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Assédio moral no trabalho.

Quais os instrumentos do Ministério do Trabalho e Emprego no combate a esta sutil violência?

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Agenda 13/02/2019 às 07:29

3 O MTE E SEUS INSTRUMENTOS DE ATUAÇÃO NA PREVENÇÃO E COMBATE AO ASSÉDIO MORAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO

3.1 As origens do MTE

A criação do Ministério do Trabalho, com o nome de Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, em 26 de novembro de 1930, não pode ser desvinculada da herança escravocrata e da fragilidade das relações de Trabalho do início do século XX. (GUIDALLI, 2003)

Com a criação deste Ministério, o governo Vargas inaugurava uma nova atitude do Estado em relação a classe trabalhadora. Até então, o poder político no Brasil havia respondido às reinvindicações operarias com a repressão. A partir de 1930, a principal característica da relação entre o Estado e os trabalhadores seria o diálogo. Um diálogo às vezes difícil, às vezes acompanhado de repressão, e no qual a voz dominante seria sempre a do poder público. Mas, enfim, agora havia diálogo. (MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO, 2013a).

O advento do órgão que se tornaria uma das mais fortes instituições da República é uma espécie de desfecho para um problema brasileiro, que exigia como solução a organização do mercado de trabalho em bases mais rígidas da saúde e dos direitos do trabalhador.

Para Getúlio Vargas, a criação do Ministério era o pagamento de uma dívida social que o Brasil tinha com os brasileiros. O grandioso revolucionário da década de 30 criou a pasta que mudaria as relações laborais do país. (GUIDALLI, 2003).

O ministério da Revolução - como foi chamado por Lindolfo Collor, o primeiro titular da pasta - surgiu para concretizar o projeto do novo regime de interferir sistematicamente no conflito entre capital e trabalho. Até então, no Brasil, as questões relativas ao mundo do trabalho eram tratadas pelo Ministério da Agricultura, sendo na realidade praticamente ignoradas pelo governo. (MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO, 2013a).

Para a professora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Eliana da Fonte Pessanha, a criação do Ministério responde, sem dúvida, à demanda difusa por direitos sociais, vocalizada pelo heroico movimento operário e sindical e por alguns reformadores sociais desde o século XIX.

Avalia Pessanha,

a questão social acaba mobilizando, no pós-30, vários segmentos da sociedade. Forma-se o que considero um ‘consenso anti-liberal – reunindo setores sob influência do socialismo, da Igreja Católica pós-Rerum Novarum e do nascente corporativismo à brasileira – que critica os efeitos perversos do avanço capitalista e apoia o processo de intervenção do Estado para regular as relações entre capital e trabalho. (PESSANHA apud GUIDALLI, 2013).

O Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio teve o Tratado de Versalhes como balizador, que foi elaborado para regulamentar a nova Europa que surgia após a Primeira Grande Guerra.

Segundo a biógrafa e historiadora Lidia Besouchet [1957?] em seu ensaio “História da Criação do Ministério do Trabalho”, é a partir do Tratado de Versalhes que o trabalho começa a não ser considerado como mercadoria e pontua que "nele que se estabelece o direito de associação aos trabalhadores e patrões, o pagamento aos operários que lhes proporcione um nível de vida decoroso, a semana de 48 horas, o descanso semanal obrigatório e a supressão do trabalho das crianças”. (BESOUCHET, 1997 apud GUIDALLI, 2013).

Além disso, o Tratado prenuncia a Organização Internacional do Trabalho (OIT) cuja fundação era prevista pela Conferência Internacional do Trabalho ocorrida em Washington (EUA) cinco meses depois da assinatura em Versalhes.

Ainda conforme Lidia Besouchet (BESOUCHET, [1957?] apud GUIDALLI, 2013), o Brasil estava atrasado em termos de legislação social e trabalhista, apesar de signatário do Tratado que marcaria a Europa e o Ocidente no século XX. E nos compara ao Uruguai que influenciou os revolucionários de 1930, Getúlio Vargas e Lindolfo Collor.

A rigor, as medidas mais maduras em termos de garantias de direitos dos trabalhadores surgiram, a partir de 1930, quando Getúlio Vargas assume o poder por meio da “revolução de 30”. É ele próprio quem afirma que o Ministério “vinha cumprir promessas feitas e obedecer imperativos da época”. (GUIDALLI, 2013).

Para Vargas, criava-se ali “um movimento que, no presente período de evolução social não podia ser adiado sob pena de ficarmos fora do nosso tempo como força útil e sem medida na permuta universal de valores”. (GUIDALLI, 2013).

Com o advento do Ministério do Trabalho, plantavam-se as sementes das leis trabalhistas e de uma política duradoura que enxerga o operário como ser humano livre e demandante de um marco regulatório que o ampare e o proteja dos excessos laborais.

É, portanto, neste contexto pautado pelo resgate social do Brasil que se insere a criação do Ministério do Trabalho.

3.2 Estrutura Organizacional

Em 1930 foi criado o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, por meio do Decreto nº 19.433, de 26 de novembro, assinado pelo Presidente Getúlio Vargas. Foram criadas as Inspetorias Regionais do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, por meio dos Decretos nºs 21.690 e 23.288, de 1º de agosto de 1932 e 26 de outubro de 1933, respectivamente, e seis anos mais tarde, as Inspetorias Regionais foram transformadas em Delegacias Regionais do Trabalho, por meio do Decreto-Lei nº 2.168, de 6 de maio. (BRASIL, 2013)

O Decreto nº 6.341, de 3 de janeiro de 2008 alterou a nomenclatura das Delegacias Regionais do Trabalho para Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego (SRTE), das Subdelegacias do Trabalho para Gerências Regionais do Trabalho e Emprego (GRTE) e das Agências de Atendimento para Agências Regionais (AR). As Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego passaram a ser competentes pela execução, supervisão e monitoramento de todas as ações relacionadas às políticas públicas afetas ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), atual nomenclatura deste órgão do Executivo Federal. (BRASIL, 2013).

Tal reorganização estrutural não teve como finalidade meramente a mudança de nomenclaturas e sim um reordenamento das atividades, buscando dar mais autonomia, atribuições e competências às unidades descentralizadas, que passaram a gerir diretamente a maioria das políticas públicas de trabalho, na intenção de propiciar maior eficiência e qualidade nas ações do MTE.

3.3 Missão Institucional

Criado há 82 anos pelo então presidente Getúlio Vargas, o Ministério do Trabalho visa garantir os direitos trabalhistas conquistados à época de sua criação e passou a ser uma instituição de apoio ao trabalhador.

O próprio Getúlio afirmou que: “o ministério impunha-se como o primeiro passo para a organização no país do trabalho, da indústria e do comércio, não somente nas suas mútuas relações como também no campo particular de ação que lhe compete”. (GUIDALLI, 2013).

O MTE se tornou o órgão responsável pela fiscalização do cumprimento de todo ordenamento jurídico que trata das relações de trabalho, competindo-lhe assegurar, em todo o território nacional, a aplicação das disposições legais, incluindo as convenções internacionais ratificadas, os atos e decisões das autoridades competentes e as convenções, acordos e contratos coletivos de trabalho, no que concerne à proteção dos trabalhadores no exercício da atividade laboral.

Desta forma, o Ministério do Trabalho tem como missão institucional promover o equilíbrio das relações de trabalho por meio da ação fiscal, da intermediação dos conflitos, do apoio às políticas públicas de geração de trabalho, emprego e renda e da assistência ao cidadão, contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. (MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO, 2013d).

3.4 Comissões Nacional e Regionais de Igualdade de Oportunidades de Gênero, de Raça e Etnia, de Pessoas com Deficiências e de Combate à Discriminação

Assumido o compromisso (BRASIL, 2008) pelo Governo Brasileiro por meio da ratificações das Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) 100, 111 e 159, foi criada em 7 de maio de 2008, através da Portaria nº 219, a Comissão de Igualdade de Oportunidades de Gênero, de Raça e Etnia, de Pessoas com Deficiências e de Combate à Discriminação, no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego, composta por uma instância Central e uma instância Regional.

Compete a Comissão Central orientar a execução das ações de promoção de igualdade de oportunidades e de combate à discriminação no mundo do trabalho, monitorar e avaliar a implementação de ações de promoção de igualdade de oportunidades e de combate à discriminação sob responsabilidade do MTE, promover a articulação interna e parcerias com os diversos órgãos governamentais e com a sociedade civil, com a finalidade de combater todas as formas de discriminação e de promover a igualdade de oportunidades e de tratamento no mundo do trabalho, orientar na efetivação das ações afirmativas enquanto políticas de Estado e acompanhar as atividades das Comissões Regionais.

As Comissões Regionais, que funcionam do âmbito das Superintendências Regionais (SRTE’s), couberam a execução das políticas de promoção de igualdade de oportunidades e de combate à discriminação no mundo do trabalho, por meio da elaboração de planos de ação em parceria com os representantes dos trabalhadores e empregadores e as instituições envolvidas com o tema e referendado pela Comissão Central, da implementação de ações educativas e preventivas voltadas para a promoção da igualdade de oportunidades e de combate à discriminação no mundo do trabalho, do envio de propostas de estratégias e ações que visem eliminar a discriminação e o tratamento degradante e que protejam a dignidade da pessoa humana, em matéria de trabalho e emprego, da articulação com organizações públicas e privadas que tenham como objetivo o combate à discriminação, na busca da convergência de esforços para a eficácia e efetividade social de suas ações e no recebimento de denúncias de práticas discriminatórias no trabalho, buscando solucioná-las de acordo com os dispositivos legais e por meio de negociações e, quando for o caso, encaminhá-las ao Ministério Público do Trabalho.

Para o desenvolvimento do presente trabalho, os coordenadores de duas Comissões Regionais, a primeira vinculada à Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE/SP) e a segunda, à Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Rio de Janeiro (SRTE/RJ), concederam entrevistas2, nas quais abordaram os procedimentos adotados em suas rotinas de trabalho.

O coordenador da Comissão Regional da SRTE/SP, o servidor público federal Jaudenir da Silva Costa destacou que 87% das denúncias recebidas na Comissão paulista referem-se a assédio moral praticado pelos empregados em face de seus empregados, e as demais tratam das questões de gênero, raça, idade e estado de saúde e que as mesmas chegam à Comissão através de reclamações feitas pelas próprias vítimas, no plantão de orientação ao público do MTE, ou através dos sindicatos, que encaminham seu associados, de Organizações não-governamentais (ONG) e de setores públicos como Delegacias de Polícia, Defensorias Públicas e Poupa Tempo3. (entrevista concedida pelo servidor Jaudenir Costa, 2013).

A coordenadora da Comissão Regional da SRTE/RJ, a servidora pública federal Heloísa Cruz também enfatizou que a maioria das denúncias que chegam à Comissão são relativas a assédio moral cometidos pelos empregadores contra seus funcionários, porém ainda não há uma estatística dos casos recebidos e solucionados e que o caminho mais utilizado pelas vítimas de violência moral para a realização da reclamação é o plantão de orientação ao público do MTE4. (entrevista concedida pela servidora Heloísa Cruz, 2013).

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As demais atividades desenvolvidas por estas Comissões Regionais serão oportunamente abordadas nos próximos tópicos, que tratam dos instrumentos de atuação do Ministério do Trabalho e Emprego no combate ao assédio moral no trabalho.

A criação da Comissão de Igualdade de Oportunidades de Gênero, de Raça e Etnia, de Pessoas com Deficiências e de Combate à Discriminação foi uma das ações estratégicas do Ministério do Trabalho e Emprego com a finalidade de contribuir para a consolidação de uma política nacional integrada de inclusão social e redução das desigualdades sociais com geração de trabalho, emprego e renda, promoção e expansão da cidadania. Essas políticas são desenvolvidas por meio de diversos programas do Sistema Público de Trabalho, Emprego e Renda, Economia Solidária, Relações do Trabalho, Fiscalização ao cumprimento das normas de proteção ao trabalhador e a trabalhadora e de ampliação e aperfeiçoamento da rede de combate à discriminação no trabalho, de acordo com as recomendações contidas Convenções nº 100 e nº 111 da OIT, ratificadas pelo Brasil.

3.5 Instrumentos de Atuação do MTE

A missão do MTE se traduz no desenvolvimento de políticas de trabalho, emprego e renda que deve inscrever na perspectiva do trabalho decente, com a promoção do trabalho produtivo e adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, além do respeito aos princípios e direitos fundamentais do trabalho suprimindo de todas as formas de discriminação existentes.

Para o cumprimento de sua missão institucional, o MTE dispõe de instrumentos eficazes de orientação e auxilio ao trabalhador. Dentre os instrumentos utilizados pelo Ministério do Trabalho e Emprego no combate à práticas de assédio moral no trabalho pode-se citar as ações preventivas, os plantões de atendimento prestados pelos Auditores-Fiscais do Trabalho, onde orientam juridicamente os trabalhadores e recebem reclamações de ilícitos trabalhistas, a mediação de conflitos entre empregados e empregadores e as ações fiscalizatórias nas empresas, que, em muitos casos, culminam na autuação das empresas.

Expõe-se, a partir de agora, de forma mais esmiuçada, esses instrumentos de atuação do MTE utilizados na prevenção e combate ao assédio moral no trabalho.

3.5.1 Ações preventivas

O assédio moral praticado no ambiente de trabalho põe em risco a saúde do trabalhador, pois ocasiona desordens emocionais, atinge a dignidade e identidade da pessoa humana, altera valores, causa danos psíquicos (mentais), interferindo negativamente na saúde, na qualidade de vida e pode até levar à morte.

Tendo em vista o compromisso do Governo Brasileiro de promover políticas públicas de igualdade, de oportunidades e de combate à discriminação no mundo do trabalho, seguindo as recomendações das Convenções 100, 111 e 159 da OIT, foi criada no âmbito do MTE, em 2008, a Comissão de Igualdade de Oportunidade de Gênero, Raça, e Etnia, de Pessoas com deficiência e de Combate à discriminação, que recebeu a competência, em seu artigo 9º, inciso b do seu Regimento Interno (BRASIL, 2013), de implementar ações educativas e preventivas voltadas para a promoção da igualdade de oportunidades e de combate à discriminação no mundo do trabalho.

As Comissões Regionais de São Paulo e do Rio de Janeiro desenvolvem essas ações educativas e preventivas por meio de distribuição de cartilhas (MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO, 2009) que definem o assédio moral, suas características, o perfil do agressor e das vítimas e como as mesmas devem agir para cessar a violência que estão sofrendo, além de indicar ações preventivas que devem ser tomadas pelas empresas.

O combate ao assédio moral também ocorre quando por meio de palestras as Comissões Regionais fomentam a discussão sobre esta violência, reunindo autoridades no assunto, levando as informações a trabalhadores, empregadores, sindicatos e a sociedade.

Em julho de 2013, a Comissão Regional de São Paulo deu início ao 1º ciclo de debates5 sobre o assédio moral e discriminação nas relações de trabalho, realizado no auditório do Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados e Tecnologia da Informação do Estado de São Paulo.

De acordo com dados divulgados no 1º Ciclo de Debates, do total de denúncias de discriminação que chegam à SRTE/SP, 87% dizem respeito ao assédio moral. Os recordistas de denúncias são os setores de telemarketing e serviços. Para Jaudenir da Silva Costa, coordenador da Comissão de Igualdades de Oportunidades de Gênero, de Raça e Etnia, Pessoas com Deficiência e Combate à Discriminação da SRTE/SP, “o assédio é um tema que envolve uma modificação profunda nas relações do trabalho e nas relações humanas6

Segundo o coordenador, do total de pessoas cujas denúncias chegam à Superintendência, 26% tem ensino superior, 43% possuem ensino médio e 18% o ensino fundamental, o que mostra que o assédio atinge indiscriminadamente todas as classes sociais e ramos de atividade. “Fazemos um trabalho de mediação para encontrar o caminho da dignidade da vítima, pois quem procura atendimento já chega desestabilizado, machucado e com a saúde degradada”, relatou Jaudenir7.

Para o superintendente, Luiz Antônio Medeiros, “o assédio moral não pode acontecer impunemente. O Ministério do Trabalho tem que ser o grande protagonista das relações de trabalho no país e essas palestras servirão de guia para nossas ações8.

Para corroborar com as ações desenvolvidas pela Comissão de Igualdade e combate à discriminação, em 2011, por meio do Decreto nº 7.602 (BRASIL, 2011), foi implementada a Política Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador tendo por objetivo a promoção da saúde e a melhoria da qualidade de vida do trabalhador e a prevenção de acidentes e de danos à saúde advindos, relacionados ao trabalho ou que ocorram no curso dele, por meio da eliminação ou redução dos riscos nos ambientes de trabalho.

Duas das responsabilidades assumidas pelo MTE foram desenvolver e executar ações educativas sobre temas relacionados com a melhoria das condições de trabalho nos aspectos de saúde, segurança e meio ambiente do trabalho e difundir informações que contribuam para a proteção e promoção da saúde do trabalhador.

3.5.2 Plantões de Atendimento

As unidades descentralizadas do MTE, as chamadas Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego, receberam a incumbência de executar ações de orientação e apoio ao cidadão, conforme se verifica no artigo 21, Decreto 5.023/2004, que traça a estrutura regimental do MTE.

O Decreto nº 4.552, de 27 de novembro de 2002 (BRASIL, 2002), que aprova o Regulamento da Inspeção do Trabalho (RIT) preceitua em seu artigo 18, inciso II, que compete aos Auditores-Fiscais do Trabalho (AFT’s), em todo território nacional, ministrar orientações e dar informações e conselhos técnicos aos trabalhadores e às pessoas sujeitas à inspeção do trabalho, atendidos os critérios administrativos de oportunidade e conveniência.

Este Decreto também prevê em seu capítulo 5, que dispõe sobre as atividades auxiliares à inspeção do trabalho, que os Agentes de Higiene e Segurança do Trabalho prestarão informações e orientações em plantões fiscais na área de sua competência. Entretanto, devido a carência de servidores neste cargo, as informações e orientações ao público na área de higiene e segurança do trabalho são prestadas pelos Auditores-Fiscais do Trabalho (AFT’s).

Em todos os locais de atendimento ao público do MTE (Superintendências, Gerências e Agências Regionais do Trabalho e Emprego), nos dias de plantão, com horários pré-fixados pela Administração, os Auditores-Fiscais estão à disposição para orientar os trabalhadores que os procuram para sanar dúvidas trabalhistas ou mesmo iniciarem uma reclamação trabalhista contra algum empregador por práticas ilícitas trabalhistas.

O plantão de atendimento aos trabalhadores no MTE é principal porta de entrada de denúncias de assédio moral no trabalho, realizadas pelos (as) empregados (as) vítimas desta violência, que, ao serem atendidos pelos Auditores-fiscais, após relatarem a situação vivida no ambiente de trabalho, recebem um formulário9 (em anexo) em que descrevem, de próprio punho, o que ocorre no trabalho.

As denúncias recebidas pelos AFT’s durante o plantão de atendimento tornam-se processos administrativos e, na maioria dos casos, são remetidos para o setor de fiscalização. Neste setor será gerado uma ordem de serviço e um outro AFT diligenciará na empresa para apurar a veracidade da denúncia.

No cumprimento do disposto do artigo 9º, 1ª parte do inciso "e", do Regimento Interno da Comissão de Oportunidades (BRASIL, 2013), que determina o acolhimento de denúncias de práticas discriminatórias no trabalho, a denúncia de assédio moral no trabalho, agora formalizada em um processo administrativo, segue para a Comissão Regional para análise dos dados consignados no formulário com vistas a identificar se a conduta praticada contra o empregado é assédio moral ou não. Na SRTE/RJ, quando da identificação pelo Auditor-Fiscal que o caso se trata de discriminação/assédio moral, o denunciante é encaminhado diretamente à Comissão, onde o formulário é preenchido. Cumpre salientar que as Comissões Regionais também recebem denúncias oriundas dos sindicatos, organizações não-governamentais, Delegacias de Polícia, Defensoria Pública, Poupa Tempo e indicação de terceiros.

Identificada a conduta do empregador como assédio moral, as partes do conflito, empregado e empregador, são chamados à Comissão para participarem de uma mesa de entendimento, ou mesa de mediação de conflitos, outro instrumento do MTE no combate ao assédio moral abordado no item a seguir.

Ressalta-se que nem todas as denúncias são resolvidas por meio de mesa de mediação de conflitos, por isso algumas denúncias são encaminhadas a Justiça do Trabalho com vistas a rescisão indireta do contrato de trabalho tendo por base o artigo 483, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Também há encaminhamento de denúncias para o Centro de Referência da Saúde do Trabalhador, para o acompanhamento médico da vítima do assédio moral no trabalho.

Importante frisar que se houver um grupo de empregados no polo passivo da denúncia de assédio moral e sendo identificada condutas que evidenciem a prática desta violência contra os obreiros-denunciantes, o processo administrativo é remetido ao Ministério Público do Trabalho (MPT), órgão incumbido constitucionalmente na defesa dos direitos difusos e coletivos dos trabalhadores.

3.5.3 Mediação de conflitos: em busca da harmonização

A atividade mediadora do Ministério do Trabalho e Emprego surgiu como um procedimento compulsório para os casos de recusa à negociação por quaisquer das partes, conforme previsto no Decreto-Lei n.º 229, de 28 de fevereiro de 1967, que alterou o art. 616 da Consolidação das Leis do Trabalho. Com o passar do tempo, o procedimento foi ganhando importância e reconhecimento social como instrumento eficaz para facilitar o entendimento entre as partes e auxiliá-las a produzir acordos, evitando, muitas vezes, o recurso ao Poder Judiciário. (MINISTÉRIO do TRABALHO E EMPREGO, 2013c).

A partir de 1995, por meio do Decreto n.º 1.572, de 28 de julho, superou-se a ordem interventora do Estado, atribuindo-se ao MTE a infraestrutura técnico-administrativa para o exercício da mediação. Por sua vez, as Convenções n.º 98 e 154 da Organização Internacional do Trabalho - OIT, ratificadas pelo governo brasileiro, recomendam a adoção de medidas apropriadas ao estímulo e à promoção do desenvolvimento e utilização de mecanismos de negociação voluntária entre empregadores ou organizações de empregadores e organizações de trabalhadores.

O Decreto 5.023/2004, que traça a estrutura regimental do MTE, em seu artigo 14, preceitua que a Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), órgão subordinado diretamente ao Ministro do Trabalho, compete supervisionar, orientar e apoiar, em conjunto com a Secretaria de Relações do Trabalho (SRT), órgão subordinado ao Ministro assim como a SIT, as atividades de mediação em conflitos coletivos de trabalho, quando exercidas por Auditores-Fiscais do Trabalho.

O artigo 1710, inciso III, do mesmo decreto enfatiza que compete a SRT planejar, coordenar, orientar e promover a prática da negociação coletiva, mediação e arbitragem.

A mediação é forma de composição voluntária entre entidades sindicais e entre estas e empresas e tem lugar quando as possibilidades de entendimento direto entre as partes se esgotaram, tornando necessária a intervenção de um terceiro imparcial e sem interesse direto na demanda, para auxiliá-las a encontrar a solução do conflito. (MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO, 2013c)

O mediador desempenha um papel ativo, com notável grau de iniciativa, não só porque a sua conduta tem o objetivo de aproximar as partes conflitantes, separadas pela distância dos pontos de vista de cada uma, mas também porque apresenta alternativas para estudo dos interessados. As tentativas de composição formuladas pelo mediador não têm efeito vinculativo para os sujeitos do conflito, que podem acatá-las ou não. (MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO, 2013c).

Cumprindo o que preceitua o artigo 9º, 2ª parte do inciso "e", do seu Regimento Interno, as Comissões Regionais recebem empregado e empregador na mesa de entendimento e ambos tem a oportunidade de expor os fatos relatados na denúncia.

Na Comissão Regional da Superintendência Regional de São Paulo a mesa de entendimento é formada pelo representante da Comissão, Jaudenir Costa, que é o mediador, pois na Superintendência paulista o mediador é um agente administrativo, ao contrário do que ocorre na Superintendência do Rio de Janeiro, onde participam da mesa um Auditor-Fiscal do Trabalho e um agente administrativo, Dr. Joaquim Travassos Leite e Heloísa Cruz, respectivamente. Os demais participantes da mesa são o denunciante, o sindicato profissional, este como assistente do empregado/denunciante e a empresa denunciada, normalmente representada pelo preposto e o advogado da empresa. Normalmente, o agressor não é convocado para comparecer à mesa de entendimento para não constranger a vítima.

Segundo o Coordenador da Comissão Regional de São Paulo, Jaudenir da Costa, "os denunciantes costumam trazer provas dos fatos ocorridos que sustentem a condição de discriminação/assédio, tais como e-mails, anotações, e às vezes trazem até gravações"11 (entrevista com o servidor Jaudenir Costa, 2013). Já Heloísa Cruz, Coordenadora da Comissão Regional carioca destacou as gravações em áudio como principal prova apresentada pelos denunciantes durante as mesas de entendimento12. (entrevista com a servidora Heloísa Cruz, 2013).

A atuação se dá com vistas a conciliação das partes e a manutenção do empregado em suas funções, objetivando a alteração no ambiente de trabalho, no modelo de gestão de pessoas, com ações educativas como palestras e publicações sobre o tema, implementação de canal de comunicação como ombudsman, caixa de sugestões e intranet. A implementação destas mudanças é verificada pelo sindicato, que informa à Comissão os resultados.

Em São Paulo, a conciliação é alcançada em torno de 50% das mesas de entendimento realizadas pela Comissão, o que chama de harmonização pura, com a continuidade da relação de trabalho. Existem outros encaminhamentos quando não ocorre o entendimento das partes, mas a aceitação dos termos que preveem ações preventivas e educativas para serem implementadas pela empresa não estão sujeitas à conciliação, e desta maneira pode-se atingir e beneficiar todos os empregados da empresa que assumiu o compromisso perante à Comissão13. (entrevista com o servidor Jaudenir Costa, 2013)

No Rio de Janeiro, o comportamento dos representantes das empresas vem chamando a atenção dos integrantes da Comissão, pois a maioria dos prepostos tentam descaracterizar o assédio moral ou alegam desconhecimento dos fatos narrados pelo empregado-denunciante14. (entrevista com a servidora Heloísa Cruz, 2013)

O não cumprimento por parte da empresa do que foi acordado na mesa de entendimento, perante a Comissão Regional poderá ser comunicado ao setor de Fiscalização do MTE, ao Ministério Público do Trabalho e a Justiça do Trabalho.

3.5.4 Fiscalização, autuação e aplicação das Normas Regulamentadoras

A Carta Magna de 1988 é explícita em seu artigo 21, inciso XXIV quando preceitua que a União é competente para organizar, manter e executar a inspeção do trabalho.

Mediante isto, reza o art. 626, da CLT que incumbe às autoridades competentes do Ministério do Trabalho e Emprego, a fiscalização do fiel comprimento das normas de proteção ao trabalho. Corroborando com esta afirmação, o Decreto 5.063/2004, que define a estrutura regimental do MTE, em seu artigo 1º, III, preceitua que o Ministério do Trabalho e Emprego, órgão da administração federal direta, tem como competência a fiscalização do trabalho, bem como a aplicação das sanções previstas em normas legais ou coletivas. As Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego (SRTE’s) são os órgãos descentralizados de execução do MTE responsáveis por realizar as fiscalizações do Trabalho.

O Regulamento da Inspeção do Trabalho (RIT) é hoje o Decreto 4.552/2002 (BRASIL, 2002), regulamentado pela Lei 10.593, do ano. São normas recentes que reiteram o compromisso formal do país com a fiscalização do trabalho, em conformidade à Convenção 81 da OIT. O novo RIT firmou a terminologia “auditor fiscal do trabalho”, em substituição a “inspetor do trabalho”, para indicar o agente da inspeção do trabalho. (CARDOSO; LAGE, 2013).

Portanto, cabe ao MTE, por intermédio dos Auditores-Fiscais do Trabalho, realizar a fiscalização do cumprimento das normas trabalhistas em todo o território nacional.

Tendo em vista o assédio moral tratar-se de um fenômeno social complexo, estudado e analisado de maneira multidisciplinar, de difícil diagnóstico durante uma diligência investigatória, por tratar-se de uma violência sutil e velada, o MTE tem concentrado esforços na divulgação sobre o tema, no fomento das ações preventivas e na harmonização entre empregado e empregador, por meio da mediação dos conflitos.

Entretanto, mesmo diante da lacuna legislativa acerca do assédio moral e a aplicação das respectivas sanções às empresas que o praticam contra seus empregados, o MTE vem buscando modos de combater esta violência no ambiente de trabalho através de ações fiscalizatórias, mesmo diante das dificuldades na sua identificação imediata.

Em 2010, por meio Portaria Ministerial nº 546 (MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO, 2010), o MTE disciplinou uma nova forma de atuação da inspeção do trabalho com base no planejamento e na execução de projetos concebidos com foco em atividades econômicas ou temas, selecionados com base em diagnóstico fundamentado na análise de pesquisas sobre o mercado de trabalho, prioritariamente, em fontes de dados oficiais.

Um dos projetos de fiscalização elaborado pela Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) foi denominado ergonomia, que visa verificar o cumprimento da norma regulamentadora (NR) 17, publicada através da Portaria GM n.º 3.214, de 08 de junho de 1978 (MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO, 1978), que preceitua em seu item 17.1 que tal NR visa estabelecer parâmetros que permitam a adaptação das condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores, de modo a proporcionar um máximo de conforto, segurança e desempenho eficiente. Acrescenta ainda no item 17.1.1 que as condições de trabalho incluem aspectos relacionados ao levantamento, transporte e descarga de materiais, ao mobiliário, aos equipamentos e às condições ambientais do posto de trabalho e à própria organização do trabalho.

Ressalta-se o determina o item 17.6.1 na supracitada NR, que a organização do trabalho deve ser adequada às características psicofisiológicas dos trabalhadores e à natureza do trabalho a ser executado.

E é com base nesta ementa que os Auditores Fiscais do MTE estão autuando as empresas que não propiciam condições adequadas de trabalho, comprometendo o ambiente laboral, atingindo diretamente os obreiros, que comumente passam a apresentar problemas de saúde.

As mudanças significativas que ocorreram no mundo laboral nas últimas décadas resultaram em riscos emergentes no campo da segurança e saúde no trabalho e levaram - além de riscos físicos, químicos e biológicos - ao surgimento de riscos psicossociais. De fato, a insegurança no emprego, a necessidade de ter vários empregos e a intensificação do trabalho podem gerar stresse profissional e colocar em risco a saúde dos trabalhadores. (AFONSO, 2013).

Para OIT, os riscos psicossociais do trabalho

consistem em alterações no ambiente de trabalho, do conteúdo, da natureza, e das condições de trabalho, por um lado, e as capacidades, as necessidades, os costumes, a cultura, as condições de vida dos trabalhadores fora do trabalho, por outro lado; esses fatores são susceptíveis de influenciar a saúde, o rendimento a satisfação no trabalho. (OIT, 1986, p. 3, nossa tradução).

Os riscos psicossociais englobam as características das condições de trabalho e, sobretudo da sua organização, que afetam a saúde das pessoas através de mecanismos psicológicos e fisiológicos. Manifestam-se através de problemas como o assédio moral, o absentismo, a rotação de pessoal, o stresse ou os defeitos de qualidade que, em conjunto, representam importantes custos tanto em termos de saúde para as pessoas como económicos para a empresa. (OIT, 1986, p.3)

Com o objetivo de abordar o impacto dos riscos psicossociais que a organização do trabalho pode causar à saúde do trabalhador, as Auditoras-Fiscais do Trabalho, lotadas na SRTE/SP, Beatriz Cardoso Montanhana e Luciana Veloso Rocha Portolese Baruki elaboraram um relatório interno15 (2012, p. 5) direcionado à Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) apresentando as justificativas e os objetivos relevantes que fundamentassem a centralização dos esforços no desenvolvimento de mecanismos de ação fiscal no âmbito da organização do trabalho e dos riscos psicossociais, e para isso descreveram a experiência e os resultados de um projeto piloto de fiscalização de risco psicossociais em duas grandes empresas, um do ramo do varejo e outra do ramo de teleatendimento/telemarketing, tendo em vista a organização do trabalho estabelecida por estes dois ramos da atividade econômica representarem a maioria das denúncias (irregularidades) sobre assédio moral no trabalho, fenômeno gerador de problemas físicos e psicológicos, considerado fator de risco psicossocial a que estão submetidos os trabalhadores no ambiente de trabalho.

Por tratar-se um relatório interno, durante o relato sobre as ações fiscalizatórias experimentais para apurar os riscos psicossociais, não serão informados os nomes das supracitadas empresas, apenas o ramo da atividade econômica a que pertencem.

A ação fiscalizatória na empresa de varejos, conhecida por possuir lojas espalhadas em todo o Brasil, devido ao número de irregularidades encontradas, durou aproximadamente seis meses para ser concluída. Uma das lojas localizadas na capital paulista foi o alvo da diligência, e foi utilizada de paradigma pela AFT Luciana em relação as demais lojas da rede. (MONTANHANA; BARUKI, 2012, p. 14).

Durante a fiscalização, a AFT observou algumas situações geradoras de riscos psicossociais, dentre elas a existência de um setor responsável pela assistência técnica de produtos de informática (computadores e assessórios diretamente relacionados), cujos funcionários, qualificados exclusivamente para atender a demandas deste setor em específico, passaram a receber a incumbência de emitirem laudos de produtos de eletrodomésticos e eletroeletrônicos dos mais diversos tipos, tendo em vista a garantia estendida vendida pela empresa para quase todos os produtos expostos à venda. Ressalta-se que os técnicos de informática não possuíam habilitação para emitirem os laudos. Se, por acaso, autorizassem o reparo ou a troca do produto poderiam ser penalizados. Além de estarem realizando um trabalho para o qual não foram contratados, sem a qualificação e habilitação necessárias, os empregados desta setor da empresa de varejos ainda passavam por situações de pressão e constrangimentos por partes dos clientes que chegavam ao setor fazendo verdadeiros escândalos por não terem suas solicitações atendidas. A AFT Luciana Veloso, responsável pela diligência, foi enfática ao afirmar que “é sobremaneira pesado o clima neste departamento que expõe os trabalhadores a riscos psicossociais intensos e diuturnos.” (MONTANHANA; BARUKI, 2012, p. 16).

Também nesta empresa de varejos, foi observado a atitude grosseira dos gerentes para com os vendedores da loja, pois, por sofrerem pressões da matriz, as repassam aos seus subordinados de forma rude e violenta, cujo objetivo é forçá-los a se superarem em suas funções. Acrescenta a Auditora Luciana, “nesse contexto, surgem casos flagrantes de assédio moral em face dos vendedores, tendo em vista a hierarquia existente entre estes e os Gerentes os quais possuem superpoderes, pois fazem (ou pelo menos faziam) o que querem sem que a matriz tome (tomasse) conhecimento.” (MONTANHANA; BARUKI, 2012, p. 16).

Foi constatado também que estes mesmos gerentes avisavam aos empregados via e-mail da possibilidade de cliente oculto, ou seja, uma pessoas contratadas pela empresa se passariam por clientes para verificar como seria o comportamento dos vendedores na abordagem aos clientes, isso instaurava um pânico entre os vendedores, que sempre permaneciam em estado de tensão pelo fato de poderem estar sendo permanentemente avaliados. (MONTANHANA; BARUKI, 2012, p. 17).

Por fim, a AFT constatou que nesta empresa de varejos, um gerente enviava por e-mail a todos os empregados do sexo masculino uma escala de revezamento na qual dois empregados deveriam obrigatoriamente servir como segurança da loja, permanecendo na porta do comércio até o encerramento das atividades. A escala ainda continha uma mensagem intimidadora, na qual dizia aos empregados para “se virarem” caso o dia que estivessem na escala coincidisse com a folga. Tal atitude por parte da empresa foi considerada pela AFT Luciana um caso típico de assédio moral coletivo, o que a fez convocar os representantes da citada empresa a sede da SRTE/SP para uma reunião. Posteriormente, a AFT constatou que este fato não acontecia mais na loja em que fiscalizou. (MONTANHANA; BARUKI, 2012, p. 18).

Outras situações geradoras de riscos psicossociais foram identificadas durante a diligência fiscalizatória a esta loja pertencente a uma grande rede de varejos, gerando quatro autos de infração e um deles foi lavrado por desrespeito ao item 17.6.1, da NR 17/MTE, tendo em vista a não adequação da organização do trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores e à natureza do trabalho. (MONTANHANA; BARUKI, 2012, p. 20).

A segunda empresa fiscalizada para a verificação dos riscos psicossociais causados pela organização do trabalho é uma empresa multinacional de telemarketing, cuja filial no Brasil se identifica como uma das maiores empresas prestadoras de serviços de telemarketing do país. A ação fiscal durou três meses e teve origem a partir de um denúncia formulada na sede da SRTE/SP. Trata-se de atividade econômica cuja natureza é conhecida por gerar inúmeros riscos psicossociais aos empregados. (MONTANHANA; BARUKI, 2012, p. 20).

A diligência fiscalizatória na empresa de telemarketing foi balizada por estudos nas áreas de medicina preventiva, psicologia e educação. Estas pesquisas (PENA et alli, 2011 apud MONTANHANA; BARUKI, 2012, p. 21) relatam que o crescimento das atividades denominadas de telemarketing tem se destacado no Brasil e no mundo pela rapidez da sua expansão nos últimos anos.

Trata-se do setor que mais emprega na área de serviços, responsável pela centralização de novas técnicas de gestão nas áreas da informática, comunicação, de informação e mecânico-sensorial, o que vem causando sérios problemas de saúdes em seus obreiros. (PENA et alli, 2011 apud MONTANHANA; BARUKI, 2012, p. 21).

Durante a ação fiscal na empresa de telemarketing foi constatado o seguinte processo de trabalho: o serviço é realizado em “ilhas” ou “células” divididas em postos de atendimento e cada um destes poste contém um computador, uma cadeira, um telefone e um aparelho denominado “head set”, que consiste em um fone de ouvido único e a ele liga-se um microfone. Os teleatendentes ou operadores de telemarketing, como são chamados os empregados deste ramo de atividade, ficam ali por seis horas seguidas, com um único intervalo de vinte minutos e saídas controladas para irem ao banheiro. A divisória destes postos de atendimento dificultam a comunicação entre os atendentes, porém permite uma visão ampla de toda a ilha pelos supervisores. (MONTANHANA; BARUKI, 2012, p. 22).

Constatou-se também como método de organização do trabalho da referida empresa o excesso de estímulos à produtividade. A AFT Luciana relata que “durante a ação fiscal foram dispostos monitores no espaço do centro de operações em que são exibidas continuamente determinações e informações sobre procedimentos. O estímulo visual, portanto, é ininterrupto.” (MONTANHANA; BARUKI, 2012, p. 25).

A empresa também costuma adotar fraseologias, um modo de comunicação que os teleatendentes usam com os clientes e tal método é avaliado constantemente pelos supervisores ou por clientes-espiões. Este procedimento estabelecido pela empresa não pode ser alterado pelos teleatendentes, o que gera sofrimento aos mesmos, que se sentem atendendo mais aos interesses da empresa do que dos próprios clientes que estão recorrendo por ajuda. (MONTANHANA; BARUKI, 2012, p. 25).

Chamou a atenção da AFT Luciana a forma como os teleatendentes são pressionados com relação ao tempo e trabalho realizado. Neste diligência verificou-se que “o teleatendente, ao sair para ir ao banheiro ou repousar, sai da frente da tela do computador e aciona o cronômetro de tempo fora do trabalho. A contagem fica à disposição de todos, exibida na tela.” (MONTANHANA; BARUKI, 2012, p. 29).

Por fim, foram encontrados apregoados nos murais da empresas cartazes estimulando os trabalhadores a venderem suas folgas, ou seja, desrespeitando o direito ao descanso semanal remunerado. (MONTANHANA; BARUKI, 2012, p. 30).

Como bem explicitam as Auditoras Fiscais,

Trata-se de uma agressão ao trabalhador que, embora não seja mensurável do ponto de vista físico, químico ou biológico, se consubstancia em uma pressão constante, a exemplo também dos vários monitores instalados no centro de operações, cada qual exibindo mensagens diferentes, sucessivamente, sobre métodos, determinações e alterações de procedimentos de trabalho. (MONTANHANA; BARUKI, 2012, p. 32)

Foram lavrados seis autos de infração contra a empresa supracitada, um deles por desrespeito ao item 17.6.1, da NR 17. (MONTANHANA; BARUKI, 2012, p. 38)

Extrai-se deste relatório interno sobre o projeto piloto de fiscalização nestas duas empresas a importância do estudo interdisciplinar dos riscos psicossociais, propiciando que o tema seja abordado por diversas maneiras e que a organização do trabalho implementada nestas duas empresas se preocupam mais com o geração de lucro do que com o bem-estar (físico e psicológico) dos trabalhadores que ali laboram, pois exigem mais dedicação ao trabalho, mais resultados e menos benefícios.

Necessário se faz congregar esforços com os mais diversos atores sociais, como Auditores Fiscais do Trabalho, Procuradores do Trabalho, Juízes do Trabalho, médicos, psicólogos, psiquiatras, acadêmicos, trabalhadores de empresas cujas atividades econômicas sejam geradoras de riscos psicossociais, empresários, etc., a fim de que o fenômeno seja amplamente discutido e a partir de discussões surjam métodos de combater seus males.

Cumpre salientar que o assédio moral no trabalho é apenas umas das consequências que os riscos psicossociais podem causar. Existem muitas outras. É de suma relevância que haja um suporte legal acerca da matéria a fim de direcionar ações combativas a estas práticas violentas contra os trabalhadores, principalmente contra sua dignidade, duramente afrontada e desrespeitada. Todos os esforços no sentido de extirpar condutas que causem danos físicos e psicológicos ao trabalhador serão em vão se não houver um amparo legal estatal apontando os caminhos a serem seguidos, de maneira que o princípio da dignidade da pessoa humana, um dos pilares do Estado Democrático de Direito Brasileiro, não seja negligenciado, como o foi durante boa parte da história do trabalho humano na sociedade.

Sobre a autora
Priscilla Pintor Ribeiro Pinto Deziderio

Servidora pública federal; Especialista em direito material e processual do trabalho pela pontifícia universidade católica de minas gerais - mg; Especialista em direito constitucional, direito civil e direito processual civil pela unesa - rj; Advogada;

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Monografia apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho.

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