4. A PROVA EMPRESTADA
Após ter sido dissecado sobre a origem do instituto probatório, bem como ter sido exposto um panorama geral sobre a prova, este último capítulo abrigará o instituto que deu ensejo ao presente estudo: a prova emprestada.
4.1. Conceito de prova emprestada
Sobre prova emprestada, conceitua Moacyr Amaral Santos (2017, p. 82) que é “prova de um fato, produzida num processo, seja por documentos, testemunhas, confissão, depoimento pessoal ou exame pericial, que pode ser trasladada para outro, por meio de certidão extraída daquele”. 282
Para Schiavi,283
a prova emprestada consiste no aproveitamento do material probatório produzido em outro processo, para o processo em questão (atual), desde que presentes determinados requisitos, especialmente a identidade fática e o contraditório na colheita da prova.
Colabora com o tema Sergio Pinto Martins, ao colocar que “a prova emprestada é a que já foi feita em outro processo e a parte pretende apresentá-la no processo que está em curso”.284
Pensa Talamini (2017, p. 147) que “a prova emprestada consiste no transporte de produção probatória de um processo para outro. É o aproveitamento da atividade probatória anteriormente desenvolvida, através do traslado dos elementos que a documentaram”.285
Aury Lopes Jr. (2012, p. 583) aduz que “por prova emprestada entende-se aquela obtida a partir de outra, originariamente produzida em processo diverso”.286
Nos dizeres de Bentham (2017, p. 82), a prova emprestada consiste na que “já foi feita juridicamente, mas em outra causa, da qual se extrai para aplicá-la à causa em questão”.287
4.2. Previsão legal
Historicamente, o instituto da prova emprestada já havia tipificação expressa na legislação material. O Código Civil de 1916 trazia a previsão deste mecanismo no que tange aos documentos, fossem eles públicos ou privados, conforme o art. 136, incisos II e III.288 289 Da mesma forma, a atual legislação material civil traz este embasamento no art. 212, inciso II, da seguinte forma:290
Art. 212. Salvo o negócio a que se impõe forma especial, o fato jurídico pode ser provado mediante:
II – documento.
O Código de Processo Civil de 1973 não trouxe, de forma expressa, a prova emprestada. Tem-se que, tal meio probatório, ganhou força no âmbito processual através da analogia feita, tanto pela jurisprudência pátria, como por construção doutrinária, do art. 369, do CPC/73, sendo considerada um meio permitido de prova e, também, legitimada.291 Hoje, encontra-se consagrada e estampada na Lei n. 13.105/15, em seu art. 372, que assim proclama:292
Art. 372. O juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório.
Desta forma, o legislador abriu as portas da legalidade do instituto da prova emprestada no âmbito processual, tornando-a uma prova típica. Sua aplicação, porém, não se restringe apenas ao âmbito processual civil, podendo este meio probatório ser utilizado nas demais áreas processuais.293
Mesmo com a presente garantia legal, houve argumentos iniciais sob o prisma da não aceitação deste instituto. Affonso Fraga (2017, p. 83) citava o fato de que “a verdade resultante da prova é uma só”.294 Este viés doutrinário era fundado na ofensa ao princípio da identidade do juiz.295
Tal defesa restou ultrapassada, tendo em vista que este princípio mencionado possui um abrandamento, que é a produção probatória pelo caminho da precatória.,296 além de contribuírem para a sua aceitação os princípios da economia processual e da celeridade processual, evitando, segundo Teixeira Filho (2017, p. 83), “um dispêndio de atividade probatória das partes”.297
4.3. Aplicação e seus critérios de uso
O legislador, como dito, abriu a possibilidade legal de aplicação da prova emprestada. Porém, cada área processual possui suas peculiaridades.
4.3.1. Litigantes
Há, na doutrina e na jurisprudência, discussão que envolve o princípio do contraditório, cobrado pelo texto legal do CPC.298
Uma vertente defende que a prova emprestada só pode alcançar ao processo em que figurem os mesmos litigantes da lide em que foi instruída pela primeira vez.299 Nesta linha, fala Nelson Nery Junior que300
sendo as partes, no processo destinatário, as mesmas do processo originário onde foi realizada a prova que se pretende emprestar, estará preenchido o requisito de que estamos tratando, obedecido que foi o princípio do contraditório.
José Miguel Garcia Medina (2017, p. 669), na mesma forma, alega que “para ser empregada a prova emprestada, é necessário haver coincidência das partes em ambos os processos”.301 Esta questão é exemplificada por Bonizzi:302
De fato, se determinada testemunha foi ouvida no processo “a” e cópia de seu depoimento é juntada no processo “b”, a força probante de um legítimo depoimento testemunhal só pode ser aceita se a pessoa contra quem foi produzida essa prova no processo “b” participou do processo “a” e teve oportunidade de presenciar o depoimento, em condição, ao menos potencialmente, de formular perguntas à testemunha ou, até mesmo, de impugnar o depoimento.
Em outro viés, é a opinião de Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira,303 que explanam assim:
Essa importação não precisa ser requerida necessariamente por quem tenha sido parte – um terceiro pode pedir o empréstimo da prova; o que é preciso é que aquele contra quem se pretende utilizar a prova tenha participado da sua produção. Se aquele que requer a importação da prova e aquele contra quem se pretende seja a prova produzida forem terceiros em relação ao processo onde a prova se produziu, não há problema na sua importação: como nenhuma das partes participou da formação da prova, qualquer delas pode pedir a importação; o contraditório será garantido no processo para onde a prova foi trasladada.
Assim, também giza Moacyr Amaral Santos,304 quando fala que
consideradas as pessoas dos litigantes no processo para o qual é transportada, será de se distinguir a prova conforme tenha, no processo anterior, sido produzida: a) entre as mesmas partes; b) entre uma das partes daquele e terceiros; c) entre terceiros.
Deste raciocínio, Manoel Antonio Teixeira Filho (2017, p. 84) soma outra situação: “d) a prova que, tendo sido produzida no juízo criminal, seja trasladada para o juízo do trabalho.”305 Este raciocínio ganha adendo de Mauro Schiavi, (2017, p. 85) ao colocar que “em razão do princípio da unidade da jurisdição, a prova emprestada pode ser produzida no processo do trabalho, mesmo que tenha sido colhida nas esferas criminais ou cível e mesmo na Justiça Federal”.306
Avalia Cândido Rangel Dinamarco que não interessa o fato de a prova objeto do empréstimo ter tido eficácia ou não na lide original, bem como não interessa se já houve decisão e muito menos se esta já resta no estágio de irrecorrível.307
A jurisprudência, em consonância com esta última linha de pensamento, tem decidido pela aplicação da prova emprestada, ainda que as partes no processo sejam diferentes em relação aos litigantes que verdadeiramente tenham participado da primeira produção probatória.308
Corroborando, cabe destaque a seguinte decisão:309
CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DISCRIMINATÓRIA. TERRAS DEVOLUTAS. COMPETÊNCIA INTERNA. 1ª SEÇÃO. NATUREZA DEVOLUTA DAS TERRAS. CRITÉRIO DE EXCLUSÃO. ÔNUS DA PROVA. PROVA EMPRESTADA. IDENTIDADE DE PARTES. AUSÊNCIA. CONTRADITÓRIO. REQUISITO ESSENCIAL. ADMISSIBILIDADE DA PROVA. (...) 9. Em vista das reconhecidas vantagens da prova emprestada no processo civil, é recomendável que essa seja utilizada sempre que possível, desde que se mantenha hígida a garantia do contraditório. No entanto, a prova emprestada não pode se restringir a processos em que figurem partes idênticas, sob pena de se reduzir excessivamente sua aplicabilidade, sem justificativa razoável para tanto. 10. Independentemente de haver identidade de partes, o contraditório é o requisito primordial para o aproveitamento da prova emprestada, de maneira que, assegurado às partes o contraditório sobre a prova, isto é, o direito de se insurgircontra a prova e de refutá-la adequadamente, afigura-se válido o empréstimo. (...) (STJ, 2014)
Na lição de Schiavi310
para que a prova emprestada possa ser admitida no processo, há a necessidade apenas de que no processo anterior a prova tenha sido colhida com as formalidades legais, observado o contraditório, e que o fato probando seja idêntico, ou se relacione, diretamente, com os fatos discutidos no processo em questão (atual). Não há necessidade de que no processo anterior figurem as mesmas partes ou uma parte e terceiro. O fato de a prova anterior ter sido colhida entre as mesmas partes ou entre uma parte e terceiro é um elemento de valoração da prova (art. 371. do CPC) e não de admissibilidade da prova emprestada.
Com isso, a doutrina trabalhista, pelo mesmo autor (2017, p. 87) assevera que “a prova emprestada passa por três fases no processo do trabalho: a) admissão; b) possibilidade de impugnação pelas partes; c) valoração pelo juiz, segundo o princípio do livre convencimento motivado”.311 Outro que acompanha esta conjetura é Sergio Pinto Martins (2013, p. 368), ao reproduzir que “caberá ao juiz verificar em cada caso a validade da prova emprestada no processo, de acordo com o princípio do livre convicção motivada do magistrado”.312
No âmbito do processo penal, a sistemática de provas traz a classificação de nominadas e inominadas. As nominadas dizem respeito às provas que são consagradas expressamente na legislação da área, enquanto as inominadas tratam-se das provas que não possuem previsão legal na jurisdição penal. Neste sentido, compreende Aury Lopes Jr. (2012, p. 581) “que, excepcionalmente e com determinados cuidados, podem ser admitidos outros meios de prova não previstos no CPP”.313
Estes devidos cuidados ao qual remete o autor dizem respeito ao fato de que, no processo penal, tanto a doutrina, como a jurisprudência, são maciços em afirmar que o instituto da prova emprestada só poderá ser permitido mediante aval judicial e quando cumprido e garantido o contraditório.314
Verbera Mirabete que315
Deve-se também mencionar a denominada prova emprestada, aquela produzida num processo para nele gerar efeitos, sendo depois transportada documentalmente para outro, com o fim de gerar efeitos neste. Para sua admissibilidade no processo é necessário que tenha sido produzida em processo formado entre as mesmas partes e, portanto, submetida ao contraditório.
Neste sentido, é destaque a recente decisão:316
RESTITUIÇÃO DE RECURSO ESPECIAL PELO STF PARA FINS DO ARTIGO 1.030, II, CPC PARA ADEQUAÇÃO AO RE 601.314/SP JULGADO EM REPERCUSSÃO GERAL. AUSÊNCIA DE DIVERGÊNCIA. MATÉRIA DISTINTA. DIREITO PROCESSUAL PENAL. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA COM BASE EM PROVA EMPRESTADA SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. PROVA ILÍCITA.
1. O Pretório Excelso, apreciando matéria de direito financeiro e tributário, no RE nº 601.314/SP, afirmou a constitucionalidade do artigo 6º da LC 105/01 que autoriza a requisição direta de informação pela Administração Tributária às instituições financeiras dentro do processo administrativo fiscal, para fins de apuração de créditos tributários. E tal compreensão não discrepa do entendimento também consolidado nesta Corte de Justiça no Recurso Especial Representativo de Controvérsia nº 1.134.665/SP.
2. No âmbito da matéria criminal, por outro lado, resulta incontroverso do constructo normativo, doutrinário e jurisprudencial pátrio que é peremptoriamente vedada a utilização no processo penal de prova emprestada - do procedimento fiscal - sem autorização judicial.
3. Tratando-se de questões jurídicas distintas, não há divergência que requisite o juízo de retratação.
4. Acórdão mantido com fulcro no artigo 1.041 do CPC. (STJ, 2017)
4.3.2. De ofício
A doutrina se divide em duas correntes quanto ao tema. A primeira corrente, e também a mais fraca, aduz que pode o juiz decretar a produção da prova emprestada de ofício, em virtude da sua garantia legal e soberana do cargo de diretor da lide.317 A segunda corrente, e que predomina, é a de que pode o juiz decretar a produção da prova emprestada de ofício quando sobrevier finalidade pública, já que o direito legítimo à produção probatória é do litigante, e não do magistrado, não podendo ser esta legitimidade interligada ao caráter de diretor do magistrado. Por ter essa imponência, em casos excepcionais – como em casos de incertezas sobre o conteúdo apresentado, ou quando houver um claro desequilíbrio processual – pode o magistrado ser investido desta legitimidade probatória em caráter subsidiário, e nunca ao mesmo nível das partes.318 Caso fosse garantido ao magistrado essa legitimidade de instrução probatória como regra, haveria um prejuízo ao instituto do ônus da prova.319
A jurisprudência, do mesmo modo, diverge quanto assunto:320 321
PROVA EMPRESTADA - UTILIZAÇÃO DE OFÍCIO - POSSIBILIDADE - PODER DE DIREÇÃO DO PROCESSO CONFERIDO AO JUIZ. Consoante disposição contida no art. 130. do CPC, caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo. Não se trata de recomendação nem autorização, mas verdadeira norma impositiva, que transfere ao Juiz a obrigação de perseguir a verdade real, a agilização dos feitos e a igualdade das partes através de medidas úteis que dão ao processo a efetividade. O juiz deve estar convencido de que não pode, na nossa sociedade atual, cujos litígios crescentes atravancam o Judiciário, tratar todos os assuntos através da via puramente formal estabelecida para o processo, muitas vezes estreita e insuficiente. Utilizando os meios que o próprio Código lhe coloca à disposição, pode, com a inteligência e o bom senso, procurar e encontrar soluções mais adequadas ao processo moderno, que é avesso a mecanismos e formalidades inúteis e abençoa as medidas inteligentes e eficazes. A prova emprestada é meio hábil reconhecido nos meios forenses e é considerada válida se obedece aos princípios do contraditório e do devido processo legal, sem cercear de qualquer jeito a defesa no processo em que é utilizada, facultado à parte impugná-la se ocorrente algum vício na sua formação. (TJ, 2005)
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. VIOLAÇAO DO ART. 535. DO CPC. NAO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE PRODUÇAO DE PROVA TESTEMUNHAL EM PRIMEIRA INSTÂNCIA .DETERMINAÇAO DE OFÍCIO PELO TRIBUNAL. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇAO DO ART. 125, I, DO CPC.EQUILÍBRIO PROCESSUAL DESRESPEITADO. RECURSO PROVIDO. 1- A alegada violação do art. 535, II, do CPC não merece acolhida, uma vez que o acórdão recorrido utilizou fundamentação suficiente para solucionar a controvérsia, sem incorrer em omissão, obscuridade ou contradição. Assim, não há confundir decisão contrária ao interesse da parte com a falta de pronunciamento do julgador. 2- Não merece prosperar, por ausência de prequestionamento, a sustentada ofensa aos artigos 2º, 128 e 515 do Código de Processo Civil, pois, embora a recorrente tenha oposto embargos declaratórios na origem, não apontou qualquer violação dos referidos dispositivos legais, limitando-se apenas a alegar que a reabertura da instrução, para que a autora produzisse prova oral, violaria o princípio da igualdades entre as partes. Incidência da Súmula nº 282/STF. 3- O processo civil moderno tende a investir o juiz do poder-dever de tomar iniciativa probatória, consubstanciando-se, pois, em um equilíbrio entre o modelo dispositivo e o inquisitivo. Contudo, a atividade probatória exercida pelo magistrado deve se opera em conjunto com os litigantes e não em substituição a eles. 4- No caso concreto, o Tribunal a quo , embora ausente pedido específico das partes, de ofício, anulou a sentença e determinou o retorno dos autos ao juízo singular para que este reabrisse a fase instrutória e oportunizasse, a ambas as partes, a inquirição de testemunhas, para fins de comprovação da atividade rural. 5- In casu , não tendo a parte autora, tanto na fase instrutória, quanto nas razões de apelação, postulado pela produção de prova testemunhal, caso restasse prevalente o entendimento do tribunal a quo, o equilíbrio na relação processual estaria prejudicado e, consequentemente, desrespeitado o princípio isonômico, face a violação ao art. 125, I, do CPC. 6- Recurso especial provido. Retorno dos autos ao Tribunal de origem, para que esse prossiga no julgamento do recurso de apelação.
4.3.3. Nulidade de incompetência
No que tange à nulidade de competência, é cediço de que é válida a prova emprestada ali produzida, cabendo ao magistrado ponderar sobre o valor que deseja dar a ela.322
4.3.4. Segredo de justiça
Outra incidência importante que merece ser falada é da prova emprestada realizada em caso de segredo judicial.
A este respeito, Talamini323 trata da questão desta maneira:
a) o terceiro não pode pedir o empréstimo da prova produzida em processo em que houve segredo de justiça;
b) “as partes do processo que tramita sob segredo de Justiça não poderão pretender o empréstimo da prova nele produzida para outro em que qualquer delas litigue – quando menos, porque isso afrontaria a garantia do contraditório.
É permitido que a prova seja importada nas situações acima mencionadas, contando que, nestas hipóteses, sejam as partes litigantes idênticas.324
4.3.5. Pericial
Um dos pontos que mais causa divergência e debate é quanto à prova pericial e suas vertentes.
4.3.5.1. Insalubridade e Periculosidade
No tocante aos adicionais de insalubridade e periculosidade, giza o art. 195, caput e parágrafo segundo da CLT:
Art. 195. A caracterização e a classificação da insalubridade e da periculosidade, segundo as normas do Ministério do Trabalho, far-se-ão através de perícia a cargo de Médico do Trabalho ou Engenheiro do Trabalho, registrados no Ministério do Trabalho.
§ 2º - Argüida em juízo insalubridade ou periculosidade, seja por empregado, seja por Sindicato em favor de grupo de associado, o juiz designará perito habilitado na forma deste artigo, e, onde não houver, requisitará perícia ao órgão competente do Ministério do Trabalho.
Este preceito traz a obrigação da realização de perícias quanto aos casos insalubres ou periculosos. No caso de ser impossível a realização de tal procedimento, poderá ser observada a possibilidade de produção de prova emprestada.325
Porém, como bem Sergio Pinto Martins326 pontua:
Na hipótese de que a empresa fechou ou transfere o estabelecimento onde trabalhava o empregado, é possível que as partes consigam um laudo em outro processo mostrando como era o ambiente de trabalho. Entretanto, para que este laudo seja aceito mister se faz que a empresa seja a mesma, o local de trabalho seja o mesmo, os empregados envolvidos trabalhem no mesmo setor ou seção, exerçam a mesma função, trabalhem na mesma máquina, as condições de trabalho sejam as mesmas e o período trabalhando seja o mesmo.
Completa o renomado autor (2013, p. 367) dizendo que “exceção também poderá ser se ambas as partes concordarem com a prova emprestada”.327
Indica, no mesmo caminho, a Orientação Jurisprudencial n. 278, da SDI-1 do TST:328
OJ 278, SDI-1 TST. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. PERÍCIA. LOCAL DE TRABALHO DESATIVADO. DJ 11.08.03
A realização de perícia é obrigatória para a verificação de insalubridade. Quando não for possível sua realização, como em caso de fechamento da empresa, poderá o julgador utilizar-se de outros meios de prova.
Logo, pela interpretação da presente OJ, cabe dizer que será possível o magistrado utilizar a prova emprestada como outro meio de prova possível para sanar a falta da perícia.329
Neste sentido, cabe destacar as seguintes decisões:330 331
Entendimento do TRT da 18ª Região
A adoção da chamada prova pericial emprestada, para aferição de insalubridade, é admitida no processo do trabalho, não implicando violação ao art. 195. da CLT, nem cerceamento ao direito de defesa, pois inexiste óbice legal à sua utilização, desde que sejam mantidas a identidade das circunstâncias fáticas. Além disso, o aproveitamento da respectiva prova emprestada esta em plena consonância com os princípios da economia processual, celeridade e razoabilidade.(TRT, 2013)
ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. PROVA EMPRESTADA. NULIDADE. A caracterização e a classificação da insalubridade dependem, necessariamente, de perícia técnica cuja análise deve recair sobre a real condição de trabalho do empregado. Essa é a leitura que se faz do artigo 195 da CLT. Portanto, a prova técnica só pode ser substituída por prova emprestada nos casos em que as condições de trabalho foram alteradas ou não mais subsistem. Tratando-se, portanto, de prova personalíssima e passível de ser realizada no local de trabalho, não pode ser substituída por outra, realizada em processo alheio. Ademais, não pode o Juiz determinar, de ofício, a juntada de prova emprestada de outros autos sem a aceitação das partes a quem a prova aproveita, sob pena de violar o princípio do contraditório e a garantia constitucional da ampla defesa.
4.3.5.2. Acidente de trabalho
Outra possibilidade que se debate é sobre a utilização do instituto no sinistro de trabalho, em consonância com a perícia realizada no âmbito civil. Após a consumação do sinistro, não se discute mais sobre o fato com a empresa. A prova oriunda do juízo cível ganha valor na lide trabalhista, no que diz respeito ao sinistro ocorrido, enquanto o âmbito processual civil preocupa-se com a lide envolvendo a autarquia do INSS.332
4.3.6. Inquérito policial e inquérito civil público
Causa divergência na doutrina a aplicação da prova emprestada nos caso de inquérito policial e civil público. Muito desta divergência e questionamento dá-se em conta de ser estes dois procedimentos de caráter unilateral, onde não possuem o contraditório.333
Primordialmente, há a ideia de rechaço da aplicação da prova emprestada nos presentes institutos. Contudo, seria um desperdício inutilizar todo o conteúdo formulado em fase de inquérito.334
Schiavi (2017, p. 91) pondera que “a prova produzida em sede de inquérito pode ser utilizada como prova emprestada no processo judicial somente na seguinte situação: concordância de ambas as partes no processo.”335 Corroborando com este pensamento, cabe citar a presente decisão:336
Justa causa – Prova emprestada – Valoração. Os documentos extraídos de ação criminal, contendo depoimentos vários, fortalecem o depoimento prestado pela única testemunha da reclamada, bem como as alegações de defesa. Configuração de ato de improbidade que justifica a demissão por justa causa. (TRT, 2003)
4.3.7. Testemunhal
Quanto à admissibilidade da prova emprestada testemunhal, tanto a doutrina, como a jurisprudência, são pacíficos sobre a sua aplicação.
A doutrina, inclusive, destaca a sua possibilidade quando, na situação, tiver a testemunha do primeiro processo já ido a óbito.337
Das decisões jurisprudenciais, cabe destacar as seguintes:338 339
RECURSO DO RECLAMANTE. PENA DE CONFISSÃO. INOCORRÊNCIA. JORNADA DE TRABALHO. TACÓGRAFO. VALIDADE. GOZO DE INTERVALO INTRAJORNADA NO MÍNIMO LEGAL. PROVA EMPRESTADA TESTEMUNHAL SUFICIENTE A SUA COMPROVAÇÃO. SOBREAVISO. ÔNUS DA RECLAMADA POR ALEGAR FATO IMPEDITIVO. NÃO DESINCUMBÊNCIA. DA DOBRA DOS DOMINGOS E FERIADOS. PROVA EMPRESTADA TESTEMUNHAL. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. AUXÍLIO ALIMENTAÇÃO. APLICABILIDADE NORMATIVA. PROVA TESTEMUNHAL. IMPROCEDÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS INDEVIDOS. ASSISTÊNCIA PARTICULAR. Não há que se falar em pena de confissão, nos termos do § 2º do artigo 74 da CLT c/c artigo 2º, inciso V, da Lei nº 12.619/2012, por ter a empresa ré se desincumbido do seu ônus probatório, por meio de prova válido e reconhecido como hábil a demonstrar a jornada realizada pelo reclamante que exerce trabalho externo. O reconhecimento, pelo reclamante, de que, durante o exercício de sua atividade laboral, o aparelho tacógrafo registrava toda sua movimentação associada à alegação de que a ré exercia total controle das jornadas de trabalho, bem como diante do fato de que os relatórios referentes ao tacógrafo apresentados pela empresa estão em estrita consonância com leitura feita pelo perito, obsta a aplicação da OJ 332 da SDI 1 do TST, nos termos do art. 131. do CPC, que permite a livre apreciação motivada pelo juízo, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos e em consonância com as regras aplicáveis ao ônus. Deve-se reconhecer o gozo de intervalo intrajornada pelo recorrente quando depoimento de testemunha trazido pela reclamada, na qualidade de prova emprestada, for suficiente para esclarecimento de que o reclamante gozava do intervalo mínimo legal. Não obstante o uso de aparelho celular não ser suficiente ao reconhecimento de jornada em sobreaviso, conforme preconiza a súmula 428 do TST, a alegação, em contestação, pela recorrida de fato novo impeditivo ao seu reconhecimento, atrai para si o ônus da prova que, não se desincumbindo, requer sua condenação nos termos e limites legais. O depoimento de testemunha trazido pela reclamada aos autos na qualidade de prova emprestada, aliado à alegação do autor, em sua peça inicial e em suas razões recursais, de que gozava de 3 a 4 folgas mensais leva ao reconhecimento do efetivo gozo dos mesmas. Não obstante a validade e aplicabilidade da Convenção Coletiva de Trabalho - em que são partes signatárias os respectivos sindicatos dos empregados e empregadores da base territorial em que ocorreu a contratação do recorrente - que preveja pagamento de auxílio alimentação, tendo-se evidenciado recebimento de diárias pelo autor, resta afastado o direito à indenização respectiva. À luz dos Enunciados 219 e 329 das Súmulas do Colendo TST, tratando-se de assistência particular, não há se falar em honorários advocatícios. (TRT, 2015)
NULIDADE. PROVA EMPRESTADA. NÃO CARACTERIZADO O CERCEAMENTO DE DEFESA. - Não há qualquer causa de nulidade na mera utilização da prova testemunhal como prova emprestada, uma vez que estes depoimentos foram produzidos em processos dos quais as rés tiveram conhecimento e nos quais apresentaram defesa sendo, portanto, garantido o contraditório na sua elaboração. Não caracterizado o cerceamento de defesa, não há nulidade a ser declarada. (TRT, 2012)
4.3.8. Oral
É o entendimento pela aceitação da prova emprestada oral, no caso de, segundo Martins (2013, p. 366) “houver necessidade de aproveitá-la e da impossibilidade de ser produzida originalmente no processo em curso, por não poder ser repetida”.340
4.4. Natureza jurídica
Acalenta a doutrina a discussão sobre qual seria a natureza jurídica da prova emprestada.
Numa primeira linha de raciocínio, defendem os doutrinadores que este instituto adquire uma natureza documental, não guardando relação com a natureza original da primeira prova.341 Neste caso, a prova emprestada teria ingresso no novo processo com esta natureza documental, cabendo ao magistrado sopesá-la com o valor de documento.342
Corrobora este pensamento Renato Saraiva (2017, p. 88), ao aduzir que “a prova emprestada será inserida no processo como mera prova documental, devendo ser utilizada apenas excepcionalmente, uma vez que, em regra, as provas devem ser produzidas no mesmo juízo onde corre a demanda”.343 Em sintonia, Nelson Nery Junior (2016, p. 281) coloca que este instituto possui “validade como documento”.344
De outra forma, é o raciocínio dos doutrinadores de que a prova emprestada, quando feito o traslado, mantém a mesma origem jurídica da produção do primeiro processo. É o posicionamento que impera na doutrina, formado ainda quando era vigente o Código de Processo Civil anterior.345
Segundo Talamini (2017, p. 85), esta prova “terá a potencialidade de assumir a eficácia probatória que obteria no processo em que foi originalmente produzida”. 346
No mesmo trajeto, Medina (2017, p. 669) expõe: “é certo que, como princípio, a prova emprestada é transportada sob a forma de documental. Isso não significa, porém, que o conteúdo veiculado corresponderá àquele que se pode apreender de uma prova documental”.347
Da mesma forma, como destaca Schiavi (2017, p. 88) “se a prova é testemunhal, será trasladada como prova testemunhal”.348 Continua o autor:349
a lei não impõe que a prova emprestada seja trasladada como documento, este é apenas o instrumento de transporte da prova. (...) Assim, por exemplo, se a prova emprestada é pericial, no processo atual, há a possibilidade de se ouvir o perito que elaborou o laudo original em audiência e até mesmo a parte juntar laudo do assistente técnico. Se a prova emprestada for testemunhal, a parte pode arguir todas as hipóteses de incapacidade, impedimento ou suspeição da testemunha etc.
Vai de encontro o pensamento de Bebber:350
“Mesmo sendo apresentada no segundo processo pela forma documental, a prova emprestada não valerá como mero documento. Terá potencialidade de assumir exatamente a eficácia probatória que obteria no processo em que foi originariamente produzida. Ficou superada a concepção de que a prova emprestada receberia, quando muito, valor de documento, ‘prova inferior’ ou ‘ato extrajudicial’. O juiz, ao apreciar as provas, poderá conferir à emprestada precisamente o mesmo peso que esta teria se houvesse sido originariamente produzida no segundo processo. Eis o aspecto essencial da prova trasladada, apresentar-se sob a forma documental, mas poder manter seu valor originário”.
Com isso, percebe-se que muito se questiona acerca do valor probatório que adquire a prova emprestada. Argumenta Bonizzi (2017, p. 85) que “se essa prova for recebida apenas como prova documental, talvez pouca utilidade terá, mas se for recebida como prova testemunhal, é provável que seu poder de influenciar o convencimento do juiz (força probante) seja mais forte”.351
Sobre o tema, a jurisprudência já decidiu da seguinte forma:352
Civil e Processual civil. Recurso Especial. Ação de cobrança de indenização securitária por invalidez permanente. Disacusia. Doença progressiva. Laudo pericial utilizado como prova emprestada. Categoria de prova documental. Autenticidade não questionada. Violação ao art. 332. do CPC. Inocorrência. Prazo prescricional. Questionamento da validade do laudo pericial produzido em ação acidentária. Requerimento de produção de prova pericial. Termo a quo. Contagem a partir no novo laudo pericial. - A jurisprudência do STJ é no sentido de que a disacusia é doença progressiva, que se agrava no tempo. - A prova pericial trasladada para outros autos, como prova emprestada, passa à categoria de prova documental. - O termo a quo para contagem do prazo prescricional de ação de segurado contra seguradora deve ser o momento em que o segurado obteve ciência inequívoca de estar acometido de moléstia incapacitante. - Se a ré questiona a validade do laudo pericial produzido em ação acidentária movida pelo autor contra o INSS e requer a produção de prova pericial, não pode, por isso mesmo, pretender que a prescrição seja contada da data da realização daquele exame. Recurso especial não conhecido.