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Coisa julgada inconstitucional

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Agenda 02/09/2005 às 00:00

7.Divagações, exemplificações e conclusões sobre o tema.

            O Código de Processo Civil adotou, quanto à Coisa Julgada, a doutrina de Enrico Túlio Liebman, sendo a coisa julgada uma qualidade que se ajunta à sentença bem como aos seus efeitos para torná-los imutáveis. Imunes a ataques processuais.

            O fundamento da coisa julgada é o princípio da estabilidade das relações jurídicas, ou seja, o princípio da Segurança Jurídica.

            A Coisa Julgada seria um "divisor de águas" entre os ideais de Justiça e de Segurança Jurídica, sendo o ideal de Justiça aquilo que o Estado diz ser, suum cuique tribuere, "dar a cada um o que é seu". O juiz deve empregar todos os meios necessários para descobrir a verdade. Há um interesse público em proferir uma decisão justa ao caso concreto. A doutrina moderna defende que no Processo Civil vige o Princípio da Verdade Real, conforme sustentam José Carlos Barbosa Moreira e Luiz Rodrigues Wambier. Sendo corolário deste paradigma o dever e não só poder de o juiz produzir provas de ofício. Seria, sim, uma forma de mitigação das regras de distribuição dos ônus da prova, mas para bem chegar ao ideal de JUSTIÇA.

            Quanto à Segurança das relações jurídicas a sua estabilidade é uma necessidade inerente à vida dos homens. É o compromisso do Estado em proteger a justiça dada ao caso concreto.

            Deste ideal exsurge a indagação doravante feita: Será que a segurança das relações jurídicas deve prevalecer mesmo se descobrirmos que a coisa julgada está eivada por erro?

            Como já foi exaustivamente discorrido, coisa julgada é a imutabilidade da decisão final.

            Ela pode ser FORMAL: que é restrita ao processo em que se deu. Podemos exemplificar pelo seguinte caso: O juiz intima o Autor a suprir um vício ou irregularidade de representação com base no art. 13 do CPC. O Autor não supre. Assim, o juiz extingue o processo sem julgamento do mérito com base no art. 267, IV, do CPC. Há coisa julgada. O Autor pode propor nova Ação com o mesmo fundamento. A coisa julgada formal não impede que o objeto possa ser discutido em outro processo. Ela é formada endoprocessualmente. Esta nova Ação deve ser proposta no mesmo juízo em que houve a coisa julgada formal. O objetivo é evitar que o Autor escolha o juiz, violando, assim, o princípio do juiz natural.

            Como pode ser MATERIAL: consistente na proteção máxima. A partir do momento em que se julga o mérito, o Estado-Juiz descobre quem tem razão, não podendo mais discutir a matéria. A justiça do cãs concreto já foi analisada, não podendo ser novamente discutida. Se após o julgamento de mérito há uma nova ação com as mesmas partes, pedido e causa de pedir, o juiz extingue o processo com base no art. 267, V, CPC, sem análise do mérito.

            Fazem coisa julgada material: a) sentenças de primeiro grau que enfrentam o mérito e transitam em julgado; b) acórdãos dos tribunais; c) decisões monocráticas do relator; d) decisão que antecipa os efeitos da tutela quanto à parte incontroversa da demanda.

            Quanto à relativização da Coisa Julgada verificamos no transcorrer do exposto que é a ponderação ou "choque" entre os princípios da segurança das relações jurídicas com o ideal e princípio da justiça das decisões.

            O jurista Alexandre Freitas Câmara diz que a coisa julgada é uma garantia constitucional, seja pelo disposto no art. 5º "caput", seja pelo art. 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal.

            Na realidade, não existe uma garantia constitucional absoluta, pois, em havendo choque entre interesses igualmente protegidos pela Constituição Federal, o que o intérprete ou operador do Direito deve fazer é uma PONDERAÇÃO DE INTERESSES CONSTITUCIONAIS. Vários princípios constitucionais justificam a relativização da coisa julgada, como o princípio da igualdade, dignidade da pessoa humana, etc.

            A Lei admite, expressamente, uma forma de relativizar a coisa julgada, que é a AÇÃO RESCISÓRIA. Esta Ação visa desconstituir a coisa julgada, sendo uma exceção ao princípio da segurança das relações jurídicas. O prazo para o aforamento desta Ação é de 2 (dois) anos e as hipóteses de cabimento são números clausus previstas no art. 475 do CPC.

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            A doutrina nomeia como sendo COISA SOBERANAMENTE JULGADA a decisão em que não cabe mais AÇÃO RESCISÓRIA, seja pelo decurso do prazo para seu aforamento ou seja pela sua improcedência. José Frederico Marques, em interessante passagem, diz: "é quando o quadrado se torna redondo, faz aquilo que é não ser".

            A doutrina defende, além da Ação Rescisória, uma outra forma de relativização da coisa julgada, que é a chamada ACTIO QUERELLA NULITATIS ou Ação Declaratória de Inexistência Jurídica.

            Não haverá coisa julgada se durante o processo houve um vício tão grave que tem o condão de maculá-lo de tal forma que gera uma total inexistência. Neste caso pode até haver coisa julgada "de fato", mas nunca "de direito".

            A falta de um dos pressupostos processuais de existência, como a petição inicial, jurisdição e citação, há de acarretar a inexistência jurídica.

            Interessante é o exemplo dado por Egar Muniz de Aragão:

            "Autor, usando de um ardil, consegue evitar a citação do Réu. O juiz decreta revelia. Posteriormente há o julgamento procedente do mérito e forma-se a coisa julgada. Passados 3 (três) anos da formação da coisa julgada o Autor promove a Execução da Sentença. O Réu, agora Executado, é citado. Não pode ele argüir por Ação Rescisória a falta de citação por ter transcorrido o prazo de 2 anos, mas por haver nulidade de pleno iure, que jamais convalesce, sendo inexistente a própria coisa julgada, o que implica em pensar nem ser cabível a Ação Rescisória, que visa desconstituir a coisa julgada. Neste caso, a única forma de argüir este aberrante vício de inexistência é a ACTIO QUERELLA NULITATIS, que não tem prazo prescricional e a competência para apreciá-la é do mesmo juízo prolator da sentença. Poderá, também, ser utilizado, pelo Executado, com base no inciso I, do art. 741, do CPC, a via dos Embargos, em que alegará tal vício de citação, mas este tem o condão de desconstituir a coisa julgada "de fato" e não a coisa julgada "de direito", pois se é a sentença do processo de conhecimento que está maculada, mácula maior terá o processo de execução".

            Retornando ao cerne da questão proposta, foi visto que os atos oriundos do Poder Legislativo, que são inconstitucionais, devem ser controlados, pelo Poder Judiciário, através de seu órgão de cúpula, Supremo Tribunal Federal, por via da Ação Direta de Inconstitucionalidade; Ação Declaratória de Constitucionalidade; Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental e pela via de exceção, através do Recurso Extraordinário, com posterior suspensão da Lei pelo Senado Federal. Vale ressaltar que não podem existir atos dos poderes constituídos que afrontem o poder constituinte.

            Não há uma unanimidade na doutrina no que tange aos casos em que há uma coisa julgada inconstitucional, mas há alguns casos que são coincidentes entre os autores que defendem a relativização. São exemplos mais comuns: a) decisões judiciais que ofendem o princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no art. 1º, III, da Constituição Federal; b) sentença que viola o princípio da isonomia; c) sentença que viola a livre manifestação do pensamento; d) sentença que restringe o direito de resposta.

            Para Alexandre Freitas Câmara, qualquer meio é hábil para relativizar a coisa julgada inconstitucional. Isso gera um risco muito grande às relações jurídicas, pois os exemplos acima citados pelos autores contêm um âmbito de abrangência enorme.

            Interessante questão é o encontrado nas ações que versem sobre direito de família, com enfoque maior na investigação de paternidade. O exame de DNA é quase que uma prova obrigatória nas ações de investigação e negatória de paternidade. A evolução de uma prova técnica não implica na relativização da coisa julgada. Assim, as ações investigatórias de paternidade julgadas antes da existência do exame de DNA não podem ser impugnadas por AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE, ao argumento de que a coisa julgada existente seria infratora ao princípio da verdade real. Nestes casos, a segurança jurídica prevalece sobre a existência de novos meios de prova cabais a um juízo de certeza.

            Para Teresa Arruda Alvim Wambier, a ciência vai sempre evoluir e isso geraria uma contínua insegurança jurídica. Sendo assim, se o Poder Judiciário já descobriu a sua verdade (quanto a paternidade), não pode ser relativizada a coisa julgada.

            Porém, face a este argumento da renomada jurista, proponho-me discordar, eis que, realizando uma ponderação de interesses entre o Princípio da Segurança das Relações Jurídicas consubstanciado na coisa julgada e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana consubstanciado no direito indisponível e imprescritível de saber sobre a paternidade, creio este último suplantar o primeiro, eis que se há meios de se descobrir a verdadeira paternidade, não há justiça inviabilizar tal conhecimento com supedâneo na alegação de uma coisa julgada.

            Outra questão tormentosa é a que se dá nas Ações Civis Públicas propostas contra empresa, onde o objeto alegado é o dano ambiental. Pode ser que, em determinada época, a perícia realizada, constate que o material utilizado pela empresa não seja poluente, não agrida o meio ambiente, dando ensejo à improcedência da ação. Porém, anos mais tarde, depois de formada a coisa julgada e passado o prazo para o aforamento da Ação Rescisória, a ciência evolui, desenvolve novas técnicas para verificação do potencial danoso daquele material. Realizada, então, uma nova perícia, conclui-se que tal material é realmente danoso ao meio ambiente. Qual será a solução para este caso? Relativizar a coisa julgada?

            O douto jurista Hugo Nigro Mazzili entende que deve haver a relativização da coisa julgada por ser inconstitucional a violação ao direito difuso de ter um meio ambiente saudável, ferindo um objetivo fundamental da República, que é promover o bem estar de todos, conforme consta do art. 3º, inciso IV, da Carta Magna.

            A coisa julgada não pode servir como escudo protetor para as empresas continuarem a poluir, degradando o meio ambiente. Assim, o meio cabível seria a Ação Anulatória de Coisa Julgada Inconstitucional ou uma outra Ação Civil Pública com base em fatos novos.


8.Conclusão final.

            Por tudo o que foi exposto, a relativização da coisa julgada inconstitucional se torna, caso a caso, impositiva. Não é admissível, em um Estado Democrático de Direito, que um princípio constitucional se sobreponha a outro, mesmo que este último, seja de forma tangencial, como o é o Princípio da Segurança Jurídica versus o Princípio e ideal de Justiça, do qual emergem a dignidade da pessoa humana, boa-fé, constitucionalidade das leis, isonomia, enfim, qualquer direito ou garantia fundamental que colida com a máxima da coisa julgada.

            Assim, defendo a utilização da Actio Querela Nullitatis, para, mesmo durante o prazo para aforamento de uma Ação Rescisória, Embargos do Executado ou até Objeção de Pré-executividade, reconhecer a inconstitucionalidade daquela coisa julgada e assim, consequentemente, desconstituí-la, tudo a bem do tão nobre e salutar ideal de JUSTIÇA!


9.Referências bibliográficas:

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            Santos, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, 3º. Volume, Saraiva. 8ª Edição. São Paulo. 1985.

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            Theodoro Júnior, Humberto. Faria, Juliana Cordeiro de. Coisa julgada inconstitucional: a coisa julgada inconstitucional e os instrumentos processuais do para seu controle. São Paulo: Editora América, 2002. Pág. 126.

             

Wambier, Teresa Arruda Alvim. Medina, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada: hipóteses de relativização. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. Pág. 39/38.

            Wambier, Teresa Arruda Alvim. Medina, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada: hipótese de relativização. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. Pág. 42.

Sobre o autor
Rodrigo Murad do Prado

advogado, pós-graduando em Direito Privado

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PRADO, Rodrigo Murad. Coisa julgada inconstitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 791, 2 set. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7233. Acesso em: 26 nov. 2024.

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