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Desconsideração da personalidade jurídica pelo Pregoeiro

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Agenda 27/02/2019 às 20:45

5. PROCEDIMENTOS A SEREM OBSERVADOS PARA APLICAÇÃO DO “IMPEDIMENTO INDIRETO” NO ÂMBITO DA PRÓPRIA LICITAÇÃO

A intenção de fraudar à licitação, segundo o TCU e o STJ, é presumida quando uma empresa impedida de licitar e contratar com a União se reveste de outra, com a finalidade de retomar contratações com a Administração.

Na esteira da jurisprudência mencionada, quatro características fundamentais permitem configurar a ocorrência de abuso da personalidade jurídica neste caso:

Ademais, outras circunstâncias podem robustecer o conjunto de indícios do abuso de personalidade jurídica, como:

Quanto à possibilidade de realização da desconsideração da personalidade jurídica e, consequentemente, a exclusão de licitante do certame, note-se que o TCU possui entendimento consolidado no sentido de que indícios vários e concordantes são aptos a evidenciar a prática de fraude à licitação, sendo, portanto, possível caracterizar a burla com base em conjunto de indícios 4.

Destarte, no bojo da realização do certame, antes mesmo da avaliação da proposta ou documentos de habilitação de empresa apontada com ocorrência de impedimento indireto no SICAF, deve o Pregoeiro realizar uma análise complexa da composição societária das empresas envolvidas, do objeto social constante dos contratos sociais e demais informações que possibilitarão uma conclusão sobre uma eventual tentativa de burla e fraude.

Em tal intento, sugere-se que o Pregoeiro, após apontar objetivamente o conjunto de indícios levantados, conceda à empresa em questão a oportunidade de se manifestar previamente sobre o assunto de forma a possibilitar a elucidação dos fatos.

Não sendo os esclarecimentos prestados pelo licitante suficientes para ilidir a presunção de fraude, o Pregoeiro, no seio da própria licitação, excluíra a empresa do certame, devendo, posteriormente, comunicar o fato à autoridade superior a fim de avaliação da pertinência de instauração de processo administrativo sancionatório por violação ao art. 7º da Lei nº 10.520/2002.

Com efeito, poder-se-ia advogar que o ideal seria a suspensão do processo licitatório para a instrução específica de procedimento incidental de apuração da burla e existência de fraude à licitação. Contudo, tal providencia poderia colocar em risco a necessidade pública de conclusão do certame e realização da contratação, mostrando-se, portanto, razoável, o afastamento cautelar do licitante para apuração da conduta em processo administrativo sancionatório, sem prejuízo à continuidade da licitação.

De tal modo, seria viável a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica durante o certame com fundamento no poder geral de cautela da Administração que, na Lei nº 9.784/1999, encontra expressa previsão no art. 45 5.

A seguir, apresentamos uma sugestão de roteiro a ser observado pelo Pregoeiro, no âmbito do sistema COMPRASNET, caso seja constatada, em pesquisa no SICAF, a ocorrência de “impedimento indireto”:

1º passo: a apuração de indícios de fraude à lei:

Em consonância com a jurisprudência do STJ (RMS nº 15.166/BA) e TCU (Acórdão nº 1831/2014-Plenário), uma vez constada a ocorrência de “impedimento indireto”, na fase de aceitação das propostas, o Pregoeiro examinará a existência de indícios que conduzam à presunção segundo a qual a empresa licitante foi constituída como forma de burlar eventual sancionamento de impedimento de licitar aplicado à outra pessoa jurídica com identidade de sócios, levando em conta os seguintes elementos:

2º passo: contraditório e ampla defesa no curso do pregão eletrônico:

Diante da ocorrência no caso concreto de grande parte dos elementos acima apontados que conduzam à presunção de tentativa de burla à sanção de impedimento/suspensão do direito de participar de licitações, o Pregoeiro registrará no chat, em termos objetivos, tais ocorrências.

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Considerando que a “desconsideração da personalidade jurídica”, na ótica do STJ e TCU, demandam a observância do contraditório e ampla defesa, o Pregoeiro, após motivar a formação de sua convicção quanto à configuração da presunção de burla, enviará mensagem direta ao licitante em questão, conclamando-a a apresentar esclarecimentos até o prazo de 60 (sessenta) minutos, realizando, inclusive, a convocação de anexo a fim de que a empresa encaminhe a documentação que reputar necessária.

3º passo: análise das justificativas e documentos apresentados pela empresa:

Após a apresentação pela licitante das justificativas e documentos com o intento de afastar a configuração de presunção de burla, o Pregoeiro deverá, no campo de “Aceitação”, selecionar a opção “Em Análise” para o respectivo GRUPO/ITEM.

A análise será realizada no curso da própria sessão de licitação, devendo o Pregoeiro ater-se às justificativas para o afastamento dos elementos tendentes a configurar a presunção de burla (identidade dos sócios; similaridade de endereços e telefones; similaridade de objeto social; data de constituição da nova empresa posterior à data de aplicação da sanção de suspensão/impedimento ou declaração de inidoneidade).

4º passo: desclassificação da empresa:

Caso se entenda que os argumentos apresentados pelo licitante foram incapazes de ilidir a presunção de burla, o Pregoeiro deverá realizar a desclassificação da empresa (como providencia acauteladora), registrando o seguinte motivo (máximo de 300 caracteres):

Afastamento cautelar, com base no art. 14. da Lei nº 12.846/2013 e no entendimento do STJ (RMS 15.166/BA) e TCU (Ac. 1831/2014-P), em razão do conjunto de indícios que conduziram à presunção de burla à sanção de impedimento de licitar, o que será objeto de apuração aprofundada em processo específico.

5º passo: instauração de processo administrativo para aplicação de penalidade:

Tendo em vista que a empresa declarou-se apta a participar do certame sem, de fato, ostentar tal condição (dada a configuração de burla à sanção aplicada e abuso de forma), deverá o Pregoeiro elaborar memorando relatando o fato à autoridade superior a fim de que seja instaurado processo administrativo para aplicação de penalidade com fundamento no art. 7º da Lei nº 10.520/2002.


Notas

1 Disponível em: <https://www.comprasgovernamentais.gov.br/index.php/legislacao/instrucoes-normativas/911-in-sicaf>

21.6.2. Determinar à Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (SLTI), com fulcro no art. 250, II, do Regimento Interno/TCU, que proceda aos ajustes necessários na recém-implantada ferramenta do Sistema Comprasnet (Ocorrências Impeditivas Indiretas), de modo a evitar que eventual alteração na composição societária posterior à data da aplicação da sanção impeça a identificação da tentativa de burla à penalidade aplicada , informando ao TCU, no prazo de 15 dias, as medidas adotadas”.

3 Cumpre ressaltar que no âmbito da Administração Pública Federal vinculada ao Poder Executivo deve ser adotada a interpretação dos efeitos restritos da suspensão tendo em vista o que consta do §1º, art. 34, da Instrução Normativa SEGES/MPDG nº 03/2018, que estabelece normas para o funcionamento do SICAF no âmbito dos órgãos e entidades integrantes do Sistema de Serviços Gerais (SISG):

Art. 34. São sanções passíveis de registro no SICAF, além de outras que a lei possa prever:

[...]

III – suspensão temporária, conforme o inciso III do art. 87. da Lei nº 8.666, de 1993;

[...]

§ 1º A aplicação da sanção prevista no inciso III deste artigo impossibilitará o fornecedor ou interessado de participar de licitações e formalizar contratos, no âmbito do órgão ou entidade responsável pela aplicação da sanção.

4 Nesse sentido: Acórdãos nº 560/2016, nº 834/2014, nº 888/2011, nº 1.433/2010 e nº 720/2010, todos do Plenário.

5 Art. 45. Em caso de risco iminente, a Administração Pública poderá motivadamente adotar providências acauteladoras sem a prévia manifestação do interessado.

Sobre o autor
Victor Aguiar Jardim de Amorim

Doutorando em Constituição, Direito e Estado pela UnB. Mestre em Direito Constitucional pelo IDP. Coordenador do Curso de Pós-graduação em Licitações e Contratos Administrativos do IGD. Professor de pós-graduação do ILB, IDP, IGD, CERS e Polis Civitas. Por mais de 13 anos, atuou como Pregoeiro no Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (2007-2010) e no Senado Federal (2013-2020). Foi Assessor Técnico da Comissão Especial de Modernização da Lei de Licitações, constituída pelo Ato do Presidente do Senado Federal nº 19/2013, responsável pela elaboração do PLS nº 559/2013 (2013-2016). Membro da Comissão Permanente de Minutas-Padrão de Editais de Licitação do Senado Federal (desde 2015). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo (IBDA). Advogado e Consultor Jurídico. Autor das obras "Licitações e Contratos Administrativos: Teoria e Jurisprudência" (Editora do Senado Federal) e "Pregão Eletrônico: comentários ao Decreto Federal nº 10.024/2019" (Editora Fórum). Site: www.victoramorim.com

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