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Vedação de propaganda institucional em período eleitoral

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III. Ainda a inconstitucionalidade formal

            O que importa, nesta quadra, é ver se o disposto no texto legal e a interpretação predominante [20] conferida à conduta vedada na alínea b, inciso VI, do art. 73, da Lei n.º 9.504/97, segundo a qual (i) não é necessária, para configuração do ilícito, a demonstração da potencialidade do ato influir no resultado do pleito e (ii) tampouco a comprovação do prévio conhecimento do beneficiário ou (iii) da intimação para a retirada da publicidade, são compatíveis com a Constituição.

            É que, em semelhante seara, se é necessário expurgar a impunidade em relação aos abusos de poder econômico e de poder político nos pleitos eleitorais, e se é certo, ademais, que a normalidade, a lisura e legitimidade das eleições, bem como a igualdade entre os candidatos devem ser protegidos, não é menos certo que a Constituição tutela a soberania popular, os princípios republicano, da publicidade, do devido processo legal, da culpabilidade, da individualização e da pessoalidade da pena.

            A demanda popular de combate à corrupção eleitoral é digna de acolhimento pelas atividades legiferante e judicante. Nada, porém, autoriza, no Direito Constitucional brasileiro, o simples atendimento ao anseio popular mediante interpretações adaptadas que vulnerem o texto constitucional ou esvaziem conteúdo essencial de princípios, direitos e de garantias fundamentais.

            Não é o que tem ocorrido, porém, no direito brasileiro. O déficit de serenidade, o atropelo, a falta de atenção para com a normativa constitucional e os princípios e direitos fundamentais encontráveis na disciplina legislativa, é semelhante a residente em inúmeras outras situações nas quais a lei foi além do permitido, em que o legislador manifestou-se com excesso, tudo para atender, certamente de boa fé, um determinado clamor popular, digno, sem dúvida, de proteção, mas olvidando que o direito conforma um sistema que exige integridade, coerência, proporcionalidade, enfim, racionalidade. Esquecendo-se, mais, que no manejo do Direito, a instrumentalização da lei para atender determinados fins, por mais nobres que sejam, tem limites: os limites ditados pela específica ordem constitucional brasileira.

            O tema da publicidade institucional está, como se sabe, intimamente interligado, conforme se demonstrou, ao princípio republicano, ao princípio (dever) da publicidade e, por conseguinte, aos direitos fundamentais. Ao passo que a cassação de registro de candidaturas e de diploma do candidato eleito está estreitamente imbricado com o princípio da soberania popular, com os direitos políticos (de votar e ser votado), com os princípios do devido processo legal, da culpabilidade, da proporcionalidade, da razoabilidade, da individualização das penas e da responsabilidade subjetiva. Resta, assim, esboçado o plexo normativo constitucional que ilumina o presente momento do estudo.

            Haja vista esse desenho normativo constitucional concernente ao presente caso, insta indagar, reitere-se, se a vedação de conduta aos agentes públicos, prevista na alínea b, inciso VI, do art. 73, da Lei nº 9.504/97, apresenta-se adequada, exigível, proporcional, conformando um adequado juízo de ponderação dos valores e princípios em jogo, em nenhum momento sacrificando qualquer dos direitos residentes na tensão normativa, mantido, por isso mesmo, os respectivos núcleos essenciais.

            Expostos os pontos centrais das questões em debate, importa demonstrar, em que pesem as alusões já feitas à inconstitucionalidade formal e material do dispositivo sob comento, a sua não conformidade à Constituição também diante dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

            Deveras, a restrição contida na alínea b, inciso VI, do art. 73, da Lei 9504/97, bem como a interpretação que lhe foi conferida pela maioria dos Ministros do TSE, operaram, como será demonstrado, juízo de ponderação inadequado, ao manejar normativamente as restrições autorizadas pelo Constituinte tão-somente ao legislador complementar, ex vi do disposto no § 9º do art. 14 da Carta Magna [21], a ponto de ingressar no terreno censurável da inconstitucionalidade.

            Reclama atenção, inicialmente, o problema da não satisfação, pelo Legislador, da reserva de lei inscrita no § 9º do art. 14,da Constituição da República, mas agora sob prisma diverso do já exposto.

            A doutrina tem se orientado no sentido de, afastando-se da chamada teoria interna, admitir qualquer espécie de disciplina de direito fundamental pelo legislador como hipótese de restrição. Ora, as restrições supõem um regime apropriado que cuida seja do correspondente veículo de introdução na ordem jurídica (reserva de lei), seja dos limites ao seu manejo (princípio da proporcionalidade, preservação do núcleo essencial do direito restringido etc. = reserva qualificada de lei e reserva absoluta de lei).

            Importa, aqui, considerar que o legislador está autorizado (i) implícita ou (ii) explicitamente a operar, dentro de limites controláveis, restrição aos direitos fundamentais, tudo para, através de um juízo de concordância prática, de ponderação, concretizador de um balancing, harmonizar os direitos em função da possível emergência de colisão ou de concorrência. Na primeira situação, apresentam-se as restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição [22]. A segunda constitui hipótese de restrição expressamente autorizada pela Constituição. Em ambas, avulta o papel do Poder Legislativo, especialmente no contexto de uma ordem constitucional como a brasileira. É que, entre nós, assumem particular significação os princípios da legalidade e da reserva de lei.

            Nos termos do art. 5º, II, "ninguém será obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". Apenas a lei, no direito brasileiro, pode inovar originariamente a ordem jurídica, a ponto de criar direitos e obrigações [23]. Não há, aqui, lugar para o regulamento autônomo, para a partilha de matérias entre a lei e o regulamento (como ocorre v.g. na França [24]), sequer calhando, exceto a eventualidade da lei delegada, possibilidade de lícita delegação de poder normativo do Legislador para a Administração.

            Não há fundamento, portanto, para os regulamentos delegados (encontráveis em outras ordens jurídicas). A delegação legislativa, em território brasileiro, haverá de atender necessariamente ao especificado no art. 68 da Constituição, sendo certo que qualquer outra iniciativa configura delegação indébita, vedada, inconstitucional, ainda que velada, informal, ou sutil [25].

            A questão fica ainda mais evidente quando se está diante do princípio da reserva absoluta de lei. É que, não satisfeito com o princípio da legalidade (princípio da reserva relativa de lei) a exigir manifestação do Legislativo (ou, excepcionalmente, nas hipóteses do arts. 62 e 68 da Lei Fundamental, de outro órgão constitucional exercente de função legislativa) em toda providência normativa voltada a inovar originariamente a ordem jurídica (providência que haverá de abordar os pontos essenciais do regime da substância regulada - teoria da essencialidade) [26], para o tratamento de certas matérias expressamente indicadas pelo Constituinte, em decorrência de sua singular importância, exige-se também o esgotamento, pelo legislador (muitas vezes sem possibilidade de incursão de outro órgão constitucional capaz de produzir ato normativo com força de lei) de toda a esfera de regulação.

            Está-se a reportar, nesta linha, reafirme-se, à reserva absoluta de lei. Aqui, o papel normativo acessório do Chefe do Executivo ou da Administração é ainda mais insignificante, destacando-se, com toda evidência, ademais, a insuscetibilidade do transpasse, pelo Congresso Nacional, ainda que velado, de parcial competência normativa a órgão constitucional incumbido da aplicação da lei. Pois, em geral, as restrições expressamente autorizadas pela Constituição apontam para um âmbito material tributário de reserva absoluta de lei.

            É, particularmente, o que ocorre, o que parece indisputável, com o § 9º, do art. 14, da Constituição da República, quando prescreve, de modo eloqüente, que compete à "lei complementar estabelecer outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta".

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            O comando não exige maior esforço hermenêutico. Daí por que novas hipóteses de inelegibilidade, visando a tutelar tais finalidades, somente poderão ser erigidas mediante lei complementar.

            Não há autorização constitucional, portanto, para a delegação legislativa, tampouco para previsão de outros casos de inelegibilidade criadas por meio de lei ordinária.

            Não é demais, neste ponto, chamar o auxílio de Jorge Reis Novais, para com ele realçar que é "sobretudo nos argumentos democráticos que a dimensão competencial cobra pleno desenvolvimento, assumindo, aí, a reserva de lei parlamentar o papel de protagonista principal. Basicamente, a idéia é que há decisões tão essenciais para a vida da comunidade que devem ser tomadas pela instituição representativa de todos os cidadãos. Entre essas decisões contam-se imediatamente, qualquer que seja a fundamentação apresentada, as decisões que afectam os direitos fundamentais, mormente as suas restrições, entendendo-se que a excepcionalidade da sua ocorrência e a gravidade dos seus efeitos exigem a participação decisiva dos representantes dos próprios interessados" [27].

            No caso, além da reserva absoluta de lei e da reserva de lei complementar, está plantada, igualmente, situação de reserva qualificada de lei. É que a restrição haverá de operar-se, reafirme-se, com a finalidade de assegurar (§ 9º, do art.14, da Constituição) "a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego".

            O desvio da finalidade, o excesso, a falta de simetria entre o meio e o fim, a desmedida, por sua vez, importam em manifestação de inconstitucionalidade como decorrência natural do regime da reserva qualificada de lei [28]. Nesta circunstância, como se sabe, a autorização de restrição exige o atendimento de certos pressupostos ou a prossecução de determinados fins ou objetivos. É o que ensina Juan Carlos Gavara de Cara, segundo o qual, "... se autoriza el desarrollo normativo de los derechos afectados no por su justificación en base a cualquier objetivo constitucional, sino en base a objetivos constitucionales individualizados y numerados". [29] No case em discussão, ao que parece, a lição tem sido em vão. [30] Logo, não há razão para se justificar a constitucionalidade do dispositivo sob estudo.


IV. Afronta ao princípio da proporcionalidade

            Pois bem, não bastasse a existência da inconstitucionalidade formal apontada, constata-se, outrossim, nos termos da interpretação conferida à alínea b, inciso VI, do art. 73, da Lei nº 9504/97, que chega a permitir que fato de terceiro desconhecido pelo candidato gere responsabilização objetiva do próprio candidato, por meio de cassação do registro ou do diploma, independente de afetar a igualdade e de ter potencial de influenciar o pleito, a existência de inconstitucionalidade material, decorrente de afronta, mediante inclusive o esvaziamento do conteúdo essencial, aos princípios da soberania popular, republicano, da publicidade, do devido processo legal, da culpabilidade, da responsabilidade subjetiva, da individualização e da pessoalidade das penas, e, por fim, da proporcionalidade e da razoabilidade.

            Quanto ao art. 14, § 9º, da Constituição, está-se diante, já foi dito, de hipótese de restrição expressamente autorizada pelo Constituinte, sujeita, porém, a (i) reserva absoluta de lei, (ii) reserva de lei complementar e a (iii) reserva qualificada de lei. Se é certo, portanto, que a liberdade de conformação legislativa, não se confundindo como a mera tarefa de aplicação da Constituição, é ampla [31], não é menos certo que o Legislador não desenvolve sua função normativa de modo absolutamente livre. Há parâmetros constitucionais, maiores ou menores, conforme o âmbito de intervenção, a orientar a atividade. Na situação vertente, haveria o legislador, ao impor restrições à liberdade política e à soberania popular, de operar, necessariamente, (i) por meio de lei complementar que cobrisse, ademais, (ii) toda a esfera de regulação da matéria (princípio da reserva absoluta de lei), com o especial fim de (iii) estabelecer meios para garantir a idoneidade do pleito eleitoral, mantendo a normalidade, lisura, legitimidade e o respeito à probidade e moralidade administrativa, isso tudo (iv) solucionando, no plano abstrato, conflito entre os direitos e princípios comprimidos e a regras que regulam a idoneidade do pleito eleitoral.

            Para além da questão da inconstitucionalidade formal, então, o controle de lei restritiva, desde um ponto de vista substancial, desafia as técnicas oferecidas pela moderna teoria constitucional, pós-positivista [32], pós-convencional [33], principialista [34], tributária da concordância prática [35] e/ou da ponderação [36], enfim, que se inscreve no sítio que tem sido chamado de neoconstitucionalismo [37]. A observação não traduz nenhuma novidade. As novas técnicas, com maior ou menor intensidade, sem que isso importe em marginalização dos úteis e tradicionais esquemas metódicos incorporados à razão jurídica ocidental (derivados da subsunção), - as normas constitucionais, afinal, apresentam-se como regras e princípios - têm sido manejadas com crescente intensidade pela jurisdição constitucional, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal, seguindo, de longe ou de perto, os passos do Tribunal Constitucional alemão ou da Suprema Corte Americana.

            A metodologia da ponderação de bens (balancing), ainda antes de sua disseminação na Europa, a partir dos anos cinqüenta, foi alvo de controvérsia nos Estados Unidos. Do debate entre os defensores do (i) approach absolutista (caso dos Juízes Black e Douglas) e os (ii) defensores do balancing (em especial a partir dos argumentos dos Justices Frankfurter e Harlan), vai se delineando, com avanços e recuos, a jurisprudência da Suprema Corte que, afinal, a partir de uma orientação pragmática e eclética, vai agregar as vantagens e neutralizar os inconvenientes das duas posições (formalismo exagerado, falta de plasticidade, compreensão da Constituição como conjunto de regras, na circunstância do aproach absolutista; risco de subjetivismo, no caso dos balancers).

            É neste horizonte que avulta a importância da (iii) categorização (cujo manejo permite a inclusão ou exclusão de determinadas condutas do específico âmbito de proteção do direito), derivada de uma espécie de temperamento das posições absolutistas, da metodologia do (iv) definitional balancing (ensaio de operação de síntese entre categorização e balancing) e, mesmo, do (v) ad hoc balancing (ponderação levada a termo caso a caso, decorrente da apreciação da circunstância concreta). O definitional balancing orienta-se no sentido de produzir uma ponderação que seja aplicável a toda uma categoria de casos, prescindindo-se, daí em diante, de ponderação ulterior em feito concreto, podendo tal caso, portanto, ser solucionado com a aplicação da regra antes construída mediante processo subsuntivo [38].

            Como lembram Tribe [39] e Aleinikoff [40], a Suprema Corte lança mão das várias metodologias, variando em função do específico direito em questão ou do interesse do Poder Público em causa.

            Jorge Reis Novais, por seu turno, argumenta com inteira procedência, que essa atitude "permitiu que uma jurisprudência constitucional continuamente filtrada e influenciada pelo crivo reflexivo de uma elaboração doutrinária intensa pudesse ir cristalizando, não uma qualquer teoria unilateral, abrangente e fechada, dos limites aos direitos fundamentais, mas antes modos de controlo suficientemente estabilizados para garantir a previsibilidade de conseqüências dos comportamentos individuais e uma sólida garantia das liberdades comunicativas (...)." [41]

            A jurisprudência constitucional americana, na atividade de controle das restrições, recorre, como na Europa, a pautas derivadas das exigências do rule of law ou do princípio da proibição do excesso, procurando, todavia, "sistematizar e tipificar esse controlo através dos chamados tests ou standards de escrutínio da regulação estatal, de exigência ou rigor diferenciados em função da natureza dos direitos fundamentais afectados, do tipo de restrição em causa e da intensidade dos efeitos restritivos por ela produzidos." [42]

            O processo que sugeriu a mudança de paradigma no direito constitucional alemão e americano vem se manifestando também, guardadas as respectivas especificidades, nos países que admitem a jurisdição constitucional, em particular os europeus e latino-americanos. A ponderação, portanto, passa a traduzir, ainda quando associada a outras técnicas, metodologia indispensável para a solução de conflitos entre direitos fundamentais ou envolvendo direitos fundamentais e outros bens constitucionais. Aqui avulta o princípio da proporcionalidade [43], peça integrante do "limite dos limites" [44], como mecanismo necessário para o rigoroso controle da atividade de harmonização conduzida pelo operador jurídico.

            O Supremo Tribunal Federal não desacolhe as mudanças que vêm, há certo tempo, reconfigurando o discurso constitucional [45]. Por isso a ponderação, a compreensão da Constituição como ordem normativa comportando regras e princípios e o princípio da proporcionalidade, como meio de testar a racionalidade das restrições estabelecidas pelo Legislador, não implicam démarches estrangeiras ao universo argumentativo presente nas decisões da Excelsa Corte.

            Antes da promulgação da vigente Lei Fundamental, as decisões proferidas no RE n.º 18.331, relatado pelo Ministro Orozimbo Nonato, em que ficou assentado que "o poder de taxar não pode chegar à desmedida do poder de destruir", e na Representação n.º 930, Rel. Ministro Rodrigues Alckmin, tratando das condições de capacidade para o exercício das profissões, constituem importantes precedentes tratando do princípio da proporcionalidade. Também na Representação n.º 1.077 (RTJ 112:34) e na Representação n.º 1054 (RTJ 110:937 e ss.), o referido princípio foi manipulado. Nos apontados casos, porém, sem expressa referência, o que veio a acontecer, pela primeira vez, já sob a égide da nova ordem constitucional, na ADIn n.º 855-2, na qual se discutia a propósito da lei paranaense que determinara a obrigação de pesagem de botijões de gás à vista do consumidor por ocasião da venda, com pagamento imediato da eventual diferença a menor.

            Na decisão, verdadeiro leading case, o Supremo Tribunal Federal reconheceu, ainda que em sede de providência cautelar, manifesta hipótese de violação ao princípio da proporcionalidade e razoabilidade das leis restritivas de direitos. Decisões dotadas de sentido semelhante são encontradas em diversos outros julgados em sede de ação direta de inconstitucionalidade (por exemplo: ADIn n.º 1.158; ADIn n.º 966-4; ADIn n.º 958-3 e ADIn n.º 2.019-MC). Trata-se, afinal, nesta oportunidade, apenas de demonstrar que a ponderação apresenta-se já como solução metódica incorporada ao cotidiano da atividade jurisdicional da Suprema Corte brasileira.

            Estabelecidos esses pressupostos, há que se ressaltar que, na circunstância presente, incumbe ao Poder Judiciário lançar mão dos "limites dos limites", objetivamente de uma específica manifestação, o princípio da proporcionalidade, para exercitar o controle jurisdicional, em face da Constituição Federal, da ponderação concretizada pelo Legislador ao proceder à restrição dos direitos e princípios fundamentais anteriormente mencionados, mediante o disposto na alínea b, inciso VI, do art. 73, da Lei nº 9504/97. Poder-se-ia, desde logo, identificando o juízo de proporcionalidade, num sentido largo, com a concordância prática, meio de harmonização entre direitos ou bens contrapostos sugerido pelas doutrinas de Konrad Hesse e Friedrich Müller [46], sustentar que a inconstitucionalidade no dispositivo e na interpretação conferida à alínea b, inciso VI, do art. 73, da Lei 9504/97, é manifesta.

            Com efeito, o princípio da concordância prática, implicando coordenação entre bens constitucionalmente protegidos nas hipóteses de tensão, também envolve ponderação. A concordância prática, porém, não admite nenhum sacrifício aos direitos em conflito. É que os direitos, ostentando valor igual, desafiariam igual satisfação. O intérprete, em semelhante contexto, haveria de resolver a tensão, buscando uma otimização igualitária ou um saldo nulo de sacrifício.

            Não foi o que ocorreu com a disciplina normativa da vedação à publicidade institucional nos três meses que antecedem as eleições e da sanção a ela aplicada. Aqui, a tensão entre os direitos e princípios anteriormente mencionados foi resolvida não por meio de um ensaio de harmonização (cedência recíproca, na linguagem de Celso Ribeiro Bastos [47]), mas já mediante indiscutível sacrifício de um dos pólos. Ora, o sacrifício, cumpre nesta quadra insistir, que não teria sido autorizado em nenhum momento pelo Constituinte, tanto que se reporta à tarefa do Legislador como vinculada à específica finalidade de assegurar a normalidade, lisura e legitimidade dos pleitos eleitorais para permitir a realização da soberania popular de forma idônea. A idéia, vê-se, aponta para a necessidade de compatibilização, harmonização, conciliação, jamais, todavia, de sacrifício, ablação, amputação, exceto quando incidente, de modo equivalente, sobre ambos os pólos.

            Há que se concordar que o princípio da proporcionalidade, nada obstante, a não ser quando indicado de forma amplíssima, não se identifica com o da concordância prática. Há distinções abraçando (i) o universo de situações sobre as quais incidem e (ii) o tipo de otimização que perseguem. Enquanto a concordância prática cuida de situações de tensão exigentes de harmonização ou de sacrifícios simétricos e recíprocos, o princípio da proporcionalidade aceita que um direito possa, eventualmente, ser mais sacrificado do que outro, desde que haja proporcionalidade na ação que busca resguardar um direito, entre o direito protegido e o atingido. De outro viés, tomando a proporcionalidade como princípio (e não como postulado normativo de aplicação, na linha sustentada por Ávila [48]), compreendido, na esteira do pensamento de Alexy, como mandamento de otimização dependente de possibilidades fáticas e jurídicas [49], irrompe nova apartação, eis que o princípio da concordância prática nada diz quanto à esfera de consideração fática, agasalhando, apenas, mandamento de harmonização de interesses contrapostos desde um ponto de vista das possibilidades jurídicas [50].

            Na circunstância, portanto, de residir, no art. 14, § 9º, da Constituição, autorização para o legislador operar, de modo mais intenso (restrição) que o consistente na mera harmonização dos direitos em disputa, é o princípio da proporcionalidade que haverá de ser provocado para o controle da constitucionalidade, e não o princípio da concordância prática.

            Na espécie, conforme assevera Gilmar Ferreira Mendes, a linha de argumentação do Supremo Tribunal Federal, ao testar a legitimidade de eventual medida restritiva, "há de ser aferida no contexto de uma relação meio-fim (Zweck-Mittel Zusammenhang), devendo ser pronunciada a inconstitucionalidade que contenha limitações inadequadas, desnecessárias ou desproporcionais (não-razoáveis)" [51].

            Em semelhantes termos, a medida restritiva, considerando a unidade hierárquico-normativa da Constituição, que implica a inocorrência de posições de vantagem prima facie de determinados direitos diante de outros, a inexistência de uma hierarquia abstrata, a priori, entre os direitos em colisão e, por conseqüência, a impossibilidade de construção de uma regra de prevalência definitiva ex ante, prescindindo das circunstâncias do caso (Alexy [52]) deve, sob pena de invalidade, ser adequada (apropriada), necessária (exigível) e proporcional (justa medida). Na lição de José Joaquim Gomes Canotilho: "O princípio da conformidade ou adequação impõe que a medida adoptada para a realização do interesse público deve ser apropriada à prossecução do fim ou fins a ele subjacentes. Consequentemente, a exigência de conformidade pressupõe a investigação e a prova de que o acto do poder público é apto para e conforme os fins justificativos de sua adopção. (...) O princípio da exigibilidade, também conhecido como ‘princípio da necessidade’ ou da ‘menor ingerência possível’ coloca a tónica na ideia de que o cidadão tem direito à menor desvantagem possível. Assim, exigir-se-ia sempre a prova de que, para a obtenção de determinados fins, não era possível adoptar outro meio menos oneroso para o cidadão. (...) Quando se chegar à conclusão da necessidade e adequação da medida coactiva do poder público para alcançar determinado fim, mesmo neste caso deve perguntar-se se o resultado obtido com a intervenção é proporcional à ‘carga coactiva’ da mesma. Está aqui em causa o princípio da proporcionalidade em sentido estrito" [53].

            Sintetizando, diante da orientação que se firma no Pretório Excelso, o escrutínio, ou teste, a ser realizado, para a aferição da constitucionalidade da lei restritiva, ao lado da carga argumentativa adequada, envolve o transitar por três níveis de análise: (i) adequação (idoneidade), (ii) necessidade (exigibilidade) e (iii) proporcionalidade em sentido estrito.

            O dispositivo legal sob comento, restritivo ao direito de cidadania, da regra geral de elegibilidade de todos (a elegibilidade é regra e a inelegibilidade, recorde-se, é exceção), de controle dos atos públicos, e a interpretação a ele conferida, salta aos olhos, não é capaz de superar nenhum dos degraus (sub-princípios) do teste de proporcionalidade.

            Quanto ao primeiro nível, vislumbra-se o esvaziamento do conteúdo essencial dos direitos e princípios que são atingidos pela restrição, eis que, a par de atingir o princípio da publicidade e, por conseguinte, o próprio princípio republicano, considerar, conforme se observa no citado Acórdão n.º 24.793, que a configuração da ilicitude não depende (i) da potencialidade de o ato influir no resultado do pleito e (ii) da comprovação do prévio conhecimento do beneficiário ou (iii) da intimação para a retirada da publicidade, de modo a não ser possível aferir se houve efetivo desequilíbrio entre os candidatos, importa, no caso concreto, em esvaziar o conteúdo dos princípios constitucionais do devido processo legal, da culpabilidade, da pessoalidade da sanção, da individualização da pena e da responsabilidade subjetiva.

            A restrição, por outro lado, não resiste ao teste da exigibilidade (necessidade, indispensabilidade da medida). A providência restritiva, como se sabe, dentre outras dotadas de semelhante eficácia, deve ser necessária e exigível, ostentando a menor carga coativa, identificando-se com aquela menos onerosa para o direito fundamental comprimido. Trata-se, aqui, portanto, de manifestação do princípio da menor ingerência possível. Ou, na linguagem de Gavara de Cara, "una medida es necesaria cuando no puede ser elegida otra medida igualmente efectiva que limite menos el derecho fundamental o que suponga una menor carga para el titular." [54]

            Verifica-se, neste degrau do teste da proporcionalidade, se (i) a restrição atendeu ao conceito de ingerência ou intervenção mínimas no exercício do direito fundamental, (ii) ocorrente hipótese de medida alternativa menos gravosa (princípio da desconfiança), (iii) em virtude de um paralelo que leve em conta prejudicialidade e eficácia das alternativas em cotejo e (iv) tudo isso em função de um juízo dotado de conteúdo empírico [55].

            Pois bem, no que atine à interpretação conferida ao dispositivo sob estudo, é perfeitamente possível a adoção de outros métodos de avaliação consentâneos à própria previsão do texto (destaque-se as expressões tendentes e candidato beneficiado) que permitiriam maior prudência na revisão de deliberação majoritária, nos quais não se recorreria a uma responsabilização objetiva mediante presunção, mas sim se aferiria a existência efetiva de quebra da igualdade entre os candidatos, bem como a potencialidade de influência no resultado do pleito e a ciência e aquiescência do candidato em relação à realização da publicidade.

            Está-se a referir a métodos igualmente eficazes e menos gravosos, que poderiam, perfeitamente, ser aproveitados pelo Poder Judiciário para a satisfação do objetivo reclamado. Portanto, a linha interpretativa ensejadora de responsabilização objetiva constitui medida gravosa que desatende o princípio da proporcionalidade quanto ao requisito da necessidade, implicando manifestação de excesso (princípio da vedação do excesso) no tratamento da matéria pelo Poder Legislativo.

            Finalmente, a orientação no sentido de que a configuração do ilícito corresponde a uma forma de responsabilidade objetiva, bem como a vedação à publicidade institucional constitucionalmente permitida (consoante ao art. 37, § 1º, da CF) não suporta, também, o teste da proporcionalidade em sentido estrito. Aqui, como antes sugerido, "meios e fim são colocados em equação mediante um juízo de ponderação, com o objectivo de se avaliar se o meio utilizado é ou não desproporcionado em relação ao fim" [56]. O que significa dizer que os meios manejados devem manter uma equação razoável com o fim almejado. Alexy, a propósito, formula feliz síntese (lei da ponderação): "cuanto mayor es el grado de la no satisfacción o de afectación de un princípio, tanto mayor tiene que ser la importancia de la satisfacción del otro" [57].

            O que se vê, nada obstante, na situação enfrentada, é a supressão de direitos e princípios fundamentais sem a correspondente satisfação, em igual proporção, do outro objetivo constitucional situado na fronteira oposta da colisão. Pesadas as desvantagens dos meios (que são eloqüentes) e as vantagens dos fins (que são pouco evidentes), percebe-se uma relação desmedida, desequilibrada, desproporcional, contaminada pelo excesso e pelo déficit de razoabilidade, não justificável à luz da razão prática (irracionalidade) e, por isso mesmo, agressiva, injusta, distanciada do cumprimento do princípio da reserva de lei proporcional, revelando, em síntese, quanto à lei compressiva, a precipitação de inconstitucionalidade também por este fundamento. Afinal, a interpretação predominante admite que fatos banais e muitas vezes insignificantes possam ensejar a cassação de registro de candidatura ou diplomação, contrapondo-se, não raro, à manifestação da vontade popular. A operação do Legislador não preservou, assim, sequer o núcleo essencial dos direitos e princípios sobre os quais incidiu a restrição. Com efeito, não há núcleo essencial que resista à radical ablação dos direitos políticos, da soberania popular, do devido processo legal, da cidadania, do princípio da publicidade etc. Qualquer das teorias, no presente caso, seria suficiente para demonstrar a vulneração da cláusula imunizatória do conteúdo essencial e o desconhecimento da salvaguarda da essencialidade do direito restringido.

            Ora, as razões apresentadas são assaz suficientes para mais uma demonstração da inconstitucionalidade não só do disposto na alínea b, inciso VI, do art. 73, da Lei n.º 9.504/97, mas também da interpretação a ele conferida pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Sobre os autores
Clèmerson Merlin Clève

Professor Titular de Direito Constitucional da Universidade Federal do Paraná. Professor Titular de Direito Constitucional do Centro Universitário Autônomo do Brasil - UniBrasil. Professor Visitante dos Programas Máster Universitario en Derechos Humanos, Interculturalidad y Desarrollo e Doctorado en Ciencias Jurídicas y Políticas da Universidad Pablo de Olavide, em Sevilha, Espanha. Pós-graduado em Direito Público pela Université Catholique de Louvain – Bélgica. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Doutor em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Líder do NINC – Núcleo de Investigações Constitucionais em Teorias da Justiça, Democracia e Intervenção da UFPR. Autor de diversas obras, entre as quais se destacam: Doutrinas Essenciais - Direito Constitucional, Vols. VII - XI, RT (2015); Doutrina, Processos e Procedimentos: Direito Constitucional, RT (Coord., 2015); Direitos Fundamentais e Jurisdição Constitucional, RT (Co-coord., 2014) - Finalista do Prêmio Jabuti 2015; Direito Constitucional Brasileiro, RT (Coord., 3 volumes, 2014); Temas de Direito Constitucional, Fórum (2.ed., 2014); Fidelidade partidária, Juruá (2012); Para uma dogmática constitucional emancipatória, Fórum (2012); Atividade legislativa do poder executivo, RT (3. ed. 2011); Doutrinas essenciais – Direito Constitucional, RT (2011, com Luís Roberto Barroso, Coords.); O direito e os direitos, Fórum (3. ed. 2011); Medidas provisórias, RT (3. ed. 2010); A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, RT (2. ed. 2000). Foi Procurador do Estado do Paraná e Procurador da República. Advogado e Consultor na área de Direito Público.

Paulo Ricardo Schier

advogado militante, doutor em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Paraná, professor de Fundamentos de Direito Público e Direito Constitucional na Escola de Direito e Relações Internacionais das Faculdades do Brasil (UniBrasil) e do Instituto de Pós-Graduação em Direito Romeu Felipe Bacellar, membro honorário da Academia Brasileira de Direito Constitucional

Melina Breckenfeld Reck

advogada integrante do escritório Clèmerson Merlin Clève Advogados Associados, mestre em Direito Constitucional pela UFPR, professora de Direito Econômico nas Faculdades Integradas do Brasil (UniBrasil)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CLÈVE, Clèmerson Merlin; SCHIER, Paulo Ricardo et al. Vedação de propaganda institucional em período eleitoral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 783, 25 ago. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7193. Acesso em: 22 dez. 2024.

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