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Os efeitos do transcurso temporal na apreciação dos atos de aposentadoria pelos Tribunais de Contas

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Agenda 29/08/2005 às 00:00

1. A FUNÇÃO FISCALIZADORA DOS TRIBUNAIS DE CONTAS

            É na Constituição Federal de 1988 que se encontram elencadas as atribuições conferidas ao Tribunal de Contas (art. 71). Dentre elas, convém aqui destacar a estabelecida no seu inc. III:

            III - apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório.

            A partir desta norma, a discussão acerca da classificação dos atos administrativos de concessão de aposentadoria toma dimensões cada vez maiores perante a doutrina e o judiciário. Tal discussão, embora aparente possuir meros fins didáticos, influenciará diretamente na apreciação da sua legalidade pelas Cortes de Contas. É dentro dessas perspectivas que o tema ganha destaque nas rodas de conversa nos corredores dos Órgãos de Controle Externo.


2. O ATO ADMINISTRATIVO DE CONCESSÃO DE APOSENTADORIA

            O jurista Hely Lopes Meirelles [01], ao conceituar o ato administrativo, compara-o ao ato jurídico, apresentando apenas pequenas nuanças entre ambos, senão vejamos:

            "O conceito de ato administrativo é fundamentalmente o mesmo do ato jurídico, do qual se diferencia como uma categoria informada pela finalidade pública. Segundo a lei civil, é ato jurídico todo aquele que tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos (Código Civil, artigo 81).

            Partindo desta definição legal, podemos conceituar o ato administrativo com os mesmos elementos fornecidos pela Teoria Geral do Direito, acrescentando-se, apenas, a finalidade pública que é própria da espécie e distinta do gênero ato jurídico, como acentuam os administrativistas mais autorizados.

            Ato administrativo é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir, e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria."

            O ato administrativo, portanto, emoldura-se ao ato jurídico de forma que a sua prática, se aperfeiçoada conforme estabelece a lei, adentra no âmbito jurídico e passa a produzir os efeitos correspondentes.

            Nas lições de Diogenes Gasparini [02], pode-se definir o ato administrativo da seguinte maneira:

            "...toda prescrição unilateral , juízo ou conhecimento, predisposta à produção de efeitos jurídicos, expedida pelo Estado ou quem lhe faça as vezes, no exercício de suas prerrogativas e como parte interessada numa relação, estabelecida na conformidade ou na compatibilidade da lei, sob o fundamento de cumprir finalidades assinaladas no sistema normativo, sindicável pelo Judiciário."

            Diante das conceituações acima, verifica-se que o ato que concede aposentadoria é ato administrativo, senão vejamos:

            1.É exarado unilateralmente pela Administração Pública, no exercício de sua prerrogativa;

            2.Confere direitos ao administrado, cumprindo as finalidades assinaladas no sistema normativo.

            Cabe, por conseguinte, classificá-lo, de acordo com as enunciações doutrinárias que abordam o tema.

            2.1. Aposentadoria como Ato Composto

            A doutrina confere múltiplas classificações ao ato administrativo, conforme o critério em função do qual sejam agrupados. Entretanto, cabe aqui destacar tão-somente a classificação quanto à composição da vontade produtora do ato, uma vez que é nela em que se encontra as maiores divergências no atinente aos atos de concessão de aposentadoria.

            Retomando os ensinamentos do mestre Meirelles [03], o ato administrativo pode ser classificado como simples, complexo ou composto. Veja-se, pois, o que significa cada um desses atos:

            "Ato simples:

é o que resulta da manifestação de um único órgão, unipessoal ou colegiado.."

            "Atos complexo: é o que se forma pela conjugação de vontades de mais de um órgão administrativo ."

            "Ato composto: é o que resulta da vontade única de um órgão, mas depende de verificação por parte de outro, para se tornar exeqüível."

            Diante das conceituações acima, fácil constatar que o ato que concede aposentadoria é ato administrativo, em virtude de que é expedido unilateralmente pela Administração Pública e confere direito ao administrado a quem foi beneficiado. Há grande celeuma entre doutrina e jurisprudência, entretanto, no que concerne à sua classificação.

            Os julgados desde algum tempo vem firmando a posição do Supremo Tribunal Federal no sentido de possuir o ato em discussão um caráter complexo. Fundamentam-se os julgadores adeptos a essa corrente na obrigatoriedade, estabelecida no inc. III do art. 71 da Carta Magna, da apreciação da sua legalidade pelo Tribunal de Contas. Assim, segundo a Suprema Corte de Justiça, o ato aposentatório é complexo porque após a sua concessão pelo ente competente, faz-se necessário passar pelo crivo de outro órgão para que se aperfeiçoe.

            Veja-se, pois, como decide o Supremo Tribunal Federal a matéria, verbis:

            APOSENTADORIA - ATO ADMINISTRATIVO DO CONSELHO DA MAGISTRATURA - NATUREZA - COISA JULGADA ADMINISTRATIVA - INEXISTÊNCIA. O ato de aposentadoria exsurge complexo, somente se aperfeiçoando com o registro perante a Corte de Contas. Insubsistência de decisão judicial na qual assentada, como óbice ao exame da legalidade, a coisa julgada administrativa. (STF. RE n.º 195861/ES. Segunda Turma. Rel. Min. Marco Aurélio. DJ 17/10/97)

            APOSENTADORIA - HOMOLOGAÇÃO - ATO COMPLEXO - CONTRADITÓRIO - IMPROPRIEDADE. O processo de aposentadoria revela atos complexos, sem o envolvimento de litigantes, ficando afastada a necessidade de observância do contraditório, isso em vista do ato final, ou seja, a glosa pela Corte de Contas. APOSENTADORIA - CARGO EM COMISSÃO - REGÊNCIA NO TEMPO. Tratando-se de situação concreta em que atendidos os requisitos para a aposentadoria em data anterior à alteração do artigo 183 da Lei nº 8.112/90 pela Lei nº 8.647/93, descabe glosar a aposentadoria concedida considerada a ocupação de cargo em comissão. Precedente: Mandado de Segurança nº 24.024-5, Pleno, cujo acórdão, redigido pelo ministro Gilmar Mendes, foi publicado no Diário da Justiça de 24 de outubro de 2003. (STF. MS n.º 24754/DF. Tribunal Pleno. Rel. Min. Marco Aurélio. DJ 18/02/05)

            Os argumentos pelos quais a Suprema Corte toma como supedâneo para atribuir à concessão de aposentadoria o caráter de ato complexo é objeto de grande discussões no meio jurídico. Vejamos o porquê.

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            2.2 O controle da aposentadoria pelos Tribunais de Contas: ato administrativo ou fiscalização?

            A doutrina ensina que o ato complexo é uno, indivisível, decorrente da fusão de vontades distintas, mas com uma só finalidade. "O ato complexo resulta do concurso de vontades de vários órgãos ou vários sujeitos da Administração Pública, sendo requisitos indispensáveis do ato administrativo complexo a identidade de conteúdo e a unidade de fins das diversas vontades, que se fundem para formação de um ato único." [04]

            Ora, as funções constitucionalmente conferidas ao Tribunal de Contas são eminentemente fiscalizadoras, divergindo do fim precípuo do ato que concede aposentadoria, que visa tão-somente passar os servidores públicos da atividade para a inatividade, beneficiando-os com a concessão de um direito garantido pela própria Constituição.

            Ademais, o mister fiscalizador das Cortes de Contas não atribui aos atos administrativos por elas fiscalizados o caráter complexo. Não fosse assim, além dos atos de aposentadoria, todos os demais que exigissem posterior apreciação da legalidade pelo Órgão de Controle Externo também deveriam da mesma maneira ser classificados. Tome-se, verbi gratia, as licitações públicas. Todos os atos inerentes ao seu procedimento (publicação do edital, habilitação, julgamento, homologação e adjudicação) são analisados posteriormente pelos mencionados Órgãos Administrativos, conforme determinam as suas Leis Orgânicas, no entanto, não são considerados atos complexos.

            Acrescente-se que o Tribunal de Contas é órgão que fiscaliza todos os atos de que resultem receitas ou despesas públicas, segundo se depreende da atribuição constitucional do exercício do controle externo da Administração Pública. Destarte, os atos por ele praticados são meramente fiscalizadores e não atos administrativos propriamente ditos.

            O Supremo Tribunal Federal, de acordo com manifestação já sedimentada na sua jurisprudência, mantém posicionamentos incongruentes, afirmando ser o ato de aposentadoria classificado como complexo, todavia, imputando-lhe termo inicial para o transcurso do prazo prescricional o dia da sua publicação no Diário Oficial e não da publicação da última manifestação da Corte de Contas. Vejamos o que proclamam os julgados do referido Colegiado Judicial:

            ADMINISTRATIVO. FUNCIONARIO. APOSENTADORIA. PRESCRIÇÃO. ATO COMPLEXO. INICIO DO PRAZO PRESCRICIONAL. REGISTRO NO TRIBUNAL DE CONTAS.

            I-NÃO OBSTANTE COMPLEXO O ATO ADMINISTRATIVO DA APOSENTADORIA, CERTO É QUE, A PARTIR DE SUA EXPEDIÇÃO, SEGUE-SE A SUA EXECUÇÃO. A PARTIR DA PUBLICAÇÃO DO ATO, POIS, COMEÇA A CORRER A PRESCRIÇÃO QUINQUENAL DA AÇÃO QUE TEM POR OBJETO ALTERA-LO, PRESENTE O PRINCIPIO DA ACTIO NATA, E NÃO DA DECISÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS, QUE APRECIA A SUA LEGALIDADE E QUE NÃO PODE, NESSA ATIVIDADE FISCALIZADORA, MODIFICAR O SEU FUNDAMENTO.

            II-RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.

(STJ. REsp. n.º 1560/RJ. Segunda Turma. Rel. Min. Carlos Velloso. DJ 19/02/90)

            O ato administrativo somente é eficaz quando "está disponível para a produção dos seus efeitos próprios; ou seja, quando o desencadear de seus efeitos típicos não se encontra pendente de qualquer evento posterior..." [05]. O ato de aposentadoria é eficaz desde a sua publicação no Diário Oficial, uma vez que a partir daí é que o servidor ativo passa para inatividade e começa a perceber seus proventos (seus efeitos típicos). A investidura no cargo de Procurador Geral de Justiça, clássico exemplo de ato complexo, somente produz efeitos com o último ato, qual seja, a nomeação pelo Governador do Estado.

            Ora, enquanto o cidadão que concorre a uma vaga como Ministro do Tribunal de Contas da União, escolhido e aprovado pelo Congresso, não for nomeado pelo Presidente da República, não assumirá o citado posto, nem tampouco começará a correr prazo prescricional para a manifestação do Chefe do Executivo. Sendo o ato de nomeação do Ministro do Tribunal de Contas da União um ato complexo, somente com o último ato (nomeação pelo Presidente da República) é que o pretendente passará a ocupar o cargo e fazer jus a todas as prerrogativas a ele inerentes. Por que então com o ato de aposentadoria o prazo qüinqüenal começa a ser contado a partir da sua metade (antes da manifestação da Corte de Contas) e não do seu fim, procedendo-se na contramão da lógica e do bom senso?

            Somente uma resposta pode ser atribuída ao questionamento retro: a concessão de aposentadoria é ato administrativo composto e não complexo, como quer classificar a jurisprudência. O mestre Meirelles explica a distinção:

            "O ato composto distingue-se do ato complexo porque este só se forma com a conjugação de vontades de órgãos diversos, ao passo que aquele é formado pela vontade única de um órgão, sendo apenas ratificado por outra autoridade. Essa distinção é essencial para se fixar o momento da formação do ato e saber-se quando se torna operante e impugnável." [06]

            Assim sendo, o ato complexo somente opera efeitos quando completado pela última manifestação competente para tal. O ato composto, por outro lado, num segundo momento, quando da prática do seu ato final (diga-se que se trata de ato secundário, meramente ratificador), já se obtinha o advento de conseqüências jurídicas, provindas justamente do ato principal, ou primeiro, realizado.

            Diante das argumentações explanadas, pode-se inferir que a aposentadoria é ato composto porque se desdobra em dois atos: um principal, a sua concessão pelo ente a que prestava serviço, e um secundário, a sua ratificação pela Corte de Contas. No entanto, sucede que o mencionado Órgão Fiscalizador somente poderá julgar a legalidade do ato de concessão de aposentadoria se sobre ele não produzem os efeitos da preclusão. Em face disto, surgem algumas objeções que acabam por polemizar a questão.

            Será que o instituto da prescrição é amparo para a convalidação de atos viciados pela nulidade? A Administração Pública poderá suportar o sobrecarregado peso de ações irregulares realizadas em seu âmago?


3. O PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA

            No Direito Civil, o negócios jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo (art. 169 do Código Civil). Diferente trato é conferido à seara Administrativa. Ora, se no ramo jurídico privado é corolário a liberdade na manifestação de vontades, a nulidade, portanto, não deve prevalecer. Já na esfera pública, o que se privilegia é o interesse público. "O interesse público prevalece sobre o interesse privado. É, assim, a proposição matriz que resume, em toda a sua pujança, o grande princípio informativo do direito público." [07].

            Diante de uma análise exegética, pode-se depreender que se o ato eivado é repelido, mesmo que em detrimento do advento da prescrição, o interesse público em resguardar as condições aproveitadas pelo administrado de boa-fé caiu no vazio. Os vícios que maculam o ato administrativo não devem se sobrepor a situações fáticas já estáveis em face da inércia dos órgãos competentes para o afastamento de tais defeitos. Em obra de autoria do doutrinador Marcelo Caetano [08], facilmente se enxerga a possibilidade da convalidação do ato em razão do transcurso de tempo:

            "O ato doente cura-se com o decurso do tempo, e isso se dá porque o legislador pensa que a ilegalidade cometida não é tão grave que deva sobrepor-se ao interesse de pôr termo à insegurança dos direitos. Aos interessados, incluindo os representantes do interesse público, é facultado a anulação do ato; mas se não usarem oportunamente dessa faculdade, o interesse geral impõe que não fique indefinidamente a pensar sobre este ato a ameaça de anulação".

            O direito possui como corolário o princípio da segurança jurídica, o que, diante das corriqueiras omissões das entidades competentes, carrega imensurável importância para a estabilidade das relações jurídicas. O que seria das relações que envolvem o direito se logo após o início das suas implicações ocorrem modificações em seu arcabouço, que acabam por alterar por completo as conseqüências inicialmente esperadas? Segundo o doutrinador Carlos Aurélio Mota de Souza, "se a lei é garantia de estabilidade das relações jurídicas, a segurança se destina a estas e às pessoas em relação; é um conceito objetivo, a priori, conceito finalístico da lei." [09]

            Dentre o interesse em resguardar a situação jurídica pré-estabelecida e o de afastar a irregularidade decorrente dessa mesma relação, prepondera o primeiro caso, visto que o interesse público a ele inerente é superior. Aliás, a jurisprudência norteia no mesmo sentido, ao conferir à aposentadoria o caráter imutável proveniente da prescrição. Vejamos, pois, como o que proclama o STF:

            ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. APOSENTADORIA. REVISÃO PELA ADMINISTRAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PRESCRIÇÃO. PRINCÍPIO DA ESTABILIDADE DAS RELAÇÕES JURÍDICAS. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA.

            1. Inexiste omissão a ser sanada, porquanto todas as questões relevantes para a apreciação e julgamento do recurso foram analisadas pelo aresto hostilizado. A pretendida revisão do julgado não se coaduna com a via dos embargos de declaração.

            2. Esta Corte já se manifestou no sentido da prevalência do princípio da estabilidade das relações jurídicas entre a Administração e seus servidores ou administrados, conquanto o ato gere efeitos de interesses individuais a eles favoráveis.

            3. Embargos de declaração rejeitados.

(STJ. EDAGA n.° 428116/RS. Quinta Turma. Rel Min. Laurita Vaz. DJ 01/12/03)

4. A PRESCRIÇÃO DOS ATOS DE APOSENTADORIA

            O direito não socorre aos que dormem (dormientibus non sucurrit jus), diz o antigo brocardo. Assim, a inércia daqueles detentores de direito perante a busca da sua satisfação gera conseqüências de ordem jurídica que passam a se tornar estáveis após o transcurso de determinado lapso temporal. Estas conseqüências nada mais são do que os efeitos da prescrição.

            A doutrina moderna, pacífica no trato conferido ao tema em comento, não apresenta dificuldades na conceituação do instituto da prescrição, o que trago à baila nos dizeres do mestre Clóvis Beviláqua [10]:

            "A prescrição é a perda da ação atribuída a um direito e de toda sua capacidade defensiva, em conseqüência do não-uso delas, durante um determinado espaço de tempo."

            Destarte, pode-se inferir que tendo em mira a segurança das relações jurídicas no tempo, vale dizer, para que o tempo não interfira de forma a prejudicar relações já consolidadas, o legislador cria um instituto capaz de conferir estabilidade aos atos e negócios que o direito abarca.

            Nesse diapasão, leciona o professor Silvio Rodrigues [11] na fundamentação do pré-falado instituto:

            "...no anseio da sociedade em não permitir que demandas fiquem indefinidamente em aberto; no interesse social em estabelecer um clima de segurança e harmonia, pondo termo a situações litigiosas e evitando que, passados anos e anos, venham a ser propostas ações, reclamando direitos cuja prova de constituição se perdeu no tempo.

            (...)

            ...é do interesse da ordem e da paz social liquidar o passado e evitar litígios sobre atos cujos títulos se perderam e cuja lembrança se foi."

            Diante da inércia das autoridades competentes, é certo, conforme a explanação retro, que o ato de aposentadoria maculado estará suscetível de convalidação em razão da estabilidade jurídica infirmada ao aposentando. Pode-se daí surgir a seguinte indagação: quando é que a relação existente entre a Administração e o seu servidor será considerada estável?

            Somente se pode falar em segurança das relações jurídicas quando ocorra o advento de uma situação, seja de fato ou de direito, que não dá margem a futuras modificações do estado em que ficaram as partes após a citada relação. Tal situação, conforme anteriormente explicitado, cuida-se da prescrição, ou seja, do decurso de um certo lapso temporal capaz de tornar imutáveis as condições jurídicas estabelecidas. Ora, mas qual o prazo para que ocorra a prescrição?

            Não existe regulamentação específica para a prescrição administrativa. O referido instituto provém de construções doutrinárias e jurisprudenciais, de modo que o prazo para que os atos de aposentadoria não possam ser mais alterados encontra-se inspirado em diplomas legais, aplicados mediante o recurso da analogia, consoante dispõe o art. 4° da Lei de Introdução ao Código Civil. Seguindo essa orientação, o professor Caio Tácito [12] compartilha de todo um entendimento doutrinário, ao aduzir:

            "A ordem jurídica repele o vácuo. A lei, a par de comando expresso, contém a virtualidade dos princípios em que se inspira. Deles promana a força expansiva com que a interpretação, nos silêncios não intencionais, projeta a vontade do legislador.

            Como excelentemente ilustrou OSCAR TENÓRIO, o próprio legislador indica ao magistrado o roteiro a seguir nas lacunas do direito: ‘A voz que se ouve, quando a lei silencia, não é a do magistrado. É a do legislador, ainda.’"

            Amparados pela lei (LICC) e pelas lições doutrinárias, o julgados dos Tribunais Superiores reconhecem que o prazo prescricional dos atos emanados da Administração pública são de cinco anos, por aplicação analógica, senão vejamos:

            ADMINISTRATIVO - MANDADO DE SEGURANÇA - SERVIDORA PÚBLICA - PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR - APOSENTADORIA CASSADA - IMPOSSIBILIDADE - DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA – ART. 54, PARÁG. 1º, DA LEI 9.784/99 - ORDEM CONCEDIDA.

            1 – Pode a Administração utilizar de seu poder de autotutela, que possibilita a esta anular ou revogar seus próprios atos, quando eivados de nulidades. Entretanto, deve-se preservar a estabilidade das relações jurídicas firmadas, respeitando-se o direito adquirido e incorporado ao patrimônio material e moral do particular. Na esteira de culta doutrina e consoante o art. 54, parág. 1º, da Lei nº 9.784/99, o prazo decadencial para anulação dos atos administrativos é de 05 (cinco) anos da percepção do primeiro pagamento. No mesmo sentido, precedentes desta Corte (MS nºs 7.773/DF, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, DJU de 04.03.2002 e 6.566/DF, Rel. p/acórdão Ministro PEÇANHA MARTINS, DJU de 15.05.2000).

            2 – No caso sub judice, tendo a impetrante se aposentado em 10.10.1992 e o benefício sido cassado após a conclusão do Processo Administrativo Disciplinar nº 35.301.010672/97-56, instaurado em 09.07.1998, verifica-se a extrapolação do prazo de cinco anos entre a concessão da aposentação e a instauração do procedimento. Desta forma, nula é a Portaria nº 6.637/2000, já que a Administração Pública não poderia revisar tal ato em razão da prescritibilidade dos seus atos.

            3 - Eventuais valores atrasados são devidos à impetrante, nos termos das Súmulas 269 e 271, ambas do Colendo Supremo Tribunal Federal, a partir do ajuizamento deste writ. 4 – Segurança concedida para tornar sem efeito a Portaria 6.637, de 19.06.2000, que cassou a aposentadoria da impetrante, retroagindo os efeitos financeiros à data da impetração. Custas ex lege. Honoráriosadvocatícios incabíveis, nos termos das Súmulas 512/STF e 105/STJ.

(STJ. MS n.° 7226/DF. Terceira Seção.l Rel. Min. Jorge Scartezzini. DJ 28/10/02)

            ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA. ART. 54 DA LEI Nº 9784/99. PRECEDENTES. IPERGS. PENSÃO. FILHA SOLTEIRA. LEI ESTADUAL N.º 7.672/82. APLICAÇÃO DA SÚMULA 182/STJ. RECURSO DESPROVIDO.

            I - Nos termos do art. 54 da Lei nº 9784/99, o direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. Precedentes.

            II - As razões insertas na fundamentação do agravo regimental devem limitar-se a atacar o conteúdo decisório da decisão hostilizada. No presente caso, tal hipótese não ocorreu. Aplicável, à espécie, a

            Súmula nº 182/STJ.

            III - Agravo interno desprovido. (STJ. AGRESP n.° 625511/RS. Quinta Turma. Rel. Min. Gilson Dipp. DJ 02/08/04)

            É notória a constante a ocorrência da simples omissão, da inação infundada das autoridades competentes para reaver os seus próprios atos eivados de máculas, apenas em função da inconsideração particular para com as repercussões da sua inércia.

            Por oportuno, convém transcrever o dispositivo legal pelo qual se fulcrou o Judiciário para o reconhecimento da prescrição administrativa, veja-se:

            Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.

            Hão de ser feitas duas considerações a respeito: a uma, comprovada a má-fé do destinatário do ato eivado, não há que se falar em prescrição; a duas, a norma acima expressamente dispõe sobre decadência, e não prescrição.

            4.1. Da Impropriedade da Denominação

            Embora os Tribunais decidam em função da prescrição, na realidade há o advento do instituto da decadência. É que a Administração tem o direito de rever os seus atos maculados, de forma que a busca da sua anulação, se não realizada dentro do prazo legal, fica prejudicada, falecendo, por conseqüência o direito pré-falado. Enquanto que o instituto da prescrição nada mais é do que a perda do direito de ação, a decadência vai mais além, com a perda do direito material que poderia ser objeto da ação.

            Nesse esteio, os ensinamentos do Professor Gasparini deságuam para a ocorrência da decadência, quando da extinção do prazo legal para a anulação dos atos administrativos. Vejamos o que argumenta o doutrinador:

            "As pretensões da Administração Pública contra o administrado também estão sujeita a prazos, de sorte que se não propostas em tais tempos, extingue-se, como assevera Celso Antonio Bandeira de Mello, o poder administrativo de incidir ou reincidir sobre uma dada situação jurídica específica. Nesses casos, a Administração não exerce o poder-dever que lhe cabe, omite-se. Perde, assim, o próprio direito, não a medida prevista para a sua defesa quando entenda-o ameaçado ou violado, como ocorre com os administrados. Não se trata, pois, de prescrição, mas de decadência." [13]

            A distinção entre os institutos da prescrição e da decadência ensejará efeitos práticos de bastante relevância, sobretudo no que tange à interrupção ou suspensão dos seus prazos. Ao se reconhecer que adveio a decadência, quando transcrever o lapso temporal dos cinco anos, tal prazo é irremediável, de sorte que não se interrompe nem se suspende.

Sobre o autor
Renato Antonio Varandas Nominando Diniz

bacharelando em Direito pela UNIPÊ, em João Pessoa (PB)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DINIZ, Renato Antonio Varandas Nominando. Os efeitos do transcurso temporal na apreciação dos atos de aposentadoria pelos Tribunais de Contas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 787, 29 ago. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7213. Acesso em: 18 nov. 2024.

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