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Conhecendo o novo Código Civil

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Agenda 07/10/2005 às 00:00

35. UNIÃO ESTÁVEL

O normatização codificada da união estável veio suprir uma lacuna legislativa e afastar um verdadeiro paradoxo. É que a união estável concedia quase todas as vantagens do casamento mas poucas de suas obrigações.

Ponto que inicialmente calha menção está na ausência de menção de um lapso de tempo mínimo estanque para caracterização da união estável. A Lei nº 8.971/94 mencionava cinco anos, salvo hipótese de filhos. A Lei nº 9.278/96 não mencionava tempo específico 124.

A ausência de menção de um prazo certo no texto do código é intencional e atende à percepção de que o lapso não significa que tenha sido constituída família, sendo que a limitação poderia criar situações de potencial iniqüidade. É pensar-se na hipótese de ruptura intencional antes do lapso exatamente para evitar a caracterização, ou ainda, na morte de um dos convivente não imputável ao outro e antes do implemento do lapso 125. Á evidência, no entanto, que o tempo de duração da relação pode e deve ser sopesado como mais um fator a ser contabilizado na prova.

Alguns requisitos, porém, persistem para que se perfectibilize união estável. Conforme o parágrafo único do artigo 1.723, os impedimentos do artigo 1.521 aplicam-se, afastando-se somente o do inciso VI (pessoas casadas) se houver separação de fato ou judicial. Igualmente a idade núbil e a capacidade devem ser consideradas.

Há necessidade de convivência pública, notória, more uxorio. Esta convivência deve ser duradoura, contínua, deve ter por escopo a constituição de família (afecctio maritalis). As causas suspensivas não impedem a existência da união estável (art. 1.723, parágrafo 2º).

O artigo 1.724 pôs fim ao paradoxo da inexistência de deveres para os companheiros cujas relações deverão observar "os deveres de lealdade, respeito, e de guarda sustento e educação dos filhos".

Em termos patrimoniais, se não houver estipulação específica, as relações desenvolvem-se sob regime de comunhão parcial.

A terminologia concubinato fica reservada á relação não eventual entre homens e mulheres impedidos de casar. Simples pedido de conversão pode converter a união em casamento, embora inexista regulamentação a respeito quanto à habilitação e publicidade.


36. TUTELA E CURATELA

Na tutela e curatela não há muitas modificações. A nomeação agora compete aos pais conjuntamente. A relação dos nomeados foi simplificada (art. 1.731).

Nas escusas, agora a mulher casada é que pode recusar, e também que tem em seu poder mais de três filhos (não cinco).

No exercício da tutela, foi inserido mais um dever para o tutor, qual seja "adimplir os demais deveres que normalmente cabem aos pais, ouvida a opinião do menor se esta já contar com mais de doze anos de idade".

O tutor pode delegar, para pessoas físicas ou jurídicas o exercício parcial da tutela em algumas hipótese mais dificultosas (conhecimentos específicos, distância et...), sempre com autorização judicial. Pode ser nomeado protutor para fiscalizar o exercício da tutela.

O juiz continua respondendo direta e pessoalmente se deixa de nomear tutor ou não o faz oportunamente, acrescendo-se responsabilidade subsidiária quando deixar de exigir garantia ou deixar de remover quando cabível, o tutor (art. 1.744).

Não há mais a automática constituição de hipoteca, mas em sendo razoável o patrimônio do tutelado, poderá ser determinada caução.

Dependem de autorização judicial o pagamento de dívidas, a aceitação de heranças, legados ou doações com encargos, transigir, venda de imóveis, propositura de demandas ou exe4rcício nelas de representação

A necessidade de hasta pública para alienação de imóveis não é repetida, mas há necessidade de prévia avaliação e provação judicial.

Na curatela, houve alteração nos rol dos submetidos ao instituto, com a seguinte configuração :os que por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil; os que, por outra causa duradoura, não puderem exprimir a sua vontade; os deficientes mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos; os excepcionais, sem completo desenvolvimento mental e os pródigos.

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Nos legitimados a pleitear a interdição, foi omitida a figura do companheiro, em falha do texto. 126

A interdição, que pode ser parcial, será declarada por sentença, cujos efeitos operam desde já. O Ministério Público, se não for autor, será defensor do interditando.

A curatela também pode existir para o nascituro, se sua genitora não puder exercer o poder familiar, e para o deficiente físico ou enfermo, a pedido seu, para exercício de atos relativos a todos ou alguns de seus negócios ou bens.


37. DIREITO DAS SUCESSÕES

O direito das sucessões começa no artigo 1.784 e vai até o artigo 2.027 do Código Civil. O livro V compreende quatro títulos a saber: sucessão em geral, sucessão legítima, sucessão testamentária, e inventário e partilha. A estrutura básica do direito sucessório foi mantida nos termos do que constava do revogado código. As poucas modificações pontuais são importantes, no entanto.

É preciso não olvidar que o direito sucessório é uma das área do direito civil onde é mais sensível o peso da consolidação histórica dos institutos.

A redobrada cautela que é recomendada no que tange à transmissão da propriedade do acervo e negócios de última disposição também conduz a seara sucessória a um natural engessamento.

Esta percepção é imprescindível para a correta avaliação das opções do código civil relativamente a esta matéria.

Feito este apontamento, insta tratarmos do conteúdo do livro.


38. SAISINE, SUCESSÃO, DISPOSIÇÃO E ADMINISTRAÇÃO

O código vigente manteve o princípio da saisine como orientador na transmissão do patrimônio. Cuida-se de um princípio cuja origem remonta o direito medieval, e que tem por corolário a imediata passagem da propriedade do acervo patrimonial do de cujus para os herdeiros legítimos e testamentários. 127 O dispositivo do artigo 1.784 menciona que aberta a sucessão, transmite-se a herança. A sucessão tem-se por aberta no exato instante da morte do de cujus. É o último domicílio do autor da herança que determina o foro competente para a sucessão.

O código não mais fala em capacidade para suceder, mas apenas refere que a lei que regula a sucessão e a legitimação é a lei vigente ao tempo da abertura. A utilização do termo capacidade no revogado código era em verdade atécnica. O termo capacidade tem uma significação precisa no âmbito do direito, e a capacidade civil não é requisito para suceder, pois não se cuida de um negócio jurídico.

A possibilidade de disposição testamentária, na presença de herdeiros necessários, continua limitada a metade do acervo.

A união estável foi incluída no âmbito do direito sucessório. Os bens nos quais sucede o companheiro são somente os adquiridos na constância da união a título oneroso. O quinhão dependerá da qualidade dos parentes com quem concorre e do grau de parentesco. Ser-lhe-á deferida toda a herança se não houver parentes sucessíveis. Concorrendo com filhos comuns, tem direito a cota equivalente a destes, e se com filhos somente do de cujus, terá direito a metade da cota a que estes couber. Com outros parentes, terá direito a um terço do acervo (art. 1.790).

Aberta a sucessão, cria-se condomínio quanto ao acervo, em hipótese de condomínio legal ou forçado, que somente finda pela partilha ou pela cessão integral da herança.

O direito à sucessão aberta 128 é cessível, tendo o co-herdeiro preferência em relação a terceiros, preferência esta que pode ser exercida até 180 dias pós o negócio se a cessão a terceiro não lhe foi comunicada. A preferência pode ser exercida por um ou mais co-herdeiros. Esta cessão não pode ser feita considerando-se bem singular, e tem como instrumento a escritura pública de cessão de direitos hereditários.

O inventário dever ser instaurado até trinta dias após a morte do inventariado, mas esta regra raramente é observada. A legitimidade para requerer a abertura de inventário vem regulada pelos artigos 987 a 989 do CPC, cumprindo salientar que é um dos poucos casos nos quais o juiz pode atuar oficiosamente, excepcionando o princípio da demanda. Dentre os indicados na lei processual civil estão os credores, o síndico da falência e o Ministério Público, em caso de herdeiros incapazes. 129

A administração do acervo até que se ultime a partilha é em regra levada a efeito pelo inventariante, e antes que este preste compromisso, sucessivamente pelas pessoas elencadas no artigo 1.797 que são: o cônjuge ou companheiro, se com o outro convivia ao tempo da abertura da sucessão; o herdeiro que estiver na posse e administração dos bens, e, se houver mais de um nessas condições, ao mais velho; o testamenteiro; a pessoa de confiança do juiz, na falta ou escusa das indicadas nos incisos antecedentes, ou quando tiverem de ser afastadas por motivo grave levado ao conhecimento do juiz.


39. VOCAÇÃO HEREDITÁRIA

Os dispositivos do revogado código que tratavam das regras afins aos artigos 1.798 a 1.803 do Código Civil. vigente tinham uma redação que não observava a melhor técnica, pois era utilizada a terminologia "capacidade", de forma equivocada ou ao menos pouco precisa.

O novo texto fala de legitimados, e aponta as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão, que como já visto, é o da morte do inventariado, e em caso de sucessão testamentária podem ser beneficiados pessoas jurídicas, existentes ou a serem constituídas a partir da própria disposição, e filhos ainda não concebidos de pessoas determinadas e vivas por ocasião da abertura da sucessão.

Neste último caso, ou seja, do filho ainda não concebido de terceiro, os bens da herança ficarão sob administração de curador, em regra o provável ascendente do herdeiro que irá nascer, ou então qualquer das pessoas indicadas no artigo 1.775, aplicando-se as disposições pertinentes à curatela de incapazes. Mas a eficácia das disposição fica condicionada a que o nascimento se dê até dois anos depois de aberta a sucessão, sob pena de os bens reverterem aos herdeiros legítimos.

O rol dos que não podem ser nomeados herdeiros ou legatários foi mantido, mas a concubina pode ser beneficiada se o inventariado estava separado de fato a mais de cinco anos sem culpa sua. Vale lembrar que o termo concubino não define as situações de união estável, conforme anteriormente apontado.


40. ACEITAÇÃO, EXCLUSÃO E HERANÇA JACENTE

Embora a transmissão do patrimônio aos sucessores se dê de forma automática, fica condicionada a uma condição resolutiva, materializada na renúncia. A aceitação é a regra, e por isso mesmo pode ser expressa ou tácita. A aceitação expressa deve constar de declaração escrita e a tácita resulta da prática de atos próprios da condição de herdeiro, afastada a cessão pura e simples aos demais herdeiros. A renúncia continua a requerer instrumento público ou termo judicial.

O código inova ao permitir que, chamado por mais de um título o herdeiro, possa ele livremente deliberar sobre os quinhões que aceita ou renuncia. Esta possibilidade quando da concomitância de legado e herança, já existia no revogado código e foi mantida (artigo 1.808).

No caso de falecimento de herdeiro antes da aceitação, os seus herdeiros poderão recusar ou aceitar a herança, mas tem de aceitar a segunda, ou seja, a do que faleceu para poder deliberar sobre a primeira. O renunciante, por outro lado, como já ocorria no revogado código, não transmite seu direito a seus sucessores, os quais somente receberão por direito próprio na ausência de herdeiros da classe anterior, sejam inexistentes ou igualmente renunciantes.

A aceitação e a renúncia são hoje irretratáveis (art. 1.812) No regime do revogado código, a aceitação era retratável (art. 1.590).

Foi mantida a possibilidade de os credores aceitarem herança em nome do renunciante com autorização judicial e limitada aos débitos do inventariado.

A nomenclatura do capítulo V, que antes referia "dos que não podem suceder", agora menciona "dos excluídos da sucessão". No inciso I, foram acrescidos os que incorrerem em homicídio consumado ou tentado contra o cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente da pessoa de cuja sucessão se tratar. No inciso II, relativo à calúnia em juízo ou crime contra a honra, foram incluídos o cônjuge e o companheiro como vítimas. A exclusão carece de ação cujo prazo decadencial é de quatro anos. Os efeitos continuam pessoais, não se transmitindo a pecha aos herdeiros do excluído. Havendo disposição testamentária quando já era conhecida a causa de exclusão, o excluído poderá suceder no limite da disposição respectiva.

No direito romano, a acepção existente sobre a herança jacente (hereditas jacens) era um tanto diversa, pois esta ocorria entre o momento da morte e o momento da aceitação, quando a herança era considerada um acervo patrimonial dotado de personalidade jurídica, visto que não havia a saisine. Podem os credores postular o recebimento de dívidas através do montante da herança jacente ou vacante, sendo que esta última ocorre após cinco anos sem herdeiros.


41. SUCESSÃO LEGÍTIMA

Dentro desta epígrafe, trataremos da ordem de vocação hereditária, dos herdeiros necessários e do direito de representação.

Na ordem de vocação hereditária há uma significativa alteração, que se materializa na inserção do cônjuge sobrevivente como herdeiro necessário, em concorrência com os ascendentes se o casamento era regido pelos regimes da separação convencional, comunhão parcial e participação final nos aqüestos. Não será, porém herdeiro se o regime for de separação obrigatória ou comunhão universal e estiver concorrendo com descendentes. Caso o regime seja de comunhão parcial e o autor da herança não deixar bens particulares, igualmente não será herdeiro.

Em concorrência com os ascendentes do autor da herança, no entanto, será sempre o cônjuge sobrevivente herdeiro necessário, nos termos do artigo 1.829, inciso II, do Código Civil.

Mas para tal, ou seja, para ostentar a condição de herdeiro necessário, mister que o cônjuge, ao tempo da morte do doutro, não estivesse judicialmente separado ou separado de fato a mais de dois anos. Este prazo de dois anos, porém, pode ser desconsiderado se o postulante à herança prova que a culpa pela impossibilidade de vida comum não é sua.

No caso de concorrência com descendentes, ao cônjuge será deferida cota igual a estes, e se for genitor dos descendentes do autor da herança, sua parte não poderá ser inferior a um quarto. No caso de concurso com os ascendentes do autor, o cônjuge terá direito a um terço da herança, fração que passa para metade se o ascendente for um só ou se não for de primeiro grau. Somente na ausência de cônjuge sobrevivente é que serão chamados os colaterais, e somente até o quarto grau.

Observa-se assim, que os herdeiros necessários hoje são os descendentes, os ascendentes e o cônjuge. O cônjuge concorre com as duas categorias, mas os ascendentes somente são chamados se não houver descendentes. Os herdeiros tem direito, por sucessão legal, à legítima, que corresponde à metade dos bens da herança.

No calculo da legítima foi mantido o princípio de que os bens colacionados acrescem somente a legítima No regime anterior, a colação dos bens doados anteriormente era adicionada a metade dos bens existentes depois de abatidas dívidas e despesas de funeral, conforme preconizava o artigo 1.722, parágrafo único, do Código Civil revogado.

Exemplificando, se o autor da herança tinha 50 de patrimônio e 10 de dívidas e despesas, feito o abate, sobraria 40. Este total seria dividido em dois. Se tivesse feito antes da morte doações sujeitas a colação em valor de 30, este seria somado ao resultado da metade de 40 dividido por dois, totalizando a legítima 50 e a parte disponível 20. Isto decorre do fato de que o citado parágrafo único mandava acrescer os bens sujeitos à colação à metade dos bens que então possuía o testador após pagamento das dívidas e despesas.

.Em síntese, a legítima é antes separada para depois acrescer-se os bens sujeitos à colação. Mas a redação do dispositivo do artigo 1.847 somente é esclarecida com uma consulta ao artigo 2.002.

Guinada diametralmente oposta observa-se no que tange às cláusulas de impenhorabilidade, inalienabilidade, incomunicabilidade e conversão dos bens da legítima. No regime do artigo 1.723 do revogado código, restrição alguma havia à possibilidade de o autor da herança livremente instituir a incomunicabilidade, inalienabilidade (temporária ou vitalícia e que não impedia a transmissão mortis causa, fosse legítima ou testamentaria), administração pela mulher e conversão em outras espécies de bens.

No diploma vigente, cláusula relativa a administração pela mulher deixou de ter sentido, já que os cônjuges ostentam direitos iguais de administração em relação ao patrimônio comum e têm plena disponibilidade em relação ao patrimônio exclusivo.

A estipulação de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade somente é admissível se houver justa causa declarada no testamento (art. 1.848). 130 O parágrafo primeiro do mesmo artigo expressamente veda a determinação do testador estabelecendo a conversão dos bens da legítima em outros de espécie diversa, o que somente poderá se dar com autorização judicial para alienação e posterior sub-rogação. 131 No direito de representação não houve alteração.

Sobre o autor
Marcelo Colombelli Mezzomo

Ex-Juiz de Direito no Rio Grande do Sul. Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEZZOMO, Marcelo Colombelli. Conhecendo o novo Código Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 828, 7 out. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7234. Acesso em: 25 nov. 2024.

Mais informações

Fusão de série de três trabalhos do autor, com o título: "Conhecendo o novo Código Civil"

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