que se apresentam as obras de Rodrigues citadas nas 60 pesquisas, Ensino jurídico e direito alternativo, referenciada por nove pesquisas, quais sejam, Alves (2008), Balikian (2008), Barros (2007), Brandão (2014), Carlini (2006), Iocohama (2011), Mossini (2010) e Pugliesi (2011), aparecendo, então, como sua obra mais utilizada. Esta foi a primeira obra, de sua autoria, em que o autor discute a Teoria do Direito Alternativo, tendo sua primeira edição datada de 1993. De início a obra traz uma contextualização histórica, investigando especificamente a evolução dos currículos e a Resolução Número 3, de 13 de outubro de 1989, do Conselho Federal de Educação a qual tratou do currículo mínimo e carga horária mínima de aulas para o Curso de Direito. Contudo, como ele apresenta mudanças curriculares que não constituem a base para uma mudança efetiva de ensino, nem se apresenta como uma solução aos problemas, [...] pois em muitos momentos ignora a questão estrutural do Ensino do Direito, que envolve problemas de ordem política e epistemológica (RODRIGUES, 1993, p. 58). O autor também trata da formação simbólica, por meio do tecnicismo e do dogmatismo, baseado em um ensino de códigos comentados e manuais. Na mesma obra ainda é construída uma crítica a respeito da crise epistemológica que se instalou no Direito, dada a dicotomia que o reduz em basicamente duas matrizes: o Positivismo e o Jusnaturalismo.

Sobre a Teoria do Direito Alternativo, ou Uso Alternativo do Direito, de acordo com o autor, representa um movimento crítico que começou a ganhar forçar na década de 1980, ainda não constituindo uma escola jurídica ou um movimento hegemônico, mas cujo pensamento começou a influenciar também o ensino. Seu objetivo principal é redefinir o paradigma jurídico por meio da superação do tradicional modelo, pautado numa perspectiva bacharelesca, elitista e tecnicista. Inclusive, de acordo com o autor, muitas raízes, pressupostos e objetivos estão alinhados com o pensamento de Roberto Lyra Filho, principalmente por meio de seu trabalho desenvolvido na Nova Escola Jurídica Brasileira, a NAIR, influenciado pelo movimento alternativo europeu. Outro autor que deve ganhar destaque como vanguardista do movimento alternativo, ainda na perspectiva do autor, é Luís Alberto Warat, por meio de seu trabalho linguístico-epistemológico, desenvolvido pela Associação Latino-Americana de Metodologia do Ensino do Direito, a ALMED. Embora o Direito Alternativo tenha se consolidado a partir dos anos 80, seu nascimento ocorreu anos antes, como assevera Rodrigues (1993):

O movimento, em princípio, é uma consequência de todo o processo de crítica do Direito desenvolvido principalmente a partir do início da década de 70. A falta de resultados concretos, oriunda da ausência de estratégias específicas, levou ao desenvolvimento de uma série de ações individuais ou grupais e que em determinado momento começaram a despontar, às quais foi dada esta denominação (RODRIGUES, 1993, p. 153).

Destarte, como aponta o autor, o Direito Alternativo é inovador. Ele faz uma opção pelos pobres, contrariando a perspectiva elitista do Direito, formando a máxima do Direito achado na rua (RODRIGUES, 1993). Por sua forma, há um contato direto com os problemas populares e a utilização do Direito como instrumento de luta. Por outro lado, também traz uma proposta maior, qual seja, a de construir uma sociedade mais justa49. Esta proposta está alicerçada na convicção pessoal do autor de que o verdadeiro socialismo é necessariamente democrático, e de que a democracia só é plenamente realizável no socialismo (RODRIGUES, 1993). Diante do exposto, não há como deixar de notar a influência marxista que dá baldrame ao pensamento Alternativo. Ademais, se levar em conta que o movimento brotou no imaginário de seus criadores inicialmente nos anos de 1970, auge da Guerra Fria e da influência estadunidense no Brasil, é possível cogitar que o movimento tenha representado mais uma resposta de indignação à hegemonia capitalista que subjugava o Brasil, inclusive na esfera do Ensino Jurídico – como se pode observar na criação do Centro de Estudos e Pesquisas no Ensino do Direito, o Ceped –, do que, propriamente crítico. É provável que naquela época não se imaginasse que, com o mundo dividido pela Guerra Fria, e com os Estados Unidos imperando seu capitalismo ao ocidente, e principalmente ao Brasil, algumas décadas depois as Universidades fossem assoladas pelo pensamento marxista e pelos ideais políticos e econômicos esquerdistas e comunistas.

Por outro lado, dentre a lista de referências de Wanderlei Rodrigues, a obra Pensando o ensino do Direito no Século XXI, cuja primeira edição ocorreu em 2005, aparece em segundo lugar como mais citada. Conforme ele mesmo aponta em seu prefácio, o livro foi fruto de mais de vinte anos de pesquisa e reflexão sobre o Ensino do Direito e o Direito Educacional. Seu texto situa a questão dos Cursos de Direito em três níveis diferentes: em primeiro lugar, estabelece um diagnóstico dos problemas existentes, no âmbito geral do Ensino do Direito e no campo específico do projeto pedagógico; em seguida, analisa detidamente as novas diretrizes curriculares; e, finalmente, apresenta propostas concretas de organização dos cursos em diferentes modelos curriculares. O livro discorre, em seu início, sobre a crise no ensino, no âmbito estrutural, por meio do paradigma político-ideológico e epistemológico; no âmbito funcional do mercado de trabalho, da identidade e da legitimidade dos operadores jurídicos; também fala da crise operacional, em decorrência da má administração das Instituições de Ensino, da falta de didática-pedagógica e da falta de um currículo construído de forma harmônica, pensando na formação de um profissional que, ao mesmo tempo em que conheça o aparato legal, também seja crítico dele e da sociedade em que vive. Em outro momento, o autor apresenta, de forma cronológica, as reformas curriculares que deram origem às principais mudanças no cenário jurídico, o que acaba por retomar as questões trazidas na obra Ensino jurídico e direito alternativo, porém de forma mais completa. Ao final, Rodrigues (2005) tece algumas críticas sobre a atual diretriz pedagógica, ressaltando principalmente questões relacionadas ao tempo de duração dos Cursos de Direito, em que pese a polêmica sobre a redução do curso para quatro anos, do período de 1973 a 1995, na vigência da Resolução Número 3 de 1973 do Conselho Federal de Educação; duração da hora-aula, na qual defende a equivalência entre ela, a hora-relógio, de 60 minutos, e a hora-sindical, de modo a garantir a produtividade do aluno e a salubridade do docente trabalhador, dado que as horas-aulas menores acabam por ter de se duplicar em algumas disciplinas, tornando o trabalho do educador deveras extenuante e tornando as aulas muito maçantes aos educandos. Por fim, os critérios de formação dos docentes, sendo o mais importante deles a exigência da Pós-Graduação, preferencialmente mestrado e doutorado, como requisito básico à docência, fato que, de acordo com o autor, muitas vezes não é cumprido por algumas instituições.

Rodrigues (2005), conclui que, dada a grande quantidade de Cursos de Direito que se inauguram e a consequente quantidade de bacharéis que se formam, tanto as instituições acabam por diminuir a qualidade da Educação, frente ao modelo produtivista de quantidade, como também o mercado de trabalho acaba por não conseguir absorver todos os profissionais formados. O Ensino Jurídico deve, para mudar essa realidade, assumir o papel de formar [...] profissionais conscientes de seu papel na sociedade (2005, p. 284), devendo ser operadores do Direito qualificados para o exercício das diversas profissões jurídicas e conscientes de seu papel político dentro de uma sociedade de mudança. Contudo, acrescenta que, em nenhum momento, pretendeu em sua obra reproduzir verdades prontas e acabadas, nem receitas infalíveis. Uma vez que a Ciência é um processo de produção de conhecimentos no qual cada passo depara-se com novos fatos, querer produzir conhecimentos científicos, no sentido de querer produzir verdades inquestionáveis e imutáveis, é, em parte, um dos grandes equívocos do Direito. Por outro lado, o autor também não quis reduzir a análise efetuada a proposições meramente reformistas, sendo necessário bem mais do que isso. É importante, de acordo com Rodrigues (2005), abalar as estruturas mesmas do sistema vigente e fazer uma revolução, implodindo o velho para que possa surgir o novo. Por outro lado, ainda em relação à área didática, como assevera o autor, o Ensino do Direito continua adotando basicamente a mesma metodologia da época de sua criação: a aula-conferência. É ela a técnica preferencial do ensino tradicional. Em grande parte, seus professores possuem uma formação pedagógica insuficiente – ou mesmo nenhuma preparação didático-pedagógica – e se restringem, em sala de aula, a expor o ponto do dia, comentar os artigos dos códigos e contar casos de sua vida profissional, adotando um ou mais livros-textos, que serão cobrados dos alunos nas avaliações. E encerra de forma bastante enfática:

O ensino do Direito, tal como se apresenta hoje, não satisfaz. As sucessivas tentativas históricas de corrigi-lo têm sido infrutíferas. Tem-se contemporaneamente a possibilidade de encarar a solução para esses problemas a partir de uma revolução no âmbito do próprio processo de ensino-aprendizagem, sepultando os centenários currículos puramente formais dos projetos pedagógicos tradicionais e adotando novos modelos ainda não utilizados na área do Direito. É chegado o momento de se partir para uma revolução, aplicando efetivamente novas propostas atreladas ao reformismo instituído (RODRIGUES, 2005, p. 287).

Em suma, é possível notar do discurso construído pelo autor que Pensando o ensino do Direito no Século XXI se tornou uma obra muito mais madura e completa que Ensino Jurídico e Direito Alternativo, na qual o autor acabou por se limitar à apresentação da Teoria do Direito Alternativo em detrimento do ensino. Porém, naquela, Wanderlei Rodrigues parece analisar a questão do Ensino Jurídico de forma muito mais ampla, construindo uma crítica atrelada ao histórico de currículos e diretrizes de 1827 a 2002, o autor também se preocupa em retomar questões pedagógicas dos Cursos de Direito, apontado inclusive para uma crítica baseada no pensamento de Edgar Morin, a qual menciona que o conhecimento pertinente e necessário, a partir do Século XXI, deve ser pensado e produzido conforme seu contexto, de forma global e multidimensional e levando em conta a complexidade das questões. Neste sentido, com base nessa obra em específico, não há dúvida de que o autor concorda com o contexto de crise em que vive o Ensino Jurídico, não apenas do ponto de vista pedagógico, mas também estrutural, por meio da própria questão simbólica que cerca a formação em Direito, como também funcional, dada a saturação do mercado de trabalho e da crise identitária do operador do Direito. Assim, é possível concluir que o principal argumento trazido pelo autor está pautado, principalmente, em mudanças efetivas no currículo do curso, porém sem a ilusão de que um novo currículo influencie em uma nova concepção de ensino, nem que tal mudança consiga ser feita em um curto período de tempo.

Já na obra Ensino jurídico: saber e poder, de acordo com o próprio autor, versão revisada de sua dissertação de mestrado – intitulada O ensino jurídico de graduação no Brasil contemporâneo: análise a partir da proposta alternativa de Roberto Lyra Filho, defendida em 1987. O trabalho, publicado no ano seguinte, em 1988, representa sua primeira publicação como livro. Nesta obra Rodrigues (1988) inicia retomando os aspectos da trajetória histórica das faculdades jurídicas ou dos cursos jurídicos, ressaltando o período de projeto dos cursos e os diversos contextos que representaram as mudanças de diretrizes curriculares. Sua principal contribuição está na discussão simbólica das Faculdades de Direito, enquanto fomentadoras de uma ideologia elitista. Ademais, é apresentada a posição dos sete maiores pesquisadores, na opinião do autor, sobre o tema do Ensino Jurídico, são eles: João Baptista Villela, Álvaro Melo Filho, Aurélio Wander Bastos, Joaquim de Arruda Falcão Neto, José Eduardo Faria, Roberto Lyra Filho e Luís Alberto Warat. Em que pese à opinião de Rodrigues (1988), importa asseverar que dentre sua listagem dos principais autores na discussão do Ensino Jurídico apenas três deles correspondem ao resultado da presente pesquisa, apresentados na Tabela 7 do capítulo anterior, a saber, Luis Alberto Warat, José Eduardo Faria e Roberto Lyra Filho. Os demais autores, embora estejam presentes no Anexo 3, em respeito ao método de pesquisa adotado, por não terem alcançado o mínimo de 10 referências não foram incluídos no grupo de pesquisadores mais influentes, com base no Estado da Arte – de acordo com o mesmo anexo, Álvaro Melo Filho, Aurélio Wander Bastos, Joaquim Arruda Falcão Neto e João Batista Villela, apresentaram, respectivamente, três, quatro, quatro e seis referências. Neste sentido, mesmo não sendo exata, é interessante observar que a lista apresentada por Rodrigues (1988) apresenta certa relação com o resultado de pesquisa, visto que três dos autores também foram apontados com relevo. Por outro lado, insta salientar que o resultado apresentado na Tabela 7, relativa aos cinco autores, não tem por objetivo restringir ou diminuir os demais autores.

Data venia, em que pese a máxima opinião do autor, importante ressaltar que, especificamente sobre a citação de João Baptista Villela, enquanto pesquisador e intelectual, não há qualquer publicação sobre a temática do Ensino Jurídico em seu Currículo Lattes, nem artigos científicos nem publicações em eventos, muito menos, em capítulos ou livros publicados, sendo que suas áreas de atuação, enquanto pesquisador, estão mais vinculadas com o Direito Civil (VILLELA 2015). Não obsta ressaltar, contudo, que nenhuma obra se encontra listada no Anexo 3. Álvaro Melo Filho, por outro lado, embora seja grande referência do Direito Desportivo, se dedicou parcialmente ao Ensino Jurídico, tendo 13 artigos científicos e cinco livros publicados sobre o tema – 170 anos de Cursos Jurídicos no Brasil, Ensino Jurídico Novas Diretrizes Curriculares, Inovações no Ensino Jurídico e no Exame de Ordem, Ensino Jurídico: Diagnóstico, Perspectiva e Propostas, Reflexões sobre Ensino Jurídico e Metodologia do Ensino Jurídico –, sendo assim, não há como negar que Melo Filho seja uma referência importante na construção de uma crítica sobre o Ensino Jurídico. Porém, com base na tabela do Anexo 3, o autor aparece em apenas três referências (BRASIL, 2015a). Aurélio Wander Bastos, embora tenha se dedicado bastante a pesquisas no campo do Direito Constitucional e Econômico, tem seu trabalho de Livre-docência envolvido ao tema do Ensino Jurídico, defendido na Universidade Gama Filho, em 1995. Ademais, além de artigos sobre o tema, Bastos também tem três obras publicadas sobre a questão – Evolução do Ensino Jurídico no Brasil, Os cursos Jurídicos e As elites políticas brasileiras e criação dos cursos jurídicos no Brasil (BRASIL, 2015a). Porém, ainda com base na tabela do Anexo 3, suas obras aparecem em apenas quatro referências. Joaquim de Arruda Falcão Neto, outro pesquisador que vem se dedicando ao Direito Constitucional, embora sem qualquer artigo sobre Ensino Jurídico, publicou o livro Os advogados, ensino jurídico e mercado de trabalho e O ensino jurídico e as associações de classe dos advogados, além de publicações em capítulos de livros sobre o mesmo tema (BRASIL, 2015a). Não obstante tais pesquisas, de acordo com o Anexo 3, foram encontradas apenas quatro referências na pesquisa de Estado da Arte sobre Falcão Neto, o que, assim como os autores anteriores, reitera a argumentação de que, ao contrário do destaque atribuído por Rodrigues (1988), com base na presente dissertação, tais autores não se apresentam como a base do pensamento no Ensino Jurídico. Por outro lado, José Eduardo Faria, Roberto Lyra Filho e Luís Alberto Warat, também apontados como grandes pensadores do tema, já se ancoram nos resultados do Estado da Arte aqui realizado, dado que os três autores se encontram entre as cinco principais referências na Categoria Temática do Ensino Jurídico. Por outro lado, importante ressaltar que todos os autores citados por Rodrigues (1988) têm suas magnum opus publicadas no final do século XX – o que inclui a própria obra de Rodrigues, coeva à promulgação da Constituição Federal, o que fragilidade a contribuição dos teóricos no que se refere a sua atualidade.

Novo currículo mínimo dos cursos jurídicos, representando a quarta posição, de acordo com a quantidade de trabalhos referenciados nas pesquisas, é o quinto livro do autor, foi publicado em 1995. Nela o autor retoma mais uma vez a questão dos currículos50, tema considerado de relevante importância, uma vez que circunscreve grande parte de sua obra. Rodrigues (1995) também retoma aspectos históricos dos cursos jurídicos e critica, de forma bastante enfática, o elitismo cultural que foi construído e influenciado graças aos bacharéis de Direito, que, não raras as vezes, saíam dos bancos universitários brasileiros e, além de ocupar os escritórios advocatícios e os cargos jurídicos públicos, também passaram a constituir preponderantemente a elite pensante do século XIX e meados do século XX. Como assevera o autor, as aulas eram realizadas em forma de aulas- conferência, em um modelo absolutamente expositor e dogmático, não havendo qualquer possibilidade para o debate ou o contra-argumento dos alunos. Seguiu-se o mesmo paradigma da Universidade de Coimbra, a qual, como mencionado, já era alvo de críticas, tendo em perspectiva seu método obsoleto. Assim, os primeiros docentes, que em pouco tempo se tornariam bacharéis, corresponderiam à elite econômica e intelectual brasileira, os quais ocupariam os primeiros escalões políticos e administrativos do país (RODRIGUES, 2002). Porém, não há como negar que os novos formados em Direito, influenciados com o mesmo pensamento dogmático e elitista que receberam na faculdade, também estariam presentes nas academias literárias, nas redações de jornais e no comando das primeiras fábricas e indústrias do Brasil. Desta forma, dado que poucas eram as opções de formação superior no Século XIX e início do Século XX, as Faculdades de Direito representaram muito mais do que a formação de advogados, juízes e promotores, ela foi o principal meio de construção do conhecimento e moldou a forma de pensamento de muitas gerações.

Ainda sobre a discussão dos currículos, de acordo com Rodrigues (1995), durante as décadas que sucederam a inauguração das Faculdades de Direito no Brasil, os currículos no Período Império tinham por características, mormente, o totalitarismo acadêmico, uma vez que as Faculdades ficavam totalmente à mercê do governo central, que na época era comandado pelo Imperador Dom Pedro II. Inclusive, os recursos, currículos, metodologia, nomeação de professores, definição de programas também faziam parte do monopólio exercido pelo governo. Ademais, ainda em acordo com o autor, no que se refere ao modelo pedagógico adotado, não há dúvida de que fora o jusnaturalismo a doutrina dominante. Somente a partir de 1870 que foram introduzidos no Brasil o evolucionismo e o positivismo. Por fim, ainda sobre os currículos, Rodrigues (1995) retoma a questão da metodologia didática por meio da exclusividade das aulas do tipo conferência, muito semelhante com o método adotado em Coimbra, o qual já era considerado bastante tradicional e antiquado no início do Século XIX – embora, não obsta ressaltar aqui, que este modelo de aula conferencista ainda constitua a base pedagógica de muitos docentes, embora a referência date de mais de vinte anos51.

Hoje os cursos jurídicos auxiliam, enquanto instância de reprodução simbólica das crenças, valores e pré-conceitos jurídico-políticos de um certo liberalismo, mesclado de nuances de conservadorismo, a manutenção do status quo político-econômico-social. A expectativa é que se possa transformá-lo em um instrumento a serviço da construção de uma sociedade mais justa e democrática. Deve ele formar agentes sociais críticos, competentes e comprometidos com as mudanças emergentes, com o novo; operadores jurídicos que possuam uma qualificação técnica de alto nível, acompanhada da consciência de seu papel social, da importância estratégica que possuem todas as atividades jurídicas no mundo contemporâneo e, portanto, da responsabilidade que lhes compete nessa caminhada. Em resumo: que os cursos jurídicos sejam instrumentos de resgate da cidadania52 (RODRIGUES, 1995, p. 21).

A discussão do simbolismo nos Cursos de Direito, enquanto formação de intelectuais superiores, ainda pode ser observada nos tempos hodiernos. O próprio pronome de tratamento Doutor, tradicionalmente utilizado desde o Império, é prova do ranço elitista de que aqueles os quais passavam pela Faculdade de Direito se tornavam superiores aos demais cidadãos. A reprodução simbólica do Direito enquanto curso das elites intelectuais não só persiste como, possivelmente, é um dos fatores que mais causa fascinação entre aqueles que a escolhem. Não é por outro motivo que as Faculdades de Direito são prósperas em número e que os egressos são os profissionais em maior número, se comparado com os formados em outros cursos, conforme estatísticas já apresentadas. Infelizmente, a vaidade, que tanto ludibria os ingressantes, é também a causa da saturação do mercado de trabalho, pois, por mais que haja a consciência de que o Direito representa hoje uma área com muita concorrência, em que, ao mesmo tempo em que grande parte dos formados não consegue sequer sucesso na aprovação do Exame de Ordem, os cargos de órgãos públicos e privados que necessitam da formação jurídica também não conseguem absorver tal número de formados. Outrossim, para aqueles que ainda não conseguiram o resultado favorável no Exame, podem escolher entre trabalhar em uma área totalmente diversa da jurídica, ou continuar tentando prestar o Exame, favorecendo ainda mais a indústria de cursos preparatórios e apostilas jurídicas milagrosas, bem como a dinâmica de desaprovação em massa do próprio órgão de classe. Ou ainda, para os que finalmente conseguem ser aprovados no Exame de Ordem, diante da enorme concorrência, não raras vezes, muitos advogados favorecem o desprestígio da profissão pela atividade antiética e pela concorrência desleal, diante de convênio com facções criminosas, consultorias gratuitas e cobranças de honorários com valores abaixo do mínimo estabelecido pela Ordem dos Advogados.

Em Ensino jurídico para que(m)?, publicado inicialmente em 2000, Rodrigues (2000) aparece como organizador da obra e autor de apenas um capítulo; em seu texto, ele resume muito bem seu pensamento a respeito dos pontos cruciais que devem ser questionados sobre a crise do Ensino Jurídico. Como o próprio autor anuncia na apresentação, o livro, escrito no contexto do início do novo milênio, por meio de todos os textos, buscará auxiliar na compreensão da crise do Ensino Jurídico e das alternativas que vem sendo trazidas para solucioná-la. Importante ainda ressaltar que todos os autores dos textos integram o corpo discente e docente do Curso de Pós- Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina. No primeiro texto, Rodrigues (2000) sintetiza os principais problemas do Ensino Jurídico no Brasil e que, em sua argumentação, corroboram para o contexto crítico em que se encontram, assim, são eles: o conservadorismo e o tradicionalismo; a demasiada influência do pensamento positivista, levando o Direito ao reducionismo científico do dogmatismo positivo, o qual restringe a análise do fato à mera perspectiva da legalidade; o método pedagógico das aulas do tipo conferência que, normalmente são unidisciplinares e não favorecem a reflexão e a cosmovisão que o Direito requer; sobre o perfil discente, também argumenta que geralmente trabalham no período inverso ao que frequenta o curso, impossibilitando um tempo maior de pesquisa e leitura; sobre o perfil docente, também argumenta que geralmente são mal preparados, sem qualquer formação pedagógica e se utilizam da carreira magisterial apenas como complemento, pois normalmente atuam na atividade de advogado, promotor ou juiz; sobre o mercado de trabalho, não há dúvida de que está saturado; por fim, argui que a crise dos Cursos de Direito não é apenas pedagógica, mas, antes de tudo, política, visto que as Faculdades são centros reprodutores de ideologia do poder estabelecido. Ainda no mesmo texto, Rodrigues (2000) aponta quatro características que resumem uma possível solução:

a) Necessidade de uma alteração curricular que introduza um currículo mais flexível, que concilie a teoria e a prática de forma harmônica, e que permita a sua adaptação às realidades sociais e regionais, voltando-se, assim, para a profissionalização em função dos respectivos mercados de trabalho;

b) A substituição da aula-conferência por formas alternativas de metodologia e técnicas didático-pedagógicas (como aulas dialogadas, aula interativa, a mesa redonda, as diversas dinâmicas de grupo, dentre outras) que viabilizem a implantação de uma educação participativa;

c) A implantação de um ensino interdisciplinar, em substituição ao ensino dogmático, exegético e unidisciplinar, visando desenvolver a visão crítica do fenômeno jurídico, o raciocínio jurídico e a adequação do Direito à realidade social em constante evolução. É necessário ensinar o aluno a pensar, e a pensar não apenas a lei, mas também a sua legitimidade e eficácia;

d) Aumentar a qualificação e dedicação do corpo docente e exigir maior dedicação do corpo discente (2000, p. 18).

Em relação ao item b, sobre a substituição da aula-conferência por formas alternativas de metodologia e técnicas didático-pedagógicas, não há óbice em destacar a pesquisa empírica realizada por Carlini (2006), em sua tese Aprendizagem baseada em problemas aplicada ao Ensino de Direito: Projeto exploratório na área de relações de consumo, na qual seu objetivo foi investigar a aplicabilidade do paradigma da aprendizagem baseada em problemas com alunos de Graduação em Direito. Para isso, de acordo com a autora, o trabalho resgatou a perspectiva histórica da implantação e desenvolvimento dos Cursos de Direito no Brasil e analisou criticamente o estágio atual do Ensino de Direito que, quase sempre está fundamentado na transmissão de conhecimento do professor para os alunos, com uso recorrente e quase exclusivo da aula-expositiva (CARLINI, 2006, p. 258), entendida aqui em seu viés tradicional que não enseja ou solicita a participação do aluno, que não suscita o levantamento de dúvidas, de questionamentos ou crítica, aquela aula em que o professor, na qualidade de único detentor do conhecimento, escolhe o que o aluno deve saber e aquilo que não é necessário que ele saiba. Na mesma trincheira de Carlini (2006), Zitscher (2004), na obra Metodologia do Ensino Jurídico com Casos – Teoria & Prática, pesquisadora da Universidade de Hamburgo, Alemanha, afirma que, trabalhando no Brasil como professora visitante, logo no início lhe chamou atenção o fato de que, no ensino universitário, raramente se usa o caso concreto. O ensino é dedicado a transmitir ao aluno a estrutura do sistema dominante em cada matéria, não sendo de interesse geral a solução de casos concretos.

Sobre a importância de alteração curricular, insta salientar que esta é uma das grandes preocupações de Rodrigues, o qual retoma sistematicamente todas as suas obras e se dedica de forma exaustiva no livro Novo currículo mínimo dos cursos jurídicos, publicado em 1995. Não obstante tais publicações, importa ressaltar que tanto a publicação de 1995 quanto a de 2000, bem como a obra de 1988, a qual também examina a importância da reforma curricular, são, por evidente, anteriores à Resolução Número 9, de 29 de setembro de 2004, do Conselho Nacional de Educação e da Câmara de Educação Superior, que institui novas diretrizes curriculares aos cursos e que consistiu uma grande inovação ao cenário acadêmico, pois, de forma expressa, ressaltou a importância da interdisciplinaridade, da integração entre teoria e prática, da pesquisa e das disciplinas zetéticas, bem como a fundamental necessidade de uma formação humanística e axiológica. De tal forma, como apontou posteriormente Rodrigues (2005), sobre a mesma disposição normativa, a promulgação da Resolução Número 9 [...] permitiu flexibilizar o currículo não apenas para as Instituições de Ensino, mas também para o próprio corpo discente (2005, p. 232). De forma que, passou a permitir a prática de atividades que atinjam os níveis do tripé: ensino, pesquisa e extensão.

Por outro lado, em relação às aulas do tipo conferência, a citação aponta como um dos problemas da crise educacional do Direito o método pedagógico da aula conferencista, modelo tradicional nos cursos jurídicos, importado do sistema coimbrense de ensino, no qual consiste em aulas expositivas, em que o professor se coloca à frente na sala de aula, diante de sua mesa ou de seu púlpito, e professa seus ensinamentos. A principal crítica que se poderia fazer deste modelo de aula se refere à pouca abertura ao debate, embora geralmente as aulas do tipo conferência comportem também um tempo para perguntas, seu próprio método já indica que o professor se coloca como portador das respostas, conhecedor supremo do Direito – inclusive, pressupõe que existam verdades derradeiras aos fatos sociais e aos dilemas jurídicos. Esta forma de aula é bastante eficiente para o paradigma de ensino reprodutivista em que se encontram as Faculdades de Direito, com salas cada vez maiores a fim de caber o maior número de alunos, de forma que a massa discente cubra o salário docente com folga, onere o menos possível os alunos e ainda possibilite o maior lucro possível ao empresário – no caso das instituições privadas. Contudo, por outro lado, como contra-argumenta o próprio autor, outras dinâmicas ou formas de interação educando-educador, como no caso dos seminários, [...] não apenas são inadequadas para as turmas com muitos alunos, como podem ser tão autoritárias e dogmáticas quanto à preleção (RODRIGUES, 2005, p. 19). Em um primeiro momento, porque os alunos não possuem, em regra geral, conhecimento suficiente dos temas para conseguirem superar a visão colocada pelo professor; em segundo lugar, tais dinâmicas continuam colocando o docente como coordenador do processo, pois é ele quem dirige o debate e indica os textos para o seminário. Assim, como prossegue o autor, o controle do conteúdo continua sendo do professor.

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Tal controle possibilita à atividade docente não apenas equivocada visão de que o professor é o único detentor da verdade, como também facilita a proliferação de ideologias políticas, pensamentos hegemônicos e concepções simbólicas nefastas à formação do aluno, uma vez que limitam seu contato com uma única teoria ou forma de pensamento, não contribuindo para sua maturação enquanto educando e sua emancipação enquanto ser crítico e capaz de refletir sobre seu papel enquanto profissional e cidadão. Destarte, tal crítica acaba por fazer relação com a terceira característica trazida pelo autor, qual seja, relativa ao modelo unidisciplinar das aulas, mormente das matérias técnicas, como Direito Penal, Direito Civil, Direito Empresarial e Direito de Processo, em que os professores baseiam suas aulas principalmente na exposição e interpretação da letra da lei. Este modelo possivelmente ocorre pelo fato de que tais disciplinas favorecem ainda mais a perspectiva dogmática, à medida que se relacionam diretamente a uma legislação específica, correspondendo a uma determinada doutrina. Assim, o professor de Direito Penal, pela própria intenção de ensinar ao aluno o conteúdo legislativo, acaba por basear suas aulas apenas no texto legal e nos preceitos doutrinários – os quais não deixam de seguir uma formação dogmática e tecnicista. Ademais, pode-se dizer também que devido à grande extensão dos textos legais e a própria ordem jurídica influente no Brasil, a civil law 53 , fazem com que o entendimento do Direito seja pautado na norma, de forma que a seu operador se torne necessário principalmente seu conhecimento. Contudo, tal perspectiva se olvida do fato de que para se aplicar o Direito, ou minimamente para entendê-lo, é necessário compreender sua complexidade enquanto ordem jurídica e sua relação com questões práticas que vão além do texto legal e da hermenêutica, tais como o conhecimento sociológico, político, psicológico e econômico, por exemplo. Em que pese à importância de tais conhecimentos à formação em Direito, vale o alerta trazido por Rodrigues (2000):

A pretensão de mudar o ensino jurídico através da alteração do currículo é falsa. A introdução de disciplinas formativas e fundamentais [ou seja, disciplinas zetéticas] (regra geral da área das ciências sociais), que visam dar ao aluno maior senso crítico e poder de raciocínio, parte de uma premissa falsa: a de que elas são críticas em si mesmas. Esquece-se que qualquer disciplina pode ser recuperada pelo sistema e dogmatizada, ajudando a reforçar a estrutura dominante. Mesmo porque a crítica para ser realmente efetiva precisa ser feita no interior das disciplinas jurídicas (2000, p. 19).

Neste sentido, sobre a crítica que fez a respeito do modelo unidisciplinar, sobretudo nas aulas que demandam o ensino da dogmática jurídica, importa ressaltar que uma reforma curricular que inclua matérias de cunho mais zetético ou que se tente incluir tais assuntos nas já existentes, como a inclusão de discussões da Criminologia ou da Psicologia Forense nas aulas de Direito Penal, torna- se equivocada, pois parte da premissa de que bastaria uma simples mudança na ementa curricular para as disciplinas deixarem de ser dogmáticas e tecnicistas. Como retoma Rodrigues (2000), uma disciplina, em princípio considerada zetética, não se torna crítica em si mesma, possibilitando que o aluno desenvolva uma formação reflexiva e autônoma. Se assim fosse, bastaria que se incluísse às disciplinas técnicas do curso temas zetéticos, ou ainda, incluir dinâmicas de debates e outros métodos pedagógicos nas aulas. A crítica trazida pelo autor tem bastante pertinência, pois vai de encontro com a ideia de que bastaria uma mudança curricular ou uma reforma na ementa das disciplinas para torná-las mais propensas à formação crítica dos alunos. Sua fala demonstra a preocupação de que mesmo em uma disciplina considerada de perspectiva mais zetética, humanística ou axiológica, ainda há o risco de que as aulas sejam transformadas em um terreno fértil para reproduções ideológicas e políticas, ou ainda que as aulas se tornem tão dogmáticas quanto as demais, quando, por exemplo, na disciplina de Filosofia, o professor limita sua aula à apresentação de conceitos derradeiros e esquemas que transformem o pensamento filosófico em uma reprodução de verdades inquestionáveis.

Por outro lado, ainda sobre o docente, não se poderia deixar de ressaltar que a crítica, embora feroz, trazida pelo autor – que, como será mais bem esquadrinhado, também faz eco a outros – de que uma parcela da culpa recai sobre o professor deve ser ponderada, pois, em realidade, ele se torna mais vítima do que autor diante do sistema em que se insere. Desta forma, o professor, que nada mais é do que um funcionário, um trabalhador, segue a ementa disciplinar que lhe é designado, que por sua vez é respaldada por uma instituição e consequentemente pelo próprio Estado, na figura de determinado órgão público, no caso o Ministério da Educação. Sendo assim, a crítica que se faz tanto ao modelo conferencista de aula quanto à influência do modelo dogmático, deve ser mitigada pela própria questão do tempo e das necessidades em que se impuseram diante do contexto e da realidade de salas de aulas cada vez mais numerosas e um cronograma maior para ser cumprido. O educador, embora seja o principal e mais direto protagonista do ensino, não pode arcar com toda a culpa pela crise e o fracasso de um sistema – se é que ela de fato existe –, nem se esperar dele esforços hercúleos e sobre-humanos. Ao mesmo tempo, ele não deve se acovardar em um discurso cômodo e vitimista, pois, a instituição que o representa delimita metas a ser atingidas, ele, enquanto educador, deve honrar sua função de protagonista na formação de seus educandos. Nas palavras de Rodrigues, a função do educador é [...] dar ao aluno apenas os instrumentos necessários para que ele se autodesenvolva, não se restringindo a ser um mero papagaio ou macaco de auditório (2000, p. 19).

Por fim, a última obra de Horácio Wanderlei Rodrigues referenciada entre as pesquisas do Estado da Arte sobre o tema do Ensino Jurídico foi Ensino do Direito no Brasil: diretrizes curriculares e avaliação das condições de ensino, correspondendo, pois, a obra menos citada do autor, lembrada apenas na tese de Carlini (2006). Não obstante aparecer uma única vez e representar a menos citada, tal fato não indica necessariamente um desprestígio da obra ou uma menor relevância do trabalho frente aos demais. Por outro lado, talvez indique não apenas os esforços da autora da tese que o citou na busca por referências que fujam do lugar-comum, ou também aponte para a falta de busca bibliográfica dos demais autores, que provavelmente tenham se acomodado em utilizar obras mais populares e de mais fácil acesso nas bibliotecas e livrarias. O livro, então, publicado em 2002, representa novamente os esforços do autor em retomar a questão das diretrizes curriculares enquanto aspecto importante no debate da crise do Ensino Jurídico, à medida que as reformas estruturais até então realizadas pouco modificaram, de forma efetiva e prática, a realidade das Faculdades de Direito. Por outro lado, também tem por objetivo alertar ao leito que não bastam meras mudanças formais ao ensino, a crise – que na perspectiva do próprio autor é factual e inquestionável – requer mudanças drásticas, envolvendo a própria concepção de ensino e de Direito existente, e que vão muito além de modificações curriculares e mudanças nas ementas das disciplinas. Um das mais fundamentais contribuições de Rodrigues (2002) aponta para a crítica da reforma curricular ocorrida em 1962, a qual instituiu um currículo mínimo, porém, dada suas funestas modificações que influenciaram os cursos tornando-os demasiadamente técnicos, em comparação com o primeiro período, de 1827 a 1961, caracterizou uma total despolitização da cultura jurídica.

O primeiro período, iniciado ainda durante a criação dos cursos do Império, o qual representou um currículo único, como apontado pelo próprio autor, foi caracterizado pelo controle do governo e tendo como base epistemológica básica o pensamento jusnaturalista, fortemente influenciado pelos Dogmas Católicos – perspectiva hegemônica até a década de 1870, quando começou a chegar ao Brasil as primeiras publicações sobre o evolucionismo e o positivismo, que paulatinamente passaram a influenciar os juristas (RODRIGUES, 2002). Ademais, não há como negar que até o advento da República Velha, os Cursos Jurídicos se restringiam a uma parcela tão pequena e elitizada da população que ideias ultraliberais, como bem retratou Camara (2000), em sua obra Luiz Gama, o Advogado dos escravos, ao exemplo do pensamento abolicionista no regime escravocrata e no republicanismo do governo, pouco ecoavam entre os filhos dos fazendeiros, dos novos industriários e dos políticos. Todavia, como retoma Rodrigues (2002), graças ao movimento de democratização de ensino ocorrido na Primeira República, outras classes sociais passaram a frequentar os Cursos de Direito, as quais nem sempre eram representadas pelos filhos da elite, que mais se interessavam na erudição acadêmica do que propriamente uma formação que lhes possibilitasse o exercício de uma profissão. Houve, pois, uma busca por uma maior profissionalização dos cursos, fato que apontou para a influência maciça da perspectiva epistemológica positivista e o pensamento tecnicista.

A forma do currículo mínimo em 1962, promulgado pela Lei Número 4024 (BRASIL, 1961), como aponta Mossini (2010), alterou o currículo único de matriz rígida, pré-estabelecida, inalterado e uniforme, para todos os cursos, para a concepção de currículo mínimo para os Cursos de Graduação no Brasil, o que resultou na criação do bacharelado em Direito, com duração de cinco anos, o qual deveria possuir um rol de disciplinas mínimas – Introdução à Ciência do Direito, Direito Civil, Prática Forense, Direito Constitucional, Direito Internacional Público, Direito Administrativo, Direito do Trabalho, Direito Penal, Direito Financeiro e Economia Política. A partir da década de 1970, com o maior desenvolvimento da economia brasileira e o crescimento econômico e populacional, aumentou-se também as oportunidades de trabalho, o número de Faculdades de Direito também aumentou, o que culminou em um maior acesso da classe média à Graduação. Em 1972, ainda na argumentação da autora, houve uma nova alteração do currículo mínimo nacional, por meio da Resolução Número 3 do Conselho Federal de Educação (BRASIL, 1972), embora menos significativa, a qual durou até 1994. Assim, como concluiu Rodrigues (2002), nota-se, mormente pelo primeiro currículo mínimo, a clara tentativa de transformar os Cursos de Direito em estritamente profissionalizantes, [...] com a redução – para não falar em quase eliminação – das matérias de cunho humanista e da cultura geral (2002, p. 25). Sendo que grande parte das disciplinas foram substituídas por outras voltadas à atividade prática do advogado, dando continuidade ao processo de tecnificação do Ensino Jurídico, que havia sido iniciada na República Velha.

De outra banda, ao mesmo tempo em que o autor se dedica de forma extenuante à discussão das diretrizes curriculares – o que também ocorre em outras obras, como Rodrigues (2000, 2002, 2005), na tentativa de demonstrar a importância de sua reforma, o autor também argumenta que o currículo se tem mostrado, no decorrer dos tempos, como o grande vilão do Ensino do Direito, já que suas modificações se tornam uma solução anódina à realidade. A sua defasagem das normas se atribui grande parte aos males ali presentes – como grande exemplo, citado alhures, figura a inclusão das disciplinas de Psicologia Forense por meio da Resolução de 2004, porém tal reivindicação e a discussão sobre sua importância para o Ensino Jurídico já eram defendidas por Clóvis Bevilácqua em 1927 (BEVILACQUA, 1977). Desta feita, ainda na crítica do autor, consequência da morosidade legislativa no campo educacional, a maioria das propostas de reforma iniciam por essa instância, acreditando poder resolver uma crise estrutural por meio de um novo conjunto normativo e de um novo currículo. Porém, acabam piorando e fomentando ainda mais o retrocesso do Ensino Jurídico, como ocorreu com a Reforma do Currículo Mínimo na década de 1960, que modificou de forma muito superficial frente às necessárias mudanças que a realidade da crise impõe, como ocorreu com a Resolução Número 9, que, embora tenha sido positiva, na opinião do autor, e representado um divisor de águas, além de tardia, muito pouco modificou na prática – [...] prova disso é que mais de cem anos de continuadas mudanças curriculares não tem resolvido nenhum dos problemas básicos do Ensino do Direito (RODRIGUES, 2002, p. 52). Em suma, as Faculdades de Direito continuam fortemente influenciadas pelo pensamento positivista, pela formação técnica e, cada vez mais, o pensamento profissionalizante persiste, em um contexto econômico e social em que o mercado de trabalho se torna ainda mais saturado e competitivo. Sendo assim, com base no autor, o Ensino Jurídico, que deveria formar e capacitar seres pensantes, capazes de analisar a sociedade em que vivem com base nos parâmetros estabelecidos na legislação, acabam por se limitar a um discurso decorado, em que o conhecimento dogmático e técnico da letra da lei se sobrepõe à formação crítica e à construção de um conhecimento emancipatório. Apresentada a análise das obras de Horácio Wanderley Rodrigues, passa-se a apresentar e discutir as obras de Luis Alberto Warat.

3.1.2. Luis Alberto Warat

Falecido em 2010, o jurista Luis Alberto Warat é considerado um dos grandes baldrames na discussão do Ensino Jurídico – como defendeu Rodrigues (1988) em sua obra Ensino jurídico: saber e poder. De ascendência argentina, mas nacionalidade também brasileira – sendo, possivelmente o único a ter dupla nacionalidade latino-americana, como ele próprio satirizava, (ROCHA, 2012) –, fez sua Graduação em Direito pela Universidade de Buenos Aires e concluiu sua tese de doutorado na mesma instituição, realizou seu pós-doutorado na Universidade de Brasília. Foi professor da Universidade Federal de Goiás, Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, Universidade Federal da Paraíba, Universidade da Bahia, Universidade da Serra Gaúcha, Universidade de Brasília, Centro Universitário do Triângulo, Universidade de Granada, Universidade do Vale do Itajaí, Universidade do Rio de Janeiro, Universidade Federal de Santa Catarina, Universidade de Buenos Aires, Universidade Federal de Santa Maria, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Universidade de Belgrano e Universidade de Morón, ambas na Argentina. Além de sua enorme experiência docente publicou importantes obras sobre o Ensino Jurídico, embora também tenha tratado do tema em outras publicações – como em sua Introdução Geral ao Direito, porém não de forma específica (BRASIL, 2015a). Ainda sobre a vida docente de Warat, argumenta Rocha (2012), em seu artigo A aula mágica de Luis Alberto Warat, autor que se apresenta como um de seus coautores e principais interlocutores de seu pensamento:

Luis Alberto Warat é um grande pensador que, a partir de um sólido conhecimento do Direito, transita livremente desde a filosofia, psicanálise, literatura até a teoria do Direito. Com suas ideias contestadoras e radicais, vindas de lugares inesperados, marcou profundamente o universo jurídico. Warat sempre foi Professor de Direito. A sua vida se confunde com a história da crítica do Direito que caracterizou a pós-graduação brasileira dos anos oitenta, onde formou muitos juristas que hoje são destaque no cenário nacional. Warat teve como grande diferencial a capacidade de inspirar pessoas e reunir amigos em torno de suas ideias, motivação que por si só transformava qualquer encontro em um espaço de grande afetividade e genialidade (ROCHA, 2012, p. 2).

Em 1972, publicou Ensino e saber jurídico, sua primeira obra sobre o tema do Ensino Jurídico. Já no ano de 1983 escreveu Faculdade Jurídica e seus dois Maridos, obra infelizmente não tratada em nenhuma das pesquisas. Publicou posteriormente também Ciência Jurídica e seus dois maridos, a obra também retrata uma sátira ao próprio romance de Jorge Amado Dona Flor e seus dois maridos, em que é possível interpretar a metáfora com os dois maridos de Florípedes, a Dona Flor: representando os tipos básicos de ensino existentes nas Faculdades de Direito, de um lado o ensino tradicional e dogmático, fruto de grande crítica nas obras de Warat, tal modelo, por evidente se personifica na figura pacata do farmacêutico Teodoro; por outro lado, há o ensino alternativo, crítico ao modelo tradicional vigente, dessarte, com o objetivo de conseguir seduzi-lo, centralizado na formação crítica do aluno, tal ensino, então, personifica-se na figura do malandro sedutor Valdomiro, o Vadinho. Também publicou, em 2004, a obra Epistemologia e Ensino do Direito: o Sonho acabou. Desta forma, apenas serão analisadas as obras que tiverem sido referenciadas por alguma das 60 pesquisas e que tiverem relação específica com o tema do Ensino Jurídico. A Tabela 9 apresenta, então, as duas obras que ecoam nas pesquisas sobre determinada temática:

Tabela 9: Relação entre livros e quantidade de referências em Luis Alberto Warat

Obras

Quantidade de referências

Epistemologia e ensino do Direito: o sonho acabou

3 54

Ensino e saber jurídico

1 55

Em Epistemologia e ensino do Direito: o sonho acabou, obra publicada inicialmente no ano de 2004, Warat retoma a ideia de sedução, construída na obra A ciência Jurídica e seus dois maridos, enquanto características que deveriam ser inerentes ao educador. Assim, o educador sedutor, sinônimo daquele que cativa o educando por meio de seu carisma, de forma a tornar o processo de ensino lúdico, o educando se coloca como centro do ensino, de forma participativa e crítica, se apresenta em total oposição ao professor tradicional, obsoleto, detentor soberbo da verdade e dos dogmas. Como apresenta Warat, o educador sedutor – ou professor sedutor (2004, p. 119), em sua expressão – incita à construção de um imaginário que procure sua autonomia, quebrando o útero e deslocando o afeto protetor para o prazer sem culpa. Na didática da sedução, busca-se a realização coletiva de um imaginário carnavalizado, em que todos possam despertar para o saber do acasalamento da política com o prazer, da subversão com a alegria, das verdades com a poesia e finalmente da democracia com a polifonia das significações. Neste diapasão, a cômica metáfora da personagem Vadinho de Jorge Amada representa não apenas um novo tipo de Direito e de ensino, como também encarna na figura de um novo tipo de educador: galanteador, malandro, libertino, maleável, acessível, alegre, submersível, engraçado, caricaturesco e, em suma, sedutor, capaz de despertar no mais desinteressado aluno o encanto pelo conhecimento do Direito e o prazer em estudar. Na obra A ciência Jurídica e seus dois maridos, o autor se apresenta como o próprio Vadinho, traçando de forma detalhada as características que o coloca como representante da malandragem boêmia de Salvador dentro da Faculdade de Direito:

Eu sou um mágico, um ilusionista, um vendedor de sonhos, de ilusões e fantasias. Quando eu entro numa sala de aula, proponho, imediatamente, a substituição do giz por uma cartola. Dela sairão mil verdades transformadas em borboletas. Eu sou uma abelha-vampiro, uma abelha da ilusão que suga verdades, os fragmentos de múltiplos saberes, as palavras que me acariciam para construir os favos em que desejo pôr o mel. Com meu comportamento docente procuro a utopia, falsifico a possibilidade de construção de um mundo, dele pelo desejo. Ministro sempre uma lição de amor, provoco e teatralizo um território de carências. Quando invado uma sala de aula se amalgamam ludicamente todas as ausências afetivas. O aprendizado é sempre um jogo de carências (WARAT, 1985, p. 176).

A reforma pedagógica proposta por Warat, então, representa a subversão do professor tradicional, em sua indumentária de extrema formalidade e com seu discurso erudito, escondido por detrás de uma carreira de prestígio ora na função pública, ora como renomado advogado, a figura do jurista educador, na tradição das Faculdades de Direito se apresenta como único representante da verdade, conhecedor das leis, das jurisprudências e dos ensinamentos das doutrinas – até aqui decorados –, também dotado de certa experiência na prática forense, o professor, de acordo com o ensino tradicional da perspectiva waratiana, esconde-se com sua própria vaidade, como que se quisesse esconder a fragilidade de sua própria identidade. O autor, por meio da construção de um espetáculo no contexto da sala de aula, por meio de novas dinâmicas de ensino e novos métodos didáticos, elege o próprio carnaval brasileiro como outra metáfora que expressa a preocupação de sua pedagogia com a construção de um Ensino Jurídico muito mais agradável e convidativo, assim o autor nomeia de ensino carnavalizado como aquele construído por um educador Vadinho, ressuscitado no próprio domingo de Carnaval, diretamente do romance de Amado (2000). De acordo com Warat (2004), como primeiro traço decisivo de uma prática discursiva carnavalizada passa por seu auto estabelecimento uma ordem semiológica democrática56. Pode-se dizer que, a partir do momento em que se situa no interior de um processo de significações carnavalizadas, não é mais possível à sociedade representar-se na imagem de uma comunidade orgânica e unificada, na imagem de um mundo firmemente definido na razão e na imagem de uma sociedade que conta papéis claramente determinados. Em resumo, sua nova concepção de Ensino Jurídico, carnavalizado e amadoresco, representa uma concepção democrática, democracia essa também do próprio ensino, visto que as Faculdades de Direito não se apresentam como o reduto das oligarquias e nem da elite – muito embora seja possível ainda encontrar grande influência de tal pensamento, como se discorreu anteriormente. Neste sentido, critica Warat:

A democracia tradicionalmente vinculada ao direito – nos estreitos limites da versão liberal do mundo – termina sendo apresentada como a concretização histórica de um Estado Democrático que se assegura como tal através dos mecanismos instituintes do Estado de Direito. Essa expressão conota principalmente a necessidade de fazer reinar a lei, de fazer do cumprimento das leis a mola propulsora da democracia (2005, p. 144).

Ainda na perspectiva do autor, desde a Revolução Francesa se começa a falar da igualdade de todos os cidadãos. Esta igualdade determina a submissão de todos ante a lei. Todos têm direito que a lei lhes seja aplicada arbitrariamente. Nada se diz da igualdade de participação efetiva na formação das leis. Nem do Direito de todos a que sejam respeitadas suas diferenças. Tratar os homens ignorando a diferença de seus desejos é ignorá-los e submetê-los a certos desejos institucionalmente triunfantes. Psicanaliticamente falando: ignorar que os outros são diferentes é aniquilá-los como seres com existência autônoma (Warat, 2004)57. Contudo, pode-se afirmar que esta nova democracia, concebida pelo autor, representa a própria ideia de igualdade e possibilidade de acesso ao ensino, não apenas em relação ao ingresso às Faculdades, mas acesso ao próprio conhecimento jurídico. Em outras palavras, o acesso ao conhecimento do Direito, no contexto dos cursos, por meio de educadores que fossem capazes de traduzir e ensinar aquilo que fosse necessário à formação deles. Sendo assim, a democracia, de acordo com o autor, para este momento precisa inventar novos estilos de convergência entre os processos de participação social e os forçosos mecanismos de delegação de poder que necessitam para impulsionar a dinâmica do todo social. O dificultoso acesso ao conhecimento jurídico diz respeito também a própria linguagem demasiadamente técnica que se propaga, por meio dos jargões e dos brocardos latinos que há muito se mantêm, na argumentação do autor, corresponde a um suporte de manutenção de poder, como que se apenas aos juristas fosse possível codificar os termos legislativos e interpretá-los, de forma a assegurar a inviolabilidade de seu posto enquanto operadores do Direito. A proposta de carnavalização, então, se apresenta como proposta a combater tal status quo58. Sobre a figura do professor tradicional e temeroso de perder seu poder, ainda importante ressaltar a crítica de Warat sobre o narcisismo docente, apresentada na obra Filosofia do Direito: uma introdução crítica:

O narcisismo docente esconde a tênue qualidade da identidade de alguns professores. Eles conseguem fortalecer a autoimagem do seu eu com as ilusões de grandezas que obtêm do culto imperial de seu discurso erudito. Empregam o saber como tentativa de preencher o vazio de suas vidas. Ensinam como uma forma de estabelecer um processo existencial de auto atenção. Ensinam como uma forma de preencher o tempo e iludir-se de seu vazio na desvalorização dos outros, mas dependendo destes outros desvalorizados. Precisam do aplauso como um inócuo preenchimento do vazio (WARAT, 1996, p. 200).

De outra banda, Ensino e saber jurídico, publicado em 1972, com coautoria com Rosa Maria Cardoso da Cunha, representa, como já se salientou, a primeira obra do autor na qual a questão do Ensino Jurídico é abordada. Neste período, ainda incipiente e muito próximo de sua Graduação, ocorrida em 1965, revela uma preocupação com a construção de uma crítica ao Ensino Jurídico, o qual vai de encontro com o tradicionalismo e o dogmatismo dos cursos. Ainda não se encontra uma acabada proposição a respeito do método pedagógico carnavalizado, nem tampouco a relação entre o perfil deste novo educador e a personagem libertina de Vadinho em Jorge Amado, apresentada como o próprio alter ego de Warat, em oposição ao ensino tradicional e seu professor, o qual também é comparado, em antítese, à personagem de Teodoro59. Nas considerações de Warat e Cunha (1977), o Ensino Jurídico que se satisfaça com a simples e ingênua transmissão da chamada cultura jurídica tradicional (1977, p. 57) estará reforçando os ingredientes ideológicos do Direito, caracterizado, nessas circunstâncias, como um processo educacional dogmático. Consequentemente, os recursos utilizados na elaboração do instrumental teórico desse Direito são também recursos dogmáticos.

Destarte, afirma enfaticamente o autor, as Faculdades de Direito devem deixar de ser centros de transmissão de informação técnicos para se dedicarem, prioritariamente, à formação da personalidade do aluno, do advogado, do servidor público e do jurista, em geral, à medida que possam fomentar para que saibam reagir frente aos estímulos do meio socioeconômico. Paradoxalmente, o termo operador do Direito evidencia uma concepção de bacharel pronto para manter o funcionamento da máquina jurídica, distanciando-se da perspectiva crítica de quem poderia repensar o Direito com Ciência. É neste sentido que se questiona: que Ensino Jurídico é este que não estabelece, de saída, a crítica do conhecimento como condição de formação do bacharel? A perspectiva dos autores de formação jurídica não se limita apenas à função profissional que o bacharel em Direito irá exercer, mas também defendem uma formação jurídica como arma social e política, crítica a qual certamente faz relação ao pensamento de Wanderlei Rodrigues, uma vez que também defende que os cursos jurídicos não podem se limitar à formação bacharelesca, por meio de aulas que possibilitem aos alunos apenas decorar leis e jurisprudências, com base na única interpretação de doutrinadores. A crítica waratiana, pois, defende a implementação de uma formação ampla e crítica. Porém, para cumprir essa tarefa, concluem, deve-se inicialmente discutir a relação teórica dos juristas e os requerimentos da vida comunitária. Ademais, também se torna importante discutir como e por que a cultura jurídica cria ficções ou promete situações de segurança, mediante um sistema normativo, que na condição de ordenamento jurídico formal não pode eludir a insegurança muitas vezes gerada pelas insatisfatórias condições de existência.

Ainda sobre o pensamento de Luis Alberto Warat, bem como sua influência à discussão do Ensino Jurídico, importa realçar a dissertação de Dilsa Mondardo, Vinte Anos Rebeldes: o Direito à luz da proposta filosófico-pedagógica de Luiz Warat, defendida no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, em 1992, a qual deu origem à obra de mesmo título. Como aponta a autora, de acordo com a lógica pedagógica de Warat de não submissão na relação entre professor e aluno, o primeiro não forma discípulos, mas cúmplices (MONDARDO, 2000). O tema da dissertação demonstra, assim, a importância de Warat para as pesquisas acadêmicas e sua relevância ao debate jurídico. Fato que não ocorre com outros autores, uma vez que não se tem documentado semelhante pesquisa que tenha se dedicado à análise de um autor específico do Ensino Jurídico. Sem embargo, não obsta afirmar que a única pesquisa específica sobre o pensamento de uma das referências aqui apontada seja de Luis Alberto Warat, o qual tem apenas três obras específicas sobre o tema, e não como Horácio Wanderlei Rodrigues, que possui seis obras específicas. É possível que o fator preponderante na escolha de Warat feita por Mondardo (1992) tenha sido que até a data da conclusão de sua dissertação, Rodrigues possuía apenas uma obra publicada sobre o tema, qual seja, Ensino Jurídico: saber e poder, de 1988. Neste sentido, talvez, se sua dissertação fosse hoje reescrita, sua influência seria outra, dado que nas pesquisas que lhe sucederam, as referências baseadas em Wanderlei Rodrigues aumentaram consideravelmente, conforme se demonstrou pelo exame das 60 pesquisas do Estado Arte nessa pesquisa.

Insta ainda ressaltar que sua obra Introdução Geral ao Direito, de certa forma retomando sua obra publicada nos anos de 1970, Ensino e saber jurídico, o autor ressalta a Faculdade de Direito como prática preventiva dos processos de pós-alienação, como uma prática política dos Direitos Humanos. Sendo assim, afirma que o Ensino do Direito, enquanto importante curso de Graduação, dada a quantidade de formandos todos os anos, pode proteger contra estas formas patológicas de humanidade – de ordem social, política e econômica – que ameaçam se instalar como um fascinante projeto de existência. De acordo com ele, uma das coisas que se pode esperar do Ensino Jurídico, despojado das estratégias alucinantes dos saberes da lei, é a de poder contribuir para a formação de personalidades visceralmente comprometidas com duas dimensões éticas fundamentais, quais sejam, a dignidade e a solidariedade60. Em suma, como se pode observar, seu pensamento expressa também a importância da formação humanística nos cursos jurídicos e o papel desempenhado pelos cursos em transformar ou, minimamente, influenciar os estudantes para o exercício da cidadania.

Como apresentam Marciel e Faleiros (2015), no Artigo proposta pedagógica de Luís Alberto Warat para o Ensino Jurídico, a visão de Warat sobre o Direito é reflexo de seu vasto conhecimento, relativo ao pensamento de representantes de searas variadas do conhecimento humano. Aí se incluem tanto os franceses Barthes, Deleuze, Guattari e Foucault quanto o alemão Nietzsche, que lhe inspiram a querer ser um pensador singular. Aliás, é explícita a influência de Friedrich Nietzsche na obra de Warat, seja por colocar em questão a noção de um ensino rígido e pouco afável à reflexão, seja mormente por dispensar a dimensão da construção autônoma dos estudantes, que, em linhas gerais, seguem, de forma rigorosa, a doutrina posta, definida distante da diversidade de interpretações. Sua interpretação do Direito e a forma como vê seu ensino são marcadas pela indagação e exploração de caminhos e propostas que lhe permitem tanto recorrer a práticas múltiplas e cambiáveis quanto ter liberdade para inventar conceitos. Assim, ainda em relação aos autores, na sala de aula, Warat pretende ter cúmplices (WARAT, 2000, p. 23), e não discípulos ou alunos. Nessa distinção, reside um fundamento central de seu pensamento educacional para o Direito: a sala de aula não é local para submissão ou repetição de discursos, mas para que os cúmplices retomem os vínculos do saber com a vida como única arma afetivo-intelectiva contra a crise de civilização que marca o segundo milênio da cultura cristã ocidental. A cumplicidade a que se refere Warat deve ser visto como componente afetivo-terapêutico do processo pedagógico. Mas é sempre um vínculo de amor e de liberdade para que o discente crie seus próprios campos de problematização e questionamentos das certezas do mestre61. Em suma, pode-se dizer que Luis Alberto Warat representa não apenas uma base para a discussão do Ensino Jurídico, sua crítica vai muito além, açambarcando a própria constituição de Direito, enquanto área do conhecimento fundamental à sociedade moderna, pois constitui o baldrame de diversos patamares, desde a Economia e Política até mesmo a própria Psicologia – à medida que o caráter cogente jurídico influencia, de certa forma, a moral, por meio do superego.

3.1.3. José EduardoFaria

José Eduardo Faria, graduado, mestre e doutor pela Universidade de São Paulo, possui sua dissertação intitulada Direito, modernidade e autoritarismo: mudança sócio-econômica x liberalismo jurídico, a qual teve orientação de Tércio Sampaio Ferraz Júnior, enquanto sua tese recebeu o título de Poder e legitimidade: uma introdução a política do Direito, com orientação de Goffredo da Silva Telles Júnior. Faria também concluiu seu Pós-Doutorado em Winsconsin University, Estados Unidos, dentro da especialidade de Sociologia Jurídica. É professor do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito, da Faculdade de Direito de São Paulo. Enquanto docente, atuou na disciplina de Metodologia do Ensino Jurídico, Sociologia e Sociologia Jurídica. Em relação a seus projetos de pesquisa, dedica-se ao Programa de Educação Tutorial da Secretaria de Ensino Superior, criado no mesmo ano, o qual foi idealizado e vem sendo financiado pela CAPES. Assim como Wanderlei Rodrigues, que possui pesquisas vinculadas ao projeto que trata do Ensino Jurídico62. Seja como for, em ambos os autores, é possível observar uma importante relação entre a temática do Ensino Jurídico e a pesquisa no contexto de Pós-Graduação, o que, grosso modo, vai contra o argumento de que não existe fomento à pesquisa sobre o tema e que, de alguma forma, os juristas possuem certo desinteresse em se dedicar ao assunto. Em relação às obras que se relacionam à temática, importa destacar que a única que foi contemplada entre as pesquisas do Estado da Arte foi A reforma do ensinojurídico.

Tabela 10: Relação entre livro e quantidade de referências em José Eduardo Faria

Obras

Quantidade de referências

A reforma do ensino jurídico

6 63

A obra de José Eduardo Faria, A reforma do ensino jurídico, publicada em 1987, como relembra o próprio autor, começou a ser pensada e estruturada quando ele ainda era membro da Comissão de Ensino da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Considerando que Fábio Comparato, então presidente da Comissão, pediu ao autor que construísse um relatório que sintetizasse suas ideias a respeito dos problemas estruturais com a Faculdade. Uma vez que o relatório foi favorável e suas ideias tiveram aceitação bastante positivas, posteriormente, adveio a ideia da publicação. Não obstante o fato de que, em princípio, a obra faça referência a um projeto de crítica local, não há como negar que sua relevância ultrapassa as Arcadas e ecoe também nas demais Faculdades de Direito. Ademais, embora o autor tenha publicado apenas uma grande obra sobre a temática do Ensino Jurídico, nota-se a importância do texto na consideração da pesquisa de Estado da Arte. Como será mais bem examinada na sequência, sua influência no debate do Ensino Jurídico, além das referências estabelecidas pelo Estado da Arte – as quais colocam José Eduardo Faria em terceiro lugar como autor mais citado –, Pugliesi (2011), em sua tese, dedica um subcapítulo específico sobre seu pensamento.

De acordo com Faria (1987), em relação aos problemas de ordem mais estrutural das Faculdades de Direito – e principalmente da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo –, um dos grandes dilemas enfrentados se refere ao modelo profissionalista que vêm influenciando cada vez mais o Ensino Jurídico. Ele acentua que se antes os cursos tinham por objetivo uma formação erudita, com uma profunda preocupação do educando com o futuro promissor que a Graduação lhe daria, seja na carreira forense seja na política, com o advento da democratização do ensino, o curso perdeu este caráter, justamente à medida que sua única preocupação passou a ser com a formação de bacharéis que pudessem atuar tecnicamente na carreira jurídica, como advogados, juízes, promotores ou delegados.

A educação a nível universitário converteu-se, então, numa banal e descompromissada atividade de informações genéricas e/ou profissionalizantes – como os alunos sem saber ao certo o que fazer diante de um conhecimento muitas vezes transmitido de maneira desarticulada e pouco sistemática, sem rigor metodológico, sem reflexão crítica e sem estímulo às investigações originais. A ênfase à rentabilidade educacional anulou por completo, assim, a função formativa da Universidade brasileira, mediante uma crescente marginalização das atividades criativas e críticas. Como decorrência, as estruturas universitárias se verticalizaram, em detrimento da autonomia acadêmica e da flexibilidade horizontal de projetos interdisciplinares, ao mesmo tempo em que os corpos docentes se dispersaram entre departamentos estanques e fechados em sua própria rotina burocrática (FARIA, 1987, p. 18, sic).

Assim, embora a crítica do autor tenha sido feita de forma genérica às Universidades posteriores à segunda metade do Século XX, especificamente a respeito da Graduação Jurídica, é possível afirmar que, ao passo que as Faculdades de Direito se tornaram um lucrativo negócio, o que contribuiu ainda mais para a proliferação de cursos, o ensino se tornou ainda mais desvinculado de uma formação que fosse além do mínimo exigido pelo mercado profissional. Se antes a Faculdade de Direito representava o reduto da elite, ou seja, o local em que se formavam os futuros jornalistas, políticos, artistas e administradores das grandes fortunas, com o novo contexto econômico e social que vivenciou o Brasil, por meio do ingresso de uma nova classe social às Faculdades, o ensino deveria também se adequar às novas exigências de mercado. Com isso, as disciplinas se tornaram cada vez mais específicas e técnicas, pois não havia necessidade de uma formação que fosse além do mínimo necessário para se entender o mecanismo legislativo e a lição doutrinária.

Faria (1987) enumera alguns aspectos do Ensino Jurídico que merecem maior atenção em relação a uma possível reforma. Em primeiro lugar a concepção de Direito deve ser reformada, na perspectiva dele, dado que, como discutido alhures, ela permanece sendo sede de transmissões equivocadas de poder, tanto por parte dos professores, que continuam exaltando sua função docente de dominação frente aos alunos, bem como a própria constituição de Direito enquanto construções baseadas em valores e ideologias que dizem respeito a uma elite dominante. Ainda com relação a este fato, na argumentação do autor, a própria pesquisa jurídica funciona como meros centros de transmissão do conhecimento jurídico oficial e não, propriamente, como centros de produção do conhecimento jurídico (1987, p. 34). Neste sentido, a pesquisa nas Faculdades de Direito está condicionada a reprodução da sabedoria codificada e ao convívio com o Direito Positivo. Em terceiro lugar, Faria (1987) afirma que os professores de Direito, sejam eles juízes ou advogados, permanecem com uma visão individualizada, fruto, sobremodo, de sua experiência profissional setorizada, não representando uma visão historicamente sequencial, em que se perceberia muito mais a visão dinâmica evolutiva. Torna-se precisamente necessário, além do estágio supervisionado oferecido aos alunos, alguma disciplina que trabalhe em específico sua formação crítica – tal proposição se baseia no relatório apresentado pelo autor à Comissão de Ensino da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Outrossim, Faria (1987) lembra que para o bem interpretar da lei, o jurista não pode ser formalista, dogmático, apegado a fórmulas legais, pois o Direito transcende ao texto da norma, que é estático, e está ligado à realidade social, que é dinâmica. Por fim, conclui o autor que, uma vez que o Direito não é neutro, uma vez que a norma legal nem sempre é o ponto de equidade entre os interesses dos conflitantes, o poder, infelizmente, atua em benefício de uns e em detrimentos de muitos.

De acordo com o autor, é possível pensar em concretas propostas que viabilizem a reforma do Ensino Jurídico e que vá de encontro com o processo de adestramento 64 (FARIA, 1987, p. 57) advindo com o modelo tecnicista. Neste sentido, é importante somar esforços para se tentar recuperar uma postura acadêmica, capaz de estimular alunos e professores ao reconhecimento de que a manutenção do Direito, tal qual o conhecimento, não visa necessariamente à prestação da Justiça e a conservação do bem comum. Neste diapasão, sua proposição se baseia em duas fortes balizas, quais sejam: a reforma da estrutura curricular e a ênfase na formação do aluno. Em relação à reforma curricular, não obsta ressaltar que tal proposta também foi muito explorada nas críticas desenvolvidas por Rodrigues (1993, 1995, 2000 e 2005), as quais, grosso modo, se tornam fundamento de seu próprio pensamento.

Neste sentido, de acordo com Faria (1987), em relação aos currículos é necessário que se tornem flexíveis e interdisciplinares, buscando maior produtividade, uma vez que o risco do conhecimento específico é o da perda da dimensão do todo (1987, p. 59). De tal feita, torna-se muito importante a implementação e aprofundamento de mais disciplinas de Teoria Geral do Direito e Filosofia do Direito, a fim de proporcionar ao educando uma visão mais global do mundo jurídico. Por outro lado, em que pese a maior ênfase docente, Faria (1987) defende que seja revisto o conceito tradicional da Ciência do Direito, demonstrando como, a partir de um discurso organizado em nome da verdade e da objetividade, desvirtuam-se os conflitos sócio-políticos, que se apresentam como relações individuais harmonizáveis pelo Direito; questionar as concepções juridicistas sobre a lei e a coerção, por meio das quais são apresentadas as formas jurídicas e estatais como instrumentos de caráter técnico; negar e discutir a respeito da visão reducionista que apreende o Direito como um discurso punitivo, moralmente comandado e negligente; repor uma inversão da razão jurídica dominante, que estabelece uma análise juridicista e não política do Estado; por fim, dar voz ao dominado, ao calado e ao reprimido.

Em suma, a crítica de Faria (1987), mormente com base na obra A reforma do Ensino Jurídico, se baseia na demasiada profissionalização que se transformaram os Cursos de Direito, por meio de um modelo de ensino voltado apenas à formação técnica, fato que fez com que perdesse seu caráter humanístico e axiológico – características presentes e defendidas pela Resolução Número 9 (BRASIL, 2004), porém que pouco frutificaram na prática. Ademais, sua crítica também se baseia na falsa dicotomia entre os paradigmas do Jusnaturalismo e do Positivismo65, os quais se colocaram como dilemas opostos, o que tornou a construção do pensamento jurídico demasiada reduzida, por meio da leitura destas únicas teorias. Sendo assim, como apresenta Faria (1987), este livro se apresenta como um convite à reflexão a respeito da situação do Ensino Jurídico brasileiro, considerado pelo autor como excessivamente dogmático, formalista e exegético – situação esta que embora se refira ao contexto específico em que foi escrito, durante a década de 1980, conforme a apresentação dos demais autores, é possível afirmar que pouco tenha mudado, e se mudou, talvez tenha sido para pior. Por fim, reorganizar e reformar o Ensino Jurídico brasileiro não é rearticular de modo asséptico quer o conhecimento quer o estudo do Direito Positivo. É, isto sim, reorientá-lo em direção a novos objetivos sociais, econômicos, políticos, administrativos e culturais.

2.1.4. Eduardo Carlos Bianca Bittar

Eduardo Carlos Bianca Bittar, formado em Direito pela Universidade de São Paulo, defendeu seu doutorado na mesma instituição e sua livre-docência, com a temática de Pós-Modernidade. Foi membro do Comitê Assessor da CAPES, do CNPq, da Fapesp, Assessor do Vice-Presidente do Tribunal do Estado de São Paulo e conciliador do Juizado Especial Cível Central. Na carreira docente atuou na disciplina de Introdução ao Estudo do Direito, Instituições de Direito, Lógica e Metodologia Jurídica e Ética profissional, na Graduação; Direitos Humanos Fundamentais, Ética Direito e Pós-Modernidade, na Pós-Graduação, todos na Universidade de São Paulo. Também atuou como docente no Centro Universitário Fieo, Universidade São Marcos e Fundação Armando Álvares Penteado. Suas linhas de pesquisa sempre estiveram vinculadas com questões relacionadas à Teoria Social e à Teoria Crítica do Direito, bem como à Democracia, à Justiça e aos Direitos Humanos (BRASIL, 2014a). Sendo assim, em relação à sua atividade como pesquisador, à exceção de sua prática como docente, não há como identificar uma relação entre seu objeto de pesquisa e a temática do Ensino Jurídico. Sobre suas publicações em periódicos, contudo, seu único artigo que se relaciona com o tema é O ensino da Filosofia do Direito: história, legislação e tradição na cultura jurídica brasileira, publicado nos anuários da Abedi em 2006. Por outro lado, em relação a suas demais produções, Estudos sobre ensino jurídico: pesquisa, metodologia, diálogo e cidadania e Direito e ensino jurídico: legislação educacional, ambas ecoadas na pesquisa de Estado da Arte, são as únicas obras que têm relação direta e específica com o Ensino Jurídico, em que pese, contudo, que, por exemplo, em O Direito na Pós-Modernidade, Bittar (2009), se dedique ao tema de forma muito breve.

Tabela 11: Relação entre livros e quantidade de referências em Eduardo Carlos Bianca Bittar

Obras

Quantidade de referências

Estudos sobre ensino jurídico: pesquisa, metodologia, diálogo e cidadania

5 66

Direito e ensino jurídico: legislação educacional

3 67

Embora se tenha diferenciado as duas obras, como o próprio autor afirma, ambas apresentam o mesmo conteúdo, sendo que a primeira, Direito e ensino jurídico: legislação educacional, publicado em 2001, se trata de um primeiro ensaio sobre o assunto, e a segunda obra, Estudos sobre ensino jurídico: pesquisa, metodologia, diálogo e cidadania, publicado em 2006, se discute um trabalho mais amadurecido. Contudo, do ponto de vista do conteúdo e dos temas de cada capítulo muito pouco foi acrescentado, sendo que muitos tópicos permaneceram com a mesma redação. Como afirma Bittar (2006) em próprio prefácio, a segunda obra surge da reavaliação da obra anterior, neste sentido, a proposta do livro consiste na divulgação de normas que regulamentam o setor do Ensino Jurídico no Brasil, ou seja, trata de um estudo com vocação para a discussão sobre a Educação e o Ensino para o setor do Direito, sobretudo tendo-se as modificações legislativas ocorridas nas últimas décadas. Sobre a primeira obra, Bittar (2006) inicia apresentando uma discussão sobre a metodologia do Ensino Jurídico, pontuando questões sobre a opressão na relação educacional e a função da autonomia. Assim, em um discurso freiriano, assevera que a principal tarefa do educador é romper com as amarras que guardam o indivíduo sob a condição opressora (2006, p. 50), de forma a libertá-lo da vigilância e dos grilhões que se impõem desde quando foi convencido por poderes exteriores de sua condição subalterna, de sua inferioridade e da inconsciência de sua própria autonomia. Não há como negar a influência do pensamento de Paulo Freire (2000, 2001) nesta perspectiva, inclusive, mais a frente, ainda neste capítulo, o autor ainda faz questão de referenciar a Pedagogia do oprimido e a Pedagogia da autonomia. O autor também retoma questões históricas, a fazer uma comparação com a Academia de Platão e com o Liceu de Aristóteles, apresentando-os como os dois nítidos exemplos de formações escolares filosóficas da história da Antiguidade Ocidental (2006, p. 90). Ainda sobre as questões históricas, o autor também retoma a influência da Igreja no oligopólio do saber, apresentando de forma bastante simples como se formaram as primeiras Universidades. Especificamente sobre a história brasileira, em um discurso muito semelhante à Rodrigues (2005), Bittar (2006) reafirma a tese de que o ensino universitário no Brasil, mormente em Direito e Medicina, surge da necessidade de uma fortificação da elite, influenciados pelos movimentos de independência. Neste sentido, segundo sua visão a Universidade, como sua própria etimologia representa, indica o lugar de efervescência e ideias e produção de conhecimento. Contudo, será que de fato, tal concepção encontra lastro com a realidade das Universidades brasileiras?

Conforme asseverado anteriormente, a visão trazida por Bittar (2006), do ambiente polivalente da Universidade, aponta para uma discussão, de certa forma, utópica, pois se baseia no fato de que o aluno, ingênuo e ignorante, egresso de um Ensino Médio pouco formativo, voltado às demandas mercadológicas, cujo objetivo máximo é prepará-lo para os exames de vestibular, se transformam ao entrar no ambiente Universitário. É como imaginar que suas mentes pudessem se abrir, suas ideias e pensamentos se tornassem mais claros e eles passassem a ter uma nova consciência de si e do mundo a partir do momento em que ultrapassassem os muros universitários. Ignora contudo, com base nas próprias interpretações já apresentadas em Rodrigues (2002 e 2005) e Warat (1972), que, ainda mais quando se tem em mente o Ensino Jurídico, a Universidade se coloca mais como instrumento profissionalizante do que um caminho para formação de determinado conhecimento. Em outras palavras, os alunos que ingressam nas Faculdades de Direito não tem como objetivo se tornarem grandes eruditos e receberem formação suficiente para se transformarem em intelectuais, ao avesso, ingressam nas Faculdades com o propósito de seguirem determinada carreira forense, seja na advocacia, seja como servidor público. Sendo assim, a autonomia universitária (2006, p. 113) a qual defende Bittar (2006) não condiz com os reais objetivos dos ingressantes, nem com os propósitos mercadológicos das instituições. O objetivo maior da Universidade hodierna é formar profissionais, bons ou ruins, a depender da instituição e da dedicação de cada aluno, porém, a efetiva emancipação, a autonomia intelectual e a formação da consciência se baseia em um propósito secundário, que, infelizmente, acaba dando lugar às demandas de um mercado de trabalho cada vez mais saturado (BITTAR, 2006).

Por outro lado, Bittar (2006 e 2001) também defende uma reforma curricular, por meio de um novo projeto didático-pedagógico. De acordo com ele, as ambições de ensino de um curso de Graduação concretizam-se por meio da grade curricular, na elaboração da qual deve haver participação dos docentes e dos representantes discentes. Em seu bojo, devem estar interligadas e de modo contínuo e não traumático, disciplinas de diversas áreas do conhecimento. Também nela deve estar clara a interdisciplinaridade, bem como suas ligações com a prática jurídica e a pesquisa, proporcionando-se, dessa forma, um ensino de qualidade, bem como uma estrutura de formação fundamental e completa aos alunos – neste sentido, há importante relação entre a defesa interdisciplinar deste autor com os preceitos de Faria (1987) e Rodrigues (2000). Por outro lado, o autor também defende a importância da pesquisa e da extensão, principalmente como experiência docente, em suas palavras, a produção científica do corpo docente é um dos itens que distinguem verdadeiramente uma instituição de ensino superior em meio a outros (2006, p. 146). Logo, com base neste pensamento, não há como refletir sobre a existência de uma Faculdade de Direito que não esteja vinculada a nenhum tipo de pesquisa, muito menos um professor que não tenha ou nunca teve qualquer relação com a pesquisa ou com a Pós-Graduação. Como aponta o autor, a pesquisa é parte integrante de toda a Filosofia e de toda a arquitetura do ensino universitário68. É ela a mola propulsora para a qualidade do ensino ministrado em sala de aula, e para o aperfeiçoamento de todo o saber científico. É por meio da pesquisa que se abrem perspectivas e horizontes sempre novos para o burilamento dos saberes humanos, com vistas nas melhorias das técnicas e nas condições de vida humana, individual, e social. Todavia, em que pese à importância da produção científica, como a própria constituição universitária, é fundamental destacar que os cursos jurídicos representam também uma importante atividade profissional, cujos conhecimentos desenvolvidos de forma teórica na faculdade representam questões práticas na sociedade, de modo que ao docente importa também ter experiência. Sobre o assunto, aponta alguns percentuais à data da publicação:

No sentido da correção de distorções notórias do ensino superior, os dados oficiais sobre qualificação ao docente, acrescem o ânimo otimista no que é pertinente à melhoria da qualidade de ensino superior em geral. Se em 1994 o número de doutores em graduação no sistema público era de 21.326, atualmente este número foi modificado para 34.937, sabendo- se que este tipo de modificação contribui para o aumento da qualidade de ensino. Nas particulares prevalece o mesmo otimismo, pois entre 1994 e 1999 os números se modificaram de 4.476 para 9.577. Ademais, no geral, nas IES 49,3% dos professores têm ao menos o título de mestre. Nas federais, 66,7% corresponde à porcentagem de mestres e 31,4% à porcentagem de doutores. Entre 1994 e 1999, o crescimento do número de doutores aumentou 21% para 31,4% do total de professores69 (BITTAR, 2006, p. 155).

O autor argumenta que a carreira da docência jurídica, não obstante sua secular importância para a formação de bacharéis em Direito, parece encontrar-se à margem da atenção profissional do Direito. Tanto isso é verdade que sequer se costuma incluir entre as profissões e carreiras jurídicas à docência. Determinados preconceitos, ideologias, tradições, práticas, mentalidades e peculiaridades da área do Direito, que pode se chamar de Ciência Social Aplicada, marginalizam a docência para o campo da subprofissão, do hobby, do prazer pessoal, da realização espiritual, da vazão de vocação inata, de espaço para a manifestação da vaidade intelectual (BITTAR, 2006, p. 156). De forma que ministrar aulas com prazer e dedicação, conforme inclinação vocacional íntima, de acordo com profundas, razoáveis e refletidas convicções pessoais, tudo isso é parte importante do trabalho docente, do ministério professorado pelo professor. Neste diapasão, retorna a crítica trazida por Rodrigues (2000) e Warat (2000) de que a atividade docente no Ensino Jurídico se coloca, normalmente, como secundária, não apenas por questões financeiras, uma vez que pouco se diferencia entre o salário do pesquisador sênior e o salário inicial de um delegado, promotor ou juiz. Entretanto, tais carreiras jurídicas apresentam muito mais status e credibilidade ao profissional, como se o ato de educar e participar da formação de um indivíduo fosse menos nobre do que investigar, acusar e julgar alguém. Quiçá, pior do que a própria questão da vaidade, que, como já mencionado, é apontado como um dos aspectos mais comuns dos docentes em Direito, seja a nefasta desvalorização e descrença na figura do educador, o qual, muitas vezes, se passa como o grande vilão da crise educacional, da má qualidade no ensino e do próprio fracasso e retrocesso dos alunos na vida profissional, por meio das dificuldades de aprovação nos concursos públicos, ou mesmo no Exame de Ordem.

De acordo com ele, a Ordem dos Advogados do Brasil atua como inspetor na qualidade dos Cursos de Direito em todo território nacional, uma vez que se pronuncia, anteriormente à manifestação final do MEC, opinando pelo deferimento ou não do pedido de autorização de abertura de curso, ou no de reconhecimento de curso já instalado e em funcionamento. Ainda em sua opinião, tal peculiaridade faz da OAB um agente específico na área do Ensino Jurídico com vista na efetiva atenção às questões dos cursos no Brasil, como, aliás, ocorre com as áreas da Medicina, Odontologia e Psicologia que atuam por meio do Conselho Nacional de Saúde. Porém, esta opinião vai de encontro com a crítica, já discorrida, de Assis (2012), em sua tese Direito à educação e diálogo entre poderes, a respeito da sobreposição da Ordem, enquanto órgão de classe, em relação ao Ministério da Educação.

3.1.5. Roberto Lyra Filho

Como bem sintetizou Rodrigues (In CERQUEIRA, 2008) em seu artigo Roberto Lyra Filho: a importância de sua obra na história do ensino do Direito brasileiro, o autor tem proficiência em Língua e Literatura Inglesa pela Universidade de Cambridge e bacharelado em Direito pela Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, também é Especialista em Criminologia pela Faculdade de Direito do Rio de Janeiro e é Doutor em Direito pela Universidade de Brasília, em que se concentrou na área de Filosofia Jurídica, Criminologia e Direito Criminal. Em relação à sua atuação profissional, importa destacar que foi advogado e regeu a cátedra de Direito Penal na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro e Direito Processual na Faculdade Brasileira de Ciências Jurídicas, lecionou na Universidade de Brasília, tanto na Graduação como Pós-Graduação nas disciplinas de Filosofia Jurídica e Social, Sociologia Jurídica, Direito Comparado, Direito Criminal, Direito Processual e Criminologia. De modo que, embora tenha se dedicado durante algum tempo à advocacia, sua vida profissional sempre esteve vinculada à docência. Além disso, publicou duas importantes obras sobre o Ensino Jurídico, quais sejam, O direito que se ensina errado e Problemas atuais do ensino jurídico, além de Por que estudar Direito?, livro que infelizmente não foi localizado em nenhuma pesquisa. Nas três obras o autor se utiliza de sua perspectiva relativa ao Direito Alternativo, já conceituado por meio do trabalho de Rodrigues (1993).

Tabela 12: Relação entre livros e quantidade de referências em Roberto Lyra Filho

Obras

Quantidade de referências

O direito que se ensina errado

5 70

Problemas atuais do ensino jurídico

2 71

O direito que se ensina errado, publicado em 1980, pode ter seu título entendido em pelo menos em dois sentidos, na perspectiva do autor, como o ensino do Direito em forma errada e como errada concepção do Direito que se ensina. O primeiro se refere a um vício de metodologia, enquanto o segundo, a uma visão incorreta dos conteúdos que pretende ministrar. Todavia, as duas coisas permanecem vinculadas, uma vez que não se pode ensinar bem o Direito errado, e o Direito, que se entende mal determina, com essa distorção, os defeitos de pedagogo (LYRA FILHO, 1980). Neste sentido prossegue afirmando que existe um equívoco generalizado e estrutural na própria concepção do Direito que se estuda, sendo preciso chegar às fontes e não às consequências. Em outras palavras, não é a reforma de currículos e programas que resolveria a questão. As alterações que se limitam aos corolários programáticos ou curriculares deixam intocado o núcleo e pressuposto errôneo. Sendo assim, não se envaidece diante das modernidades tecnológicas que se colocam à disposição do Direito, que como já mencionado, historicamente tem a finalidade de agilizar o currículo, para servir à ideologia tecnocrática ou ao desenvolvimento capitalista (1980, p. 8).

Neste sentido, de certa forma ecoando sua ideologia marxista, afirma que tal fato reproduz a mão de obra especializada e o exército de reserva, por outro lado, tal estrutura aliena o estudante e paralisa o esforço de pensar o Direito da independência econômica e da liberdade político-social. Ainda sobre a dinâmica que se colocou no Ensino Jurídico e na prática forense, completa Lyra Filho (1980) que não há como não identificar que é uma luta constante entre progressistas e reacionários, entre grupos e classes espoliadas e oprimidas e grupos e classes espoliadores e opressores. Esta luta faz parte do Direito, porque o Direito não é algo fixo, parada, definitiva e eterna, mas um processo de libertação permanente. Sendo assim, ele pode ser resumido em uma guerra social, com suas expressões de vanguarda e suas resistências e sacanagens reacionárias, com suas forças contraditórias de progresso e conservantismo, com suas classes e grupos ascendentes e liberatórios e suas classes e grupos decadentes e opressores (LYRA FILHO, 1980, p. 102).

O Direito, então, conquistado geralmente não é desafiado pelo dominador, a grande inversão que se produz no pensamento jurídico é tomar as normas como Direito e, depois definir o Direito pelas normas, a limitar estas às normas do Estado e da classe ou grupos que o dominam. Desta forma, sobre a necessária reforma do Ensino Jurídico afirma Lyra Filho (1980):

É evidente que uma reforma global do ensino jurídico exigiria condições de viabilidade que estamos longe de entrever. Porém, ainda que atuando em campo mais limitado, é preciso ter sempre em vista o delineamento inteiro. Pois com ele é que discernimos o Direito apresentado no sistema tradicional como verdadeira mutilação, que apresenta as sobras torcidas do que realmente o Direito é. [...] No universo jurídico, entretanto, uma dialética se forma, entre as invocações de justiça e as manifestações de iniquidade, para a síntese superadora das contradições. Mas a consumação do projeto, como o de um ensino certo do Direito certo, só pode ocorrer, como Direito justo e homogeneizado, numa sociedade justa e sem oposição de dominantes e dominados. Preconizá-lo é também um passo, embora minúsculo, para o seu advento. O único, porém, ao alcance das minhas deficiências e temperamento; o que realizo, como posso, devolvendo o Direito, como um todo, aos espíritos jovens e inquietos que o reclamam. E isto é viável, dentro das próprias condições do ensino atual, desde que os professores de índole progressista o focalizem nos seus programas e aulas (1980, p. 18-19).

Destarte, em que pese à epistemologia jurídica e que por certo ecoa nas Faculdades, inclusive reduzindo o Direito apenas ao binômio da Teoria Juspositivista e ao Jusnaturalismo, igualmente se tornam nefastos ao Direito. De acordo com Lyra Filho (1980), se por um lado o Positivismo não tem grandes dificuldades para definir a órbita do jurídico, na conformidade com sua perspectiva, ela se liga fundamentalmente ao Estado e vê, portanto, o Direito entre as normas sociais, como algo que se distingue, à medida que vem assentando, fundamentalmente, no sistema de leis e princípios que os órgãos estatais recortam, formalizam e impõem. Sendo assim, o grande erro dessa redução está em um duplo corte mutilador. Seu primeiro aspecto é a confusão entre as normas que enunciam o Direito e o Direito a pretexto de melhor assinar o que é jurídico, a negar os vários setores do Direito que não se limitam à letra da lei. Por outro lado, quanto ao Jusnaturalismo, torna-se nítido que este faz três apelos básicos, todos de índole nitidamente idealista, confundindo o Direito com o arranjo cósmico, enquanto natureza das coisas, o que admite que todo Direito emana da lei divina e que busca na razão humana, abstrata e perene, o sobredireito (p. 43) que a todos os Direitos concretos serviria como parâmetro de controle de validade. Sendo assim, sobre a crítica redução do Direito a estas duas únicas teorias – ou mesmo a redução do Direito também à terceira crítica da Teoria Tridimensional do Direito de Reale (2000) –, é possível fazer relação com os apontamentos trazidos por Rodrigues (1995 e 2002) e Faria (1987), os quais também constatam que como aspecto funesto para a formação jurídica o fato de que, grosso modo, o Direito é traduzido por meio de duas – ou três – teorias. É neste sentido que Vella (2010) em sua tese, Educação ambiental e ensino jurídico: concepções e práticas docentes na constituição do perfil do egresso, menciona que Lyra Filho (1980), ao manifestar-se sobre a crise do Ensino Jurídico, afirma que o cerne da questão está na necessidade de se entender que essa crise está diretamente relacionada a uma incorreta percepção do Direito, que prepondera no meio acadêmico. Considera que a ineficiência das reformas de ensino realizadas ocorre porque apenas se alteram currículos e programas, e ficando intocado o ponto de origem da crise. E como há um equívoco generalizado na própria concepção do Direito que se ensina, reduzindo-o ao chamado ordenamento jurídico, ou seja, o Direito positivado, que é único, hermético, estatal, o Estado acaba por ser reconhecido como a fonte de todo o Direito válido.

De outra banda, em Problemas atuais do ensino jurídico, publicado em 1981, um ano após a obra anterior, Lyra Filho prossegue com sua perspectiva do Direito Alternativo. De acordo com o autor, um dos principais problemas apontados relativo ao Direito se refere ao demasiado tecnicismo, e que o torna instrumental. O que a reforma do ensino pode fazer não é ajeitar as técnicas ao saber do status quo, mas, ao contrário, mobilizá-las, em função do Direito, no mais alto e abrangente sentido da palavra. Sendo assim, sobre a demasiada profissionalização do ensino – tratada por Rodrigues (1995, 2000 e 2005) – Lyra Filho (1981) comenta que, a despeito do mercado de trabalho aparecer em função de uma estrutura socioeconômica, e é dentro dele, sem dúvida que, como profissionais se deve exercer sua atividade, não quer dizer que a mesma deva ser feita de forma passiva. Em outras palavras não é porque o mercado de trabalho requer um conhecimento altamente técnico do profissional, por meio das leis, das jurisprudências e das doutrinas, que o Ensino Jurídico também deva se curvar a tal demanda. A formação deve estar pautada em uma necessidade muito maior e mais importante. Daí a importância de uma formação interdisciplinar, zetética, humanística axiológica, assim como preceitua a Resolução Número 9 (BRASIL, 2004).

Em relação à prática docente, Lyra Filho (1981) assevera que a atuação do professor deve ser autêntica, limitada a equacionar os problemas emergentes, oferecer informações atualizadas e discutir as propostas que lhes são cabíveis. Porém, sem impor o seu ponto de vista, ao contrário, estimulando o espírito crítico e ajudando cada um a descobrir o seu próprio rumo. Tal perspectiva de educador esbarra na proposta docente de Warat (1985) à medida que tem por objetivo despertar no aluno a reflexão dos problemas, sendo assim, o educador deve ser a dúvida e não a resposta. Enquanto a proposta waratiana fala em professor sedutor, o qual irá metaforicamente despertar no educando o desejo pelo conhecido e o gosto pelo estudo, a proposta lyriana estabelece que tanto educador como educando devem construir o conhecimento juntos, no contexto da sala de aula. Outrossim, em comum, ainda afirmam que a Faculdade não deve ser o espaço para a propagação de ideologias políticas ou dogmas, o professor não deve se colocar como superior ao aluno, muito menos como onisciente, por mais notório que seja seu saber jurídico ou sua experiência forense. É nesta trincheira em que Lyra Filho assevera, em Razões de defesa do Direito, que, grosso modo, o Ensino Jurídico massifica, no pior sentido, ou seja, por meio do amassamento do educador, da sua transformação em papagaios e micos, para repetirem e imitarem alguma programação cibernética da ideologia em pílulas (1985, p. 24). Esta afirmação se refere principalmente à crítica epistemológica do Direito, a qual acaba sendo a base de sua fundamentação, à medida que a crise do Ensino Jurídico está pautada na própria crise do Direito, o qual permanece reduzido à norma. O professor, tradicional e incipiente a um modelo jurídico mais flexível – ou Alternativo –, expõe sua aula sob a égide deste mesmo Direito fragmentado e obsoleto, reflexo único das leis e das interpretações doutrinárias, enquanto que ao aluno, cabe apenas o papel de decorar o que lhe é professado.

Feitoza (1993), em seu artigo A equivocada “crise” da educação jurídica, concorda com Roberto Lyra Filho quando conclui que, superando essa ideia de crise e aceitando que a Educação Jurídica nunca saiu de patamares medíocres de qualidade (1993, p. 45), abre a perspectiva clara de que o que se precisa não é retomar velhas visões ou insistir em um caminho que sempre deu errado. O paradigma epistemológico do Positivismo normativista não é mais opção, na perspectiva do autor. É necessário traçar um novo caminho para a Educação Jurídica que possibilite revolucionar a forma de enxergar e ensinar o Direito. Esse novo caminho, nas palavras de Feitoza (1993) deverá ser trilhado, invariavelmente, com pés firmes na realidade concreta do povo brasileiro e, acima disso, do povo latino-americano. O tempo de importar ideologias terminou. Precisa-se, pois, construir a própria Educação Jurídica brasileira, por meio de uma nova identidade de Direito, um Direito brasileiro. De tal forma, como assevera Rodrigues (In CERQUEIRA et alii, 2008), a constatação de que a Ciência do Direito dominante – a dogmática jurídica – tem no método lógico formal o instrumento básico de elaboração do saber jurídico, e que a questão do método de produção do conhecimento é na análise do ensino do Direito, é – direta ou indiretamente – consequência da concepção dominante de Ciência e consequentemente, de seu método, também já foi enfocado por alguns analistas do ensino do Direito entre os quais Luís Alberto Warat, Joaquim Falcão e José Eduardo Faria. Contudo, afirma o autor que o que marca a diferença do trabalho de Lyra Filho em relação aos demais não é a existência destes aspectos. A diferença fundamental está na efetivação de uma proposta que vise realmente mudar este quadro. E neste aspeto Lyra Filho é original. Para ele, estas propostas, principalmente no que se refere a reformas curriculares e alterações na metodologia didático-pedagógica vigente não vão ao fundo da questão. Tratam apenas das consequências e não das causas. A proposta de Ensino Jurídico para Lyra Filho (1980 e 1981), então, torna-se revolucionária à medida que supõe a substituição do paradigma dominante científico próprio do Direito, ou seja, a reforma do Ensino Jurídico não se limita a meras alterações educacionais, ela se baseia na necessária transformação do Direito, uma vez que se anteriormente mudasse o Direito, na concepção lyriana, não há o que se falar em uma efetiva e profunda mudança do ensino. Ademais, seu pensamento revolucionário se coloca como uma proposta política que busca colocar o Direito a serviço da democracia e da justiça social efetiva.

In summa, em relação à importância dos autores aqui analisados como base da discussão do Ensino Jurídico, importa destacar a relevância que alguns deles ganharam nos trabalhos elencados pelo Estado da Arte, uma vez que alguns foram tratados em capítulos ou subcapítulos específicos, o que aponta novamente para a notoriedade de seu pensamento. Sobre tal fenômeno, importa destacar Horácio Wanderlei Rodrigues, apontado aqui como o mais influente colaborador da discussão, o qual, no Capítulo 8 da tese de Pugliesi (2011), ganha um subcapítulo particular; na mesma medida, em Brandão (2014) Luis Alberto Warat, no Capítulo 1, também ganha a mesma atenção especial; ainda na tese de Pugliesi (2011), José Eduardo Faria e Eduardo Carlos Bianca Bittar, aqui apresentados, respectivamente, como terceiro e quarto autores mais influentes, também são apresentados no Capítulo 8 com igual relevância que Wanderlei Rodrigues. De tal modo que, é possível afirmar, com base na própria estrutura de ambas as pesquisas, que o resultado do Estado da Arte da presente dissertação, o qual apontou os autores da Categoria Temática do Ensino Jurídico como os mais fundamentais, é escudado por duas teses.

Na tese de Pugliesi (2011), O ensino do Direito como prática transformadora, defendida no Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, o oitavo capítulo, o qual defende propostas de renovação curricular dos Cursos de Direito, apresenta uma parte exclusiva sobre o pensamento de Horácio Wanderlei Rodrigues. Assevera o autor da tese que Wanderlei Rodrigues trata muito a questão curricular em suas obras, contudo, defende uma reforma que vá além da mera formalidade, ou seja, que de fato reflita da prática forense, no sentido de considerar a vivência do protagonista do Direito como fundamental no processo de reforma. Assim, o tema em foco é a estrutura mínima em torno da qual se aglutinam os conteúdos, as competências e as habilidades. O currículo, portanto, é estruturado por meio de módulos temáticos que se constituem de conteúdos afins, oriundos de várias matérias ou disciplinas e reunindo conhecimentos, competências e habilidades previstos como necessários para a formação do profissional pretendido pelo currículo. Os temas serão apresentados aos alunos por meio de problemas. Ainda como apresenta Pugliesi (2011), o que chama mais atenção na proposta curricular do autor é sua preocupação com as questões que passaram a influenciar ainda o Direito no Século XXI, principalmente no que se refere à discussão do Direito Internacional frente à economia e a política de modo global, bem como as questões relacionadas aos avanços tecnológicos, como a bioética e o Direito frente à realidade virtual. Por outro lado, não se poderia olvidar de outras temáticas transversais que deveriam ser apresentadas de forma mais reforçada, como as percepções históricas, econômicas, sociológicas, filosóficas, antropológicas e psicológicas, além de uma preocupação maior com temas relativos à solidariedade, meio ambiente e acesso à Justiça.

A tese de Brandão (2014), Desjudicialização dos conflitos: novo paradigma para uma educação jurídica voltada à prática da atividade advocatícia neogical, defendida no Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba, em seu primeiro capítulo, o qual discute sobre a Educação Jurídica e o papel dos Cursos de Direito na desjudicialização dos conflitos, apresenta um item específico para análise do pensamento de Luis Alberto Warat a respeito do mesmo tema. Em sua argumentação, Luis Alberto Warat foi um dos primeiros juristas a introduzir no Brasil, em meados de 1970, a filosofia analítica do Direito sob uma perspectiva crítica. Essa nova visão impactou a teoria jurídica positivista dominante na época, especialmente por privilegiar a linguagem, pressuposto epistemológico fundamental para o conhecimento. O pensamento de Warat inaugurou a ruptura que a Filosofia da Linguagem provocou na compreensão do ato de conhecer, pois buscou elementos para tornar visível a relação entre Direito e Linguagem. Com isso, construiu uma base teórica que tem por objetivo compreender o papel da ideologia no discurso jurídico. Para Luis Alberto Warat, na argumentação de Brandão (2014), o senso comum teórico estabelece versões aceitas de um saber com pretensões de estabelecer desenhos naturais do mundo. E assim, impõe ideias que levam a acreditar que o saber das Ciências é uma espécie de cópia fotográfica passiva de suas características externas e internas (Brandão, 2014). Sendo assim, novamente se observa a retomada da crítica que envolve a linguagem jurídica, sempre envolvida por muitos jargões e brocados, os quais impossibilitam o entendimento do texto legal, das sentenças, dos pareceres e até mesmo da própria doutrina por parte dos leigos, que diferentemente do rábula, que tem certo conhecimento prático ou determinado conhecimento teórico acerca do Direito, tal entendimento se torna inacessível à grande parte da população, o que implica no fato de que o conhecimento jurídico acaba por se apresentar como oligopólio dos juristas, enquanto os únicos profissionais capazes de decodificar sua própria linguagem72.

Assim como fez com Horácio Wanderlei Rodrigues, Pugliesi (2011) também se dedicou em sua tese a tratar da proposta pedagógica de Eduardo Carlos Bianca Bittar e José Eduardo Faria, especificamente no Capítulo 8. Sobre a proposição de Eduardo Bittar, na consideração de sua experiência como docente titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo se refere à sua publicação, alhures comentada, Direito e ensino jurídico: legislação educacional, que se baseia em uma reforma de ordem curricular, semelhante ao que propõe Wanderlei Rodrigues. Contudo, conforme critica Pugliesi (2011), sua reforma curricular se baseia na adoção do antigo projeto adotado pela Largo de São Francisco, ainda aderente às disciplinas exigidas pela Resolução Número 3 de 1972. Sendo assim, além de descurar da parte prática do curso, ou seja, estágios e visitas monitoradas, não se volta à interdisciplinaridade, nem à formação essencial do estudante para bem compreender o vínculo entre a teoria e a prática jurídica. Não prevê as atividades essenciais para efeito de se compor um adequado Trabalho de Conclusão de Curso, nem pensa em atividades complementares. Ao avesso, ainda na crítica de Pugliesi (2011), a ênfase reside nas disciplinas tradicionais, como Direito Penal, dado em cinco semestres letivos, e Direito Civil, em seis semestres, disciplinas mestras na formação do jurista, bem assim como os cursos de processo. Ainda de acordo com o autor, é uma proposta típica da linha de manualização do ensino e voltada aos requisitos do mercado, incluindo novas disciplinas de interesse nas áreas de concentração. Contudo, não obsta ressaltar que a proposta de Bittar (2001), publicada na obra Direito e Ensino Jurídico: legislação educacional, foi publicada antes do advento da Resolução Número 9 de 2004, o que, talvez, explique a inobservância à questão da interdisciplinaridade.

Por outro lado, ainda em relação à tese de Pugliesi (2011), Eduardo Faria também recebe atenção especial no que se refere à sua proposta de reforma pedagógica. Considerando sua preocupação com o adestramento dos alunos, no lugar de uma formação verdadeiramente crítica, transformadora e emancipatória, estima que os currículos devam ser reorientados a fim de se tornarem mais orgânicos, flexíveis, interdisciplinares e evitando, por força de efetiva interdisciplinaridade, a alienação decorrente da especialização excessiva que tolhe a visão global e empobrece as perspectivas teóricas. Como também já mencionado, a tese ainda ressalta a importância trazida por Eduardo Faria de um ensino que formasse o aluno para uma visão mais global, por meio da introdução e valorização de mais disciplinas de Teoria Geral do Direito, Filosofia do Direito, Metodologia do Ensino Jurídico, História do Direito e Sociologia Jurídica. Desta feita, ainda de acordo com Pugliesi (2011), ele sugere uma revisão do próprio conceito de Ciência do Direito a fim de mostrar a inexistência de um discurso objetivo e neutro; questionar os jurisdicismo e vincular o Direito às questões do modo de produção, denunciando a falácia da separação do Direito e da Política, bem assim, estabelecer como fundamento da produção das normas jurídicas as relações sociais. Finalmente, efetivar a crítica epistemológica das práticas dominantes buscando fundar um método e objeto de um conhecimento que se realizaria na procura da quebra da unidade ideológico-político-conceitual dos diferentes discursos do Direito como forma social específica.

Sendo assim, o que se pode entender das contribuições e críticas trazidas por Pugliesi (2011) e Brandão (2014) é que, do ponto das tendências teóricas, as reformas e proposições trazidas pelos quatro autores, quais sejam, Luis Alberto Warat, Horácio Wanderlei Rodrigues, Eduardo Carlos Bianca Bittar e José Eduardo Faria, podem ser divididas em três grupos distintos. Inicialmente se vê que a reforma de Warat aponta para questões de ordem muito mais políticas, de forma que para Brandão (2014) – bem como pelo que já foi explorado pelo autor –, a verdadeira reforma do Ensino Jurídico estaria embasada na formação em Direito principalmente por meio da construção de uma conscientização política e social, conscientização esta que vá também além, por um lado, das ideologias de poder e dominação trazidas pelo Direito e, de outro, da falsa hierarquia mantida entre professor e aluno. Em um segundo grupo, Eduardo Bittar defende a Resolução Número 3 do Conselho Federal de Educação de 1972, no contexto de sua obra publicada em 2001, a qual tratou do currículo mínimo e carga horária mínima de aulas para o Curso de Direito, a mesma disposição normativa criticada por Rodrigues (1993), à medida que representou poucas mudanças para o cenário educacional, pois, grosso modo, ignora a questão estrutural do ensino do Direito, que envolve problemas de ordem política e epistemológica. Contudo, de outra banda, ainda pode-se observar o grupo de Wanderlei Rodrigues quanto Eduardo Faria, os quais parecem comungar de ideias muito semelhantes a respeito da reforma do Ensino Jurídico, uma vez que valorizam disciplinas de cunho zetéticos e criticam o tradicionalismo e o tecnicismo.

Uma vez que as Faculdades de Direito do Brasil vêm sendo alvo de críticas desde sua implantação e o Ensino Jurídico – ou a falta dele – já suscitavam indignações bem antes deste período, dentro dos cinco autores aqui elencados, é possível afirmar que Roberto Lyra Filho tenha sido um dos precursores desta crítica, mormente em que pese seu pensamento a respeito do Direito Alternativo. Suas primeiras críticas sobre o Ensino Jurídico datam do início da década de 1980, sendo que O Direito que se ensina errado foi publicado neste mesmo ano, e Problemas atuais do Ensino Jurídico publicado um ano depois. Igualmente, José Eduardo Faria, publicou A reforma do ensino jurídico em 1987, observa-se que no mesmo contexto dos anos do século XX em que foram escritas as principais obras de Horácio Wanderlei Rodrigues – Ensino Jurídico: saber e poder, em 1987; Ensino jurídico e Direito Alternativo, em 1993; e Novo currículo mínimo nos cursos jurídicos, em 1995 – e Luis Alberto Warat – Faculdade Jurídica e seus dois maridos. O que indica o final da década de 1980 e a década de 1990, quiçá, como um período próspero no desenvolvimento de ideias e pesquisa que corroborassem na construção de novas ideias sobre o Ensino Jurídico. Ademais, é possível sopesar que o período supracitado tenha sido um momento histórico, político e, principalmente, econômico em que os juristas e pensadores da Educação tenham observado o crescimento ainda mais acentuado das Faculdades de Direito, as modificações do Exame de Ordem para que o ingresso na carreira advocatícia se tornasse ainda mais elitista, tendo em conta o percentual cada vez maior de desaprovações (BRASIL, 2015c). Desta feita, os pesquisadores, juristas, intelectuais, educadores e os próprios educandos puderam sentir, de forma ainda mais acentuada, que durante este período, o mercado de trabalho se tornara mais saturado do que jamais fora e nunca se tinham visto tantas Faculdades de Direito inaugurando cursos. Sendo assim, tanto a década de 1980 quanto a década de 1990, se tornaram terreno fértil para a discussão do modelo de Ensino Jurídico que estava à caminho, fazendo com que pudessem observar os equívocos que vinham acompanhando, e quais as soluções mais plausíveis a serem tomadas.

Destarte, dado que foram apresentadas as características de cada autor, com informações relativas à sua formação, suas atividades docentes e seus principais interesses de pesquisa; bem como a apresentação e análise dos principais aspectos de suas obras, foi possível evidenciar a importância deles para a base da discussão do Ensino Jurídico. Neste sentido, não há como deixar de ressaltar a comunhão entre os resultados obtidos na presente dissertação com o resultado apresentado nas teses de Pugliesi (2011) e Brandão (2014), os quais reafirmaram a importância de Horácio Wanderlei Rodrigues, José Eduardo Faria, Eduardo Carlos Bittar e Luis Alberto Warat, que diuturnamente são apresentados como importantes críticos do tema juntamente como Roberto Lyra Filho, que embora não receba a mesma atenção que os autores anteriores, também é referenciado por eles e encontra baldrame em outras tantas teses e dissertações apresentadas no Estado da Arte.

Ainda sobre a análise das obras apresentadas neste capítulo não há óbice em ressaltar que, de acordo com a pesquisa de Estado da Arte realizada com base nas referências das teses e dissertações, conforme se demonstrou nas Tabelas 8 a 12, as publicações majoritariamente citadas se referem a livros e não artigos científicos publicados em periódicos ou trabalhos publicados em anais de eventos. Em outras palavras, os resultados apontam que os pesquisadores que se dedicam ao tema do Ensino Jurídico, como regra, ao se utilizarem dos cinco autores, basearam suas pesquisas apenas em livros – embora outros autores, menos referenciados e presentes no Anexo 3, tenham sido citados por meio de artigos científicos ou trabalhos em anais73. É evidente que a produção de livros tem relevância, por exemplo, quando se toma os clássicos do pensamento: em sentido amplo, a CAPES, por meio de suas diferentes áreas do conhecimento, no contexto da avaliação de Programas de Pós-Graduação strictu sensu, enfatiza a importância de produção científica em periódicos, preferencialmente que tenham fator de impacto (BRASIL, 2015d). Neste sentido, é possível afirmar que esta medida se deve ao motivo de que, mormente nas revistas de Qualis A 1, A 2, B 1 e B 2, as editoras realizam uma análise muito mais rigorosa; fato que não ocorre ao se publicar um livro, dado que, tão grande é o mercado editorial, se torna mais fácil publicar um livro em uma pequena editora do que ter um artigo aceito em uma revista de alto impacto. Assim, qual a relevância científica destas publicações?

Mesmo diante disso, como aponta Cerqueira et alli (2008) e Bittar (2009), permanece tradicional no meio jurídico a utilização de livros, inclusive, é trivial pesquisas que se baseiam unicamente em doutrinas e códigos comentados, o que, cientificamente, se torna um contrassenso, uma vez que, como afirmam os autores, alguns artigos científicos gozam de uma produção de conhecimento muito mais acurada e confiável. A utilização de livros nas pesquisas jurídicas demonstra, de forma reiterada, a presença da formação tradicionalista no ensino, baseada principalmente na utilização de doutrinas e manuais. Diante desta idolatria do livro, os artigos científicos, que deveriam representar uma produção de conhecimento mais sintética e, de fato, mais inovadora, acaba por perder espaço para o mercado editorial descartável. A crítica apontada noinício da dissertação a respeito dos manuais e apostilas que apresentam métodos pedagógicos surpreendentes e resultado garantido em provas e concursos, inoculado tanto nos cursos preparatórios quanto nas faculdades, parece ecoar também nas pesquisas de Pós-Graduação.

Sendo assim, finda esta etapa de apresentação e análise dos autores que representam a base da discussão do Ensino Jurídico, doravante, importa apresentar uma relação entre eles, na tentativa de sintetizar suas contribuições e possibilitar uma construção analítica de suas ideias, objetivando identificar o que pensam os autores sobre o Ensino Jurídico, especificamente sobre os problemas e as possíveis soluções. Não há óbice em reafirmar que a discussão seguinte, embora seja apresentada de forma didática, por meio de tabela, não pretende contribuir de forma reducionista para o desenvolvimento da pesquisa, uma vez que, como menciona no início do Capítulo, a temática já se apresenta demasiadamente complexa. Ao avesso, portanto, seu objetivo é apresentar de forma clara quais características se mostram mais relevantes na perspectiva de cada autor.

3.2. Da relação entre os autores do Ensino Jurídico: a busca pela formação crítica

Feita a apresentação do pensamento de cada autor, cabe, doravante, analisá-los de forma objetiva e sistemática, na tentativa de melhor realizar uma comparação entre as diferentes contribuições e, por fim, tentar encontrar elementos de convergência e divergência entre eles. À medida que, como se discorreu até aqui, muito se tem criticado a respeito do cenário do Ensino Jurídico, uma análise que propõe a sistematização e a comparação entre as diferentes bases teóricas, aponta para a importância da discussão sobre o Ensino Jurídico. Desta forma, por meio da construção da tabela a seguir, pretendeu-se resumir em tópicos a contribuição de cada autor, de forma que foi possível fazer uma comparação e encontrar elementos em comum nos discursos. Importante destacar, neste sentido, que o método de construção da Tabela 13 tem por resultado uma análise das obras de cada autor, em que se pode observar que, grosso modo, quando se tratou da discussão do Ensino Jurídico, principalmente, contrapôs problemas e soluções, os quais puderam ser divididos nos itens apresentados à medida que mais se encontravam no decorrer do texto. Em outras palavras, o método que delimitou seu desenvolvimento foi a observação reiterada dos termos nas obras de cada autor, fato que indicou possibilitou uma síntese de suas ideias. Sendo assim, apresenta-se, pois, a seguir, para melhor entendimento, um quadro sintético que explicita os problemas e as soluções de acordo com a perspectiva de cada autor:

Tabela 13: Síntese sobre o pensamento dos autores relativos ao Ensino Jurídico

Autor

Problemas

Soluções

Horácio Wanderlei Rodrigues

· Dogmatismo

· Tecnicista

· Tradicionalismo

· Profissionalizante

· Bacharelesco

· Elitista

· Falta de pesquisa

· Falta interdisciplinaridade

· Vaidade docente

· Desvalorização professor

· Falta formação crítica

· Reforma curricular

· Novas dinâmicas de aula

· Valorização do professor

· Pesquisa

· Interdisciplinaridade

· Qualificação docente

· Disciplinas transversais

· Formação crítica

Luis Alberto Warat

· Tradicionalismo

· Jargões

· Vaidade docente

· Transmissão de ideologia

· Falta formação crítica

· Novas dinâmicas de aula

· Conscientização política

· Formação crítica

José Eduardo Faria

· Dogmatismo

· Tecnicismo

· Tradicionalismo

· Formalista

· Elitismo

· Profissionalizante

· Transmissão de poder

· Falta formação humanística

· Falta formação crítica

· Reforma curricular

· Cosmovisão jurídica

· Formação humanística

· Formação crítica

Eduardo Carlos Bianca Bittar

· Elitista

· Profissionalizante

· Falta de pesquisa

· Falta de interdisciplinaridade

· Desvalorização do professor

· Falta formação crítica

· Reforma pedagógica

· Reforma curricular

· Pesquisa

· Interdisciplinaridade

· Valorização do professor

· Formação crítica

Roberto Lyra Filho

· Elitista

· Dogmático

· Reacionário

· Transmissão de ideologia

· Transmissão do poder

· Reducionismo

· Falta formação crítica

· Reforma jurídica

· Reforma epistemológica

· Formação crítica

Com base na Tabela 13, é possível observar que a tríade Dogmatismo, tecnicismo e tradicionalismo é comum a quase todos os autores, com exceção de Luis Alberto Warat – que trata apenas do tradicionalismo –, Eduardo Carlos Bianca Bittar e Roberto Lyra Filho. Contudo, em que pese a necessidade de uma conceituação acurada a respeito destes três conceitos, o que, de forma clara, deveria ser entendido por dogmatismo, tecnicismo e tradicionalismo? É possível afirmar que, embora haja semelhança entre as características do dogmatismo e do tecnicismo, à medida que ambas orbitam a influência Positivista e o fato de que o Direito está ligado em demasia à norma, há que se ressaltar, do ponto de vista educacional, a conotação que os autores dão aos termos pode ser diversa. Sendo assim, grosso modo, é possível asseverar que, para o Ensino Jurídico, o dogmatismo está relacionado com a nefasta característica de uma didática educativa pouco preocupada com a formação crítica e com a importância de construir um ser realmente pensante. O professor dogmático, então, é aquele que expõe seu conhecimento como verdades derradeiras, inquestionavelmente baseadas na lei, na jurisprudência e na doutrina. Por outro lado, o tecnicismo está vinculado, em absoluto, ao ensino baseado na prática, conforme crítica bastante desenvolvida por Rodrigues (2005). De acordo com o próprio autor, foi graças ao modelo de Currículo Mínimo, implementado em 1962, que as Faculdades de Direito passaram a ter um ensino com viés muito mais voltado à carreira forense, visto que, com o advento da Nova República, novas classes sociais passaram a fazer parte do ambiente universitário. Assim, ao contrário dos antigos alunos, filhos da elite, que ingressavam nas Faculdades de Direito, em meados do Século XIX, sem o propósito de exercer, necessariamente, uma carreira jurídica – pois, em breve, herdaria a fortuna de seus pais, ou se dedicariam à política, ao jornalismo ou a qualquer atividade intelectual –, os novos alunos, filhos dos proletários e dos pequenos comerciantes, que doravante passaram a povoar as Faculdades de Direito, estavam interessados na carreira jurídica, seja como advogados, juízes, delegados ou promotores. A partir desta perspectiva, as Faculdades passaram a adotar uma nova proposta curricular que atendesse a esta demanda, por meio de um ensino que se baseasse especificamente na formação de um jurista, e não mais em uma formação erudita. Neste sentido, embora muitos autores se utilizem da terminologia tecnicismo, também seria possível falar em ensino profissionalizante, já que tem como principal fim a formação de um profissional apto para atuar no mercado forense. O tradicionalismo, por seu turno, representa uma característica do Ensino Jurídico que pouco mudou desde a sua inauguração no Século XIX, qual seja, das aulas em estilo conferencista, com pouca abertura para o diálogo, em que o professor se coloca como único expositor do conhecimento, os alunos são avaliados por meio de exames – que, grosso modo, refletem o mesmo pensamento do docente que o aplica. Sendo assim, é possível dizer que o tradicionalismo jurídico, no contexto universitário, está muito ligado ao próprio dogmatismo74.

Especificamente sobre a questão do dogmatismo, a qual tem origem no verbo grego δόγµα , o qual se lê dókeo, de acordo com Antonio Geraldo da Cunha, seu Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, está ligada ao ensinar ou doutrinar. Sendo assim, embora não tenha sido citado pelos autores, não obsta o conceito desenvolvido por Abbagnano (2007), no qual o significado desse termo foi fixado pela contraposição que os céticos estabeleceram entre os filósofos dogmáticos, que definem sua opinião sobre todos os assuntos, e os filósofos céticos, que não a definem. Nesta perspectiva filosófica, seriam dogmáticos todos os filósofos que não são céticos. Por outro lado, ainda em seu desenvolvimento, um novo significado de dogmatismo foi o que Kant atribuiu a essa palavra, ao identificá-la com a metafísica tradicional, entendendo por ele o preconceito de poder progredir na metafísica sem uma crítica da razão. Esse dogmatismo filosófico, que consiste em aventurar-se a razão em pesquisas que estão fora de sua alçada, por estarem além da esfera da experiência possível, é incentivado pelo dogmatismo comum, que consiste, na concepção kantiana, em raciocinar levianamente sobre coisas das quais não se compreende nada e das quais nunca ninguém no mundo entenderá nada. Sem embargo, talvez mais próximo ao sentido do Ensino Jurídico seja o conceito de dogmática desenvolvido por Tercio Sampaio Ferraz Júnior, na obra Introdução ao Estudo do Direito, para ele, em oposição à zetética, que pelo radical grego tem o sentido de procurar ou inquirir, a dogmática cumpre uma função informativa combinada com uma função diretiva, ao acentuar o aspecto resposta de uma investigação75.

O enfoque dogmático revela o ato de opinar e ressalva algumas das opiniões. O zetético, ao contrário, desintegra, dissolve as opiniões, pondo-as em dúvida. Questões zetéticas têm uma função especulativa explícita e são finitas. Nas primeiras, o problema tematizado é configurado como ser (que é algo?). Nas segundas, a situação nelas captada se configura como um dever-ser (como deve-ser algo?). Por isso o enfoque zetético visa a saber o que é uma coisa. Já o enfoque dogmático se preocupa em possibilitar uma decisão e orientar a ação (FERRAZ JÚNIOR, 1994, p. 41).

Por conseguinte, dando seguimento à conceituação da tríade, para a etimologia, técnica vem do grego τέχνη , em que se lê téchne, e está ligada à ideia de arte ou ofício (CUNHA, 2010). Ainda na perspectiva de Abbagnano (2007), tecnicismo, de acordo com o sentido kantiano tem o mesmo sentido que técnica, uma vez que o filósofo usa o termo para indicar a técnica da natureza, ou seja, seu mecanismo. O sentido geral desse termo coincide com o sentido geral de Arte: compreende qualquer conjunto de regras aptas a dirigir eficazmente uma atividade qualquer (p. 939). Desta forma, técnica não se distingue de Arte, de Ciência, nem de qualquer processo ou operação capazes de produzir um efeito qualquer: seu campo estende-se tanto quanto o de todas as atividades humanas. Ainda para ele, é preciso, porém, chamar a atenção para o fato de que nesse significado do termo, que é bastante antigo e geral, não se inclui o significado atribuído por Kant, que falou de técnica da natureza para indicar a causalidade dela, mas negou que a filosofia — especialmente a filosofia prática — pudesse ter uma técnica, porque não pode contar com uma causalidade necessária. Completa, no conceito dado por Abbagnano (2007), Plácido e Silva, da obra Vocabulário Jurídico, segundo o qual técnica forense, é a que se constitui pelo conjunto de regras que estabelecem os processos forenses, indispensáveis à administração da Justiça (2010, p. 711), bem por isso, prossegue o autor, em certas circunstâncias, a técnica forense é completa pela prática jurídica, de que se origina a própria perícia judiciária, ou de que se pode derivar a própria técnica. Contudo, o sentido de tecnicismo apontado pelos autores demonstra não o cumprimento de regras, mas uma desvinculação da teoria, de forma que se priorize a prática. Do ponto de vista do Ensino Jurídico, Rodrigues (2005), como já mencionado, deixa muito claro o processo histórico no qual se passaram os Currículos, inicialmente com um modelo que valorizava a formação erudita, uma vez que, até aquele contexto, as Faculdades de Direito estavam relacionadas com a aristocracia. Logo, o processo tecnicista se apresenta como um nefasto subterfúgio político, com objetivo de tornar o Ensino Jurídico mais atrativo e útil ao novo público. O conceito de tecnicismo, assim, aponta para um retrocesso, em que a formação jurídica passa a ganhar caráter cada vez mais prático, o que, indiretamente se relaciona com o dogmatismo, à medida de sua falta de crítica.

Por derradeiro, ainda na tentativa de conceituar a tríade apresentada pelos autores, tradicionalismo, de acordo com a raiz etimológica latina, se refere ao vernáculo traditio, o qual aponta para o sentido de entregar algo ou passar adiante determinado objeto (CUNHA, 2010). Na perspectiva de Abbagnano (2007), está relacionada com a defesa explícita da tradição (p. 978). Por sua vez, tradição, ainda na concepção do autor, remeteria à ideia de herança cultural, transmissão de crenças ou técnicas de uma geração para outra. No domínio da filosofia, o recurso à tradição implica o reconhecimento da verdade da tradição, que, desse ponto de vista, se torna garantia de verdade e, às vezes, a única garantia possível. Para Aristóteles, sua própria filosofia consistia em libertar a tradição de seus elementos míticos, portanto, em descobrir a tradição autêntica ao mesmo tempo em que se funda na garantia oferecida por ela. Esse foi o ponto de vista que predominou no último período da filosofia grega, especialmente na corrente neoplatônica. Desde então, o conceito de tradição não mudou, conservando a aparência ou a promessa dessa garantia, sendo que, o seu grande retorno ocorre no Romantismo (ABBAGNANO, 2007). Por outro lado, Plácido e Silva (2010) revela que, em sentido amplo, tradição demonstra tudo o que se passa ou se transmite através do tempo e do espaço. Ora, uma vez que seu sentido demonstra a manutenção de determinados valores no tempo ou a ideia de mantê-lo, para o Ensino Jurídico, então, o sentido de tradicionalismo só poderia remontar suas origens europeias, sobremodo no que se refere ao modelo da Universidade de Coimbra. É neste mesmo sentido que Rodrigues (2005) relaciona reiteradamente a ideia de tradição e tradicionalismo com o modelo conferencista de ensino, de forma a criticar a herança deixada por Coimbra. Inclusive, neste sentido, Cerqueira et alii (2008) demonstra que o modelo coimbrense, que já era considerado obsoleto para época, foi copiado ipsis litteris na inauguração da Faculdade de Olinda e de São Paulo no Século XIX.

Em relação aos autores, Horácio Wanderlei Rodrigues retoma a tríade do Ensino Jurídico, porém parece apresentar a questão da profissionalização como um quarto problema, apartado do tecnicismo. Para ele, as Faculdades de Direito sempre foram voltadas para um conhecimento técnico, por mais que antes este aspecto não fosse tão ressaltado e houvesse maior preocupação com uma formação erudita, principalmente com a vigência do Currículo Pleno, que predominou de 1827 a 1961 (RODRIGUES, 2005). Sendo assim, ao lado do ensino profissionalizante, que a segunda reforma deu origem, o autor também atribui a característica bacharelesca dos cursos que representa o vínculo da Graduação com a carreira jurídica. Após a década de 1960, nasce a figura do bacharel em Direito que representa uma postura ainda mais técnica e profissionalizante aos cursos. Sua solução, então, está na reforma das diretrizes curriculares e dos projetos pedagógicos, porém, de forma crítica. Não basta que seja meramente formalista, a reforma deve propor mudanças drásticas que afetem os cursos estruturalmente. Interessante observar que, ao mesmo tempo em que afirma que o Ensino Jurídico é elitista e que poucos têm acesso às Faculdades, também aponta que o processo de democratização da Educação foi uma das principais causas da influência tecnicista e profissionalizante. Para Rodrigues (2005), em sua obra mais madura, Pensando o Ensino do Direito no Século XXI, a solução para estes três problemas estão inicialmente na reforma das diretrizes curriculares e em um novo projeto pedagógico. Para o autor, um dos aspectos mais marcantes do tradicionalismo nas aulas jurídicas se dá por seu estilo conferencista, o qual possibilita muito pouco espaço para o debate e coloca o professor como único difusor do conhecimento. Ademais, as aulas tendem a ser muito pouco interdisciplinares, uma vez que os professores se focam em suas áreas de atuação, o que reforça o argumento de que os professores deveriam proporcionar aos alunos uma visão global do Direito. Para ele, a solução estaria em novas dinâmicas de aulas, por meio de mais diálogo e maior participação do aluno, de forma a contribuir para uma formação mais crítica. Neste sentido, ele defende a valorização e introdução de disciplinas transversais, de cunho zetético. A falta de pesquisa no campo jurídico também é outro aspecto marcante nas obras de Rodrigues (1993, 2000 e 2005), de acordo com ele, é normal que muitos alunos se formem sem ter uma noção mínima do que é e de como realizar uma pesquisa. Ademais, ao mesmo tempo em que critica a vaidade de determinados seguimentos do corpo docente, também afirma que a profissão é desvalorizada (RODRIGUES 2000). A solução seria a qualificação do docente, que embora pareça frutífera para o prestígio e a qualidade das aulas, pouco influenciaria na questão da vaidade.

Luis Alberto Warat, por sua vez, não enfatiza a tríade como fez o autor anterior, ao contrário, foca sua crítica no tradicionalismo das instituições e dos professores. Para o autor, o aspecto tradicional, na figura docente, se contrapõe ao dinamismo, à acessibilidade, à flexibilidade e, principalmente, à simpatia, por meio de seu método carnavalizado. Sua concepção de educador, metaforicamente personificada por Vadinho de Amado (2000), representa um sedutor, que tem como objetivo principal atrair a atenção do educando para o conhecimento de forma prazerosa (WARAT, 1985). A linguagem demasiadamente técnica, por meio de seus jargões, seus conceitos e brocardos ainda em latim, também é alvo de críticas e, de acordo com o mesmo autor, caracteriza o professor tradicional e vaidoso –, critica em específico a linguagem técnica utilizada pelos professores e não propriamente o movimento tecnicista do Ensino Jurídico. Neste sentido, uma possível solução seria novas dinâmicas de aulas, porém, ao contrário da proposta de Rodrigues (2000 e 2005), seu foco está no papel do professor enquanto protagonista deste novo modelo de ensino. Desta forma, é possível afirmar que a reforma proposta por Warat tem caráter muito mais individual, pois depende da atuação particularizada de cada educador, na dinâmica de suas aulas. Outra característica bastante debatida na obra de Warat se refere à utilização do espaço de aula como propagador de ideologias políticas, sociais, econômicas e pela imposição do poder, por meio da reafirmação da superioridade intelectual do professor frente aos alunos. Outrossim, como característica unânime, a falta de crítica também é bastante recorrente em seu pensamento, sendo que se torna imprescindível que o ensino se renove nesse sentido. Em suma, a reforma waratiana aponta para uma conscientização política, principalmente pelo fato de que os estudantes de Direito, muito em breve, serão juristas e estarão diretamente ligados ao Poder Judiciário.

José Eduardo Faria, entretanto, parece construir uma crítica muito semelhante a Horácio Wanderlei Rodrigues: ambos assumem a tríade característica dogmática, tecnicista e tradicional do Ensino Jurídico, inclusive, reafirmando que o processo de democratização do ensino trouxe como consequência o tecnicismo – posição semelhante à de Rodrigues (2005). Ainda neste diapasão, Faria (1987) também ressalta a questão do ensino profissionalizante, fato que culminou com a adoção do Modelo de Currículo Mínimo. Inova, contudo, ao estabelecer que as Faculdades de Direito são formalistas, possivelmente por conta da influência positivista, ao passo que se limitam muito à burocracia. Assim como Warat (1972), também retoma a seara da transmissão de ideologias e, mormente, o poder no contexto de sala de aula, por meio da submissão dos alunos à falta de superioridade intelectual do professor. Por fim, assim como os demais autores, também retoma a falta de formação crítica e acrescenta que os cursos possuem muito pouca formação humanística. Para ele, seria necessária uma mudança imediata no currículo, por meio da introdução de mais disciplinas de Teoria Geral do Direito e Filosofia do Direito, bem como História e Metodologia, afim de que os alunos pudessem constituir uma visão mais global do mundo jurídico. Por outro lado, a formação crítica e humanista também seria de suma importância, seja por meio da introdução de disciplinas específicas que tratassem do tema, seja pela reestruturação da emenda das já existentes, de forma que contemplasse também tais objetivos. Será que a inserção de disciplinas tais como as defendidas por Warat (1972), por si, conseguiriam mesmo gerar uma formação necessariamente crítica? É o conteúdo o responsável pela formação crítica? E a figura do professor? Qual a importância deste protagonista em sala de aula? Talvez as disciplinas jurídicas e dogmáticas pudessem ser ensinadas de forma crítica, de modo que não parece razoável supor que apenas conhecimentos possam transformar a formação jurídica tal como concebida desde a formação dos primeiros Cursos de Direito no Brasil.

Bittar (2001 e 2006) reconhece o elitismo nos Cursos de Direito, mas no sentido da falta de acesso ao ingresso e nas parcas políticas públicas de inclusão social, bolsas de estudo e financiamento. Outrossim, assim como Faria (1987) também reconhece o caráter profissionalizante do Ensino Jurídico, contudo, não estabelece uma causa para o problema, nem mesmo cogita uma solução, limitando-se apenas à defesa de uma formação mais crítica. Importante ressaltar que, ao contrário dos demais autores, Bittar (2001 e 2006) observa o baixo investimento em pesquisa, sendo este um dos aspectos que mereceria maior destaque em sua reforma educacional. Ademais, assim como Rodrigues (2000 e 2005), identifica a falta de interdisciplinaridade, principalmente nas disciplinas mais técnicas, como, por exemplo, em Direito Penal, Civil e Empresarial, em que se nota que há muito pouco diálogo entre as disciplinas, crítica que acaba por se relacionar a Faria (1987), visto que se torna necessário uma visão mais global ao aluno. Em resumo, suas propostas se baseiam na valorização do professor, no investimento à pesquisa e na reforma pedagógica e curricular de modo a criar um ambiente mais propenso à formação crítica.

Roberto Lyra Filho também não concebe a ideia da tríade do Ensino Jurídico como os demais autores, sua crítica, contudo, se resume na afirmação de que o Direito é dogmático e elitista. Dogmático, pois se reduz a duas principais escolas epistemológicas, sendo que, na prática, o Direito permanece como sinônimo de norma; e elitista, pois representa, em primeiro lugar, a construção de um modelo legislativo pensado por um grupo minoritário e que, não necessariamente, reflete as demandas de todos os grupos sociais; em segundo lugar, o Ensino Jurídico, mesmo diante do processo de democratização sofrido a partir da segunda metade do Século XX, continua com as mesmas ideologias tradicionais que remontam sua fundação (LYRA FILHO, 1981). A crítica do autor, muito semelhante ao pensamento waratiano, se baseia na conscientização política e social do aluno, sendo assim, uma das características que inovam em seu discurso é a afirmação de que as Faculdades de Direito, assim como o Direito de modo geral, são reacionários. Na mesma trincheira que Faria (1987) também retoma que as salas de aula são palco de uma transmissão de ideologias demasiada e de uma total submissão dos alunos à figura do professor, encarada como grande detentor do conhecimento técnico e da experiência. A falta de crítica na formação jurídica, um elemento absolutamente unânime, se repete em Lyra Filho (1980 e 1981), bem como a falta de consciência política. É preciso ponderar que dentre os diversos Cursos de Direito, muitos deles enfatizam a formação crítica e política, paradoxalmente. Neste sentido, a participação de estudantes em Centros Acadêmicos evidencia a tomada de consciência em alguma direção, não necessariamente crítica ao Estado ou mesmo consciência que remeta a partidos políticos, então, como afirmar que falta consciência política sendo que justamente não se pode mensurar a consciência alheia? Destarte, é possível afirmar que o autor defende uma reforma do ensino, mas antes dela, torna-se necessário uma reforma do próprio Direito. A maior inovação de seu pensamento, então, ocorre pelo fato de que o autor defende a superação do paradigma reducionista do Direito em Juspositivismo e Jusnaturalismo, afirmando, inclusive, que enquanto este status quo não for superado, pouco se poderia pensar em uma possível e efetiva transformação do Ensino Jurídico.

Especificamente sobre a questão da pesquisa – aliás, de sua falta –, a qual foi criticada de forma rotunda por Horácio Wanderlei Rodrigues, mormente nas obras Ensino jurídico e direito alternativo, Ensino do Direito no Brasil: diretrizes curriculares e avaliação das condições de ensino e Pensando o ensino do Direito no Século XIX: diretrizes curriculares, projetos pedagógicos e outras questões pertinentes, bem como por Bittar (2001 e 2006), é possível afirmar que os autores, grosso modo, defendem o fomento à pesquisa na Faculdade de Direito e apontam como sendo um dos fatores mais críticos a falta de contato por parte dos docentes e discentes. Ora, de que pesquisa se está a falar que falta às Faculdades de Direito? Uma vez que, por Faculdade de Direito se entende, de forma estrita apenas a Graduação, como poderia se defender o fomento à pesquisa se esta é atividade própria da Pós-Graduação? Em outras palavras, as críticas a respeito da qualidade nos cursos jurídicos apontam a falta de pesquisa como fator determinante à parca formação, todavia, é importante deixar claro que a atividade de pesquisa, em seu sentido acadêmico, deve ser entendida como própria dos programas de Pós-Graduação, sendo assim, quem, de fato faz pesquisa, são os docentes ligados a determinados programas de Pós-Graduação, da mesma forma que mestrandos e doutorandos. Ainda que fosse considera pesquisa as produções de Iniciação Científica, pelos alunos advindos da Graduação, não obsta ressaltar que sua atividade, normalmente, se encontra imbricada também na Pós-Graduação. É fato, como demonstrado anteriormente, que, embora haja grande número de Faculdade de Direito, em comparação com o campo da Educação, por exemplo, existe um número muito menor de Programas de Pós-Graduação. Contudo, é importante deixar claro que quando se critica a falta de pesquisa no campo jurídico se está a criticar as Instituições de Ensino Superior e seus Programas de Pós-Graduação, e não as Faculdades de Direito, pois elas não se vinculam às atividades de pesquisas em seu sentido stricto. A não ser que se esteja utilizando as expressões Faculdade de Direito ou Cursos Jurídicos como sinônimo de Instituição de Ensino Superior, o que incluiria Graduação e Pós-Graduação76.

Em que pese à importância de cada contribuição no fundamento de uma discussão sobre o Ensino Jurídico, importa ressaltar que, com base na análise da Tabela 13, tanto no que se refere aos problemas quanto às soluções apontadas, o único denominador comum entre os autores se refere à falta de formação crítica e sua importância enquanto possível solução ao contexto educacional. Deste modo, todos os autores, cada um a seu modo, ressaltaram que as Faculdades de Direito pouco contribuem para tal formação. Como já mencionado, a formação crítica, ou reflexiva, que tanto defendem os autores se relaciona com a possibilidade de tornar os alunos autônomos intelectualmente, ou seja, emancipados, capazes de pensar por si. Em uma comparação com a Alegoria da Caverna de Platão, enquanto o ensino massificador e alienante é aquele que mantêm os seres acorrentados, de costas para as portas da caverna, com suas convicções baseadas apenas nas imagens obtusas das sombras projetadas à sua frente na parede (PLATÃO, 2000). O ensino crítico, então, pode ser metaforicamente apontado como aquele que quebra tais correntes e possibilita que os seres da caverna se libertem e consigam ver o mundo além das concepções que estavam acostumados a ver. Assim, o mito representa a constituição da realidade, em que as falsas imagens e sombras se sobrepõem às ideias e conceitos reais. Essa incorreta noção da realidade faz com o que os homens criem pré-conceitos que acabam por nortear sua fantasia e, consequentemente, sua vida. Assim, a mais leviana interpretação mitológica de Platão, demonstra a importância da sabedoria e da busca pelo conhecimento real, na tentativa de se desprender das amarras da ignorância e poder conhecer e desfrutar do mundo real, fora da caverna. Analisando os outros elementos míticos, conforme a própria concepção platônica, as correntes simbolizam a força de resistência que os homens têm ao comodismo das ideias e preceitos culturalmente impostos. A existência de Deus, a necessidade de se obedecer aos preceitos morais, são exemplos de símbolos apropriados pelos homens ao longo de seu desenvolvimento e tomados como verdadeiros. A quebra das correntes e o caminhar para fora da caverna representam a tomada de consciência crítica, a reflexão das ideias, até então tidas como verdadeiras, e a construção de um novo pensamento. Contudo, até que ponto e com qual parâmetro se apresenta a formação crítica? Em outras palavras, o que se almeja, em última instância, tal formação, pois, ao tomar por base a Alegoria da Caverna, então um ensino verdadeiramente crítico seria aquele capaz de quebrar os grilhões de cada aluno e levá-los à luz?

É claro que, ainda na metáfora platônica, o exercício da reflexão e do pensamento crítico representaria certa dificuldade no início, pois a luz do Sol ofuscaria a visão do mundo real, sendo necessário que os prisioneiros libertados se acostumassem com a forte luminosidade, para, então, contemplar o mundo a seu redor. A saída da caverna, a observação de todos os detalhes e cores do mundo, e, por fim, seu desfruto, seria um último estágio de evolução, em que o homem já não estaria mais ofuscado pela luz solar, e poderia contemplar o mundo de forma plena. Quiçá seja esta a função do educador: tornar a dor e a dificuldade causada pelo ofuscamento da luminosidade o menor possível, de forma que os educandos não se desencorajem de continuar descobrindo este mundo novo. Não obstante tal metáfora, à primeira vista parece lógico e intuitivo que ao filósofo moderno ou ao estudante que sua situação no mundo já seja aquela dos prisioneiros libertos, com suas plenas capacidades para observar e provar o mundo. Contudo, em que pese todo o conhecimento agregado pela humanidade desde os tempos primitivos, será que de fato o homem está hoje liberto dos grilhões da ignorância? Será que o simples fato de estar numa sociedade complexa e desenvolvida, estudar e exercer alguma atividade profissional ou intelectual já o torna capaz de entender e conhecer o mundo verdadeiro, livre de preconceitos e ilusões? Ou será que mesmo diante de todo conhecimento e desenvolvimento o homem hodierno ainda permanece como os prisioneiros de Platão? É possível que tais respostas sejam encontradas também na própria Filosofia, à medida que ela continua a ser aquela que nega qualquer possibilidade de resposta pronta e se constrói na dúvida. Sendo assim, talvez seja ela o caminho da formação crítica que os autores tantos buscam.

Neste diapasão, se, de fato, a Filosofia ensina que o homem deve buscar a verdade, por meio da razão, contudo, será que esta realidade pode ser alcançada? Utilizando-se da própria metáfora da caverna, sabendo que o homem, acorrentado a um corpo finito e limitado, contando apenas com seus sentidos, sua percepção e sua capacidade cognitiva para pensar o mundo, será que estes meios seriam suficientes para conhecê-lo em sua plenitude? Talvez, nesse argumento, se esteja a caminhar para uma explicação, de certa forma, metafísica ou teológica, entretanto, o que se pretende discutir é se a tomada de consciência e a busca crítica de uma realidade, como papel precípuo da Filosofia, não seja, em realidade, uma utopia. Em suma, não seria a verdade, a episteme, um conhecimento tão puro e amplo, que não seria possível, nem inteligível se chegar a ele. Neste sentido, o importante não seria atingi-lo, e apropriar-se desse excelso conhecimento, mas continuar tentando, a buscar e caminhar em sua direção. Desta feita, o que se poderia abstrair da interpretação do mito platônico, bem como da contribuição dos cinco autores, é que a busca por uma formação crítica no Ensino Jurídico talvez não represente um fim em si mesmo, ou seja, uma meta que possa ser alcançada de forma a encontrar um término, mas sim, em última instância, a autossuperação77.

Sobre o autor
Felipe Adaid

Advogado e consultor jurídico em Direito Penal e Direito Penal Empresarial no Said & Said Advogados Associados. Foi Diretor de Gerenciamento Habitacional da Secretaria de Desenvolvimento Social e Habitação e Primeiro Secretário do Conselho de Habitação do Município da Valinhos, SP. Mestre em Educação e Políticas Públicas pela PUC Campinas. Ingressou em primeiro lugar no mestrado e foi contemplado com a bolsa CAPES durante os dois anos de curso. Cursou disciplinas de pós-graduação na Unicamp. É especializando em Direito Penal, Processo Penal e Criminologia, pela PUC Campinas. Na graduação, tem 5 semestres de créditos no cursos de Psicologia, também pela PUC Campinas. Durante a graduação de Direito também foi bolsista de iniciação científica, CNPq, e foi monitor em diversas disciplinas, tanto no curso de Direito como no curso de Psicologia. Foi membro do grupo de pesquisa Direito à Educação do Programa de Pós-Graduação da PUC Campinas. É corretor de revistas científicas pedagógicas e jurídicas. É autor de 11 livros, sendo 3 ainda em fase de pré-lançamento, e organizador de outros 10 livros, além da autoria de 44 capítulos de livros publicados no Brasil, no Chile e em Portugal. É autor de mais de 100 publicações científicas, entre artigos científicos, resenhas e anais, nacionais e internacionais. Ademais, também escreve periodicamente ensaios e artigos para jornais e blogs. No âmbito acadêmico, suas principais bases teóricas são: Foucault, Lacan, Freud, Dewey e Nietzsche. Por fim, tem interesse sobre os seguintes temas: Direito, Direito Penal, Criminologia, Psicologia, Psicologia Forense, Psicanálise, Sexualidade, Educação e Filosofia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ADAID, Felipe. Análise comparativa das tendências teóricas sobre o ensino jurídico no Brasil de 2004 a 2014. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7588, 10 abr. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/71573. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

O presente artigo representa a íntegra da dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Puc Campinas em 2015.

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